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Ação afirmativa

o problema das cotas raciais para acesso às instituições de ensino superior da rede pública

Ação afirmativa: o problema das cotas raciais para acesso às instituições de ensino superior da rede pública

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SUMÁRIO: Introdução – 1 O Principio da igualdade – 2 A igualdade jurídica nos Estados Unidos da América: 2.1 A doutrina dos separados mas iguais; 2.2 Os reflexos da segunda guerra mundial; 2.3 A revisão da doutrina dos separados mas iguais; 2.4 O Surgimento da affirmative actions; 2.5 As ações afirmativas nas universidades: o caso Bakke – 3 Discriminação: 3.1 Classificação das discriminações; 3.2.Discriminação intencional ou tratamento discriminatório; 3.3 Exceções: hipóteses de discriminação legítima; 3.4 Teoria do impacto desproporcional; 3.5 Discriminação na aplicação do direito; 3.6 Discriminação de fato; 3.7 Discriminação manifesta ou presumida – 4 Ações afirmativas: 4.1 Ação afirmativa e as cotas; 4.2 Fundamentos constitucionais da ação afirmativa – 5 Ação afirmativa no direito brasileiro: 5.1 Ação afirmativa e raça; 5.2 O vestibular das universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro – Conclusão – Referências.


Introdução

De todos os objetivos que a humanidade busca, a igualdade talvez seja um dos seus mais antigos, desde a Antigüidade Clássica o homem vê o outro como seu semelhante, e deseja ser tratado como igual.

Mas, o princípio da igualdade não pode ser utilizado apenas para tratar todos da mesma forma, faz-se mister o uso de políticas sociais, para conceder um tratamento específico aos grupos historicamente discriminados, garantindo-lhes assim as mesmas chances de galgar os melhores postos na sociedade.

Essas políticas de proteção social, que transformam uma igualdade meramente formal numa igualdade real são as ações afirmativas.

Neste trabalho, trataremos das ações afirmativas de cunho racial, mais especificamente do problema das cotas no acesso às instituições de ensino superior da rede pública, para tanto dividimos o trabalho em cinco capítulos.

No primeiro deles, enfocaremos o princípio da igualdade, fazendo um breve apanhado histórico, distinguindo a igualdade formal da igualdade material ou substancial.

Em seguida, analisaremos um pouco da história norte-americana, com o fito de demonstrar os fatores que levaram ao surgimento das ações afirmativas, com ênfase no campo educacional.

Logo após, trataremos da discriminação, seu conceito, e sua tipologia, para possibilitar a compreensão e o uso das ações afirmativas.

Depois, trataremos das ações afirmativas, analisando a sua problemática, seus fundamentos, e em especial, diferenciando-a das cotas.

Por fim, dedicamos um capítulo para tratar das ações no Brasil, destacando as ações afirmativas de raça, e o problema das cotas para o acesso as instituições de ensino superior.

Espera-se que ao final o leitor compreenda o mecanismo da ação afirmativa e reflita sobre o problema da discriminação.


1 O princípio da igualdade

O princípio da igualdade pode ser compreendido em duas acepções: em igualdade formal e igualdade material.

A igualdade formal é dirigida ao Estado, como forma de vedar o tratamento desigual das pessoas, baseados em caracteres suspeitos, como por exemplo, o sexo, raça e convicções morais, religiosas e filosóficas.

Assim, o princípio da igualdade formal está positivado no caput do art. 5º da Carta Magna de 1988, ao dizer que "todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza". [1]

O conceito de igualdade surge na Antigüidade Clássica, mas propriamente na Grécia, juntamente com a democracia (demos = muitos; kratia = governo). Na sociedade grega, todos os cidadãos eram iguais, todos tinham o direito a votarem e serem votados e seus votos tinham o mesmo peso, enfim todos os cidadãos participavam ativamente da vida política na polis.

Todavia, só eram considerados cidadãos apenas os homens nascidos livres, o que excluía as mulheres e os escravos, deixando a grande maioria da sociedade, à margem da vida política. Contudo, apesar de restrita a alguns, foi lá que surgiu a idéia de igualdade, entre os homens.

Este tipo de privilégios a uma determinada classe, se manteve na Idade Média, na qual o sistema feudal impunha a dominação dos camponeses pelos donos das terras: era a dominação do suserano sobre os vassalos. As monarquias absolutistas eram sustentadas pelos senhores feudais, que possuíam as terras e exploravam os camponeses, em contra-partida, os reis privilegiavam os nobres, em detrimento do restante da população.

Com o surgimento do comércio, surge uma nova classe social, a burguesia, que começa a acumular riquezas não mais através das terras, mas com o comércio de mercadorias.

Tal processo de acumulação de capitais, se intensifica com a Revolução Industrial, e a burguesia passa acumular capital não só com a compra e venda de produtos, mas também com a fabricação, já que detinha o meio mais eficiente de produção, a máquina.

A Revolução Industrial permitiu que a burguesia o domínio dos meios de produção mais vantajosos: a máquina e o comércio, fazendo com que a burguesia passasse a adquirir capital, e conseqüentemente obtivesse mais condições de produzir e adquirir cultura.

O enriquecimento cultural deu à burguesia substrato para reivindicar tratamento igualitário a todos, protestando pelo fim de todos os privilégios que o Estado destinava à aristocracia e ao clero.

Na verdade, a burguesia passou a deter a maior parte da riqueza, os privilégios Estatais, porém, eram dirigidos ao Primeiro e Segundo Estado (igreja e nobreza), os quais não pagavam tributos, restando apenas ao Terceiro Estado (burguesia e proletariado), o custeio estatal.

É quando, no fim do século XVIII, ocorre a Independência Norte-Americana e a Revolução Francesa, e foi através delas que os burgueses puseram fim aos privilégios nobiliárquicos e eclesiásticos até então existentes.

Tais Revoluções modificaram a forma de organização da sociedade, que antes era baseada na monarquia, sustentada pelas terras dos nobres e pelo apoio teológico da Igreja.

Para a burguesia manter-se no poder, fazia-se necessário uma norma superior que obrigasse o Estado a tratar todos os homens igualmente, independente de sua origem.

Daí o fundamento do princípio da igualdade estar ligado com o princípio da dignidade pessoa humana, pelo qual todos os indivíduos são sujeitos de direitos, vez que dotados de humanidade, devendo ser tratados de forma igualitária independentemente de sua origem, raça ou gênero.

É quando fica positivado o princípio da igualdade na sua acepção formal.

Note-se que, neste primeiro momento, não há uma preocupação com a igualdade material, isto é, em dar a todos as mesmas condições, isso porque financeiramente falando, a burguesia já havia atingido o mesmo patamar que a nobreza, pelo que lhe bastava abolir os privilégios que ela possuía.

O princípio da igualdade formal passa a ser uma norma, que é dirigida tanto ao aplicador da lei quanto ao legislador, daí alguns doutrinadores subdividi-lo em princípio da igualdade perante a lei (dirigido ao aplicador) e princípio da igualdade na lei (destinado ao legislador).

O princípio da igualdade deve ser obedecido por ambos, no entanto, o legislador só tem que obedecer aos ditames constitucionais e aos princípios gerais do direito; enquanto o aplicador deve obedecer não só a constituição e aos supramencionados princípios, mas também às normas exaradas pelo poder legislativo, exceto se eivadas de inconstitucionalidade, caso em que deverão ser afastadas devendo ser aplicada a própria norma constitucional.

Portanto, o princípio da igualdade formal, criado no Estado Liberal, baseado na premissa de que o Estado não deve intervir na sociedade, não deve estabelecer privilégios; deve sim, antes de tudo, permitir que, as pessoas, por seus próprios meios construam as oportunidades de crescimento, seja ele profissional, pessoal e financeiro, pois todos nascem iguais, somos todos humanos, e por isso teríamos as mesmas condições.

Contudo, a história mostra que a mera abstenção estatal, não foi suficiente para tornar os indivíduos verdadeiramente iguais. Percebe-se, se que determinados grupos sociais não conseguiram atingir padrões sociais relevantes. E isto fica mais explicito, se utilizarmos como exemplo a situação dos indivíduos de raça negra, nos Estados Unidos.

É notável que nos EUA os negros são marginalizados socialmente, havendo em muitas cidades bairros onde negros não podem morar. Claro que está divisão não é explicita, mas se o negro for morar em um bairro onde reside a elite branca dominante, era será no mínimo excluído, isso se este negro tiver condições financeiras para fixar sua residência em tal bairro, pois, via de regra, são poucos os negros que conseguem uma ascensão econômica nos EUA.

Diante de questões como estas, é visível que a simples colocação do princípio da igualdade formal, fundado na abstenção estatal de tratar as pessoas de forma diferente, não produz a igualdade de forma efetiva. Ou seja, não basta que a Constituição diga que todos são iguais perante a lei, vedando o seu tratamento de forma diferenciada, é necessário que a Constituição obrigue o Estado a discriminar as pessoas para promover uma verdadeira igualdade.

A percepção dessa discriminação se dá com o surgimento do Estado do Assistencial ou Estado do Bem-Estar Social, expresso inicialmente na Constituição Mexicana de 1917 e na Constituição Alemã de Weimar de 1919. Contrapondo-se à inatividade do Estado Liberal, o Estado Assistencialista passa a intervir na sociedade para igualar as pessoas, estipulando benefícios compensatórios aos que antes eram excluídos.

Surge, portanto, uma verdadeira discriminação positiva, destinada a suprir as desvantagens historicamente impostas às pessoas em razão da sua cor de pele, religião ou sexo, por exemplo.

O conceito jurídico de igualdade deixou de ser um conceito meramente passivo, para abarcar também uma face ativa, ou seja, saímos de um conceito negativo de atitudes discriminatórias, passamos a um conceito jurídico de igualdade positiva, que culmina com o surgimento das ações afirmativas.

Portanto, temos agora, lado a lado, a igualdade formal e a igualdade material, que se consubstancia no primeiro momento em uma vedação ao Estado de tratar desigualmente os indivíduos, para não desigualá-los e num segundo momento numa obrigação de trata-los desigualmente para igualá-los.


2 A igualdade jurídica nos Estados Unidos da América

Assim como em todos os países do mundo, nos Estados Unidos nem sempre houve uma igualdade jurídica entre os seres humanos. Antes da Guerra Civil, muitos Estados, mormente os do sul, tinham ordenamentos jurídicos que não só permitiam, mas disciplinavam o regime escravocrata.

O conflito entre o sul escravista e o norte abolicionista, foi tal que a própria Constituição de 1787, evitou o uso do vocábulo escravidão, mas como posteriormente observou Abraham Lincoln: "a palavra escravidão ocultou-se na Constituição, exatamente como um homem angustiado oculta um tumor ou câncer, que ele não ousa extirpar de imediato, com receio de sangrar até a morte". [2]

Os escravos não eram, sequer, considerados seres humanos. De acordo com as normas de diversos Estados, os escravos eram considerados como mercadorias, mais precisamente como bens imóveis, ligados à terra, sendo mesmo passíveis de hipoteca. [3]

Com o passar dos anos e com o aumento da população de escravos libertos, as leis escravistas terminaram por tornar-se leis de discriminação racial, assim, mesmo os negros que conseguissem sua liberdade, não poderiam votar, casar com pessoas não negras, nem sequer criar cachorros. [4]

2.1 A doutrina dos separados mais iguais

Somente com a Guerra Civil é que a estrutura social e jurídica foi alterada.

Ocorre que antes da guerra, a economia norte-americana era baseada na agricultura que era dominada pelo sul escravocrata, mas com a vitória do norte, a economia passou a ser dominada pela industrialização que exigia a mão de obra livre e barata dos operários assalariados.

É quando são ratificadas a Décima Terceira Emenda, em 1865, que proíbe a escravidão; a Décima Quarta Emenda, que trouxe o princípio do devido processo legal, proibiu a discriminação racial e considerou cidadãos americanos todos aqueles nascidos nos EUA, e a Décima Quinta Emenda, em 1870, que impede o cerceamento do voto por motivo de raça.

Contudo, apesar da discriminação estar constitucionalmente proibida, várias foram as leis estaduais, sobretudo no sul, que procuraram ao máximo preservar o status quo existente antes da abolição da escravatura. Havendo leis que exigiam lugares separados para negros e brancos, em cinemas, restaurantes e até mesmo em penitenciárias. Essa Doutrina ficou conhecida como separados mas iguais (separate but equal). [5]

Por mais absurdo que hoje pareça, foi no Poder Judiciário que essa doutrina ganhou notoriedade. Sobretudo, a partir do julgamento do caso Plessy v. Ferguson, em 1896. [6] Plessy era um cidadão norte-americano, que apesar de ser aparentemente branco, era considerado negro pela legislação estadual, por ter ascendência negra.

Plessy foi preso durante uma viagem de trem no Estado da Louisiana, por ter se negado a se retirar da área reservada para pessoas brancas. Inconformado, ajuizou uma ação contra a empresa de trens e contra o Estado da Louisiana, afirmando que a Lei estadual violava as Décima Terceira e Décima Quarta Emendas.

A Suprema Corte, porém, rejeitou os argumentos apresentados, afirmando que a Décima Terceira Emenda só proibia a escravidão e a Décima Quarta Emenda proibia a discriminação, e que a separação das pessoas num trem em função da sua raça, não significava que uma fosse inferior em relação à outra. Nas palavras do Ministro Henry Brown: "Leis que permitem, e até exigem... a separação [das raças], em lugares onde houver possibilidade de elas entrarem em contato, não implicam necessariamente a inferioridade de uma raça com relação à outra". [7]

O único a descordar dessa teoria foi Ministro Harlan, entendendo que a Décima Terceira Emenda tinha um alcance mais amplo, proferindo um voto que entrou para a história da Suprema Corte norte-americana, cuja passagem mais enfática merece ser lembrada: "A Constituição é daltônica, e não conhece nem tolera classificação entre os cidadãos". [8] Infelizmente, essa não foi a posição vencedora, e a Suprema Corte passou então a aplicar essa doutrina amplamente até o ano de 1954.

2.2 Os reflexos da segunda guerra mundial

Durante a segunda guerra mundial, havia um intenso desconforto na sociedade norte-americana, pois no plano internacional, ela combatia regime anti-semitista do nazi-facismo alemão e italiano, e no plano interno, havia uma tolerância ao forte preconceito racial.

Aliado a esse desconforto, as faixas mais discriminadas da população (negros e mulheres) passaram a ocupar os postos de trabalho deixados pelos americanos brancos que iam lutar na guerra.

Diante desse quadro, vários movimentos e lideranças negras articularam-se por meio de várias manifestações sucessivas, para que a desigualdade a que eram submetidos fossem extirpadas.

Sentindo-se pressionado, o Presidente Franklin Delano Roosevelt, baixou a Executive Order, "algo semelhante ao Decreto do direito pátrio", [9] n.º 8.806, de 25 de junho de 1941, que impedia a discriminação racial na contratação de funcionários pelo governo federal e pelas empresas bélicas que mantivessem contratos governamentais.

Embora esta medida não tenha sido suficiente para modificar o entendimento da Suprema Corte, foi a primeira vez que o governo federal norte-americano praticou uma ação no sentido de assegurar iguais condições de trabalho para todos.

Durante a Guerra começou a surgir no seio da sociedade norte-americano o temor que japoneses e seus descendentes residentes no país formassem uma rede de espionagem, o que fez surgirem diversas leis, limitando liberdade de locomoção dessas pessoas, impondo toques de recolher e mesmo expulsando-os de determinadas áreas da costa do pacífico.

No ano de 1944, foi julgado pela Suprema Corte o caso Korematsu v. United States, versando sobre a condenação de um descendente de japonês que havia desrespeitado uma dessas leis. [10]

A Suprema Corte confirmou a condenação, por considerar a discriminação uma necessidade pública urgente, afirmando o Ministro Black em seu voto: "Todas as restrições legais que limitam os direitos civis de um grupo racial isolado são imediatamente suspeitas. O que não quer dizer que todas essas restrições sejam inconstitucionais. Quer dizer que os tribunais devem sujeita-las a um exame apurado. A necessidade pública urgente pode algumas vezes justificar a existência de tais restrições; o antagonismo racional nunca pode." [11]

Apesar da Suprema Corte ter reconhecido a Constitucionalidade da medida, ela deixou bem claro que não endossaria as discriminações, e que estava proferindo a decisão em razão do momento drástico marcado pela guerra com o Império Nipônico.

De acordo com Paulo Lucena de Menezes [12] Este caso tem uma relevante significância para o direito constitucional norte-americano, pois fixou três pontos que passaram a ser analisados no controle de constitucionalidade das leis baseadas em classificações raciais ou étnicas: primeiro, que essas classificações são suspeitas; segundo, devem ser analisadas aprofundadamente e terceiro, essas classificações serão inválidas se consistirem num antagonismo racial, exceto se amparado por uma necessidade pública urgente.

2.3 A revisão da doutrina dos separados mais iguais

Como já foi dito anteriormente, somente no ano de 1954, quase meio século após a decisão proferida no caso Plessy v. Ferguson, é que a Suprema Corte reviu a doutrina dos separados mas iguais. Foi no caso Brown v. Board of Education of Topeka, que tinha por objetivo acabar com a segregação racial nas escolas.

Os trabalhos de discussão deste caso foram iniciados em 13 de dezembro de 1952, quando era Presidente da Suprema Corte, o Ministro Fred M. Vinson, o qual demonstrou que não estava inclinado a rever a doutrina dos separados mas iguais, argumentando que a lei que instituiu a separação era anterior a Décima Quarta Emenda e que se os Congressistas quisessem, a teriam abolido especificadamente, quando da criação da referida emenda. [13]

Esta colocação foi apoiada por mais dois outros Ministros, Reed e Clark. Contudo, foi questionada pelo Ministro Black, que achava que a o objetivo da Décima Quarta Emenda era de evitar qualquer tipo de discriminação, e pelos Ministros Douglas, Burton e Minton, para quem a Constituição não autorizavam classificações baseadas nas raças dos indivíduos. Os outros dois Ministros, Jackson e Frankfurter, não se posicionaram de forma clara.

Como não se chegou a um consenso, o julgamento foi adiado, e em setembro do ano seguinte, o Ministro Vinson veio a falecer, sendo nomeado o Ministro republicano Earl Warren [14], que promoveu uma reviravolta no caso.

Em 12 de dezembro de 1953, em uma reunião informal, o Ministro Warren expressou seu entendimento de que a doutrina do separados mas iguais denotava no reconhecimento da inferioridade da raça negra, asseverando que: "Não vejo como, no dia e na época de hoje, podemos separar um grupo do restante e dizer que eles não têm direito ao mesmo tratamento de todos os outros. Fazer isso isto seria contrário às Décima Terceira, Décima Quarta e Décima Quinta Emendas. Elas visavam tornar os escravos iguais a todos os outros. Pessoalmente, não consigo ver de que forma podemos hoje justificar a segregação unicamente com base na raça." [15]

Procurou ainda alertar os Ministros para que se ativessem ao sentido moral da norma impugnada, e que evitassem controvérsias quanto aos efeitos no tempo da possível decisão que revogasse a doutrina dos separados mas iguais, buscando assim, conciliar os Ministros. Além disso, em seguida, o Ministro-Presidente, promoveu uma serie de almoços e encontros com os demais integrantes da Suprema Corte.

Em 17 de maio de 1954, em um julgamento secreto, a Suprema Corte proferiu uma histórica decisão, concluindo: "unanimemente, que no campo da educação pública a doutrina de separados mas iguais não tem lugar. Instalações educacionais separadas são intrinsecamente desiguais". [16]

Como a decisão foi restrita as escolas públicas, posteriormente, em dezenas de outras ações, a Suprema Corte afastou a doutrina de separados mas iguais em diversos outros campos.

2.4 O Surgimento da affirmative actions

Apesar da doutrina de separados mas iguais ter sido de afastada, poucos foram os Estados que aboliram automaticamente as normas que impunham a segregação, isto, via de regra, só era feito através de medidas judiciais. Apenas com a posse do Presidente John F. Kennedy, em janeiro de 1961 é que se iniciam medidas eficazes por parte do poder público.

Dois meses após tomar posse, Kennedy, expediu a Executive Order n.º 10.925 que utilizou pela primeira vez o termo ação afirmativa, em inglês, affirmative action. [17]

Essa norma se dirigia às relações de trabalho, obrigando os empregadores a tratar igualmente todos os seus empregados, e os proibia de impor restrições de cunho racial para a sua contratação.

A Executive Order obrigava os contratantes do governo federal a não discriminar "nenhum funcionário ou candidato a emprego devido à raça, credo cor ou nacionalidade. O contratante adotará a ação afirmativa para assegurar que os candidatos sejam empregados, como também tratados durante o emprego, sem consideração a sua raça, seu credo, sua cor, ou nacionalidade. Essa ação incluirá, sem limitação, o seguinte: emprego; promoção; rebaixamento ou transferência; recrutamento ou anúncio de recrutamento; dispensa ou término; índice de pagamento ou outras formas de remuneração; e seleção para treinamento, inclusive aprendizado." [18]

A partir de então, surgiram diversos textos legais incentivando a affirmative action, em especial nas relações empregatícias e na área da educação, que será visto especificamente no item seguinte.

2.5 As ações afirmativas nas universidades: o caso Bakke

Não tardou para que surgissem demandas judiciais questionando as ações afirmativas. O primeiro caso dessa natureza que chegou à Suprema Corte, foi De Funis v. Odegar, [19] que contudo não chegou a ser apreciado, pois ainda na primeira instância o autor havia sido autorizado a freqüentar o curso enquanto a questão estivesse judicialmente pendente e, quando o caso chegou a Suprema Corte ele já estava prestes a se formar, razão pela qual o processo foi extinto sem julgamento de mérito.

O mérito da questão só foi apreciado pela Suprema Corte anos mais tarde, com a chegada de um outro processo, Regents of the University California v. Bakke [20].

Allan Bakke era um engenheiro, branco, de 37 anos, já tendo servido como oficial da marinha por 4 anos, inclusive no Vietnã, que decidido a mudar de profissão, se inscreveu em 1972, para o curso de medicina em diversas faculdades, não sendo admitido em nenhuma delas, inclusive na Universidade da Califórnia, em Davis, onde havia um programa de ação afirmativa que destinava 16 vagas em 100, exclusivamente para indivíduos de grupos minoritários, "negros, índios, ou norte americanos descendentes de mexicanos", [21] enquanto nas demais 84 vagas concorriam todos os candidatos, estivessem ou não inseridos nos grupos minoritários.

De acordo com Joaquim B. Barbosa Gomes "o programa, contudo,tinha uma falha séria em sua concepção e isto era visível ao primeiro contato: para as dezesseis vagas reservadas só podiam concorrer às minorias, mas o inverso não era verdadeiro, ou seja, as minorias também podiam concorrer a uma das 84 vagas restantes!" [22]

Na primeira instância, entendeu-se que embora o programa de ações afirmativas, desenvolvido pela universidade, violasse a Décima Quarta Emenda Constitucional, Allan Bakke não poderia ser admitido por não haver demonstrado que caso a cota não existisse ele seria aceito.

Inconformado, Bakke apelou para a Suprema Corte californiana, que manteve a decisão no tocante a sua inconstitucionalidade, mas reformou a decisão determinando a admissão de Allan Bakke.

A Universidade da Califórnia, recorre, levando o processo para a Suprema Corte norte-americana, que nesta época era composta por quatro Ministros liberais: William Brennan, Thurgood Marshall (o primeiro negro na história da Suprema Corte), Harry Blackmun, John Paul Stevens; três Ministros conservadores: Potter Stewart, Byron White e William Rehnquist; e por mais dois Ministros que flutuavam entre um pólo e outro o então presidente, Warren Burger, e o relator do caso Bakke o Ministro Lewis Powell. [23]

A ala conservadora, seguida pelo Ministro Burger, queria a admissão de Allan Bakke no curso de medicina da Universidade da Califórnia; e a ala liberal, desejava ver as ações afirmativas baseadas na raça confirmadas pela corte, e conseqüentemente a inadmissão de Bakke.

Porém, nos Estados Unidos, antes que a Corte julgue o mérito propriamente do caso, deve ser definido o critério que se utilizará para a sua análise e no campo dos direitos das minorias, onde se enquadram as ações afirmativas, existem três níveis:

a) rational basis test – critério racional ou critério de bases racionais [...]; b) o Standard intermediário, também conhecido como intermediate scrunity [...]; c) o critério mais rigoroso, o strict scrutiny test. [24]

Esses critérios diferenciam o rigor com que a Corte vai analisar o caso, sendo o primeiro deles o mais brando e o último o mais rigoroso, que era o desejado pela ala conservadora seguida, mais uma vez, pelo Presidente Burger, sob o argumento, em síntese, de que toda classificação racial era suspeita, e por isso tinha que ser submetida ao exame rigoroso strict scrutiny test.

De outro lado, a ala liberal da corte desejava ver o julgamento sob a ótica do critério intermediário, intermediate scrunity, para facilitar a aprovação da ação afirmativa em análise.

A decisão na prática, ficou por conta do Ministro Powell, relator do caso, o qual entendeu que a questão deveria ser analisada sob pálio do strict scrutiny test e, em seguida passou a analisar o mérito da questão.

Nas razões do seu voto, o Ministro Powell assevera que o único argumento da Universidade da Califórnia é que as cotas seriam o único meio para atingir a diversidade étnica no corpo discente, que propiciaria a troca de experiências entre os estudantes, e conseqüentemente melhoraria a sua formação, consistindo portanto, num interesse estatal imperativo.

O Ministro Powell refuta esta tese, dizendo que: "um interesse estatal imperativo engloba uma gama de qualificações e características consideravelmente maior, da qual a origem racial ou étnica nada mais é do que um simples elemento, embora importante. O programa especial de admissões da recorrente, centrado somente na diversidade étnica, impediria, e não promoveria a obtenção de uma genuína diversidade." [25]

Ainda em seu voto, o Ministro Powell declara que não seria do interesse do Estado um sistema com um número prescrito de cotas para cada "categoria identificável de candidatos". [26]

E conclui relatando que outras universidades utilizam critérios muito mais brandos, os quais não fixam um número determinado de vagas para atingir a diversidade, citando como exemplo o programa de admissões da Faculdade de Harvard, que procurava diversificar seu campus não só com as minorias, mas com candidatos de todas as partes dos Estados Unidos, pois de acordo com o Ministro: "a raça de um candidato pode pesar na balança em seu favor tanto quanto a origem geográfica ou a vida passada em uma fazenda [...]. Um garoto do interior do Estado de Idaho pode trazer para os cursos de graduação [...] algo que um Bostoniano não pode oferecer. Da mesma forma, um estudante negro pode usualmente trazer algo que uma pessoa branca não pode oferecer[...]. Em tal programa de admissões, o fator racial ou étnico pode ser considerado um ‘plus’ [...] todavia ele não isola o individuo da comparação com todos os outros para as vagas disponíveis." [27]

Ou seja, o programa de Harvard considerava todos os aspectos do candidato, colocando-o em pé de igualdade para concorrer com os demais. A exclusão de um candidato não significava que ele tivesse a cor errada ou não fosse de determinado local do país, mas que as suas qualidades combinadas não foram suficiente para vencer as de outro candidato, portanto conclui o Ministro Powell que "tal fraqueza aparente [a discriminação] não existe em um programa de admissões em o fator racial ou étnico seja simplesmente um elemento no processo de seleção". [28]

Colocando seu voto dessa forma, o Ministro Powell terminou por conciliar os conservadores e os liberais, dividindo o julgamento em duas partes.

Na primeira parte, declarou ilegal o programa de admissões da Universidade da Califórnia e determinou a admissão de Allan Bakke no respectivo curso de medicina daquela universidade. Voto no qual foi acompanhado pelos Ministros Stewart, Burger, Rehnquist e Stevens.

Na segunda parte de seu voto, permitiu a Universidade da Califórnia que considerasse a raça como um dos critérios para a admissão em seus cursos, no mesmo sentido votaram os Ministros Brennan, White, Marshall e Blackmun.

Em outras palavras, a Corte considerou constitucional o uso de ações afirmativas que favorecessem as minorias, mas vedou o uso de ações afirmativas que fixassem um número determinado de vagas (cotas) para os candidatos das minorias.


3 Discriminação

A Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em seu art. 1º conceitua a discriminação como sendo: "Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública." [29]

Percebe-se que esta definição elencou características que são mais utilizadas para discriminar os seres humanos, contudo, não se trata de um rol taxativo, mas apenas exemplificativo, não excluindo portanto, outras formas de discriminação

3.1 Classificação das Discriminações

Utilizaremos neste tópico a classificação criada por Joaquim B. Barbosa Gomes. [30]

3.2 Discriminação Intencional ou tratamento discriminatório

A discriminação intencional ocorre quando uma pessoa recebe um tratamento desigual em razão de sua raça, sexo, origem etc, que a diferenciem da classe dominante.

Este tipo de tratamento engloba a maioria dos casos de discriminação, e é contra ela que se dirigem as normas constitucionais e infraconstitucionais.

3.3 Exceções: hipóteses de discriminação legítima

Apesar deste tipo de discriminação ser normalmente uma situação ilícita, em determinadas circunstâncias pode ser ela permitida, mormente quando for ela necessária ao exercício de uma atividade que exija habilidades específicas, ou que deva ser exclusivamente realizada por indivíduos de um determinado sexo.

"Por exemplo, com a exigência que se faz de que uma pessoa, para o exercício da advocacia, tenha recebido o grau de bacharel em direito e sido aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. A discriminação feita atende a uma finalidade pública e moralmente sustentável, pois é necessário um mínimo de qualificação técnica para o manejo adequado de ações e uma base acadêmica considerável para as atividades em que há operação com o direito. Cite-se, outrossim, com os mesmos fundamentos, a possibilidade de haver, em um concurso público para agente penitenciário de presídio feminino, a exigência, em edital, de que os candidatos sejam todos do sexo feminino, a fim de evitar constrangimentos de natureza moral nas atividades de contato direto como revistas e freqüência a locais onde as presidiárias terão a sua vida privada necessariamente exposta e controlada por terceiros. O mesmo raciocínio com sinal trocado seria aplicável a presídios masculinos, a fim de evitar eventuais abusos sexuais ou violência das mais variadas espécies baseadas na diversidade de gênero." [31]

No mesmo campo desta discriminação intencional legítima, estão as discriminações positivas ou ações afirmativas. Tal hipótese ocorre quando se põe em prática uma política, quer seja pública ou privada, destinada a promover a igualdade material de parcelas da população historicamente discriminadas, permitindo-lhes concorrer em igualdade com aqueles que se beneficiaram com a sua exclusão.

Essa modalidade de discriminação tem duas características básicas: perseguição da justiça social, vez que se busca colocar os indivíduos em patamares de igualdade material; e temporariedade, pois uma vez atingido o equilíbrio deve cessar o uso da ação afirmativa.

3.4. Teoria do Impacto Desproporcional

Esta teoria "é uma derivação do princípio constitucional da proporcionalidade, tal como concebido modernamente na doutrina como exigência da adequação, necessidade e razoabilidade constitucionais materiais das leis". [32] E pode ser conceituada como sendo: "Toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material, se em conseqüência de sua aplicação resultarem efeitos nocivos de incidência desproporcional sobre certas categorias de pessoas." [33]

Como exemplo dessa teoria, tem-se o famoso caso Grigs v. Duke Power Company, [34] proposto por pessoas negras contra uma empresa de fornecimento de energia elétrica, que reservava para os negros funções subalternas e após uma forte pressão dos empregados, criou um mecanismo interno de promoção. Tal mecanismo era oferecido indistintamente a negros e brancos, e baseava-se em testes de inteligência.

Como já era de se esperar, poucos eram os negros que conseguiam a promoção, tendo em vista que eles estudaram em escolas segregadas de menor qualidade, e por isso tinham um aproveitamento sempre inferior aos brancos.

Os funcionários negros ingressaram com uma ação no Judiciário Federal do Estado da Carolina do Norte, tendo a corte verificado que apesar do ponto de vista formal, o mecanismo de promoção não feria o princípio da igualdade, do ponto de vista material ele produzia impactos raciais desproporcionais

3.5. Discriminação na aplicação do Direito

Muitas vezes, a norma jurídica é, em seu texto, isonômica, mas no momento de sua aplicação percebe-se um resultado discriminatório. No direito norte americano, aponta o clássico caso YICK WO: "Nesse caso, o que estava em jogo era a aplicação manifestamente discriminatória da lei que regia o procedimento de permissão municipal para a exploração de lavanderias na cidade de San Francisco (sic), na Costa Oeste do EUA, que conta em sua população, desde a segunda metade do século XIX, com um percentual de aproximadamente 25% de pessoas de origem Asiática. No cacos YICK WO, a discriminação na aplicação do Direito ficou caracterizada em função da simples disparidade estatística: 99% dos pedidos de permissão formulados por pessoas brancas eram deferidos, ao passo que apenas 1% dos pedidos feitos por asiáticos obtinham decisão favorável." [35]

Joaquim B. Barbosa Gomes, aponta ainda a dificuldade no acesso das mulheres à Magistratura, e dos negros à Diplomacia. Neste último caso, a ausência de negros é tão grande que o próprio Itamaraty, no ano passado, instituiu um programa de ação afirmativa destinado a custear bolsas de estudo para que os negros pudessem concorrem em igualdade com os demais candidatos.

3.6. Discriminação de fato

Este tipo de discriminação é o resultado da indiferença do poder público para com os grupos marginalizados. As autoridades permanecem inertes, se abstendo de implementar políticas sociais que verdadeiramente promovam a igualdade material, é, v.g., o caso das multidões de excluídos que nem sequer aparecem nas estatísticas, por não ter ao menos certidão de nascimento, morrendo, não raras vezes, sem nunca ter existido juridicamente.

Assim, a sociedade termina por se habituar com aquela situação discriminatória, ocorrendo "uma naturalização das desigualdades, que nem sequer é notada e passa a ser tida como uma forma de discriminação inconsciente, ou, se se preferir uma expressão mais irônica, uma discriminação cordial, fundada em um exercício de poder simbólico pelos agentes da exclusão." [36]

3.7. Discriminação manifesta ou presumida.

Em certas situações e especialmente no campo das relações de trabalho, a discriminação é tão perceptível que se torna incontestável, a ponto da doutrina considerá-la como presumida, é o que os americanos chamam de Prima Facie Discrimination [37].

Essa teoria tem o condão de desincumbir os grupos vítimas da discriminação do ônus de prová-lo, e é largamente usado no direito norte-americano, em ações declaratórias ou medidas de caráter injuntivo. Todavia, quando a demanda é de natureza indenizatória, o ônus da prova continua a ser do autor, pois em tal situação a discriminação é individual, não atingindo da mesma forma todas as pessoas, e portanto a necessidade da individualização do dano causado.

Para a constatação deste tipo de discriminação é largamente utilizada a disparidade estatística que "consiste basicamente em demonstrar ausência ou a sub-representação de certas minorias em determinados setores [...] que seja incompatível com o percentual do respectivo grupo na sociedade ou no respectivo mercado de trabalho". [38]

Ressalte-se por fim, que a Suprema Corte norte-americana utiliza freqüentemente o critério da disparidade estatística, mas o faz com extrema prudência: "noutras palavras, ela se limita a analisar o elemento estatístico juntamente com outros fatores, sancionando severamente as disparidades flagrantes, isto é, classificando-as como prova irrefutável de tratamento discriminatório." [39]


4 Ações Afirmativas

As ações afirmativas podem ser conceituadas como sendo: "políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física [...] visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade [...]. Em síntese, trata-se de políticas e de mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicionais, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito." [40]

As ações afirmativas foram criadas nos Estados Unidos inicialmente como uma forma de enfrentamento da discriminação às minorias nas relações empregatícias e nas escolas. O seu surgimento põe fim a inércia do Estado Liberal, e transforma numa verdadeira obrigação do poder público e da sociedade como um todo, a busca pela igualdade material.

Cabe neste ponto, observar que as ações afirmativas não se confundem com o sistema de cotas (ou quotas) [41], mas abrange-o, podemos dizer que toda ação, seja ela pública ou privada, que reconhecendo uma situação desfavorável a uma minoria, procura atingir uma situação de igualdade, pode ser caracterizada como uma ação afirmativa.

As cotas são apenas uma modalidade de ação afirmativa, quiçá, a mais radical delas, porquanto, termina por excluir o direito dos privilegiados para favorecer os excluídos.

Existem diversas outras formas de ações afirmativas, tais como incentivos fiscais, aumento de pontos em licitações "a empresas que favoreçam a contratação multiracial (sic) de empregados." [42]

Outrossim, ação afirmativa não é apenas ação estatal, mas também pode ocorrer por iniciativa de um particular, mesmo sem receber nenhum tipo de favorecimento governamental.

4.1 Ação afirmativa e as cotas

As cotas são, sem sombra de dúvida, a forma mais polêmica de ação afirmativa, pois, ao tempo em que inclui as minorias nos espaços a que antes não tinham acesso, exclui indivíduos que não pertence a grupos minoritários e que, pelo menos diretamente, não são culpados pela exclusão.

Como se vê, não é uma questão simples, refletindo sobre o tema Ronald Fiscus, ensejou a indagação que foi batizada de argumento das pessoas inocentes (innocente persons argument). [43]

Tal argumento baseia-se no fato de que os indivíduos integrantes da maioria não são os culpados pela discriminação histórica que os grupos minoritários sofreram, mas com uso da cota acabam por ser prejudicados no presente.

Fiscus salienta ainda que a maioria pode suportar algum ônus em beneficio da minoria, mas não qualquer ônus, "is that only ‘some of the burden’ may constitutionally be placed on these ‘innocent persons’. For these justices, affirmative action was acceptable in hiring but not in firing." (somente alguns sacrifícios e ônus podem ser impostos constitucionalmente a essas pessoas inocentes. Para os Ministros da Suprema Corte, a ação afirmativa era aceitável na contratação de pessoal, mas não na demissão). [44]

Chega-se portanto uma situação crucial que é muito bem analisada por Alexandre Vitorino: "A situação, de fato, contém um paradoxo, pois, para implementar-se o princípio da igualdade material e aplicar um critério de justiça distributiva capaz de reverter, no plano dos fatos, os efeitos presentes de uma discriminação pretérita, a solução aventada é a de reduzir as chances de acesso de integrantes da maioria, pelo simples fato de pertencerem a ela. Com isso, há no mínimo uma aparente violação ao princípio da igualdade formal, que precisa ser analisada no caso concreto segundo o mecanismo de ponderação de princípios para que se possa saber se a medida restritiva da igualdade formal é aprovada no teste constitucional da proporcionalidade. [45]

Não há portanto, uma solução pronta e abstrata a questão das cotas. Destarte, existem algumas regras que podem ser utilizadas para verificar a constitucionalidade ou não das cotas.

Pode-se recorrer, como regra inicial, à razoabilidade, já que havendo outro método capaz de atingir o fim almejado, dever-se-á abrir mão da cota.

Outra regra é analisar se a cota se baseia numa discriminação pretérita de um grupo definido, e é capaz de surtir efeitos modificadores no presente. Este critério pode ser usado também para saber o momento de cessar o uso da cota, pois uma vez atingida uma situação de igualdade entre a maioria privilegiada e a minoria excluída, não haverá necessidade de ação afirmativa. [46]

O insigne mestre Celso Antônio Bandeira de Mello por seu turno, também apresenta um critério para distinguir se a cota é ou não constitucional: "O que se tem que indagar para concluir se uma norma desatende a igualdade ou se convive com ela é o seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for justificável, por existir uma correlação lógica entre o fator de discrimen tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma ou a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade; se pelo contrário, inexistir esta relação de congruência lógica — ou o que ainda seria mais flagrante — se nem ao menos houvesse um fator de discrimen identificável a norma ou a conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade." [47]

O uso de cotas é portanto uma situação passageira, que tende a cessar à medida que corrige a distorção, igualando os desiguais, e deve ser verificado com prudência para que atenda ao princípio da igualdade.

4.2 Fundamentos Constitucionais da Ação Afirmativa

Apesar do principio da igualdade estar presente em todas as constituições brasileiras [48], foi na Constituição Federal de 1988 que se atingiu o ápice e passamos a ter uma constituição que não só traz a igualdade formal, mas que autoriza, impele a busca por uma isonomia material.

De início destaca-se o art. 5º que cristaliza a igualdade material, "todos são iguais perante lei" [49], e no seu inciso I "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" [50]. Para um interprete desavisado, poderia parecer que se fala apenas na igualdade formal porém, como adverte José Afonso da Silva: "A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O interprete há que aferí-lo juntamente com outras normas constitucionais [...] e, especialmente com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social." [51]

E neste mesmo sentido, Nery e Nery, para quem a "igualdade no sentido de garantia constitucional fundamental quer significar isonomia real, substancial, não meramente formal". [52]

Todavia, o princípio da igualdade não fica adstrito ao art. 5º, mas permeia toda a constituição, o próprio preâmbulo já conclama os constituintes a "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar [...] a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos" [53], constitui um reconhecimento da existência das desigualdades (o que já havia nas constituições anteriores) e o dever de combatê-las (essa é a novidade trazida pela Constituição de 1988). Afirmando Alexandre Vitorino que "Trata-se de um fato normativamente presumido, portanto, e malquisto". [54]

Temos ainda no art. 3º uma ênfase ao combate a discriminação e ao tratamento igualitário, reforçado pelo art. 170, inciso VII, dispositivos que merecem serem transcritos:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

III – erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, de raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VII – redução das desigualdades regionais sociais. [55] (grifos nossos)

Diante desses dispositivos, Carmen Lúcia Antunes Rocha observa com muita propriedade que: "Verifica-se que todos os verbos utilizados na expressão normativa – construir, erradicar, reduzir, promover – são de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte quando da elaboração do texto constitucional." [56]

A constituição não se limita a elencar objetivos, ela mesma instituiu ações afirmativas, com intuito de favorecer os deficiente físicos que se submetem a concursos públicos, ao determinar no art. 37, inciso VIII que "A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiências físicas e definirá os critérios de sua admissão." [57]

Com relação às mulheres, o legislador constituinte determinou no art. 7º, inciso XX, "a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei." [58]

Além disso, como forma de coibir o preconceito racial, o art. 5º, inciso XLII, dispõe que "a prática do racismo constitui crime inafiançável, imprescritível sujeito à reclusão nos termos da lei." [59]


5 Ação Afirmativa no Direito Brasileiro

No capítulo anterior, procurou-se demonstrar constitucionalmente a possibilidade da aplicação das ações afirmativas no direito brasileiro. Tratar-se-á agora da implementação da ação afirmativa de raça, especificamente do caso das cotas para acesso às instituições de ensino superior da rede pública do Estado do Rio de Janeiro.

5.1.Ação Afirmativa e Raça

Para se estudar as ações afirmativas, não se pode olvidar o passado escravocrata brasileiro e a condição que foi imposta aos negros nos últimos séculos. Mesmo após a abolição da escravidão o negro foi tratado como inferior, sendo impedido de ocupar os melhores postos de trabalho, e por isso mesmo, nesses últimos 15 anos que sucederam a promulgação da constituinte, muito se discutiu a respeito da discriminação do negro, quer seja no mercado de trabalho, quer seja nas Instituições de Ensino Superior da rede pública.

Dados do instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) referentes ao ano de 2002, mostram que "enquanto o salário médio mensal dos homens e mulheres brancos era, respectivamente, de R$ 726 e R$ 572 por mês, o dos homens e mulheres negros era de R$ 337 e R$ 289. São negros 64% dos pobres e 69% dos indigentes do País. A taxa de analfabetismo é três vezes maior entre os negros. Os jovens brancos, aos 25 anos, têm, em média, 8,4 anos de estudos. Já os negros da mesma idade, têm a média de 6,1 anos." [60]

Além disso, entre os brancos "que são 54% dos 170 milhões de brasileiros, 36% são pobres e 31% são indigentes. Já entre os negros, 64% estão na linha de pobreza e 69% são arrolados na linha de indigência". [61]

Sem levar em conta que "o Brasil possui a maior população negra fora da África [...] só inferior numericamente à população do mais populoso país africano, a Nigéria". [62] Contudo, esses negros não atingem as posições de status elevado, "entre os 970 magistrados [ da justiça federal] brasileiros, a percentagem de negros é inferior a 10% [...] no Ministério Público do Trabalho, apenas 7 dos 465 procuradores são negros, [...] o Itamaraty conta com cerca de mil diplomatas dos quais menos de dez são negros. Do total de professores universitários no país, 98% são brancos." [63]

Diante desse quadro, algumas iniciativas já começam a surgir. Tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n.º 650/99, que reserva 20% das vagas no serviço público, nas universidades públicas e nos contratos de financiamento estudantil. [64]

Destaca Alexandre Vitorino que o percentual de reserva de 20% das vagas "é substancialmente inferior ao percentual de negros na população, vez que segundo o autor correspondem a negros a soma de brancos e pardos, ao que se chega em 45% da população brasileira". [65]

5.2 O vestibular das universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro

Mas, a grande polêmica com a questão das cotas veio à tona no início deste ano com a divulgação dos resultados do Vestibular da UERJ, onde foram utilizados dois tipos de cotas, um que reservava 50% das vagas para estudantes de escolas públicas (Lei Estadual n.º 3.708), e outro reservava 40% das vagas para os candidatos que se declarassem negros (Lei Estadual nº 3.525/00). É mister esclarecer que as cotas para negros, abrangem todas as pessoas que se declararam negros ou pardos.

O resultado foi que as cotas foram usadas de forma superpostas, de modo que "de cada 10 vagas em disputa, menos de quatro couberam a estudantes que se destacaram pelo conhecimento e pela competência para responder às questões". [66] "Dos 1969 negros aprovados no vestibular, 83% entraram graças às cotas." [67]

Posteriormente ao exame do vestibular, foi promulgada a Lei Estadual n.º 4.061/03, que determina a reserva de mais 5% de vagas para portadores de deficiências especiais.

Devido a isso muitos autores, têm demonstrado-se contrários às cotas. Tratando do mesmo tema, Sebastião José Pena Filho, faz uma indagação muito simples a partir de uma abordagem unicamente jurídica: "O que faz com que o negro tenha menos acesso às vagas nas universidades que legitime um regime jurídico diferenciado? Se a resposta for ‘a cor da pele’, então pode-se (sic) afirmar que há pertinência lógica entre o fator de discriminação e o tratamento jurídico diverso, dele decorrente. A norma, para se qualificar como aderente ao princípio constitucional da isonomia, toma por fato a hipótese de que perfis de cor da pele, de per si, influem no resultado da prova de admissão na universidade, o que é um desatino. E pior: prevendo um "benefício" ao perfil de cor da pele negra, toma por fato a hipótese de que o negro obtém resultados piores que o não-negro. Em palavras curtas: pressupõe que o negro seja menos inteligente que o branco." [68]

Neste mesmo sentido Christiano Menegatti, para quem as cotas terminariam por "subestimar a capacidade da raça negra". [69]

No sentido oposto, surgem os que defendem as cotas. Cite-se como exemplo, a Professora Maria Cláudia Cardoso Ferreira, para quem as cotas são uma necessidade. "Mais do que nunca, será dado o direito o direito do acesso à universidade para uma população que há muito tempo não o tem." [70]

Concordando com ele, Rosangela e Walter Praxedes para quem as cotas "para alunos negros nas universidades públicas podem compor um conjunto de medidas práticas, efetivas e imediatas que apontem para o fim das desigualdades raciais na sociedade brasileira". [71]

Por fim, destaca-se que diversas ações judiciais foram propostas, dentre elas uma representação de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça estadual (TJRJ), processo n.º 2003.007.00021, e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF), processo n.º ADIN 2858.

Ao receber a representação o Des. Relator, suspendeu de logo a eficácia das leis impugnadas. No STF o Min. Relator, Carlos Velloso, ao receber a inicial, já tinha ciência da liminar deferida pelo TJRJ, e mandou apenas notificar a Governadora do Estado e Assembléia Legislativa para que prestassem informações acerca da leis ora impugnadas.

Nesse ínterim, foi aprovada no Rio de Janeiro a Lei Estadual n.º 4.151/03 de 05 de setembro de 2003, que revogou as Leis 3.524/00, 3.708/01 e 4.061/03, no tocante às cotas, dispondo que as cotas seriam de 20% para alunos da escola pública, 20% para alunos negros ou pardos.

Tendo em vista que o novo diploma legislativo, revogou as leis impugnadas, o Min. Relator da ADIN 2858 extinguiu, por julga-la prejudicada. Por sua vez o Des. Relator da Representação 2003.007.00021, instado a se manifestar, determinou que fosse oficiado à Assembléia Legislativa e à Governadora do Estado que a liminar ainda continuava em vigor, razão pela qual não se podia editar uma lei tratando da mesma matéria.

Ressalte-se, por fim, que tramita na Assembléia Legislativa pernambucana, o projeto de Lei n.º 340/2003 [72] de autoria do Deputado Isaltino Nascimento, que se aprovado for instituirá uma cota mínima de 30% para alunos que tenham cursado o ensino fundamental e médio na rede pública, desde que atendam a pelo menos um dos seguintes requisitos: possuir renda familiar menor cinco salários mínimos, ou firmar declaração de afrodescendência.


Conclusão

A guisa de conclusão, gostaríamos de ressaltar, que juridicamente é possível a implementação das ações afirmativas no Brasil, claro que com as devidas adaptações, pois como vimos, a história norte-americana é bem diferente da nossa, odiosa que seja a escravidão, nós nunca convivemos com uma situação de segregação, a qual era juridicamente legitimada.

Temos que, obviamente usar as ações afirmativas levando-se em conta as nossa peculiaridades, mas sua implementação não só é possível, como é um dever, mormente diante do comando do constitucional de se materializar o princípio da igualdade, permitindo a todos iguais oportunidades de ascensão social.

Realmente, e infelizmente, na nossa sociedade o negro ainda é muito discriminado, e é verdade que poucos são os negros nas universidades, mormente nos cursos de grande prestígio, como Medicina, Odontologia e Direito, porém, não nos parece que as cotas tenham sido a melhor opção para solucionar o problema da ausência de negros nas universidades fluminenses.

Ao nosso ver, a questão do vestibular da UERJ, foi boa, apenas por um aspecto, levantou a discussão da ausência de negros nas Instituições de Ensino Superior, mas, errou ao impor uma cota, sem antes verificar se o método copiado dos Estados Unidos resolveria o problema.

Ocorre que nos Estados Unidos a situação é diversa, enquanto o ensino fundamental e médio de qualidade é uma garantia de todos os cidadãos, os afro-americanos tem hoje (após o da fim segregação) a oportunidade de aprender tanto quanto um branco, as cotas existem porque o vestibular não é uma prova, e sim uma análise de currículos (portanto de caráter subjetivo que depende dos interesses de cada universidade), nas quais historicamente o negro, ficou em situação de desvantagem, servindo as cotas para corrigir essa distorção. [73]

Já no Brasil, os ensinos fundamental e médio (antigos 1º e 2º grau) ainda não são uma conquista de todos, estão à disposição apenas das camadas mais bem aquinhoadas da população, "gerando uma situação inversa: quem pode pagar por um bom ensino fundamental alcança as vagas das universidades públicas e gratuitas, enquanto que os que precisam se sujeitar às escolas públicas, mesmo que logrem êxito em alcançar uma vaga em instituições particulares, certamente não terão como custeá-las. A divergência entre os sistemas é gritante, restando claro que o modelo americano não pode ser usado como parâmetro. Não há como negar que a origem do problema encontra-se, predominantemente, na má distribuição da renda, entre outros fatores de ordem social, que não será minimizado pela medida proposta." [74]

O que se nota, é que no Brasil há uma verdadeira exclusão sócio-econômica, e não exclusão racial, ao menos, nos exames de vestibular para acesso as Instituições de Ensino Superior.

Não se está com isso, procurando negar a realidade, nem mascarar a situação do negro na sociedade brasileira. A dificuldade do negro de entrar na universidade, está, ao nosso ver, no fato de ao negro, sobretudo por uma razão histórica, ter sido relegado o trabalho considerado inferior, e por isso não foi possível a ele acumular riquezas para atingir o topo da pirâmide social, o que por sua vez restringe a sua possibilidade de investir em educação para ascender socialmente, transformar a própria realidade.

Muitos autores, neste ponto, sugerem que as cotas deveriam ser apenas para as escolas públicas, [75] ouso contudo, discordar. Criar cotas para os alunos da escola pública não nos parece ser a medida mais acertada, pois colocaria numa mesma sala estudantes com diferentes níveis de conhecimento, o que implicaria no retardo do aprendizado e em mais gasto para fazer com que as os alunos das escolas públicas acompanhassem os demais. "Calcula-se que seriam necessários investimentos da ordem de R$ 12 milhões para permitir que os alunos aprovados pelas cotas pudessem acompanhar sem atropelos o que se passa em classe. A universidade, é claro, não tem esse dinheiro." [76]

Acreditamos que o mais coerente, seria num primeiro momento uma melhora qualitativa no ensino público fundamental e médio, todavia, como levará tempo até que isto ocorra, sugere-se de imediato criar cursinhos pré-vestibulares para os alunos da rede pública (o que por sinal já ocorre em Pernambuco, para alguns alunos), para que possam concorrer em pé de igualdade com os demais. E no segundo momento, quando todos tivessem as mesmas chances de concorrer, o poder público subsidiaria vagas para os alunos pobres que não conseguissem entrar nas universidades públicas.


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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 196.


Notas

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Org Alexandre de Morais.18 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 20.

2 MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano. 1 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001, p. 67.

3 Ibid., p. 67 et seq.

4 FRIEDMAN, Lawrence M. A History of American Law. New York : Simon & Schuster. Apud MENEZES, 2001, p. 68.

5 MENEZES, 2001, p. 74.

6 163 U.S. 537 (1986). Apud MENEZES, 2001, p. 75.

7 HOFFER. Peter Charles. The oxford Companion to the Supreme Court of the United States., p. 773. Apud MENEZES, 2001, p. 76.

8 MENEZES, 2001, p. 76.

9 Ibid., p. 79.

10 323 U.S. 214 (1944) Apud MENEZES, 2001, p. 79.

11 MENEZES, 2001, p. 79.

12 Ibid., p. 79.

13 MENEZES, 2001, p. 81.

14 Earl Warren era Governador da Califórnia e foi nomeado pelo Presidente republicano Dante Eisenhower, para exercer a Presidência da Suprema Corte, tendo ficado no cargo de 1953 a 1969, espaço de tempo que ficou conhecido período Earl Warren. MENEZES, 2001. p. 163

15 MENEZES, 2001, p. 82.

16 Ibid., p. 84.

17 MENEZES, 2001, p. 88

18 Ibid. p. 88.

19 416 U.S. 312 (1974). Apud MENEZES, 2001, p.98.

20 438 U.S. 265 (1978). Apud MENEZES, 2001, p. 99

21 MENEZES, 2001, p. 99.

22 GOMES, Joaquim Barbosa 2001. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro : Renovar, 2001, p. 105.

23 Para um detalhamento dos perfis dos Ministros da Alta Corte norte americana, Cf. GOMES, 2001, p. 104 e 112.

24 GOMES, 2001, p. 106.

25 438 U.S. 265 (1978). Apud GOMES, 2001, p. 271.

26 GOMES 2001, p. 271.

27 Ibid., p. 272.

28 GOMES, 2001, p. 273.

29 Convenção sobre Todas as Formas de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Apud GOMES, 2001, p. 19.

30 GOMES, 2001, p. 17 et. seq.

31 SILVA, Alexandre Vitorino. O desafio das ações afirmativas no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3479>. Acesso em: 12 fev. 2003

32 SILVA, A. V., 2002.

33 GOMES, 2001, p. 6.

34 420 F.2d 1225 Apud GOMES, 2001, p. 333.

35 GOMES, 2001, p 28.

36 SILVA, A. V., 2002.

37 GOMES, 2001, p 31.

38 Ibid., p. 31.

39 GOMES, 2001, p. 32.

40 GOMES, 2001, p. 6.

41 A doutrina usa a indiferentemente ambos vocábulos, de acordo com os dicionários Aurélio e Globo, são palavras sinônimas. V. LUFT, Celso Pedro. et. al. Dicionário brasileiro globo. São Paulo: Globo, 1995. E FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Pequeno dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1988. Neste trabalho utilizaremos somente o termo cota, apenas como questão de padronização.

42 SILVA, A. V., 2002.

43 FISCUS, Ronald. The Constitutional Logic of Affirmative Action. Londres e Durban: Duke University Press, 1992, p. 37. Apud SILVA, A. V., 2001.

44 FISCUS, Ronald. 1992, p. 37. Apud SILVA, A. V., 2001. (tradução do autor).

45 SILVA, A. V., 2001.

46 Ibid.

47 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Princípio da isonomia desequiparações proibidas e desequiparações permitidas. Revista Trimestral de Direito Público. nº 1. jan – mar. São Paulo : Revista dos tribunais, 1993.

48 Cf. ROCHA. Carmem Lúcia Antunes. Ação afirmativa. O conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de Direito Administrativo Aplicado. a. 3. n.º 10. jul – set : Gênesis, 1996, p. 665.

49 BRASIL, 2002, p. 20.

50 Ibid., p. 20.

51 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 196.

52 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003, p. 125.

53 BRASIL, 2002, p 17.

54 SILVA, A. V., 2001.

55 BRASIL, op. cit., p. 15.

56 ROCHA, 2001, p. 655.

57 BRASIL, 2002., p. 71.

58 Ibid., p. 36.

59 Ibid., p. 27.

60 LOBO, Flavio. Mais desigualdade. Revista Carta Capital. a. VII. n.º 140. 14 de fev. São Paulo : 2002, p. 24.

61 CUNHA, Tereza; CAZARRÉ. Lourenço. A idéia é facilitar o ingresso de estudantes afro-descendentes... UNB revista. a. 4. n.º 2. fev de 2003. disponível em <http://www.revista.unb.br/link_racismo.asp>. Acesso em 14 de fev. 2003.

62 SILVA, Luiz Fernando Martins da. Racismo e desigualdade social na ordem do dia. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3169>. Acesso em: 12 fev. 2003.

63 CUNHA, 2003.

64 SILVA, A. V., 2001.

65 Ibid.

66 FERNANDES, Nelito. Começo errado. Revista Época. n. 248, 17 de fev. Rio de Janeiro : 2003, p. 34.

67 Idem. As cotas nos tribunais. Revista Época. n. 249, 24 de fev. Rio de Janeiro : 2003, p. 27.

68 PENA FILHO, Sebastião José. Cota para negros nas universidades: uma abordagem unicamente jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3039>. Acesso em: 12 fev. 2003.

69 MENEGATTI, Christiano. Segregação acadêmica: reserva de vagas para negros em universidades. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2364>. Acesso em: 12 fev. 2003.

70 FERREIRA, Maria Cláudia Cardoso. Políticas desiguais são necessárias para uma futura democracia. 2003. disponível em <http://www2.uerj.br/~proafro/maria2.htm> acesso 13 fev. 2003.

71 PRAXEDES. Rosângela Rosa; PRAXEDES, Walter. A favor das cotas para negros. Revista espaço acadêmico. a. II. nº 18. nov 2002. disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/18praxedes.htm> Acesso em 13 fev 2003.

72 PERNAMBUCO, Diário Oficial do Estado – Poder Legislativo. a. LXXX, nº 196, 15 out. 2003, p. 6.

73 MENEGATTI, 2001.

74 MENEGATTI, 2001.

75 Neste sentido PENA FILHO, 2002. e MENEGATTI, 2001.

76 FERNANDES, 2003a, p. 34.


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MELO, Osias Tibúrcio Fernandes de. Ação afirmativa: o problema das cotas raciais para acesso às instituições de ensino superior da rede pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 342, 14 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5301. Acesso em: 28 mar. 2024.