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Estudo sociojurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil

aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado

Estudo sociojurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil: aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado

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A análise das políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para afro-descendentes no Brasil leva-nos a esboçar respostas jurídicas ao desafio de criar-se uma sociedade mais justa, solidária, tolerante e igualitária.

Sumário: Introdução; Ações Afirmativas e Seus Mecanismos: Aspectos Sociopolíticos; Ações Afirmativas e seus Mecanismos: Aspectos Sociojuridicos; Ações Afirmativas e seus Mecanismos: Histórico, Origem e Experiência Comparada no Cenário Internacional; Ações Afirmativas e seus Mecanismos à Luz das Normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos; Ações Afirmativas e seus Mecanismos à Luz do Direito Interno: Análise das Normas Constitucionais e Infraconstitucionais; Ações Afirmativas e seus Mecanismos à Luz da Doutrina e da Jurisprudência Brasileiras; Ações Afirmativas e seus Mecanismos: Exemplos de Iniciativas Político-Administrativas; Ações Afirmativas e seus Mecanismos: O Princípio da Igualdade à Luz da Doutrina e do Direito Constitucional Comparado; Principais Debates Acerca de Políticas Ação Afirmativa e seus Mecanismos em Vigor; Conclusão; Bibliografia; Anexos (Leis, Decretos, Portarias e Sentença Judicial).


"Em todo o mundo... Minorias étnicas continuam a ser desproporcionalmente pobres, desproporcionalmente afetadas pelo desemprego e desproporcionalmente menos escolarizadas que os grupos dominantes. Estão sub-representadas nas estruturas políticas e super-representadas nas prisões. Têm menos acesso a serviços de saúde de qualidade e, conseqüentemente, menor expectativa de vida. Estas, e outras formas de injustiça racial, são a cruel realidade do nosso tempo; mas não precisam ser inevitáveis no nosso futuro".
(Kofi Annan, Secretário Geral da ONU, março, 2001).


Introdução

A análise dos aspectos jurídicos e constitucionais das políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para afro-descendentes no Brasil leva-nos a esboçar algumas respostas jurídicas ao inadiável desafio de criar-se uma sociedade mais justa, solidária, tolerante, integrada e igualitária. [1]

Com efeito, o referido tema, notadamente no campo da educação pública superior, recolocou na pauta dos debates públicos do Brasil contemporâneo a questão racial e a luta anti-racista e vem suscitando vigorosas divergências jurídicas sobre a constitucionalidade dessas políticas. [2] O tema ganhou maior relevância no ano de 2001, durante a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, na África do Sul. Naquele instante, o Brasil comprometeu-se a adotar, oficialmente, após assinar a Declaração de Durban [3], medidas para eliminar o racismo, o preconceito, a discriminação e a falta de oportunidades para afro-brasileiros.

Mas o auge das divergências deu-se em meados de 2003, quando foram ajuizados mais de 200 mandados de segurança individual, três representações de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal contra as leis estaduais editadas pelo Estado do Rio de Janeiro. Tais leis estabeleceram reserva de vagas (ou cotas) para estudantes "negros" e pardos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e na Universidade do Norte Fluminense – UENF [4]. Não bastasse isso, outra novidade trazida pela discussão do assunto foi o último debate havido entre os candidatos à Presidência da República em 2002. Todos os principais postulantes foram obrigados a manifestar sua posição a respeito dos problemas do racismo, da discriminação e da desigualdade racial. O Programa de Governo do atual Presidente da República dedica um espaço às políticas de ação afirmativa.

A criação de políticas públicas promocionais é antiga reivindicação dos afro-descendentes brasileiros. Ao Movimento Negro nacional, contudo, deve ser tributada recente iniciativa do Estado em criar algumas políticas de ação afirmativa, após ter incluído a questão racial no centro da agenda nacional de direitos humanos [5]. Para tal movimento, em fins dos anos 70, a grande bandeira

"era desmascarar o mito da democracia racial, e para tanto elegiam como luta prioritária a construção da identidade negra na sociedade brasileira, no final dos anos 80 a escolha recaiu na continuidade do desmascaramento da cordialidade do racismo brasileiro e pela visibilidade das condições socioeconômicas da população negra". [6]

As opções políticas feitas até este momento pelo legislador brasileiro em favor dos afro-descendentes, porém, não tem sido satisfatoriamente acolhida por alguns setores da sociedade. Esta, sem se aprofundar nas necessárias informações e conhecimentos sobre os mecanismos históricos e sociais de exclusão dos negros, ainda não se engajou eticamente a favor de iniciativas capazes superar o quadro [7]. Em última instância, tais políticas apenas permitiriam que esse expressivo segmento populacional concretizasse direitos de ordem humana e cultural, econômica e social. Tais direitos, consignados nos instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos fundamentais ratificados pelo Brasil, encontram-se também presentes em nosso ordenamento jurídico. Conclui-se, assim, tratar-se do humaníssimo "direito a ter direitos" proclamado pela filósofa Hannah Arendt.

É oportuno lembrar que os pretos e pardos no Brasil constituem quase a metade de nossa população. O último Censo realizado pelo Ibge, constatou formarem cerca de 43,5% dos brasileiros, perfazendo algo em torno de 76 milhões de pessoas, ou seja, a maior população negra fora da África. Tal percentual é a segunda maior população negra do mundo, só inferior numericamente à Nigéria, o mais numeroso país africano.

Acrescente-se a isso tudo, o complexo cenário das relações étnicas e raciais existentes no Brasil, envolvido por valores ideológicos que nos levam a uma continuada afirmação de cordial convívio entre os principais grupos étnicos e raciais formadores do processo civilizatório brasileiro [8] (o indígena, o africano e o europeu), conhecido como "mito da democracia racial". Ricardo Henriques, no entanto, denuncia a falsidade dessa afirmação, enfatizando que a "democracia racial" é um mito

"que sobrevive como representação idealizada de nossa sociedade, sinalizando com a construção de uma sociedade tolerante e inclusiva. Mito que exercita, no cotidiano, o engano e a mentira escondendo, de forma perversa e sutil, a enorme desigualdade racial do país. Infelizmente, o poder de ocultamento desse mito enraizou-se em nosso senso comum e, desavisados, negamos desigualdade e o racismo". [9]

Essa construção ideológica, o mito da democracia racial, torna comum a discriminação racial, ao estabelecer uma falsa consciência sobre as relações étnicas e raciais no Brasil. Impede ainda o avanço de estudos acadêmicos, [10] de diversas propostas e ações anti-racistas empreendidas pela sociedade civil organizada, também pelo próprio aparelho de Estado. [11] Aquela construção dissemina mitos que dificultam legitimar-se a criação de políticas promocionais específicas para os negros [12].

A situação deficitária de acesso à educação e ao trabalho dos negros tem raízes que remontam ao colonialismo e à escravidão [13], produzindo ainda hoje nefastos resultados. Como a discriminação racial está presente na área educacional o desenvolvimento e a especialização dos afro-descendentes ficam prejudicados, discriminados que são duplamente pela condição racial e socioeconômica, culminando na dificuldade de êxito escolar e de acesso a posições melhor remuneradas no mercado de trabalho. Esse quadro gera um círculo vicioso de pobreza, insucesso escolar e marginalização social. [14]

Com efeito, a exclusão dos negros brasileiros tem sido confirmada em estudos provenientes de diversas áreas do conhecimento, ratificando apenas o que já era sabido. Indicadores socioeconômicos elaborados por instituições de pesquisa, tais como, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - Ipea, Ibge, Organização das Nações Unidas - ONU etc., descrevem a clara inferioridade dos negros no mercado de trabalho e na educação.

As estatísticas sobre a desigualdade racial do país são assustadoras. Ricardo Henriques, analisando alguns dos números apurados, denuncia que as diferenças existentes entre brancos e negros persistem há pelo menos três gerações, e se mantém como linhas paralelas:

"No Brasil, o processo de modernização excludente atravessa a história e arquiteta instituições que produzem mais de 55 milhões de pobres, dos quais 24 milhões em condição de pobreza extrema. Além da vergonha que esses valores representam, será que a pobreza está "democraticamente" distribuída em termos raciais, preservando um perfil socioeconômico sem viés racial? Não. Os negros representam 45% da população brasileira, mas correspondem a cerca de 65% da população pobre e 70% da população em extrema pobreza. Os brancos, por sua vez, são 54% da população total, mas somente 35% dos pobres e 30% dos extremamente pobres. Os diversos indicadores de renda e riqueza confirmam que nascer negro no Brasil implica maior probabilidade de crescer pobre. (...).

(...). Apesar da melhoria nos níveis médios de escolaridade da população brasileira ao longo do século XX, o padrão de discriminação racial, expresso pelo diferencial na escolaridade entre brancos e negros, mantém-se perversamente estável entre as gerações. De fato, a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3 anos. Apesar da escolaridade de brancos e negros crescer de forma contínua no século XX, 2,3 anos de estudo é a diferença observada na escolaridade média dos pais desses jovens. E, de forma assustadoramente natural, encontra-se a mesma diferença entre os avós desses jovens. Assim, brancos e negros olham um para o outro durante um século e, do ponto de vista relativo, situam-se estritamente na mesma posição. Como paralelas mergulhadas na inércia da eternidade brancos e negros não se encontram". [15]

As diferenças havidas entre brancos e negros se mantém em diversos campos, abaixo exemplificados:

- o negro no Brasil entra mais precocemente no mercado de trabalho urbano, e permanece um período ainda maior nas áreas rurais;

- a escolaridade do brasileiro, para 63,8%, é de em média 6 anos, de 4 a 7 para 31,2%, e pouco mais de 16% tenham completado o primeiro grau, tais taxas são mais aviltantes quando se referem a população negra. Apenas a título de comparação, enquanto aproximadamente 24,6% dos negros têm menos de um ano de escolaridade, a mesma situação envolve 9,3% dos brancos;

- em 1995 na cidade de São Paulo, a maior metrópole brasileira, 48,2% dos desempregados eram mulheres. Em 2000 esta taxa subiu para 52,4% trazendo consigo uma assimetria junto a população economicamente ativa negra na ordem de 14,3% em relação à população total, em um quadro numérico de desempregados na grande São Paulo na ordem 20,3%;

- para endossar esta preocupante situação estrutural, os negros em sua maioria, freqüentam com mais assiduidade os postos informais de trabalho. Neste ramo de trabalho completamente desprovido de benefícios para os trabalhadores, como, por exemplo, um sistema de segurança nacional, as diferenças raciais são mais expressivas do que as diferenças de gênero. Aproximadamente 67,4% dos negros na grande São Paulo não contribuem papara a seguridade social; 13,95% dos negros passam pelo menos um período do ano sem renda, dependendo do sustento de algum membro da família. Para rigorosamente a mesma situação, entre os brancos o universo é de 7,4%;

- estudos do IPEA demonstram um crescimento da concentração de renda no Brasil, aumentando o fosso entre ricos e pobres. Enquanto a elite econômica é composta basicamente por brancos, a excessiva pobreza atinge majoritariamente os negros;

- no campo da saúde no Brasil a alta incidência de mortalidade infantil é mais expressiva entre as populações indígenas e negras, indo de encontro a implementação procedimental dos direitos humanos e sociais.

- no Brasil a defasagem qualitativa de residências é da ordem de 5 milhões, enquanto quantitativamente se aproxima de 9 milhões. Entre os fatores explicativos para o déficit de moradias, principalmente em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, estão os crescimentos desenfreados das favelas no primeiro caso, e das periferias no segundo. Ainda que o período compreendido entre 1992 e 1999, cujos dados são expressivamente atuais, ofereceu um crescimento do número de domicílios de 36 para 43 milhões, e que 90% da população urbana no Brasil tenha água potável, o quadro das desigualdades, principalmente entre brancos e negros, está longe de desaparecer. O crescimento de uma infra-estrutura de serviços urbanos não é acompanhada por uma melhora homóloga nas áreas rurais. Quando comparadas, as condições de moradias entre brancos e negros são bem distintas. Mais da metade dos brancos vivem em condições adequadas, contra menos de 30% dos negros. Apenas um em cada quatro negros vivem em moradias consideradas dignas;

- o trabalho infantil constitui outra importante variável para demonstrar as diferenças entre as populações branca e negra no Brasil. No período de 1992 a 1999, criança negras entre 3 e 9 anos representam 3,035 da força de trabalho infantil, enquanto entre crianças brancas o percentual é de 1,84%. Vinte por cento das crianças negras entre 10 e 14 anos estão nos postos de trabalho, para 13% das crianças brancas;

De acordo com todos estes dados, algumas conclusões sobre as condições socioeconômicas e culturais da população negra podem ser tiradas. A população negra brasileira ocupa a base da pirâmide social em todas as variáveis do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, bem como de indicadores tais como saúde, educação, trabalho, gênero, moradia, bem – estar individual, proteção à criança e ao adolescente e à alimentação.

Ao assumirmos a seriedade de uma amostragem bem feita sobre as condições de vida da população brasileira, podemos constatar, indubitavelmente, que as políticas públicas feitas hoje em dia no Brasil não incorporam em termos quantitativos e qualitativos a população negra brasileira.

Nosso modelo de sociedade não consagrou os valores meritocráticos tão caros à formação de outras sociedades, como a européia e a norte-americana. Nas raízes de nossa colonização até os dias de hoje, as problemáticas que compõem o pensamento social brasileiro, revelaram um modelo social de país que incorpora simultaneamente, por um lado uma modernização centralizada e pelo outro preserva os fundamentos, entre eles o racismo e a discriminação, que a história procurou sepultar.

A Abolição da Escravatura [16], a Proclamação da República e a fase de industrialização do país não foram capazes de melhorar as condições de vida dessas pessoas. Isto leva-nos a crer que o princípio de igualdade formal eregido há mais de 300 anos pela Revolução Francesa, continua, ainda, revolucionário no Brasil.


Ações Afirmativas e Seus Mecanismos: Aspectos Sociopolíticos

As políticas de ação afirmativa são, antes de tudo, políticas sociais compensatórias. Quando designamos políticas sociais queremos dizer "intervenções do Estado que garantem, ou que ‘dão substância’, aos direitos sociais". [17] Já políticas compensatórias, por sua vez, abrangem "programas sociais que remedeiam problemas gerados em larga medida por ineficientes políticas preventivas anteriores ou por políticas contemporâneas que são prima facie socialmente não dependentes". [18] Mas não podemos olvidar que a sociedade civil também vem encampando a idéia de ação afirmativa, especialmente, as empresas que perceberam a diversidade como fator de desenvolvimento de negócios na era da globalização, notadamente, em países pluriétnicos e multiculturais.

Portanto, as políticas de ação afirmativa, apresentam-se como importante mecanismo ético-pedagógico dos diferentes grupos sociais para o respeito às diversidades, sejam raciais, étnicas, culturais, de classe, de gênero ou de orientação sexual etc. Essa percepção do direito à diferença, leva em conta que a realidade das políticas denominadas universalistas – ou no caso das políticas raciais "cegas em relação à cor" - não atendem às especificidades dos grupos ou indivíduos vulneráveis, permitindo a perpetuação da desigualdade de direitos e de oportunidades. Disso emerge a idéia de adoção de políticas compensatórias focalistas (ou particularistas) que, atendendo ao direito à diferença, percebem os grupos ou indivíduos como sujeitos concretos, historicamente situados, que possuem cor, raça, etnia, deficiências, transtornos emocionais, orientação sexual, origem e religião diversas etc. É a superação da idéia filosófica Moderna, que encarava o ser humano como uma unidade homogênea, pela idéia pós-moderna dos seres humanos possuindo as especificidades relatadas.

O objetivo da "ação afirmativa" é superar essas contingências e promover a igualdade entre os diferentes grupos que compõem uma sociedade. Como resultado, espera-se o aperfeiçoamento da cidadania dos afro-brasileiros, e que estes tenham a possibilidade de pleitearem, por exemplo, o acesso às carreiras, às promoções, à ascensão funcional, revigorando, assim, o incentivo à formação e à capacitação profissional permanentes.

No plano político, os programas de ação afirmativa resultam da compreensão cada vez maior de que a busca de uma igualdade concreta não deve ser mais realizada apenas com a aplicação geral das mesmas regras de direito para todos. Tal igualdade precisa materializar-se também através de medidas específicas que considerem as situações particulares de minorias e de membros pertencentes a grupos em desvantagem. Considera-se que a referência a um indivíduo abstrato, percebido como universal e reconhecido como cidadão, digno de igual respeito e consideração, deve ter a preeminência na formulação de políticas públicas. Observe-se, ao mesmo tempo, que tal referência torna-se insuficiente para combater o preconceito, racismo, sexismo etc. permanentes na sociedade impedindo o total reconhecimento da dignidade da pessoa [19].

No plano moral, tal perspectiva conduz-nos à busca de uma dimensão mais exigente da igualdade e implica assumir-mos racionalmente, no terreno de políticas públicas, o caráter dialógico da pessoa humana. Esta possui uma dignidade inerente igual a todo ser humano e uma identidade individual portadora de culturas construídas parcialmente por diálogos coletivos. Devemos ainda reconhecer que, implicitamente, a pessoa é um indivíduo insubstituível e, ao mesmo tempo, um membro de uma comunidade [20].

O pesquisador Carlos Alberto Medeiros formula elucidativa metáfora que muito bem traduz o conceito, os objetivos e o alcance das ações afirmativas:

"Imaginem dois corredores, um amarrado e o outro solto. É claro que o corredor solto ganha sempre. Mas um dia a platéia dessa competição imaginária chega à conclusão de que essa situação é injusta. À custa de muita pressão, consegue-se convencer os organizadores a cortar as cordas que prendiam um dos corredores. Só que ele continua perdendo. Motivo: seus músculos estão atrofiados pela falta de treinamento. Se tudo continuar como está, a tendência é de que ele perca sempre. Que fazer para promover a igualdade de condições entre os dois corredores? Alguns sugerem que se dê um treinamento especial ao corredor que estava amarrado. Pelo menos durante algum tempo. Outros defendem uma medida mais radical: por que não lhe dar uma vantagem de dez metros em cada corrida? Logo se ouvem vozes denunciando que isso seria discriminação. Mas há quem defenda: discriminação, sim, mas positiva porque visa promover a igualdade, pois tratar igualmente os desiguais é perpetuar a desigualdade. Essa história ilustra muito bem o conceito de ‘ação afirmativa’ e o debate que o tema desperta na sociedade. Podemos dizer que os negros, as mulheres e outros grupos discriminados são como o corredor amarrado: por muito tempo estiveram presos pelas cordas do racismo e da discriminação, por vezes traduzidos até mesmo em leis. Não podem ganhar a corrida. Mesmo depois de ‘soltos’, continuam perdendo. Isso porque a discriminação, mesmo que ilegal, prossegue funcionando de forma disfarçada. No caso dos negros, há também a desvantagem histórica. Seus pais e avós sofreram a discriminação aberta e por causa disso não puderam acumular e transmitir riqueza. O objetivo da ‘ação afirmativa’ é superar essas desvantagens e promover a igualdade entre os diferentes grupos que compõem uma sociedade. Isso pode ser feito de várias maneiras. Proporcionar bolsas de estudos e promover cursos de qualificação para membros desses grupos é como dar um treinamento especial para o corredor que estava amarrado. Reservar-lhes um determinado número de vagas, ou ‘cotas’, nas universidades ou em certas áreas do mercado de trabalho é como colocar aquele corredor alguns metros à frente". [21]

Nesse mesmo caminho, a política de ação afirmativa, segundo Bárbara Resnick, busca prevenir a discriminação e incluiu ampla série de mecanismos formulados para criar oportunidades iguais, reduzir o racismo, e promover as vítimas de discriminação [22].

As ações afirmativas configuram-se como um dos elementos fundamentais na tentativa de assegurar-se maior igualdade de direitos entre as diferentes etnias que compõem o perfil populacional brasileiro. Elas podem vir a ser instrumento capaz promover a superação das desigualdades históricas que acompanham o Brasil desde seu o descobrimento.


Ações Afirmativas e seus Mecanismos: Aspectos Sociojuridicos

Na conceituação de Ellis Cashmore, as ações afirmativas

"são medidas temporárias e especiais, tomadas ou determinadas pelo Estado, de forma compulsória ou espontânea, com o propósito específico de eliminar as desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história da sociedade. Estas medidas têm como principais beneficiários os membros dos grupos que enfrentaram preconceitos". [23]

Em termos práticos, as organizações devem agir positiva, afirmativa e agressivamente para remover todas as barreiras mesmo que informais ou sutis. Diferentemente das leis anti-discriminação, as quais oferecem possibilidades de recursos, por exemplo, a trabalhadores que sofreram discriminação, as políticas de ação afirmativa têm por objetivo fazer promover o princípio de igualdade de oportunidades. Objetivam, portanto, prevenir a ocorrência de discriminação [24].

Em obra seminal sobre o tema no Brasil, Joaquim B. Barbosa Gomes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, enuncia que as ações afirmativas podem ser definidas como um

"conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (...). Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito". [25]

São várias as maneiras pelas quais as políticas de ação afirmativa podem atuar. Elas vão

"desde as políticas sensíveis ao critério racial, em que a raça é um dos critérios ao lado de outros, até as políticas de cotas, em que se reserva um percentual de vagas para minorias políticas e culturais, neste último caso a raça passa a ser considerada um critério absoluto para a seleção da pessoa. Embora qualifiquemos cotas e políticas sensíveis à raça apenas como tipos diferentes de ação afirmativa, há aqueles que procuram tratar cotas e ações afirmativas como políticas públicas diferentes". [26]

As cotas, por outro lado, são mecanismos das ações afirmativas e com elas não se confundem. Constatada nos Estados Unidos a

"ineficácia dos procedimentos clássicos de combate à discriminação, deu-se início a um processo de alteração conceitual do instituto, que passou a ser associado à idéia, mais ousada, de realização da igualdade de oportunidades através da imposição de cotas rígidas de acesso de representantes de minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais". [27]

Deve ser observado, por outro lado, que além do sistema de cotas há outras opções a serem consideradas para a efetivação das ações afirmativas: o método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus, os incentivos fiscais como instrumento de motivação do setor privado e o uso do poder fiscal.

É importante ressaltar que a intervenção do Estado pela via das ações afirmativas é o instrumento capaz de superar a inacessibilidade aos direitos fundamentais e garantir a igualdade de tratamento [28]. O conjunto de normas promotoras de igualdade de oportunidades apoiadas pelo Estado forma um quadro jurídico que oxigena as relações sociais, possibilita ainda o equilíbrio de tais relações. Além disso, fomenta o diálogo entre seus membros.


Ações Afirmativas e seus Mecanismos: Histórico, Origem e Experiência Comparada no Cenário Internacional

A origem das ações afirmativas quase sempre é atribuída aos Estados Unidos nos anos 50/60, mas estas não se limitam aos países ocidentais. Desde 1948, introduziu-se na Índia um sistema de quotas que ampara as "classes atrasadas" (os dalits = intocáveis), a fim de garantir-lhes o acesso a empregos públicos e às universidades.

Essas políticas promocionais só tiveram possibilidades efetivas quando implementadas pelo governo dos Estados Unidos da América do Norte com a promulgação das leis dos direitos civis (Civil Right Act, de 2 de julho de 1964), após intensa pressão dos grupos organizados da sociedade civil, especialmente de entidades e lideranças do Movimento Negro norte-americano, que agia de variada forma na luta pelos direitos civis.

Esse modelo norteou-se por um conjunto de políticas e programas denominados de equal oportunity policies e affirmative action (nos EUA), Positive Discrimination (na Europa), ação afirmativa, ação positiva, discriminação positiva ou políticas compensatórias (em língua portuguesa). [29] Tais programas, referendados por importantes decisões da Suprema Corte [30], visavam compensar as mazelas da discriminação sofrida no passado pelos afro-americanos.

Os principais programas implementados nos Estados Unidos foram [31]:

- "exigência de desenvolvimento de ação afirmativa em empresas que quisessem estabelecer contrato com o governo (decreto do presidente Kennedy de 1961);

- discriminação não intencional no emprego, também chamada de discriminação indireta, proibia a adoção de requisitos e testes para a contratação que não fossem necessários à execução das tarefas para as quais os candidatos se habilitassem;

- o Governo Federal assegurou por meio de programas objetivos e mensuráveis, em especial, nos altos escalões de sua própria burocracia, a presenças de minorias e de mulheres;

- o congresso norte-americano incluiu um dispositivo na lei sobre obras públicas, estabelecendo que cada governo local ou estadual usasse 10% dos fundos federais destinados a obras para agenciar serviços de empresas controladas por minorias;

- o Governo Federal passou a exigir que as instituições educacionais que tivessem praticado discriminações adotassem programas especiais para admissão de minorias e mulheres como condição para que se habilitasse a ajuda federal;

- incentivo às ações voluntárias de emprego e educação: essas ações correspondiam ao que se passou a chamar de quotas, isto é, assegurar percentuais mínimos de contratação e promoção de trabalhadores nas empresas privadas e instituições públicas e admissão de estudantes provenientes de grupos minoritários nas universidades, tendo por base a discriminação sofrida em tempos passados".

A experiência da aplicação dessas ações em outros países tem sido inegavelmente uma excelente opção para garantir a democracia inclusiva. Por esse motivo, o modelo norte-americano de promover políticas de ação afirmativa, criada pelo Estado (através dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) ou pela sociedade civil (especialmente as empresas), ultrapassou fronteiras nacionais e vem sendo utilizado como paradigma pelos ordenamentos jurídicos da maioria dos países que integram o sistema das Nações Unidas.

A propósito, entendemos ser injustificada a resistência de setores da intelectualidade brasileira, que vem rejeitando a idéia de implementação de políticas públicas e privadas de ação afirmativa no Brasil. Tal camada alega que essas medidas resultariam de irrefletida importação de modelo de racialização das relações sociais via Estados Unidos ou África do Sul, sem mesmo considerar esforços empreendidos para a criação de modelo endógeno, de medidas promocionais que levem em conta a realidade nacional. Afirma-se tudo isso, como se a sociedade brasileira também, na maior das vezes, já não houvesse incorporado muito do chamado american way of life para outras situações da vida social... [32]

No Canadá, quanto ao tema em análise, temos o parágrafo primeiro do artigo 15 do Canadian Charter of Rights and Freedom, cuja Parte I do Constitution Act de 1982 "estabelece como regra geral, a igualdade perante as leis e a proibição de determinadas formas de discriminação, ao passo que o parágrafo segundo, também chamado de affirmative action clause, estipula as exceções admitidas, nos seguintes termos:"

"15. (1). Todos os indivíduos são iguais perante e sob a lei, e têm direito à igual proteção e ao igual benefício da lei sem discriminações e, em particular, sem discriminação baseada em raça, origem nacional ou étnica, cor, religião, idade, ou deficiência física ou mental.

15. (2). A subseção (I) não impede qualquer lei, programa ou atividade que tenha como seu objeto a melhoria das condições de indivíduos ou grupos desfavorecidos, incluindo aqueles que estão em desvantagem devido a raça, origem étnica ou nacional, cor, religião, sexo, idade, ou deficiência física ou mental" [33].

No sistema legal canadense, essa legislação não se aplica aos particulares, mas apenas às relações travadas com o setor público (state action). No ordenamento jurídico canadense "As relações privadas são objeto de disciplina dos Human Rights Codes, que são textos legais (alguns possuem uma cláusula de primazia, para se sobreporem às leis ordinárias) aprovadas pelas províncias, como é o caso do Ontorio Human Rights Code". [34]

No caso da África do Sul, após o regime de apartheid (= estado de separação, conforme palavra em afrikaans) e de intensos debates legislativos, foi aprovada a Constituição (Act 108 of 1996) que, sobre o tema em foco, dispôs: [35]

"9. (2) A igualdade [perante a lei] incluiu a plena igual fruição de todos os direitos e liberdades. Para promover a obtenção dessa igualdade, medidas legislativas e outras que visem proteger ou favorecer pessoas, ou categorias de pessoas prejudicadas por discriminação injusta poderão ser tomadas".


Ações Afirmativas e seus Mecanismos à Luz das Normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos

Sob ângulo estritamente normativo, tanto do direito internacional quanto do direito interno, há um verdadeiro arsenal de princípios e regras exemplificando ou respaldando a adoção de ação afirmativa no Brasil.

No Direito Internacional dos Direitos Humanos, por exemplo, há diversos instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos fundamentais, que além de proibirem toda forma de discriminação, também prevêem a adoção de políticas de promoção da igualdade. Tais instrumentos (tratados, convenções, pactos etc.) assumem uma dupla importância: consolidam parâmetros internacionais mínimos concernentes à proteção da dignidade humana e asseguram uma instância internacional de proteção de direitos, quando as instituições nacionais mostrarem-se falhas ou omissas.

Esses instrumentos, é imperativo seja ressalvado, têm aplicação obrigatória no território brasileiro, após devidamente ratificados pela autoridade constitucionalmente competente, por força do disposto no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual

"os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

A importância dessa ressalva reside no fato de que, salvo honrosas exceções, nossos operadores do direito (advogados, membros do Ministério Público, juízes etc.), mesmo os que atuam na área dos Direitos Humanos, não têm dado a devida relevância, no exercício de suas funções, aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos fundamentais. O insistente comportamento de ineficácia social conferido aos direitos e garantias fundamentais consignados nos tratados e convenções internacionais empobrece o debate sobre a proteção dos direitos das minorias, bem como inviabiliza o adensamento e efetividade dos Direitos Humanos entre nós.

Os nossos tribunais superiores não vêm se saindo bem neste campo. Muitas críticas [36] têm sido feitas às teses que eles adotam na área do Direito Internacional dos Direitos Humanos, segundo as quais, por exemplo, os direitos humanos advindos dos instrumentos internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico em nível de lei ordinária, ou seja, sem hierarquia constitucional [37]. O nosso histórico desrespeito aos Direitos Humanos, notadamente por parte do Estado, a persistir a tese acima referida, permitirá ao legislador ordinário, por exemplo, de modo indireto e "dentro da lei", negar vigência aos direitos e garantias pactuadas na arena internacional, revogando o tratado internacional com a edição de uma nova lei ordinária (critério cronológico de revogação de leis ordinárias). Outro perigo trazido por esse comportamento, é a possibilidade de sanções internacionais, haja vista que isso importa na violação dos direitos dos tratados, pelo qual somente se admite a denúncia do mesmo, se for cumprido o modo como o próprio texto pactuado permite o exercício desse direito.

Nesse sentido, cabe ao órgão legiferante e aos demais Poderes, inclusive o Judiciário, conformarem-se à ordem jurídica interna presidida pelo texto Constitucional, bem como aos princípios consagrados pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.

É importante seja dito, que os referidos documentos, ao estimular que os Estados-Partes adotem políticas promocionais para grupos ou indivíduos vulneráveis, não utilizam o termo "ação afirmativa", e sim "medidas especiais". Destacamos, dentre outras:

- A Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino [38] "consciente de que incumbe conseqüentemente à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, dentro do respeito da diversidade dos sistemas nacionais de educação, não só proscrever qualquer discriminação em matéria de ensino, mas igualmente promover a igualdade de oportunidade e tratamento para todos neste campo", estabelece no seu Artigo I, que "Para os fins da presente Convenção o termo ‘discriminação’ abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino", e, no item 2, do mesmo Artigo, diz que: "Para os fins da presente Convenção, a palavra ‘ensino’ refere-se aos diversos tipos e graus de ensino e compreende o acesso ao ensino, seu nível e qualidade e as condições em que é subministrado".

- Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, artigo 1º, item 4: "Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos e indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos";

- Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, artigo 4º, item 1: "A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento haverem sido alcançados".

No cenário do Direito Internacional dos Direitos Humanos o princípio de não discriminação tem aplicação destacada [39], e baliza toda a temática dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esse princípio é caracterizado como sendo uma garantia fundamental, porque se salienta nele o caráter instrumental, garantidor, do direito de igualdade.

O referido princípio básico de não discriminação se encontra presente em quase os todos os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos fundamentais produzidos no século XX, dentre os quais destacamos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 2º); Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigos 2º, I, e 26); Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 2º); Convenção Européia de Direitos Humanos (artigo 14); Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 1, I); Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (artigo 2º); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção da OIT sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, de 1958; a Convenção da UNESCO contra Discriminação na Educação, de 1960; e a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião ou Crença, de 1981.

Decorre ainda do referido princípio que se estabeleça um veto às discriminações, ou seja, que se tenha imposto o não diferenciar, que se imponha positivamente, a obrigatoriedade de se dispensar a todos igual tratamento. Além disso, atualmente têm-se entendido que a articulação do princípio de não discriminação com a ação afirmativa resulta em inclusão social. É com essa perspectiva, por exemplo, que a Carta dos Direitos Fundamentais, recentemente adotada pela União Européia, admite que, para se conseguir a igualdade, o direito de não ser discriminado deve ser complementado pelo direito ao usufruto das medidas projetadas para garantir autonomia, inserção e participação na vida da comunidade.

Cançado Trindade, em consonância com tudo o que foi acima alinhavado, assevera que o princípio de não discriminação está vinculado às políticas de ação afirmativa para grupos ou populações vulneráveis:

"As políticas de ação afirmativa para grupos vulneráveis encontra-se diretamente vinculadas à luta pela prevalência do princípio da não-discriminação". [40]

Em complemento às considerações antes expendidas, temos ainda o que Canotilho chama de "função de não discriminação" - uma das principais funções dos direitos fundamentais. Segundo esse constitucionalista português, a partir do princípio de igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na Constituição, se assegura que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais, e, por conseqüência, aplica-se a função de não-discriminação a todos os tipos de direitos: aos direitos, liberdades e garantias pessoais; de participação política; direitos sociais e aos direitos à prestação.

Seguindo essa linha de pensamento, finaliza o referido autor, que tal função se aplica inteiramente à instituição de cotas:

"É com base nesta função de não discriminação que se discute o problema das quotas (ex. ‘parlamento paritário de homens e mulheres’) e o problema das afirmative actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades (ex. ‘quotas de deficientes’). É ainda com uma acentuação-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efetivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (‘direitos dos homossexuais’, ‘direitos das mães solteiras’, ‘direitos das pessoas portadoras de HIV’)" [41].


Ações Afirmativas e seus Mecanismos à Luz do Direito Interno: Análise das Normas Constitucionais e Infraconstitucionais

Na ordem jurídica interna, o legislador brasileiro já editou leis e outros tipos normativos que reconhecem o direito à diferença de tratamento legal para diversos grupos considerados vulneráveis. As diversas normas jurídicas editadas não se referem ao termo "ação afirmativa" ou "medidas especiais", se bem que as leis editadas pelo Estado do Rio de Janeiro se referem ao termo "cotas". Os termos empregados são: "reservar" (por exemplo, na Lei nº 9.504/97), "reservará" (por exemplo, na Carta Federal, o artigo 37, Inciso VIII) e "reservarão" (por exemplo, na Lei nº 5.465/68 – "Lei do Boi").

Apesar de pouco comentado pela literatura especializada, o pioneirismo na criação de políticas de ação afirmativa no âmbito da educação pública superior, antes mesmo da edição das leis de cotas do Estado do Rio de Janeiro, coube ao Governo Federal, em 1968, com a denominada "Lei do Boi’ (lei 5.465/68). Essa lei instituiu reserva de vagas (50%)

"para a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio", nos cursos de graduação de Agricultura e Veterinária".

Essa lei, entretanto, manipulada nos seus reais objetivos, acabou apenas por favorecer aos membros elite rural brasileira, a ponto de ser apelidada de "Lei do Boi".

Outra iniciativa pioneira, mas também pouco comentada, veio do Poder Judiciário. Provocado pelo Ministério Público Federal (Procuradoria da República) no Estado do Ceará, por meio de uma Ação Civil Pública [42], o MM. Juizo da 6ª Vara Federal, determinou, em 15 de setembro de 1999, que a Universidade Federal do Estado do Ceará, "em nome do princípio da isonomia", "doravante e até ulterior deliberação", reservasse "cinqüenta por cento (50%) das vagas de todos os seus cursos para estudantes egressos da rede pública de ensino".

Dentre outros, destacamos abaixo, os principais dispositivos que albergam políticas de ação afirmativa no Brasil:

I.Constituição Federal, artigos:

- 1º, inciso III (princípio que resguarda o valor da dignidade humana);

- 3º, incisos I, III e IV (constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e erradicar a (...) marginalização e reduzir as desigualdades sociais);

- 4º, incisos II e VIII (a República Federativa do Brasil, No plano das relações internacionais, deve velar pela observância dos princípios da prevalência dos direitos humanos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo);

- 5º, incisos XLI e XLII (consagra o princípio da igualdade; punição para qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, e, enuncia, que racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei), e parágrafo 2º, consagrando a incorporação do direito advindos dos tratados internacionais);

- 7º inciso XXX (no campo dos direitos sociais, proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil);

- 23, inciso X (combater (...) os fatores de marginalização);

- 37, inciso VIII (a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão);

- 145, § 1º (Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...);

- 170, incisos VII (redução das desigualdades (...) sociais) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País);

- 179 (A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei),

- 227, inciso II - criação de programas (...) de integração social dos adolescentes portadores de deficiência.

II. Leis ordinárias:

- Decreto-Lei 5.452/43 (CLT), que prevê, em seu art. 354, cota de dois terços de brasileiros para empregados de empresas individuais ou coletivas;

- Decreto-Lei 5.452/43 (CLT), que estabelece, em seu art. 373-A, a adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres;

- Lei nº 5.465/68, que prescreveu a reserva de 50% de vagas dos estabelecimentos de Ensino Médio Agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária a candidatos agricultores ou filhos destes (mais conhecida como "Lei do Boi");

- Lei 8.112/90, que prescreve, no artigo 5º, § 2º, reserva de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da união;

- Lei 8.213/91, que fixou, em seu art. 93, reserva para as pessoas portadoras de deficiência no setor privado;

- Lei 8.666/93, que preceitua, em art. 24, inc. XX, a inexigibilidade de licitação para contratação de associações filantrópicas de pessoas portadoras de deficiência;

- Lei nº 9.029, de 13/04/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais, ou de permanência da relação jurídica de trabalho;

- Lei 9.504/97, que preconiza, em seu art. 10, § 3º, "reserva de vagas" para mulheres nas candidaturas partidárias.


Ações Afirmativas e seus Mecanismos à Luz da Doutrina e da Jurisprudência Brasileiras

Expressiva parcela da doutrina brasileira especializada no assunto se inclina pela tese de constitucionalidade da adoção de ação afirmativa ou de seus mecanismos no Brasil.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim B. Barbosa Gomes, enfrentando essa questão, e posicionando-se a favor da constitucionalidade das ações afirmativas em nosso país, afirma que:

"No plano estritamente jurídico (que se subordina, a nosso sentir, à tomada de consciência assinalada nas linhas anteriores), o Direito Constitucional vigente no Brasil, é perfeitamente compatível com o princípio da ação afirmativa. Melhor dizendo, o Direito brasileiro já contempla algumas modalidades de ação afirmativa, inclusive em sede constitucional". [43]

E, conclui: "Assim, à luz desta respeitável doutrina, pode-se concluir que o Direito Constitucional brasileiro abriga, não somente o princípio e as modalidades implícitas e explícitas de ação afirmativa a que já fizemos alusão, mas também as que emanam dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo nosso país".

Nesse mesmo passo segue o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, aludindo que:

"(...). E, aí, a Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamentos da República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as leis; as leis é que são feitas para os homens. Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual".

Assim também conclui a jurista Dora Lúcia de Lima Bertúlio:

"Não só não há inconstitucionalidade na proposição de medidas semelhantes aos programas de ação afirmativa em vigor nos Estados Unidos, como há o estímulo de que o Estado, por intermédio de seus poderes, incentive e crie mecanismos para minimizar e até eliminar quaisquer resquícios de discriminação racial no interior da sociedade". [44]

O Poder Judiciário ainda não se manifestou definitivamente sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade dos programas de ação afirmativa instituídos até o momento em nosso país, porquanto as diversas ações ajuizadas nos tribunais que têm competência para exercer o controle direto de inconstitucionalidade (o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça) não foram julgadas no mérito [45].

Apesar disso, já foram proferidas sentenças por juízos de primeira instância, em sede de controle difuso de constitucionalidade, que julgando o mérito dos pedidos formulados nos processos, concluíram pela constitucionalidade das leis que instituíram cotas em favor de afro-descendentes em estabelecimentos públicos de educação superior.

Para exemplificar, e ainda corroborar as posições doutrinárias supra citadas, temos um inédito acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 10 dezembro de 2003, relatado pelo Desembargador Cláudio de Mello Tavares, da décima primeira Câmara Cível, na apelação nº 2003.001.27.194. O acórdão, julgado por unanimidade, manteve a decisão da primeira instância, ao denegar pedido incidental de inconstitucionalidade, formulado em mandado de segurança individual, impetrado por um candidato ao vestibular da Uerj preterido por outro candidato "cotista", concluindo pela constitucionalidade das leis de cotas impugnadas.

Apesar de a ementa do acórdão ser extensa, a mesma merece ser reproduzida pelos fundamentos que apresenta:

"APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DO WRIT. SISTEMA DE COTA MÍNIMA PARA POPULAÇÃO NEGRA E PARDA E PARA ESTUDANTES ORIUNDOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO. LEIS ESTADUAIS 3524/00 E 3708/01. EXEGESE DO TEXTO CONSTITUCIONAL. A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não combina com desigualdades. República não combina com preconceito. Democracia não combina com descriminação. Nesse cenário sócio-político e econômico, não seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que lhe buscasse a alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história pelas mãos calejadas dos discriminados. É preciso ter sempre presentes essas palavras. A correção das desigualdades é possível. Por isso façamos o que está a nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal, porque, na vida, não há espaço para o arrependimento, para a acomodação, para o misoneísmo, que é a aversão, sem se querer perceber a origem, a tudo que é novo. Mas mãos à obra, a partir da confiança na índole dos brasileiros e nas instituições pátrias. O preceito do art. 5º, da CR/88, não difere dos contidos nos incisos I, III e IV, do art. 206, da mesma Carta. Pensar-se o inverso é prender-se a uma exegese de igualização dita estática, negativa, na contramão com eficaz dinâmica, apontada pelo Constituinte de 1988, ao traçar os objetivos fundamentais da República Brasileira. É bom que se diga que se 45% dos 170 milhões da população brasileira é composta de negros (5% de pretos e 40% de pardos); que se 22 milhões de habitantes do Brasil vivem abaixo da linha apontada como de pobreza e desses 70% são negros, a conclusão que decorre é de que, na realidade, o legislador estadual levou em conta, quando da fixação de cotas, o número de negros e pardos excluídos das universidades e a condição social da parcela da sociedade que vive na pobreza, como posto pela Procuradoria do Estado em sua manifestação. O único modo de deter e começar a reverter o processo crônico de desvantagem dos negros no Brasil é privilegiá-la conscientemente, sobretudo naqueles espaços em que essa ação compensatória tenha maior poder de multiplicação. Eis porque a implementação de um sistema de cotas se torna inevitável. Na medida em que não poderemos reverter inteiramente esta questão em curto prazo, podemos pelo menos dar o primeiro passo, qual seja, incluir negros na reduzida elite pensante do país.

O descortinamento de tal quadro de responsabilidade social, de postura afirmativa de caráter nitidamente emergencial, na busca de uma igualdade escolar entre brancos e negros, esses parcela significativa de elementos abaixo da linha considera como de pobreza, não permite que se vislumbre qualquer eiva de inconstitucionalidade nas leis 3.524/00 e 3708/01, inclusive no campo do princípio da proporcionalidade, já que traduzem tão-somente o cumprimento de objetivos fundamentais da República. Ainda que assim não fosse interpretada a questão exposta nos presentes autos, verifica-se da documentação instrutória do recurso que para o Curso de Letras a Apelada ofereceu 326 vagas, distribuídas entre os dois vestibulares (SADE, para alunos d rede pública, e o Vestibular Estadual 2003, para alunos que estudaram em escolas particulares). A Apelante concorreu a esse último, ou seja, a 163 vagas, optando pelas subopções G1 e G2, havendo para cada uma a oferta de 18 vagas. Ocorre que no cômputo final de pontos veio a alcançar, na sua melhor colocação, na opção G2 a 57ª posição, o que deixa evidenciado que mesmo que não houvesse a reserva de cota para negros e pardos não alcançaria classificação, razão pela qual, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se in totum a decisão hostilizada".


Ações Afirmativas e seus Mecanismos: Exemplos de Iniciativas Político-Administrativas

Além do aparato normativo, doutrinário e jurisprudencial referenciados, temos a respaldar a adoção de ações afirmativas e seus mecanismos no Brasil, diversas iniciativas político-administrativas, federais e estaduais, das quais exemplificamos abaixo as mais expressivas, a partir de 1988:

____NÍVEL FEDERAL

____1988

- em 22 de agosto de 1988, depois de décadas de omissão do Governo Federal quanto à questão dos negros brasileiros, em 1988, foi editada a Lei nº 7.668, instituindo a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, tendo o seu estatuto sido aprovado pelo Decreto nº 418, de 10/01/92;

___1995:

- em 07 de novembro de 1995, a Lei nº 9.125 instituiu aquele ano como o ANO ZUMBI DOS PALMARES;

- em 20 de novembro de 1995, o Governo Federal criou o GTI – Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, com o objetivo de sugerir ações e políticas de valorização da comunidade afro-descendente, e, no discurso oficial, o Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que tanto o governo como a sociedade deveriam lutar contra o racismo;

___1996:

- o GTI é integrado por dez representantes de órgãos governamentais e mais oito representantes da sociedade civil, oriundos das entidades negras, sendo sua prioridade inscrever a questão do negro na agenda nacional;

- em 20 de março de 1996, foi instituído, no âmbito do Ministério do Trabalho, através do Decreto s/n, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação-GTEDEO, de constituição tripartite, cuja finalidade é definir um programa de ações e propor estratégias de combate à discriminação no emprego e na ocupação, como preconizado na Convenção nº 111, da Organização Internacional do Trabalho-OIT;

- em 13 de maio de 1996, foi lançado o Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH), tendo o Governo Federal listado as prioridades na área de promoção e proteção;

- em 02 de julho de 1996, foi realizado o seminário internacional Multiculturalismo E Racismo: O Papel Da Ação Afirmativa Nos Estados Democráticos Contemporâneos, patrocinado pelo Ministério da Justiça;

- em 20 de novembro de 1996, Lei nº 9.315 inscreveu o nome de Zumbi dos Palmares no Livro dos Heróis da Pátria;

___1997

- em 20 de novembro de 1997, no Dia Nacional de Valorização da Consciência Negra, o Ministro Raul Jungmann, entregou títulos de propriedade aos integrantes das comunidades negras remanescentes dos quilombos;

___1998

- em 27 de maio de 1998, outro órgão importante, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD, no âmbito do Ministério da Justiça, foi criado pela Lei nº 9.649;

- em 1998, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República editou a publicação denominada Construindo a democracia racial, contendo discursos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 1998, bem como o Relatório do GTI;

___1999

- em 26 de outubro de 1999, o Ministério do Trabalho, mediante a Portaria nº 1.740, determinou a inclusão de dados informativos da raça e da cor dos empregados, nos formulários da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED;

___2000

- em 01 de junho de 2000, através da Portaria nº 604, o Ministério do Trabalho instituiu, no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho, os Núcleos de Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Combate à Discriminação, encarregados de coordenar ações de combate à discriminação em matéria de emprego e profissão;

- o Brasil participou da Pré-Conferência Regional das Américas, no Chile, em dezembro de 2000, e realizou várias Pré-Conferências Regionais em todo o País, organizadas pela Fundação Cultural Palmares e pelo Ministério da Cultura, com representantes do Movimento Negro, da sociedade civil, acadêmicos, cientistas sociais, parlamentares e gestores públicos, desencadeando um processo de discussão e um dos temas foi a adoção de Políticas de Ações Afirmativas;

___2001.

- em 09 de janeiro de 2001, foi editada a Lei nº 10.172 – Plano Nacional de Educação, que estabelece a necessidade de políticas de inclusão de minorias étnicas;

- em 04 de setembro de 2001, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, através da Portaria nº 202, de criou reserva de 20% das vagas para negros, 20% para mulheres e 5% para pessoas portadoras de deficiência. Trata-se de um Programa de Ações Afirmativas, Raça e Etnia, reserva das vagas dos servidores contratados por concurso, dos cargos comissionados e dos empregados em empresas prestadoras de serviços ao ministério;

- em 04 de outubro de 2001, através do Decreto nº 3.952, o Governo Federal disciplinou a composição e as atividades do Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD;

- em 16 de outubro de 2001, foi implementada a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, no âmbito do Ministério Público Federal;

- em 19 de dezembro de 2001, ao discursar na cerimônia de entrega do Prêmio Nacional dos Direitos Humanos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu abertamente a adoção de políticas afirmativas no Brasil;

- em 21 de dezembro de 2001, o Supremo Tribunal Federal criou reserva de 20% das vagas para negros, 20% para mulheres e 5% para pessoas portadoras de deficiência. Trata-se de adoção de cotas para negros, mulheres e portadores de necessidades especiais nas empresas prestadoras de serviço ao STF;

- o Ministério da Justiça, através da Portaria nº 1.156/01, estabelece reserva de 20% das vagas para negros, 20% para mulheres e 5% para pessoas portadoras de deficiência. Em dezembro de 2001 o Ministério da Justiça anunciou a adoção do sistema de cotas, nos moldes do iniciado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. A implantação do sistema está sob supervisão do Conselho Nacional de Combate à Discriminação criado pelo Ministério da Justiça;

___2002

- o Brasil faz o depósito da declaração facultativa prevista no art. 14 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, após o Congresso Nacional tê-lo aprovado, através do Decreto Legislativo nº 57, de 26 de abril de 2002;

- em 13 de maio de 2002, o Decreto presidencial 4.228, institui o Programa Nacional de Ações Afirmativas;

- em 13 de maio de 2002, é lançado o Plano Nacional de Direitos Humanos II;

- o Instituto Rio Branco cria um programa de bolsas de estudo (vinte bolsas por ano) para afro-descendentes em cursos preparatórios para o ingresso na Instituição, que é responsável pelo treinamento de diplomatas brasileiros;

- o Ministério da Educação lança o Programa Diversidade da Universidade (MP n. 63/2002);

- a UnB - Universidade de Brasília estuda possibilidade de reserva de 20% das vagas para estudantes negros. Proposta em discussão no Conselho Universitário prevê a destinação de 20% das vagas no vestibular e no PAS (Programa de Avaliação Seriada) para negros;

___2003

- em 9 de janeiro de 2003, foi editada a Lei nº 10.639, que instituiu o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar, e determinou o estudo da contribuição dos negros para formação da nossa nacionalidade em todo os estabelecimentos de ensino fundamental e médio oficiais e particulares;

- em 23 de maio de 2003, é criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, por meio da Lei nº 10.678, como órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, que foi regulamentado em 20 de novembro, por força do Decreto nº 4.885/03;

- indicação da ex-Governadora do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, para o cargo de Ministra da Assistência Social;

- indicação do Procurador Regional da República Joaquim B. Barbosa Gomes, para a vaga de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

___NÍVEL ESTADUAL

- O governo do Estado do Rio de Janeiro sancionou quatro leis estaduais nos 3.524/2000, 3.708/2001, 4.061/2003 e 4.151/2003, determinando cotas para candidatos negros, nos cursos de graduação, portadores de deficiência e egressos da Rede de Ensino Público Estadual, nas universidades mantidas pelo Estado (UERJ e UNF);

- A Universidade Estadual da Bahia – Uneb, em 2002, através do seu Conselho Universitário, estabeleceu um sistema de cotas para negros, nos cursos de graduação e pós-graduação.


Ações Afirmativas e seus Mecanismos: O Princípio da Igualdade à Luz da Doutrina e do Direito Constitucional Comparado

Outro ponto importante a ser analisado sobre tema em comento, é o princípio da igualdade sob o ângulo do Direito Constitucional Comparado. O pressuposto de imperatividade da isonomia material, numa sociedade democrática inclusiva, é o núcleo duro de toda a problemática da efetividade dos direitos humanos de cunho social. Por conseguinte, e ainda numa perspectiva global, a igualdade substancial representa em relação à igualdade formal uma clivagem essencial no entendimento do conceito de igualdade que, como é óbvio, está longe de ser indiferente para apreciação e interpretação do sistema jurídico no seu conjunto e das respectivas normas.

A remoção dos obstáculos de fato ao exercício dos direitos fundamentais é a afirmação do princípio de igualdade concretizado através critérios legais de tratamento diferenciador dos indivíduos, em função de parâmetros definidores da sua situação concreta. Melhor explicando, podemos afirmar "que à intervenção estatal hão-de presidir critérios de justiça distributiva conformando-se aquela pela medida e natureza das reais desigualdades fácticas existentes". [46] O princípio da igualdade contém diretiva essencial dirigida ao próprio legislador: Tratar por igual aquilo que é essencialmente igual, por desigual aquilo que é essencialmente desigual. A qualificação das várias situações como iguais ou desiguais depende do caráter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais. [47]

O Direito Constitucional Comparado tem contribuído de forma substancial para o aprimoramento da implementação das políticas de ação afirmativa ou na denominada discriminação positiva:

"O princípio da discriminação positiva, assim como a ação afirmativa, não contrariam o princípio da igualdade. É o reconhecimento do direito à diferença, a pedra de toque da discriminação positiva". [48]

À guisa de contribuição, conforme apontamos anteriormente, a Constituição da República da África do Sul, de 1996, pós apartheid, adotou políticas de ação afirmativa:

"Bill of Rights(2) Equality includes the full and equal enjoyment of rights and freedoms. To promote the achievement of equality, legislative and other measures designed to protect or advance persons, or categories of persons disadvantaged by unfair discrimination in any be taken".

A Constituição Canadense – em 1982 –, também já referida, adotou a Affirmative action programs:

"(4) Subsections (2) "and (3) do not any law, program or activity that has as its object the amelioration in a province of conditions of individuals in that province who are socially or economically disadvantaged if the rate or employment in that providence is below the rate of employment in Canada".

O Tribunal Constitucional Espanhol vem entendendo que cabe ao Estado promover condições reais e efetivas quanto à igualdade de indivíduos e grupos:

"(...) ne peuvent pas être considérées comme contraires au príncipe d’égalité, alors même qu’elles impliquent um traitement plus favorable, les mesures qui ont pour objet de remédier aux situations désavantageuses dans lesquelles se trouvent certains groupes sociaux déterminés et, concrètement, de remédier à la situation traditionnelle d’infériorité de la femme dans la vie sociale et sur le marché du travail". [49]

A Corte Constitucional Alemã declarou, em 28 de janeiro de 1992, uma discriminação positiva favorável às mulheres proibindo o trabalho noturno com fundamento no artigo e, alínea 2 da Lei Fundamental: "(.. .) vise à l’égalisation des situations matérielles", ou seja, "(...) les désavantages factuels qui touchent en règle générale les femmes puissent être compensées par des normes qui leur accordent certains avantages".

É importante destacar que a idéia de igualdade material sob a perspectiva acima esposada se alinha ao pensamento de Pietro Barcellona [50], quando ele afirma que os novos direitos:

"São atribuídos pela lei ao sujeito já não individualmente considerado (como homem ou cidadão), mas na base da pertença a determinadas categorias e classes sociais. Ao lado do direito abstrato – igual para todos (aplicável, portanto, a toda a actividade humana) – viria assim a estabelecer-se toda uma série de direitos especiais atribuídos de modo desigual na base de particulares critérios de conexão (...)". [51] (tradução nossa).

Pressuposto para a referência de tais direitos ao indivíduo seria o papel e a posição que lhes dizem respeito no contexto social. Continua o referido jurista:

"A exigência de sociabilidade e de justiça realizar-se-ia assim – através da introdução de formas de tutela desiguais – reequilibrando a posição de inferioridade que impede algumas categorias de sujeitos de um efetivo exercício da liberdade garantida, através do direito abstrato, a todos os cidadãos. O status social – entendido, porém, em sentido não rígido (a mesma pessoa, de fato, pode pertencer a classes ou categorias diversas, de acordo com o tipo de relação) – seria, portanto, o ponto de atração das novas formas de direito desigual que caracteriza a sociedade contemporânea; o direito desigual exprime iria, pois, no plano do ordenamento as tensões e a conflitualidade que emergem das relações sociais e confirmaria a ‘ruptura’ definitiva da categoria unificante do direito subjetivo e do sujeito jurídico. À abstrata unificação da subjetividade ir-se-ia contrapondo de forma cada vez mais visível uma pluralidade de regimes e estatutos correspondentes à estratificação social". (tradução nossa).

Encontramos ainda a proteção particularizada das populações vulneráveis nos seguintes textos Constitucionais Europeus: a) Finlândia : art. 50, in fine; b) Suécia: cap.1 art. 2 in fine e cpa 2; arts. 14 e 15, in fine; c) Alemanha: arts. 6 (5); 20 (1); d) Bulgária: arts. 35(4), 65; e) Polônia : arts. 67(2), 81; f) Romênia; art. 17; g) Tchecoslováquia : art. 20(2); h) Áustria: art. 8º, Lei Fundamental 21.12.1867; art. 19; Tratado de Saint Germain; arts. 62 a 68; Tratado Internacional de 15.5. 1955; arts. 7, 26; j) Iugoslávia: Princípios Fundamentais inc. VII, parágrafo 2º (4º item), arts. 170, 171, 245 a 248.

A Constituição da República Federativa do Brasil preconiza que as relações internacionais são regidas pelo princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, destacando que o Estado Brasileiro buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações.

A Constituição da Nação Argentina de 22 de agosto de 1994 no capítulo quarto – Atribuições do Congresso – dispõe no art. 23:

"Legislar e promover medidas de ação positiva que garantam a igualdade real de oportunidades e de trato e pleno gozo e exercício dos direitos reconhecidos por esta Constituição e por tratados internacionais vigentes sobre direitos humanos, em particular das crianças, mulheres, anciãos e pessoas com incapacidade" (tradução nossa).

Nesse mesmo sentido, a Constituição Política da Colômbia de1991, com a Reforma de 1997, em diversos artigos, determina que:

"Art. 7. El Estado reconoce y protege la diversidad étnica y cultural de la Nación colombiana".

Art. 13. Todas las personas nacen libres e iguales ante la ley, recibirán la misma protección y trato de las autoridades y gozarán de los mismos derechos, libertades y oportunidades sin ninguna discriminación por razones de sexo, raza, origen nacional o familiar, lengua, religión, opinión política o filosófica.

El Estado promoverá las condiciones para que la igualdad sea real y efeciva y adoptará medidas en favor de grupos discriminados o marginados".

Seguindo o mesmo princípio, a Constituição da República do Paraguai de 1992 adotou o princípio de igualdade das pessoas no artigo 46 com a seguinte redação:

"Todos os habitantes da República do Paraguai são iguais em dignidade e direitos. Não se admite discriminações. O Estado removerá os obstáculos e impedirá os fatores que os mantêm ou propiciam" (tradução nossa).

Ora, se o aludido parágrafo único do art. 4º da Constituição Brasileira tem por princípio e objetivo a integração latino-americana, vimos que as Constituições integrantes do chamado Cone Sul buscam a proteção das pessoas ou grupamentos vulneráveis transbordando os limites da igualdade formal na direção da igualdade real, superando os obstáculos que inviabilizam ou dificultam o exercício da igualdade substancial ou material daqueles que se encontram em desvantagem.

Assim, o conceito de ação afirmativa adotado pelos legisladores, vem viabilizar o princípio da dignidade da pessoa humana que exige uma igualdade em sentido axiológico-jurídico material. As políticas de ação afirmativas de caráter étnico-racial têm por objetivo estabelecer critérios de diferenciação para se compensar a desigualdade factual de oportunidades, promovendo a superação de obstáculos. A realização da igualdade, enfim, exige diferenciações, discriminações positivas, e isso postula uma intervenção e concretização diferenciadas por parte do legislador.


Principais Debates Acerca de Políticas Ação Afirmativa e seus Mecanismos em Vigor

Por fim, cumpre-nos fazer algumas observações a respeito das principais teses que vêm sendo defendidas contra as ações afirmativas e seus mecanismos. São elas:

I. Violação do princípio da igualdade. A intenção de dar-se um tratamento mais favorável a quem está em situação de desvantagem, em razão de serem grupos débeis econômica e socialmente, não caracteriza arbítrio ou violação do princípio da igualdade, pelo contrário, pretende viabilizar a isonomia material.

Comentando o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, acerca do conteúdo jurídico do princípio da igualdade, em célebre estudo de todos conhecido, Marcelo Neves aduz que [52]:

"Numa perspectiva rigorosamente positivista, Bandeira de Mello enfatiza que o princípio constitucional da isonomia envolve discriminações legais de pessoas, coisas, fatos e situações. Discute, então, quando discrímenes se justificam sem que o princípio vetor seja deturpado. E aponta três exigências: a presença de traços diferenciais nas pessoas, coisas, situações ou fatos; correlação lógica entre fator discrímen e desequiparação procedida; consonância da discriminação com os interesses e valores protegidos na Constituição".

Marcelo Neves segue, então, esses parâmetros para verificar que [53]:

"quanto mais se sedimenta historicamente e se efetiva a discriminação social negativa contra grupos étnico-raciais específicos, principalmente quando elas impliquem obstáculos relevantes ao exercício de direitos, tanto mais se justifica a discriminação jurídica positiva em favor dos seus membros, pressupondo-se que esta se oriente no sentido da integração igualitária de todos no Estado e na sociedade"

e conclui, que: [54]

"as discriminações legais positivas em favor da integração de negros e índios estão em consonância com os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelecidos nos incisos III e IV do seu artigo 3º".

Nesse mesmo sentido temos a manifestação do jurista Hédio Silva Jr: [55]

"Salvo engano, é certo que a Constituição de 1988, implícita e explicitamente, não apenas admitiu como prescreveu discriminações, a exemplo da proteção do mercado de trabalho da mulher (artigo 7º., XX) e da previsão de cotas para portadores de deficiência (artigo 37, VIII), donde se conclui que a noção de igualdade circunscrita ao significado estrito de não-discriminação foi contrapesada com uma nova modalidade de discriminação, visto como, sob o ângulo material, substancial, o princípio da igualdade admite sim a discriminação, desde que o discrímen seja empregado com a finalidade de promover a igualização."

No mesmo passo, Carlos Roberto de Siqueira Castro, ratificando lições doutrinárias anteriores, professa que:

"(...) Tal contexto de estatísticas sociais desfavoráveis para aqueles contingentes humanos inferiorizados da sociedade, a persistência nas generalizações legislativas, com adoção de normas simplistas, genéricas e iguais para todos, independentemente das notórias diferenças sociais e econômicas que são fruto, por exemplo, do escravismo e da cultura machista, não propicia a mobilidade e a emancipação social desses grupos discriminados e, até mesmo, aprofunda e reproduz os condenáveis preconceitos histórica e culturalmente enquistados no organismo social. Nesse campo de questões, que bem exprime as relações sempre tensas entre o Direito e a sociedade, a caracterizar o fenômeno a que designamos de constitucionalismo de resultado, percebe-se nitidamente o abandono do classicismo isonômico e a busca de instrumentos de aplicação e interpretação da Constituição capazes de enfrentar o imobilismo conservador e de prestigiar as políticas públicas mudancistas e de transformação social. Em tal ordem de convicções, as ações positivas despontam como um mecanismo da justiça distributiva, destinado a compensar inferioridades sociais, econômicas e culturais associadas a dados da natureza e ao nascimento dos indivíduos, como raça e sexo. (...) A adoção de cotas para ingresso de estudantes negros em universidades brasileiras afigura-nos como uma necessária medida para solucionar o desproporcional quadro do ensino superior em nosso País." [56]

Assim, a intenção de se dar um tratamento mais favorável a quem está em situação de desvantagem, em razão de serem grupos débeis econômica e socialmente, não caracteriza arbítrio ou violação do princípio da igualdade, pelo contrário, pretende viabilizar a isonomia material.

II.A ação afirmativa destrói o princípio do mérito. Nos EUA, mais ainda no Brasil, o mérito tem sido usado como ideologia para impedir o adensamento de medidas compensatórias a favor da população afro-descendente. Podemos melhor refletir dizendo que a ação afirmativa contrariaria um princípio universalista básico, qual seja: a lei aplica-se aos indivíduos, independentemente de suas pertenças sociais e de suas características naturais. Ora, no caso da educação pública superior no Brasil, onde a existe uma rede pública de excelente qualidade, e, ao mesmo tempo, uma pequena proporção de negros, mormente nos cursos de Medicina e de Direito, faz sentido falar em estabelecer metas que privilegiem a matrícula.

Do ponto de vista normativo, não se questiona que o mérito e os dotes intelectuais estejam sendo empanados por desigualdades raciais e de classe que podem ser corrigidas por políticas compensatórias. A controvérsia nos EUA sobre este tema não é pouca. Tal critério tem sido muito utilizado na implementação de ação afirmativa. Vale ressaltar que, neste país, o mérito consignado pelas melhores notas não é o único passaporte para o ingresso nas universidades, pois concorre com: ser filho de benfeitores ou de membro do alumni; ser residente regional; ter habilidades esportivas; estar numa certa faixa de idade; demonstrar (por meio de entrevistas) habilidades específicas para algumas áreas do saber etc.

Ronald Dworkin, no seu livro Questão de Princípio, define a especificidade das discriminações raciais por terem

"sido, historicamente, motivadas não por um cálculo instrumental qualquer, como no caso da inteligência, idade, distribuição regional, ou habilidade atlética, mas por causa do próprio desprezo pela raça ou religião excluídas. Exclusão por raça era, em si mesmo, um insulto porque era gerada por desprezo e o revelava". (...) "Não há nenhuma combinação de habilidades e qualidades e traços que constitua ´mérito´ em abstrato".

Peter Singer, em sua obra Ética Prática, ratifica essa posição [57]:

"Como já afirmei antes, a maior inteligência não traz consigo nenhuma pretensão correta ou justificável a um maior desfrute das coisas boas que a nossa sociedade tem a oferecer. Se uma universidade admite alunos de maior inteligência, ela não o faz em consideração ao maior interesses que eles têm em ser admitidos, nem em reconhecimento ao seu direito de ser admitidos, mas porque, com isso, favorece objetivos que, acredita, serão propiciados por esse processo de admissão. Portanto, se essa mesma universidade resolver adotar novos objetivos e usar a ação afirmativa para fomentá-los, os candidatos que teriam sido admitidos pelo processo anterior não poderão reclamar que a nova maneira de agir viola os seus direitos a ser admitidos, ou dispensa-lhes menos respeito que aos outros. Para começar, não tinham nenhum reclamo especial para ser admitidos; eram felizes beneficiários da velha política da universidade. Agora que essa política mudou, outros se beneficiam, não eles. Se isso parece injusto, é só porque estávamos habituados à velha política".

O mesmo filósofo continua:

"Outra maneira de defender uma decisão de aceitar um aluno vindo da minoria em detrimento de um aluno do grupo majoritário que se saiu melhor no exame de admissão seria afirmar que os testes padrão não oferecem uma indicação precisa da aptidão quando um aluno foi seriamente desfavorecido. Isso está de acordo com a questão levantada na seção anterior, quando nos referimos à impossibilidade de chegar à igualdade de oportunidades. A educação e os antecedentes familiares provavelmente influenciam os resultados obtidos em testes. Um aluno com um histórico de privações que obtenha 55% num exame de admissão pode ter melhores perspectivas de se formar em pouco tempo do que um aluno mais privilegiado, que tenha obtido 70%. O ajuste, com base nisso, dos pontos obtidos em testes não significaria admitir alunos de grupos minoritários e desfavorecidos em detrimento de alunos com melhor qualificação. Refletiria uma decisão de que os alunos desfavorecidos tinham, de fato, melhor qualificação do que outros. Isso não configuraria nenhum tipo de discriminação racial."

Por fim, o citado autor concluiu, que [58]:

"Dentro do objetivo geral da igualdade social, a maior representatividade das minorias em profissões como a advocacia e a medicina é desejável por várias razões. Os membros de grupos minoritários são os mais propensos a trabalhar junto aos seus iguais do que os que vêm dos grupos étnicos dominantes, e isso pode ajudar a superar a escassez de médicos e advogados que se verifica nas comunidades pobres, onde vive a maior parte dos membros das minorias menos favorecidas. Eles também podem compreender os problemas dos pobres melhor que os que provêm de famílias abastadas. Médicas e advogadas, bem como estes profissionais oriundos de minorias, podem servir de modelo para outros membros de grupos minoritários e para as mulheres, rompendo as barreiras mentais inconscientes contra a aspiração ao exercício de tais profissões. Por fim, a existência de grupos diferentes de estudantes ajudará os membros do grupo étnico dominante a aprender mais sobre as atitudes dos afro-americanos e das mulheres, o que lhes dará melhores condições de servir a comunidade enquanto médicos e advogados".

III.Cotas para negros equivalem a combater uma injustiça criando outra, pois o combate às diferenças socioeconômicas entre brancos e negros não pode levar à suspensão, ainda que temporária, do sistema de ingresso na universidade baseado no mérito do candidato. O primeiro equívoco de tal argumento é considerar que o atual vestibular tenha a capacidade de medir o "mérito do candidato". Em verdade, o atual exame vestibular mede, mais freqüentemente, a qualidade do ensino oferecido aos candidatos, as condições de estudo e vida dos mesmos. Mais do que o mérito do candidato, o nosso vestibular mede o mérito do sistema escolar, do sistema social e a desigualdade de oportunidades. Não por acaso, o vestibular das universidades públicas seleciona os estudantes que vieram de escolas privadas e das classes mais abastadas.

Se a preocupação de muitos é a necessidade de manutenção de um processo competitivo, a proposta de cotas não abole a competição: a proposta de cotas, ao reconhecer as profundas desigualdades de oportunidade, estabelece que a competição deve acontecer entre candidatos com igualdade de condições, para que, de fato, se possa medir o mérito dos candidatos e não o mérito dos diferentes sistemas escolares. Não se pode dar um Fusca para um piloto, uma BMW para outro, e achar que nessa corrida vai-se medir o mérito dos pilotos.

IV. A Violação do princípio da diferença na igualdade inserto no art. 208, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil. Faz-se importante ressaltar, a partir da Conferência de Direitos Humanos, realizada em Viena, de 1993, que as populações vulneráveis merecem proteção particularizada dos Estados, entendendo-se que a vulnerabilidade não deve ser confundida com inferioridade, mas com as pessoas ou grupamentos humanos reconhecidamente alvo de violações quanto a seus direitos humanos. Nesse sentido, cabe ao órgão legiferante e aos demais Poderes, inclusive o Judiciário, conformarem-se à ordem jurídica interna presidida pelo texto Constitucional, bem como aos princípios consagrados pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Nesse sentido, o § 3º, do artigo 1º, da Carta das Nações Unidas evidencia a promoção dos Direitos Humanos. Por sua vez, em consonância com esse dispositivo, o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (item 24), insta os Estados a criar e a manter mecanismos nacionais adequados, particularmente nas áreas de educação, saúde e apoio social, para promover e proteger os direitos de setores vulneráveis de suas populações e garantir a participação de pessoas desses setores na busca de soluções para seus problemas.

Mais recentemente, a Conferência Mundial de Direitos Humanos sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Outras Formas de Intolerância, realizada em Durban, África do Sul, em 2001, na Declaração e Programa de Ação, incentiva os Estados a desenvolverem e elaborarem planos de ação nacionais para promoverem a diversidade, igualdade, eqüidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação para todos. Tudo isso através, dentre outras coisas, de ações e de estratégias afirmativas ou positivas; tais planos devem visar à criação de condições necessárias para a participação efetiva de todos nas tomadas de decisão e o exercício dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais em todas as esferas da vida com base na não-discriminação (item 99).

No campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a problemática que envolve a dualidade inclusão/exclusão, sob a perspectiva racial, é o cerne das iniqüidades que violam a idéia de universalidade, indivisibilidade e interdependência. A educação está inserida nos direitos sociais econômicos e culturais, não podendo ser dissociada dos direitos civis e políticos, dado o caráter de universalidade, interdependência e indivisibilidade.

A Carta Federal de 1988, já em seu Preâmbulo, coloca o Brasil como uma sociedade multicultural e pluralista [59]:

"O conceito de democracia pluralista envolve toda a substância da Constituição, e seus princípios informam como sua provisões devem ser interpretadas. Devido ao princípio da unidade da Constituição, o intérprete tem de considerar as normas constitucionais em seu conjunto, globalmente, conciliando as tensões existentes".

É nesse sentido o nosso texto Fundamental de 1988, multicultural e pluriétnico, consagra, especialmente, nos artigos 215 e 216, a proteção étnico-cultural dos grupamentos formadores do processo civilizatório nacional, com proteção particular às populações afro-brasileiras.

Desnecessário o tour de force hermenêutico, uma vez que os princípios da Constituição Federal são informadores da igualdade material e substancial. Não cabe dúvida: o conceito de cidadania visa à superação da dualidade inclusão/exclusão.

Vale destacar a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 40, de 1967 (DOU de 17.11.67), bem como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução nº 2.106, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21. 12. 1965. O último instrumento retro mencionado, no item 4 do artigo 1º dispõe que:

"Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou técnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos de igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos".

Ao analisar o parágrafo 4º, do artigo 1º, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Lindgren Alves, assevera que esse dispositivo abriu caminho para a ação afirmativa em defesa de grupos ou indivíduos que se encontrem em situação de vulnerabilidade dentro das sociedades nacionais, dizendo que ele

"estipula que não serão consideradas discriminatórias ‘as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais e étnicos ou de indivíduos que necessitam de proteção’ para que possam ter o gozo efetivo de seus direitos humanos, ‘contando que tais medidas não conduzem, em conseqüência, a manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais’ e não prossigam após terem sido alcançados os níveis eqüitativos que se têm em mira para a função dos direitos fundamentais". [60]

Nesse mesmo sentido, Piovesan e Guimarães dizem que [61],

"(...). No mesmo artigo 1º da Convenção, o § 4º adverte que não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados seus objetivos. Neste sentido, as medidas especiais e temporárias voltadas a acelerar o processo de construção da igualdade não são consideradas discriminação racial. É o caso das chamadas ações afirmativas, que são medidas positivas adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório".

Seguindo a mesma esteira jurídico-ideológica temos a Declaração dos Princípios Acerca da Tolerância, proclamada e assinada em 16 de novembro de 1995, com a seguinte dicção:

"Enfatizando as responsabilidades dos Estados Membros no desenvolvimento e encorajamento do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos sem discriminação de raça, gênero, língua, origem, religião ou deficiência, e no combate à intolerância".

A Constituição da República Federativa do Brasil assegura como fundamentos da República:

I – (...); II cidadania; III - dignidade da pessoa humana; IV – (...); V – (...). Constituindo objetivos fundamentais da RFB: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – (...); III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nas relações internacionais rege-se pelos seguintes princípios: I – (...); II - prevalência dos direitos humanos; III – (...); IV – (...); V – (...); VI – (...); VII – (...); VIII- repúdio ao terrorismo e ao racismo; (...).

O inciso LXXVII, § 2º do artigo 5º, da CRFB dispõe que:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte".

Tal dispositivo integra tratados e convenções de direitos humanos no cardápio de direitos fundamentais, a exemplo da Constituição Portuguesa 1976 (art. 16, I), do Texto Francês de 1958 e do norte-americano (1791, Emenda IX).

Coube ao legislador infraconstitucional, portanto, a elaboração de norma que atendesse ao disposto no item 4, do artigo 1º, da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e demais instrumentos jurídicos internacionais versando sobre a matéria os quais o Brasil ratificou. Nesse sentido, a ausência de norma infraconstitucional regulando a matéria implicaria na inconstitucionalidade por omissão.

O artigo 208 da Carta da República brasileira dispõe que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia do inciso V: acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. José Carlos Gal, [62] leciona que:

"O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é um processo de especialização de alguns para certas funções na sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade nacional, que quer construir com a modificação do tipo de trabalho e do tipo de relações humanas".

Prossegue o mesmo autor [63]:

"Uma análise mais profunda mostra, no entanto, que parte extremamente importante das desigualdades na distribuição dos rendimentos, na sociedade moderna deriva não do fato de o patrimônio ser distribuído desigualmente, mas do fato de que alguns gozam da felicidade de ter acesso ao ensino e outros não. Aqueles que têm a oportunidade de acesso ao ensino conseguiram instrumentalizar-se de tal forma, que constroem uma diferencial de rentabilidade que perdura por toda a vida. É evidente, em estudos empíricos muito cuidadosos, que parte extremamente importante da desigualdade na distribuição de rendimentos é devido ao nível de escolaridade e à diferença da taxa de retorno da educação, mais do que qualquer outra variável".

A hermenêutica constitucional coloca como raison d’être do Estado Democrático de Direito, conforme visto nos dispositivos constitucionais citados, a justiça, a solidariedade, o pluralismo e o combate às desigualdades sociais e regionais. Portanto, a retórica liberal da igualdade formal, não pertence mais aos objetivos do Estado brasileiro.

É fácil verificar que a articulação desses direitos constitucionalmente consagrados, ao revés do passado, visa à superação dos obstáculos que pessoas e grupamentos étnico-raciais vítimas do colonialismo escravista. A meritocracia nada mais é do que a perpetração das desigualdades. Devemos repetir ser dever do Estado "garantir a todos o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um".

A Universidade como Instituição, ressaltamos, deve obedecer aos princípios do Texto Fundamental. O ingresso de grupamentos de étnico-culturais na universidade garante a pluralidade própria da diversidade propalada pelo texto maior. O fruto da diferença étnico-cultural eleva a qualidade da produção acadêmica que deve ser vista não a partir de uma perspectiva individualisto-meritocrática, inibidora da participação de outros seguimentos da sociedade na produção intelectual.

Contrário senso, além da concentração racial da riqueza haverá, também, a concentração etnocêntrica da produção acadêmica. Aferir a capacidade de cada um é levar em conta a sua história, o seu passado e as suas habilidades. Não há de haver hegemonia de valores étnico-raciais como critério de ingresso na universidade. O mérito nesse sentido seria a preservação de valores mantenedores da exclusão. Devolver para o meio social conhecimentos construídos na diversidade é sumamente relevante. A diversidade de acordo com o Texto Maior está nas formas de expressão, nos modos de criar, fazer e viver, bem como nas criações científicas, artísticas e tecnológicas.

V. Falta de base objetiva ou científica para definir o conceito de raça e critério de definição para se identificar os beneficiários das ações afirmativas ou de seus mecanismos.

Trata-se de uma questão importante, haja vista que vem sendo utilizada para obstaculizar a concretização das poucas ações afirmativas implementadas até a esse momento em nosso país. As alegações utilizadas são várias. Por exemplo, consideram que não há base ‘objetiva’ ou ‘cientifica’ para sabermos quem são os ‘negros’ em nosso país, ou, pelos mesmos motivos, impugnam o critério de auto-declaração como sendo um modo adequado para se identificar os ‘negros’ beneficiários das políticas instituídas.

Esses dois argumentos, por exemplo, foram empregados em todas as ações judiciais [64] promovidas contra as leis promulgadas no Estado do Rio de Janeiro que criaram cotas na UERJ e na UENF. O mais expressivo exemplo do que foi exposto acima, haja vista que foi ajuizada diretamente no Supremo Tribunal Federal - STF, foi o da Adin nº 2.858/03, proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN, que depois acabou sendo arquivada pelo STF, ao final do ano 2003, por falta de objeto, em face da edição de nova lei de ‘cotas’. Com efeito, a parte final do item 86 da petição inicial, subscrita pela CONFENEN, impugna a referida lei estadual alegando que:

"(...) o critério de cota racial adotado pela Lei estadual nº 3.708/01 carece de base científica capaz de justificar uma "ação afirmativa" dessa magnitude e que, por definição, discrimina parcelas ponderáveis de outras minorias étnicas e sociais".

O Poder Judiciário ainda não enfrentou definitivamente a questão em tela, mas já existem decisões proferidas por órgãos jurisdicionais de primeira instância, que albergaram a tese de falta de critérios "objetivos" ou "científicos" para identificar os afro-descendentes beneficiários das ações afirmativas no Brasil. Podemos citar, por exemplo, a sentença proferida nos autos do mandado de segurança individual nº 2003.001.004932-5, que teve curso na 5º Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, também impetrado contra a Lei nº 3.708/01 acima referida.

No caso sob exame, a juíza deferiu a segurança requerida por um candidato ao Exame Vestibular da UERJ, que foi preterido por outro candidato beneficiário do sistema de cotas, fundando o seu juízo em que a lei não seguiu nenhum "critério científico" para o preenchimento das vagas nas universidades:

"No que se refere a lei nº 3.708/01, que estabeleceu o sistema de cotas para negros e pardos, viola a regra do art. 206, I, da Constituição Federal, bem como os princípios da isonomia e da razoabilidade, já que a reserva não segue nenhum critério científico e, desta forma, se torna passível de fraude, uma vez que basta a simples declaração firmada pelo candidato (art. 5º, caput, do Decreto nº 30.766/02), não sendo possível aferir, antes do resultado, a veracidade de tal afirmação".

No entanto, as convicções esposadas pela CONFENEN e pelo MM. juízo cedem diante de argumentos como, por exemplo, se levarmos em conta que sendo o conceito de raça humana, estabelecido sócio-culturalmente e não biologicamente, não pode ser determinado por nenhum critério considerado "científico".

O âmbito acadêmico, por seu turno, também ainda não consolidou uma posição sobre o tema em discussão. Mas a evolução dos estudos realizados no campo das relações étnicas e raciais parece que vêm se pacificando nessas divergências. A socióloga Rosana Heringer, a esse respeito, alinhava que:

"Lentamente, começou-se a desfazer também o mito de que não se sabe quem é negro no Brasil. Embora a questão da classificação étnico-racial seja controversa aqui, ou em qualquer lugar do mundo, o critério comumente utilizado é o da autoclassificação. Existe a percepção de que certo grau de arbitrariedade está presente nesta opção, algo inerente a qualquer tentativa de classificar. Porém, as classificações são necessárias para fazer escolhas e definir políticas e, se as utilizamos socialmente para discriminar negativamente, podemos também utilizá-las para reduzir injustiças históricas, apesar de suas imperfeições". [65]

Retomando outros pontos deste artigo, deve ser levado em consideração ainda, para o debate de idéias que envolve a controvérsia, que a idéia de que o Brasil vive uma democracia racial continua sendo um fator importante para que haja um falso juízo de que não existem critérios harmônicos para o estabelecimento de critérios que objetivem saber quem é "negro", para o fim de implementação da ação afirmativa ou de seus mecanismos. Com o mito da democracia racial, que cumpre um papel ideológico, há uma recusa de se reconhecerem "raças" no Brasil.

Segundo Joaze Bernardino, em Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial, trata-se de

"uma recusa estratégica que ocorre somente em momentos de conceder eventuais benefícios àqueles que são identificados como membros do grupo de menor status. A não separação de raças do ponto de vista biológico tampouco significa que elas não estejam separadas, do ponto de vista social, da concessão de privilégios e de distribuição de punições morais, econômicas e judiciais. Neste sentido, contrariando a interpretação racial hegemônica no Brasil e respaldado nos diversos estudos da Unesco, advogamos que a raça existe, não como uma categoria biológica, mas como uma categoria social". [66]

Na verdade, o termo "raça" refere-se ao uso de diferenças fenotípicas como símbolos de distinção social. Significados raciais são, nesse sentido, culturalmente e não biologicamente construídos, distinguindo-se, a partir da inserção nestas categorias, lugares sociais dominantes e dominados. Raça é, assim,

"síntese de diferenças fenotípicas, mas também de status, de classe, de diferenças, em suma, políticas, portanto, podemos dizer que relações de raça são relações de poder. A partir deste ambiente, constituído por ‘relações raciais’, modos de ‘consciência racial’ emergem; tal consciência é definida como o resultado dialético do antagonismo entre grupos sociais justamente definidos como raças no curso de um processo histórico." [67]

Nesse sentido, em consonância com os argumentos antes mencionados, em inolvidável decisão proferida nos autos do habeas corpus (HC 82424), em que figurava como paciente o editor Siegfried Ellwanger, o Supremo Tribunal Federal, na Sessão Plenária realizada em 17 de setembro de 2003, decidiu por maioria de sete votos a três, negar o recurso interposto pelo editor. A Excelsa Corte manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenando o editor por crime de racismo. Os fundamentos dos votos, principalmente os do Exmº Ministro Gilmar Ferreira Mendes e demais Ministros, que por maioria decidiram pela condenação, estavam baseados na conceituação de raça, que em muito já superou as limitações conceituais biológicas para dar lugar ao pertencimento étnico-racial trazido pela antropologia, sociologia e demais ramos das ciências sociais [68].

Também vale a pena referir, que para fins de criação de políticas de ação afirmativa, o emprego de critérios universalizantes, como "nacionalidade" (por exemplo, o termo brasileiro), não atende aos fins almejados. Esses critérios ocultam a discriminação, haja vista referirem-se a que brancos, pardos, pretos são todos brasileiros. Desse modo, se a categoria "nacionalidade" não é suficiente para medir as discriminações, é preciso definir outras categorias sociais supostamente em desvantagem, tais como: "idoso", "adolescente", "pessoa portadora de deficiência" etc.

Assim, é necessário do ponto de vista da prática sociológica e política, detectar outras categorias para termos como medir, por exemplo, a discriminação de que um brasileiro idoso é vítima. Nesse caso, percebe-se a necessidade de agregar ao termo "brasileiro" um qualificativo que possa ajudar a averiguar uma possível discriminação cujo "idoso" é vítima. Desse modo, para averiguar outros tipos de discriminação, cujo brasileiro é vítima, é imperativo, eleger outras categorias, como gênero (sexo), religião (crença), orientação sexual, raça, cor, etnia etc.

No caso da população afro-descendente, devemos falar, então, de discriminação racial, pois, os resultados de pesquisas acadêmicas e outros relatórios governamentais destes vinte últimos anos, até mesmo relatórios da ONU, atestam a realidade de uma discriminação em referência à cor, à etnia ou à raça.

É importante frisar, para reforço do acima exposto, que a própria Constituição da República, em diversos dispositivos refere-se às categorias cor (artigo 3º, inciso IV), etnia (artigo 242, § 1º), raça (artigo 3º, inciso IV), idoso (artigo 77, § 1º), adolescente (artigo 203, inciso II), sexo (artigo 3º, inciso IV), origem (artigo 3º, inciso IV), crença (artigo 5º, inciso VI), idade (artigo 3º, inciso IV) etc. Adicione-se a tudo isso a expressão "quaisquer outras formas de discriminação" que permite notável abertura material da norma constitucional protetiva (artigo 3º, inciso IV).

Há de se chamar atenção, ratificando o que foi dito anteriormente, que o qualificativo racial não pressupõe a existência de raças biológicas, mas indica que diferenças fundamentadas na cor de pele, na aparência e demais fenótipos serve a classificá-los para detectar possíveis discriminações de que os afro-brasileiros possam ser vítimas [69].

É certo dizer que outras sociedades tiveram menos dificuldades nesse ponto para adotar políticas de ação afirmativa. Por exemplo, se por um lado os EUA passaram pela cruel realidade da segregação racial, por outro lado, tal fato permitiu que essa sociedade tivesse maior clareza sobre as relações étnicas e raciais, não mascarando essa realidade como no Brasil. Lá, pura e simplesmente, ‘brancos’ são ‘brancos’ e ‘negros’ são ‘negros’, independentemente de fenótipos ou outros artifícios ideológicos.

A Pesquisadora norte-americana Lynn Huntley, comentando a classificação racial adotada nos EUA, enuncia que:

"Nos Estados Unidos, embora as idéias de classificação racial tenham mudado um pouco com o decorrer do tempo, a idéia-chave que governa a identidade racial é o princípio da ‘hipodescendência’ ou a ‘regra de uma gota’, um padrão de linhagem sangüínea. De acordo com esse critério, qualquer pessoa que tenha um grau pequeno ou mensurável de herança africana é por lei (e no entendimento comum) considerada afro-americana ou "negra", independente da sua aparência de fato" [70].


Conclusão

Finalizando, temos a dizer que as ações afirmativas e as cotas são apenas dois dos principais meios que podem ser utilizados como instrumentos capazes de propiciar mobilidade social ao afro-descendentes, a fim de integrá-lo econômica e socialmente aos demais membros da sociedade inclusiva, sem olvidar outras formas mais fecundas de obter justiça social. É importante enfatizar, porém, que essas propostas deverão vir acompanhadas de outras medidas de cunho social, universalistas, tais como: melhorias na qualidade do ensino público fundamental de primeiro e segundo graus; políticas de redistribuição de renda; aumentos e reajustes reais dos salários e vencimentos; reforma tributária; reforma agrária etc.

Se realmente desejamos uma sociedade democrática, devemos criar uma nova ordem social, pela qual todos sejam incluídos no universo dos direitos e deveres. Buscar essas respostas é construir uma sociedade inclusiva. A sociedade inclusiva tem como objetivo principal oferecer oportunidades iguais para que cada pessoa, cada ser humano seja autônomo e auto-determinado. Temos a incluir, finalmente, que, para uma sociedade ser inclusiva é preciso cooperar no esforço coletivo de sujeitos que dialogam em busca do respeito, da liberdade e da igualdade.


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Notas

1 No Brasil as pessoas que têm ascendência africana vêm sendo designadas através de diversas denominações: afro-descendentes, afro-brasileiros, negro-brasileiros, negros, ‘pretos e pardos’ etc. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, por seu turno, utiliza critério baseado na cor e na etnia para classificar a população brasileira: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Já os pesquisadores que atuam no campo das ciências sociais vêm classificando como negros o conjunto de pretos e pardos. O termo negro, então, é uma categoria sociopolítica, enquanto os termos pardo e preto são categorias utilizadas para aferição estatística de estudos, relatórios etc. "Essa opção metodológica é justificada com base num fato e num pressuposto. O fato é que ‘pretos’ e ‘pardos’ estão sempre muito próximos, segundo indicadores como mortalidade infantil expectativa de vida, rendimentos do trabalho assalariado e escolaridade, para ficarmos nos mais importantes, e sempre muito distantes dos ‘brancos’. O pressuposto, que essas análises buscam provar, é de que essa distância se deve, ao menos numa parte substancial, à discriminação racial", conforme o jornalista e sociólogo do Direito Carlos Alberto Medeiros. (e-mail circulado na Lista discriminaçã[email protected], no dia 24-01-2004). O economista e pesquisador Ricardo Henriques, ratificando CARLOS MEDEIROS, considera que são negros "os brasileiros que se declaram de cor preta ou parda nas pesquisas domiciliares do IBGE. A abordagem histórica e institucional da análise da questão racial enquanto uma construção social justifica, de forma plena, a agregação desses dois universos na medida em que, no Brasil, o perfil socioeconômico das populações preta e parda é estritamente equivalente". HENRIQUES: 2003, 13-14.

2 SILVA, L. F. M. (2003, 59).

3 A Declaração de Durban considerou a escravidão e o tráfico de escravos como crimes contra a humanidade e ainda reconheceu que os africanos e os afro-descendentes foram e continuam sendo vítimas desses crimes.

4 As ações judiciais foram movidas contra as leis estaduais n. 3.524/2000, 3.708/2001, 4.061/2003 e 4.151/2003. As ações ajuizadas contra as três primeiras leis foram arquivadas pelo STF e o TJ-RJ, por perda de objeto, haja vista a edição de nova lei. A ação movida contra a última lei (4.151/2003), em curso no TJ-RJ, aguarda julgamento final.

5 Antes da intervenção qualificada do Movimento Negro, o movimento nacional por direitos humanos não reconhecia que os negros eram as maiores vítimas das violações dos direitos humanos, em face da persistente discriminação e sua subseqüente posição na estrutura econômico-social. Nesse sentido, o sociólogo Eric Edward Telles, enuncia que: "Embora o movimento de direitos humanos moderno do Brasil tenha começado principalmente com a oposição da classe média ao regime militar e suas violações de direitos políticos e civis, nos últimos anos esse movimento agrega, aos antigos, novos ativistas de base que lutam contra a injustiça social em termos econômicos, sociais e culturais. Dessa forma, o movimento negro tem sido capaz de colocar a questão racial no centro da agenda nacional de direitos humanos do governo quanto da sociedade civil em geral". (TELLES: 2003, 85).

6 VERÍSSIMO (2003, 4). Ver também TELLES (op. cit., 70 ss).

7 As informações prestadas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro nos autos da representação por inconstitucionalidade acima aludida (n. 117/03 - TJ-RJ), ajuizada contra a lei de cotas n. 4.151/2003, demonstra o tom dos debates em torno do tema: "Lida com atenção, interesse e sem preconceitos, tal Lei representa um significativo aprimoramento em relação à legislação anteriormente editada sobre a matéria e uma notável contribuição do Estado do Rio de Janeiro no que toca à redução das desigualdades sociais, econômicas e étnicas existentes no país. Políticas públicas dessa natureza, como a veiculada pela Lei Estadual n° 4.151/2003, contrastam com a tradicional postura de neutralidade complacente da sociedade e do Estado brasileiros, que esgotam seu compromisso com a busca da justiça social e da igualdade material na proclamação formal e inócua da igualdade de todos perante a lei". (...). Ataques como o desferido por via da presente representação revelam o ainda elevado grau de preconceito e conservadorismo das elites, e o atraso do debate público nacional acerca dos instrumentos de superação das desigualdades e da discriminação racial e social".

8 Sobre o mito fundador do Brasil, como invenção histórica e uma construção cultural, vide CHAUÍ (2000).

9 HENRIQUES: 2003, 13.

10 O prejuízo trazido pela pouca produção de conhecimento sobre o tema, quanto ao avanço das relações étnicas e raciais em nosso país, pode ser medido a partir de considerações feitas pela jurista Dora Lúcia de Lima Bertúlio: "Na medida em que o conhecimento e a reflexão, indutores que são de nossa identidade, são componentes privilegiados da mudança de comportamentos, intervenção e julgamentos das pessoas em suas relações interpessoais e com o Estado, a carência de estudos e trabalhos sobre racismo, discriminação racial e direitos raciais da população negra permite perpetuar: a) os estereótipos racistas de incompetência do povo negro para se autogerir e desenvolver adequadamente nas sociedades contemporâneas (socialistas ou capitalistas); e b) o descaso do setor jurídico, na sociedade brasileira, para implementar direitos específicos que diminuam o impacto do racismo na qualidade de vida de quase 50% da população nacional". BERTÚLIO (2003, 103). A mesma autora, em outro artigo, já havia dito que: "O discurso sobre o racismo ainda é marginal à produção acadêmica, é reduzido o conhecimento sobre raça e racismo no palco da academia e está ausente na arena política a econômica". (BERTÚLIO: 1996, 202)

11 Leiam-se, por exemplo, as observações de TELLES (2003, 264) sobre a não-aplicação (ineficácia social) da legislação anti-racismo por parte do nosso Poder Judiciário.

12 Isso ocorre no caso dos "brancos pobres", em que se alega, sem base estatística alguma, estarem sendo injustamente discriminados por essa iniciativa estatal. Entretanto, a antropóloga social e pesquisadora do Ibge, Moema De Poli Teixeira, diz que os "negros brasileiros não teriam encontrado espaço igual aos brancos na sociedade de classes. Mesmo entre os brancos pobres, pesquisas foram realizadas mostrando que os negros continuavam a ocupar os piores empregos, a freqüentar as piores escolas, num quadro que, no geral, contribuía para a perpetuação ou reprodução (...), dos níveis de desigualdade social com base na raça (...)". TEIXEIRA (2003, 13).

13 Para melhor compreensão sobre a relação escravidão e racismo, para explicar a situação e a reprodução de desvantagnes socieconômicas em que vivem os afro-brasileiros atualmente, vide GOMES, F. S. (2003, 22ss).

14 Diz José Itamar de Freitas que: "O drama humano do negro e do mulato pode ser medido pelo alto índice de marginalismo a que são, ainda, relegados, na sociedade brasileira. O negro não tem condições de vida que lhe permita ter acesso à Universidade, aos melhores empregos e, mesmo quando reúne essas condições, dispositivos de contenção são deflagrados, procurando impedir sua escala social. A própria burocracia limita, de modo informal, a penetração do negro nos seus escalões de hierarquia superior, e mesmo a algumas carreiras públicas. O Brasil é uma sociedade de mestiços, mas a entrada do negro e do mulato carregado, para a carreira diplomática, é uma aventura de difícil realização". FREITAS (1969, 87). Esse mesmo livro, em 1969, assumiu um tom alarmista e projetou a crise racial para o Brasil no ano 2000, fazendo o seguinte prognóstico: "O negro e o mulato poderão recorrer à violência, nos próximos 30 anos, para se integrarem na sociedade industrial de massas que vai marcar o Brasil". (Op. cit., 87).

15 HENRIQUES: 2003, 14-15.

16 A "Abolição da Escravatura" foi um movimento liderado por intelectuais influenciados pelos ideais liberais da Europa do séc. XVIII, que atraíram a sociedade civil, nos 50 anos anteriores ao 13 de maio de 1888, com discursos, manifestos e atos favoráveis à libertação dos africanos escravizados. A abolição formal da escravatura ocorreu de forma bem brasileira: lenta e gradual, após a edição de diversas leis. São elas: Lei Diogo de Feijó - de 7 de novembro de 1831 - Abolia o tráfico de escravos em território e portos do Brasil; Lei Eusébio de Queiroz - de 4 de setembro de 1850 - Lei que proibia o tráfico de escravos que continuava clandestinamente em águas brasileiras; Decreto 1303 de 28 de dezembro de 1853 - Emancipou os africanos livres com 14 anos de serviço; Decreto 3310 - de 24 de setembro de 1864 - Libertou os africanos que trabalhavam em estabelecimentos públicos findo o prazo de trabalho, num sistema de liberdade vigiada da época; Lei Nabuco de Araujo - 5 de junho de 1854 - Intensificou a repressão ao tráfico negreiro; Lei do Ventre Livre - 28 de setembro de 1871 - Liberdade para filhos de mulher escrava que nascessem a partir da promulgação da lei. Lei dos Sexagenários - 28 de setembro de 1885 - Estavam livres do trabalho escravo todos os africanos a partir de 60 anos. Lei Áurea - de 13 de maio de 1888 - Declara extinta a escravidão no Brasil.

17 Cf. SISS (2003, 110).

18 SANTOS, W. G. dos, apud SISS (op. cit., 110).

19 d´ADESKY (2003, 1).

20 d´ADESKY (op. cit., 5).

21 BORGES; d´ADESKY; MEDEIROS (2002).

22 Apud TELLES ( op, cit., 263).

23 CASHMORE (2000, 31).

24 VERÍSSIMO (op. cit., 5).

25 GOMES (2001, 40-41).

26 BERNARDINO (2002, 255).

27 GOMES (2003, 27).

28 Cabe ressaltar o fato de o conceito e a lei dos direitos humanos fundamentais declararem que todo indivíduo pode fazer reivindicações legítimas de determinadas liberdades e benefícios. Os direitos humanos fundamentais são uma idéia política com base ética e estão relacionados com os conceitos de justiça, igualdade e democracia. Eles são uma expressão do relacionamento que deveria prevalecer entre os membros de uma sociedade e entre indivíduos e Estados.

29 Na Europa as mesmas políticas são denominadas por discriminação positiva.

30 De Regents of the University of Califórnia v. Bakke até 2003, com o julgamento do caso contra a Universidade de Michigan, em 2003, a Suprema Corte julgou pelo menos 11 importantes processos versando sobre ação afirmativa. Para saber mais vide MENEZES (2001) e GOMES (2001).

31 VERÍSSIMO (op., cit. 5-6).

32 Lynn Walker Huntley, Diretora do The Southern Education Foundation, sediado no Sul dos Estados Unidos, coordenou, em 1999, um abrangente e fundamental estudo sobre o racismo e a discriminação racial, intitulado Além do racismo: abraçando um futuro interdependente, elaborado juntamente com intelectuais brasileiros, norte-americanos e sul-africanos, tendo como pano de fundo Brasil, EUA e África do Sul. Sobre os motivos que justificariam essa análise comparada diz o texto que: "Brasil, África do Sul e Estados Unidos foram selecionados para a pesquisa porque cada um desses países tem uma grande população pobre, constituída de pessoas de ascendência africana ou de aparência negra em proporção maior que a participação destas na população em geral, como também uma história de negação jurídica e/ou informal, a essas pessoas, do desfrute de direitos e privilégios em igualdade de condições. Embora esses países encontrem-se em diferentes fases de desenvolvimento e cada um deles tenha suas características excepcionais, todos são cada vez mais afetados por tendências comuns e conjunturas transnacionais que estão reformulando a dinâmica das relações intergrupais e forçando a redefinição de identidades, prioridades e interesses. Essas tendências estão criando novos níveis de interdependência global e novos imperativos de aceleração dos esforços no sentido de avançar para além do racismo". Texto disponível em: www.beyondracism.org, 12 de janeiro de 2004.

33 MENEZES (op. cit., 128).

34 Idem, 129.

35 Ibidem, 134.

36 Celso de Albuquerque Mello, autoridade incontestável em Direito Internacional Público entre nós, sintetiza o geral das críticas às teses esposadas pelos nossos tribunais superiores no tema em comento, dizendo que: "A conclusão que podemos apresentar é que o Poder Judiciário, principalmente os tribunais superiores em Brasília, adota uma posição ultrapassada no D. Constitucional e no DIP. Esta última disciplina não é conhecida pelos tribunais brasileiros e os seus integrantes a ignoram. O espírito da Constituição de 1988 era de ser, como foi dito pelo Presidente da Assembléia Constituinte, Deputado Ulisses Guimarães, uma "Constituição cidadã" e os nossos tribunais superiores a transformam em uma constituição reacionária dentro do espírito dos seus ministros. Utilizo a palavra reacionária no seu sentido técnico, que significa voltar atrás, vez que o próprio conservadorismo já insuportável para eles". (MELLO: 1999, 28). Há uma grande esperança que a interpretação do STF sobre a matéria mude em razão da oxigenação recebida pela posse de novos membros indicados pelo Presidente Lula, dois dos quais experts em Direito Público.

37 Contrariamente, entende Flávia Piovesan, que: "a Carta de 1988 confere aos tratados de direitos humanos o status de norma constitucional", diferindo-se tais tratados dos chamados tratados "tradicionais" (tratados negociais)", que criam normas de nível ordinário. PIOVESAN (1996, 111).

38 Conferência Geral da UNESCO, reunida em Paris, de 14 de novembro a 15 de dezembro de 1960, em sua Décima Primeira Sessão. Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 40, de 1967 (DO 17.11.67).

39 O jurista brasileiro Cançado Trindade, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que integra o sistema da Organização dos Estados Americanos – OEA, enfatiza que o "princípio da não-discriminação ocupa uma posição central no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Encontra-se consagrado em diversos tratados e declarações de direitos humanos", e mesmo como elemento integrante do direito internacional consuetudinário". TRINDADE, 2002, 55.

40 TRINDADE, 2002, 55.

41 CANOTILHO, 2000, 386.

42 ACP nº 990017917-0.

43 GOMES (2000, 15).

44 Idem, 15.

45 V. nota 4 supra.

46 PRATA (1982, 93).

47 GOMES; MOREIRA (1978, 68).

48 ABREU (1999, 120).

49 MÉLIN-SOUCRAMANIEN (1997, 216).

50 BARCELONA (1974, 190-191).

51 Idem, 191.

52 NEVES (1996, 262).

53 Idem p. 262.

54 Ibidem p. 263.

55 SILVA Jr. (2002, 112).

56 CASTRO (2003, 444-446 e 451).

57 SINGER (1998, 58).

58 Idem, p. 56.

59 MAIA (2001).

60 ALVES: 1997, 91.

61 Cf. PRIOVESAN (p.2). Disponível em:

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado8.htm.12 de janeiro de 2004.

62 GAL, 1988, 60.

63 Idem, p. 61.

64 V. nota 4 supra.

65 HERINGER (2002/61).

66 BERNARDINO (2002, 255).

67 Trecho tirado da resenha feita por Osmundo de Araújo Pinho, publicado na revista Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, n. 2, 2002, 416, do livro do cientista político african-american Michel Hanchard, intitulado: Orfeu e Poder. Movimento Negro no Rio e São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ/UCAM-Centro de Estudos Afro-Asiaticos, 2001.

68 Newsletter Síntese nº 776 em 18/09/2003 – www.sintese.com. / 18.09.2003 23:50.

69 É o que Oracy Nogueira denomina de "preconceito de marca".

70 HUNTLEY, 1999, 35. Joaze Bernadino esclarece que "A regra da hipodescendência é definida por Vermeulen como uma ficção da identificação monorracial que postula que uma pessoa racialmente mista pertence ao grupo racial de menor status social. Assim, nos EUA, as pessoas com alguma quantidade de sangue africano são classificadas como negras". O pesquisador italiano Andrea Semprini, nesse mesmo caminho, ressalta que nos EUA "Durante muito tempo, por exemplo, os tribunais do país aplicaram a regra denominada de "gota de sangue" (one drop rule), segundo a qual o simples fato de ter um único bisavô negro (e às vezes um único tetratvô) bastava para classificar um indivíduo como pertencente à ´raça´ negra". SEMPRINI (1999, 17).


Anexos (Leis, Decretos, Portarias e Sentença Judicial)

LEI Nº 5.465, DE 3 DE JULHO DE 1968.

Dispões sôbre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art 1º Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.

§ 1º A preferência de que trata êste artigo se estenderá os portadores de certificado de conclusão do 2º ciclo dos estabelecimentos de ensino agrícola, candidatos à matrícula nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidas pela União.

§ 2º Em qualquer caso, os candidatos atenderão às exigências da legislação vigente, inclusive as relativas aos exames de admissão ou habilitação.

Art 2º O Poder Executivo regulamentará a presente Lei dentro do prazo de 90 (noventa) dias.

Art 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 3 de julho de 1968; 147º da Independência e 80º da República.

A. COSTA E SILVA

Tarso Dutra

DECRETO Nº 63.788, DE 12 DE DEZEMBRO DE 1968.

Regulamenta a Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968, que dispõe sôbre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 83, item II, da Constituição, e tendo em vista o que dispõe a Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968,

DECRETA:

Art 1º Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária mantidos pela União, reservarão preferencialmente, cada ano, para matrícula na primeira série, 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural; nos estabelecimentos de ensino médio mantidos pela União, 30% (trinta por cento) das vagas restantes serão reservadas, preferencialmente, para os agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.

§ 1º As reservas mencionadas neste artigo serão feitas sem prejuízo dos alunos repetentes que venham a renovar sua matrícula, incluindo-se nesse direito os que pretendam transferência de um para outro estabelecimento, obedecido sempre o que sôbre transferência dispuser o respectivo Regimento.

§ 2º Para matrícula nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária mantidas pela União, a preferência de que trata êste artigo se estenderá aos candidatos portadores de certificados de conclusão de 2º ciclo expedidos por estabelecimentos de ensino agrícola.

§ 3º Em qualquer caso, os candidatos atenderão as exigências da legislação vigente, inclusive as relativas aos exames de admissão ou de habilitação.

Art 2º A matrícula nos estabelecimentos citados no artigo anterior deverá atender à capacidade real de cada estabelecimento, calculada esta em função da boa finalidade do ensino e do aproveitamento escolar, tendo em vista ainda suas instalações, equipamento, recursos humanos e disponibilidade financeira.

Art 3º As vagas destinadas aos candidatos agricultores ou filhos dêstes, por serem preferenciais, poderão, em última análise, ser ocupadas por outros candidatos sem ligações com o campo da agropecuária, desde que atendido todos os casos relativos aos primeiros.

Art 4º Organizado o quadro de capacidade de matrícula, com a devida antecedência, deverá a direção do estabelecimento programar a realização das respectivas provas de seleção, sejam de admissão ou habilitação, exigindo dos candidatos às vagas preferenciais, além dos títulos previstos em seu regulamento, prova de sua vinculação à agropecuária nos têrmos do artigo 1º dêste Decreto.

Parágrafo único. As provas de vinculação mencionadas neste artigo serão fornecidas pela Confederação Nacional de Agricultura, através das Associações Rurais, ou pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário ou ainda por entidades filiadas ao sistema da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural.

Art 5º Para a aplicação dêste decreto os Diretores dos estabelecimentos aqui mencionados receberão orientação e assistência da Coordenação Regional do Ministério da Educação e Cultura.

Art 6º Êste Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 12 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.

A. COSTA E SILVA

Raymundo Bruno Marussig

Tarso Dutra

LEI Nº 7.423, DE 17 DE DEZEMBRO DE 1985.

Revoga a Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968, que "dispõe sobre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola", bem como sua legislação complementar.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art 1º - Fica revogada a Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968, que "dispõe sobre o preenchimento de vagas nos estabelecimentos de ensino agrícola", bem como a legislação que a regulamenta.

Art 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art 3º - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, em 17 de dezembro de 1985; 164º da Independência e 97º da República.

JOSé SARNEY

Marco Maciel

LEI Nº 7.668, DE 22 DE AGOSTO DE 1988

Autoriza o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares - FCP, e dá outras providências

O Presidente da República,

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a Fundação Cultural Palmares - FCP, vinculada ao Ministério da Cultura1, com sede e foro no Distrito Federal, com a finalidade de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

Art. 2º A Fundação Cultural Palmares - FCP poderá atuar, em todo o Território Nacional, diretamente ou mediante convênios ou contratos com os Estados, Municípios e entidades públicas ou privadas, cabendo-lhe:

I - promover e apoiar eventos relacionados com os seus objetivos, inclusive visando à integração cultural, social, econômica e política do negro no contexto social do País;

II - promover e apoiar o intercâmbio com outros países e com entidades internacionais, através do Ministério das Relações Exteriores, para a realização de pesquisas, estudos e eventos relativos à história e à cultura dos povos negros.

III - realizar a identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos, proceder ao reconhecimento, à delimitação e à demarcação das terras por eles ocupadas e conferir-lhes a correspondente titulação.

- Com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.143-34, de 28 de junho de 2001

Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares - FCP é também parte legítima para promover o registro dos títulos de propriedade nos respectivos cartórios imobiliários." (NR)

-Com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.143-34, de 28 de junho de 2001

Art. 3º A Fundação Cultural Palmares - FCP terá um Conselho-Curador, que velará pela Fundação, seu patrimônio e cumprimento de seus objetivos, composto de 12 (doze) membros, sendo seus membros natos o Ministro de Estado da Cultura, que o presidirá, e o Presidente da Fundação.

Parágrafo Único. Observado o disposto neste artigo, os membros do Conselho-Curador serão nomeados pelo Ministro de Estado da Cultura, para mandato de 3 (três) anos, renovável uma vez.

Art. 4º A administração da Fundação Cultural Palmares - FCP será exercida por uma Diretoria, composta de 1 (um) Presidente e mais 2 (dois) Diretores, nomeados pelo Presidente da República, por proposta do Ministro de Estado da Cultura.

Art. 5º Os servidores da Fundação Cultural Palmares - FCP serão contratados sob o regime da legislação trabalhista2, conforme quadros de cargos e salários, elaborados com observância das normas da Administração Pública Federal e aprovados por decreto do Presidente da República.

Art. 6º O patrimônio da Fundação Cultural Palmares - FCP constituir-se-á dos bens e direitos que adquirir, com recursos de dotações, subvenções ou doações que, para este fim, lhe fizerem a União, Estados, Municípios ou outras entidades públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais.

Art. 7º Observado o disposto no artigo anterior, constituirão recursos da Fundação Cultural Palmares - FCP, destinados à sua manutenção e custeio, os provenientes:

I - de dotações consignadas no Orçamento da União;

II - de subvenções e doações dos Estados, Municípios e entidades públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais;

III - de convênios e contratos de prestação de serviços;

IV - da aplicação de seus bens e direitos.

Art. 8º A Fundação Cultural Palmares - FCP adquirirá personalidade jurídica com a inscrição, no Registro Civil das pessoas jurídicas, do seu Estatuto, que será aprovado por decreto do Presidente da República.3

Art. 9º No caso de extinção, os bens e direitos da Fundação Cultural Palmares - FCP serão incorporados ao patrimônio da União.

Art. 10. Fica o Poder Executivo autorizado a abrir crédito especial em favor da Fundação Cultural Palmares - FCP, à conta de encargos gerais da União, no valor de Cz$ 5.000.000,00 (cinco milhões de cruzados), para a constituição inicial do patrimônio da Fundação e para as despesas iniciais de instalação e funcionamento.

Parágrafo Único. Do crédito especial aberto na forma deste artigo, a quantia de Cz$ 2.000.000,00 (dois milhões de cruzados) destinar-se-á ao patrimônio da Fundação Cultural Palmares - FCP, nos termos do art. 6º desta Lei, e será aplicada conforme instruções do Ministro de Estado da Cultura, ouvida a Secretaria do Tesouro Nacional.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 12. Revogam-se as disposições em contrário.

JOSÉ SARNEY

Roberto Costa de Abreu Sodré

Hugo Napoleão

Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995

Proíbe a exigência de atestado de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º - Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Art. 2º - Constituem crimes as seguintes práticas discriminatórias:

I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou estado de gravidez;

II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem:

indução ou instigamento à esterilização genética;

promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema único de Saúde - SUS. Pena: detenção de um a dois anos e multa.

PARÁGRAFO ÚNICO. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo:

I - a pessoa física empregadora;

II - o representante legal do empregador, como definitivo na legislação trabalhista;

III - o dirigente, direto ou delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 3° - Sem prejuízo do prescrito no artigo anterior, as infrações do disposto nesta lei são passíveis das seguintes cominações:

I - multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinqüenta por cento a instituições financeiras oficiais.

Art. 4° - O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, faculta ao empregador optar entre:

I - a readmissão, ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescidas dos juros legais.

Art. 5° - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6° - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 13 de abril de 1995;

174º da independência e 107° da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

LEI Nº 9.125, DE 7 DE NOVEMBRO DE 1995.

Institui o ano de 1995 como o "Ano Zumbi dos Palmares", em homenagem ao tricentenário de sua morte.

O PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É instituído o ano de 1995 como o "Ano Zumbi dos Palmares", destinado a homenagear o tricentenário de sua morte.

Parágrafo único. Caberá ao Ministério da Cultura estabelecer e coordenar a programação nacional do "Ano Zumbi dos Palmares".

Art. 2º É declarado data nacional o dia 20 de novembro de 1995.

Art. 3º É a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, autorizada a emitir selo em homenagem ao tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares.

Art. 4º As despesas decorrentes desta Lei serão computadas no orçamento do Ministério da Cultura.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 7 de novembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

DECRETO DE 20 DE NOVEMBRO DE 1995

Institui Grupo de Trabalho Interministerial, com a finalidade de desenvolver políticas para a valorização da População Negra, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1o Fica instituído Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de desenvolver políticas para a valorização da População Negra.

Art. 2o Compete ao Grupo de Trabalho:

I – propor ações integradas de combate à discriminação racial, visando ao desenvolvimento e à participação da População Negra;

II – elaborar, propor e promover políticas governamentais antidiscriminatórias e de consolidação da cidadania da População Negra;

III – estimular e apoiar a elaboração de estudos atualizados sobre a situação da População Negra;

IV – reunir, sistematizar, avaliar e divulgar informações relevantes para o desenvolvimento da População Negra;

V – incentivar e apoiar ações de iniciativa privada que contribuam para o desenvolvimento da População Negra;

VI – estabelecer diálogo permanente com instituições e entidades, incluídas as do movimento negro, nacionais e internacionais, cujos objetivos e atividades possam trazer contribuições relevantes para as questões da População Negra e seu desenvolvimento;

VII – estimular os diversos sistemas de produção e coleta de informações sobre a População Negra;

VIII – contribuir para a mobilização de novos recursos para programas e ações na criação de mecanismos eficientes e permanentes na defesa contra o racismo e em áreas de interesse da População Negra, a fim de sugerir prioridade para otimizar sua aplicação;

IX – estimular e apoiar iniciativas públicas e privadas que valorizem a presença do negro nos meios de comunicação;

X – examinar a legislação e propor as mudanças necessárias, buscando promover e consolidar a cidadania da População Negra;

XI – estabelecer mecanismos de diálogo e colaboração com os Poderes Legislativo e Judiciário, com o propósito de promover a cidadania da População

Negra. 

Art. 3o O Grupo de Trabalho será integrado por:

I – oito membros da sociedade civil, ligados ao Movimento Negro;

II – um representante de cada ministério a seguir indicado:

a) da Justiça;

b) da Cultura;

c) da Educação e do Desporto;

d) Extraordinário dos Esportes;

e) do Planejamento e Orçamento;

f) das Relações Exteriores;

g) da Saúde:

h) do Trabalho;

III – um representante da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

§ 1o Os membros do Grupo de Trabalho serão designados pelo Presidente da República.

§ 2o O representante do Ministério da Justiça será o Presidente do Grupo de Trabalho, que submeterá os resultados das atividades desenvolvidas pelo colegiado ao exame do respectivo Ministro de Estado.

§ 3o As funções dos membros do Grupo de Trabalho não serão remuneradas e seu exercício será considerado serviço público relevante.

Art. 4o O Grupo de Trabalho poderá convidar outros representantes cuja colaboração seja necessária ao cumprimento de suas atribuições.

Art. 5o As despesas decorrentes do disposto neste decreto correrão à conta das dotações orçamentárias dos órgãos da Administração Pública Federal que integram o Grupo de Trabalho.

Art. 6o O Ministério da Justiça assegurará o apoio técnico e administrativo indispensável ao funcionamento do Grupo de Trabalho.

Art. 7o Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 20 de novembro de 1995; 174o da Independência e 107o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Nelson A. Jobim

DECRETO DE 20 DE MARÇO DE 1996

Cria, no âmbito do Ministério do Trabalho, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEDEO) e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, da Constituição, DECRETA:

Art. 1o Fica criado, no âmbito do Ministério do Trabalho, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEDEO), com a finalidade de definir programas de ações que visem o combate à discriminação no emprego e na ocupação.

Art. 2o Compete ao GTEDEO:

I – definir ações de combate à discriminação e estabelecer o cronograma para sua execução;

II – propor estratégias de implementação de ações de combate à discriminação no emprego e na ocupação;

III – sugerir entidades ou órgãos para a execução das diferentes ações programadas;

IV – propor atos normativos que se fizerem necessários à implantação das ações programadas.

Art. 3o O Grupo de Trabalho será integrado por:

I – um representante de cada Ministério a seguir indicado:

a) do Trabalho, que o presidirá;

b) da Justiça;

c) da Saúde;

d) da Educação e do Desporto;

e) das Relações Exteriores;

II – um representante do Conselho Nacional dos direitos da Mulher (CNDM), do Ministério da Justiça;

III – um representante da Fundação Cultural Palmares;

IV – um representante do Ministério Público do Trabalho;

V – um representante de cada entidade de trabalhadores a seguir indicada:

a) Central Única dos Trabalhadores (CUT);

b) Força Sindical (FS);

c) Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT);

VI – um representante de cada entidade de empregadores a seguir indicada:

a) Confederação Nacional da Indústria (CNI);

b) Confederação Nacional do Comércio (CNC);

c) Confederação Nacional do Transporte (CNT);

d) Confederação Nacional da Agricultura (CNA);

e) Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF).

§ 1o Poderão ser convidados a participar das reuniões do GTEDEO representantes de outros órgãos, entidades públicas ou privadas e organizações não-governamentais.

§ 2o Os membros titulares e seus respectivos suplentes serão designados pelo Ministro de Estado do Trabalho, mediante proposta dos titulares dos órgãos e entidades representados.

§ 3o A função de membro do Grupo de Trabalho não será remunerada e seu exercício será considerado missão de serviço relevante.

Art. 4o O Ministério do Trabalho assegurará o apoio técnico e administrativo necessário ao funcionamento do Grupo de Trabalho.

Art. 5o Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 20 de março de 1996; 175o da Independência e 108o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Paulo Paiva

DECRETO NO 1.904, DE 13 DE MAIO DE 1996

Institui o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, DECRETA:

Art. 1o Fica instituído o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), contendo diagnóstico da situação desses direitos no País e medidas para a sua defesa e promoção, na forma do anexo deste decreto.

Art. 2o O PNDH objetiva:

I – a identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos no País;

II – a execução, a curto, médio e longo prazos, de medidas de promoção e defesa desses direitos;

III – a implementação de atos e declarações internacionais, com a adesão brasileira relacionados com direitos humanos;

IV – a redução de condutas e atos de violência, intolerância e discriminação, com reflexos na diminuição das desigualdades sociais;

V – a observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, especialmente os dispostos em seu art. 5o;

VI – a plena realização da cidadania.

Art. 3o As ações relativas à execução e ao apoio do PNDH serão prioritárias.

Art. 4o O PNDH será coordenado pelo Ministério da Justiça, com a participação e apoio dos órgãos da Administração Pública Federal.

Parágrafo único. Cada órgão envolvido designará uma coordenação setorial, responsável pelas ações e informações relativas à execução e ao apoio do PNDH.

Art. 5o Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades privadas poderão manifestar adesão ao PNDH.

Art. 6o As despesas decorrentes do cumprimento do PNDH correrão à conta de dotações orçamentárias dos respectivos órgãos participantes.

Art. 7o O Ministro de Estado da Justiça, sempre que necessário, baixará portarias instrutórias à execução do PNDH.

Art. 8o Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de maio de 1996: 175o da Independência e 108o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Nelson A. Jobim

LEI NO 9.315 DE 20 DE NOVEMBRO DE 1996

Inscreve o nome de Zumbi dos Palmares no Livro dos Heróis da Pátria

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA 

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1o Em comemoração ao tricentenário da morte de Zumbi será inscrito no Livro dos Heróis da Pátria que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia o nome de Zumbi dos Palmares (Francisco).

Art. 2o Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 20 de novembro de 1996; 175o da Independência e 108o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Nelson A. Jobim

PORTARIA NO 1.740, DE 26 DE OUTUBRO DE 1999

O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso da competência que lhe confere o inciso II do parágrafo único da Constituição Federal, tendo em vista o disposto na Lei no 4.923, de dezembro de 1965 e no Decreto no 76.900, de 23 de dezembro de 1975, e considerando a necessidade de aperfeiçoar o sistema de coleta e disponibilização de dados indispensáveis a estudos técnicos de natureza estatística, resolve:

Art. 1o – Determinar a inclusão, nos formulários da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED, de dados informativos da raça e cor dos empregados, em campo próprio "raça/cor", adotando-se para essa finalidade a classificação utilizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a saber:

I – branca;

II – preta;

III – amarela;

IV – parda, e

V – indígena.

Art. 2o – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

FRANCISCO DORNELLES

PORTARIA NO 604, DE 01 DE JUNHO DE 2000

O Secretário-Executivo do Ministério do Trabalho e Emprego, no uso de suas atribuições legais, tendo em via o disposto nas Convenções no 100, no 111 e no 159 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, considerando o compromisso do Governo brasileiro de implementar uma política que promova a igualdade de oportunidades e de tratamento no mercado de trabalho considerando que, na execução dessa política, compete às Delegacias Regionais do Trabalho inserir a questão da discriminação nas suas atividades de rotina, visando combater práticas discriminatórias no emprego e na profissão; e considerando que o Ministério do Trabalho e Emprego vem desenvolvendo, desde setembro de 1995, o Programa para a Implementação da Convenção no 11, resolve:

Art. 1o Instituir no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho, os Núcleos de Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Combate à Discriminação, encarregados de coordenar ações de combate à discriminação em matéria de emprego e profissão.

Art. 2o Compete aos Núcleos:

I – Instituir programas educativos que garantam a aplicação das políticas de promoção da igualdade de oportunidades, em matéria de emprego e profissão;

II – propor estratégias e ações que visem eliminar a discriminação e o tratamento degradante e que protejam a dignidade da pessoa humana, em matéria de trabalho;

III – atuar como centro aglutinador do relacionamento das diversas organizações públicas e privadas que têm como objetivo o combate à discriminação, na busca da convergência de esforços para a eficácia e efetividade social de suas ações;

IV – celebrar parcerias com organizações empresariais, sindicais e não governamentais, objetivando sistematização do fluxo de informações relativas a vagas disponibilizadas e preenchidas por segmentos da população mais vulneráveis à discriminação;

V – manter cadastro, através de banco de dados, da oferta e demanda de emprego para portadores de deficiência, com vistas ao atendimento da cota legal nas empresas; e 

VI – acolher denúncias de práticas discriminatórias no trabalho, buscando solucioná-las de acordo com os dispositivos legais e, quando for o caso, encaminha-las ao Ministério Público do Trabalho.

Art. 3o – A designação dos membros que comporão os Núcleos de que trata esta Portaria compete ao titular da respectiva Delegacia Regional do Trabalho.

Art. 4o – Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.

Paulo Jobim Filho

PORTARIA NO 202, DE 4 DE SETEMBRO DE 2001

O MINISTRO DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, no uso da competência que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal,

Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e contra a Mulher, a Convenção Internacional sobre a Repressão e Castigo de Crime de Apartheid, III Conferência Mundial das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ora em curso na África do Sul, reafirmam o direito inalienável de todas as pessoas viverem em uma sociedade livre de racismo, xenofobia e de toda forma de intolerância e discriminação;

Considerando o dever dos Estados de promover sociedades livres de racismo, xenofobia e toda forma de intolerância e discriminação, compatíveis com a dignidade inerente à pessoa humana;

Considerando os Protocolos de Intenções celebrados entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e os Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, e da Justiça, que visam a promoção de igualdade de oportunidades e de tratamento entre servidores e servidoras e beneficiários e beneficiárias da reforma agrária e da agricultura familiar em implementação no que se refere à adoção de política progressiva de cotas para assegurar o acesso de servidoras em, no mínimo, 30% (trinta porcento) dos cargos de tomada de decisão no MDA/INCRA;

Considerando a institucionalização do Programa de Ações Afirmativas do MDA/INCRA, mediante Portaria no 33 de 08 de março de 2001, resolve: 

Art. 1o Determinar a adoção de medidas compensatórias, especiais e temporárias, que acelerem o processo de construção da igualdade racial no campo.

Art. 2o Determinar que, no âmbito do MDA/INCRA, seja realizada análise do percentual de servidores e servidoras negros e negras na estrutura institucional, e depois seja estabelecida cota de no mínimo 20% em 2001 de acesso dos mesmos aos cargos de direção, progressivamente até 30% em 2003.

Art. 3o Determinar que os setores competentes do MDA/INCRA encaminhem às empresas prestadoras de serviços terceirizados, bem como aos Organismos Internacionais de Cooperação Técnica, contratadoras de serviços de consultoria, orientação para contratar, no mínimo 20%, de funcionários, funcionárias, consultores, consultoras negros e negras.

Art. 4o Determinar que, para o preenchimento destas cotas seja assegurado capacitação específica para negros e negras.

Art. 5o Determinar que se faça incluir nos editais para provimento de cargos de concursos públicos no Ministério do Desenvolvimento Agrário e suas entidades vinculadas, o percentual de 20% das vagas disponíveis para negros e negras.

Art. 6o Determinar que os diversos setores do MDA/INCRA apoiem a implementação do enfoque raça e etnia no Programa de Ações Afirmativas.

Art. 7o Esta portaria entra em vigor na data da sua publicação.

RAUL BELENS JUNGMANN PINTO

Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário

DECRETO NO 3.912, DE 10 DE SETEMBRO DE 2001.

Regulamenta as disposições relativas ao processo administrativo para identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos e para o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a titulação e o registro imobiliário das terras por eles ocupadas.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 14, inciso IV, alínea "c", da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, e no art. 2o, inciso III e parágrafo único, da Lei no 7.668, de 22 de agosto de 1988, DECRETA:

Art. 1o Compete à Fundação Cultural Palmares – FCP iniciar, dar seguimento e concluir o processo administrativo de identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como de reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário das terras por eles ocupadas.

Parágrafo único. Para efeito do disposto no caput, somente pode ser reconhecida a propriedade sobre terras que:

I – eram ocupadas por quilombos em 1888; e

II – estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de outubro de 1988.

Art. 2o O processo administrativo para a identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos e para o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a titulação e o registro imobiliário de suas terras será iniciado por requerimento da parte interessada.

§ 1o O requerimento deverá ser dirigido ao Presidente da Fundação Cultural Palmares – FCP, que determinará a abertura do processo administrativo respectivo.

§ 2o Com prévia autorização do Ministro de Estado da Cultura, a Fundação Cultural Palmares – FCP poderá de ofício iniciar o processo administrativo.

Art. 3o Do processo administrativo constará relatório técnico e parecer conclusivo elaborados pela Fundação Cultural Palmares – FCP.

§ 1o O relatório técnico conterá: 

I – identificação dos aspectos étnicos, histórico, cultural e sócio-econômico do grupo;

II – estudos complementares de natureza cartográfica e ambiental;

III – levantamento dos títulos e registros incidentes sobre as terras ocupadas e a respectiva cadeia dominial, perante o cartório de registro de imóveis competente;

IV – delimitação das terras consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação;

V – parecer jurídico.

§ 2o As ações mencionadas nos incisos II, III e IV do parágrafo anterior, poderão ser executadas mediante convênio firmado com o Ministério da Defesa, a Secretaria de Patrimônio da União – SPU, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e outros órgãos e entidades da Administração Pública Federal ou empresas privadas, de acordo com a natureza das atividades.

§ 3o Concluído o relatório técnico, a Fundação Cultural Palmares – FCP o remeterá aos seguintes órgãos, para manifestação no prazo comum de trinta dias:

I – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN;

II – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA;

III – Secretaria do Patrimônio da União – SPU;

IV – Fundação Nacional do Índio – FUNAI;

V – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

§ 4o Após a manifestação dos órgãos relacionados no parágrafo anterior, a Fundação Cultural Palmares – FCP elaborará parecer conclusivo no prazo de noventa dias e o fará publicar, em três dias consecutivos, no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área a ser demarcada, em forma de extrato e com o respectivo memorial descritivo de delimitação das terras.

§ 5o Se, no prazo de trinta dias a contar da publicação a que se refere o parágrafo anterior, houver impugnação de terceiros interessados contra o parecer conclusivo, o Presidente da Fundação Cultural Palmares – FCP a apreciará no prazo de trinta dias.

§ 6o Contra a decisão do Presidente da Fundação Cultural Palmares – FCP caberá recurso para o Ministro de Estado da Cultura, no prazo de quinze dias.

§ 7o Se não houver impugnação, decorridos trinta dias contados da publicação a que se refere o § 4o, o Presidente da Fundação Cultural Palmares – FCP encaminhará o parecer conclusivo e o respectivo processo administrativo ao Ministro de Estado da Cultura.

§ 8o Em até trinta dias após o recebimento do processo, o Ministro de Estado da Cultura decidirá:

I – declarando, mediante portaria, os limites das terras e determinando a sua demarcação;

II – prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de sessenta dias;

III – desaprovando a identificação e retornando os autos à Fundação Cultural Palmares – FCP, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição.

§9o Será garantida à comunidade interessada a participação em todas as etapas do processo administrativo.

Art. 4o A demarcação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos será homologada mediante decreto.

Art. 5o Em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, a Fundação Cultural Palmares – FCP conferirá a titulação das terras demarcadas e promoverá o respectivo registro no cartório de registro de imóveis correspondente. 

Art. 6o Quando a área sob demarcação envolver terra registrada em nome da União, cuja representação compete à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a titulação e o registro imobiliário ocorrerão de acordo com a legislação pertinente.

Art. 7o Este Decreto aplica-se aos processos administrativos em curso. 

Parágrafo único. Serão aproveitados, no que couber, os atos administrativos já praticados que não contrariem as disposições deste Decreto.

Art. 8o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de setembro de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Francisco Weffort

PORTARIA NO 222, DE 28 DE SETEMBRO DE 2001

O MINISTRO DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, no uso da competência que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal, 

Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e contra a Mulher, a Convenção Internacional sobre a Repressão e Castigo de Crime de Apartheid, III Conferência Mundial das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ora em curso na África do Sul, reafirmam o direito inalienável de todas as pessoas viverem em uma sociedade livre de racismo, xenofobia e de toda forma de intolerância e discriminação;

Considerando o dever dos Estados de promover sociedades livres de racismo, xenofobia e toda forma de intolerância e discriminação, compatíveis com a dignidade inerente à pessoa humana;

Considerando os Protocolos de Intenções celebrados entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e os Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, e da Justiça, que visam a promoção de igualdade de oportunidades e de tratamento entre servidores e servidoras e beneficiários e beneficiárias da reforma agrária e da agricultura familiar em implementação no que se refere à adoção de política progressiva de cotas para assegurar o acesso de servidoras em, no mínimo, 30% (trinta porcento) dos cargos de tomada de decisão no MDA/INCRA;

Considerando a institucionalização do Programa de Ações Afirmativas do MDA/INCRA, mediante Portaria no 33 de 08 de março de 2001, resolve:

Art. 1o Instituir a vertente de raça e etnia no Programa de Ações Afirmativas do MDA-INCRA;

Art. 2o Caberá à Coordenação do Projeto Raça e Etnia no âmbito do Programa de Ações Afirmativas do MDA-INCRA:

I. formular e implementar políticas sociais, com enfoque de raça e etnia, vinculadas às ações estratégicas da reforma agrária e agricultura familiar;

II. articular com parceiros a estruturação de propostas que promovam o desenvolvimento sustentável de comunidades remanescentes de quilombos.

III. realizar capacitação com enfoque de raça e etnia para acesso à cidadania, liderança transformadora e gestão social;

IV. sensibilizar servidores/as sobre a persistência das desigualdades raciais e étnicas e a necessidade de promoção dos direitos humanos;

V. promover a formação de multiplicadores/as de capacitações, assistência técnica, ações preventivas de saúde, documentação, projetos de geração de renda, comercialização e acesso ao mercado, estimulando sua organização em associações e cooperativas nas comunidades com negras ou aquelas com predominância da raça negra.

VI. trabalhar de forma articulada com os/as empreendedores/as sociais e parceiros locais;

VII. diagnosticar a realidade das comunidades negras, no meio rural, existentes para elaboração de propostas e implementação de ações que promovam a sustentabilidade local e resgate de sua identidade cultural; e 

VIII. sistematizar continuamente os resultados processuais alcançados para disponibilização dessas informações em rede.

Art. 3o Esta portaria entra em vigor na data da sua publicação.

RAUL BELENS JUNGMANN PINTO

PORTARIA/MDA/N.O 224 – 28/09/2001 – ALTERA ARTIGOS 10, 14, 18 E 20 DO REGIMENTO INTERNO DO INCRA.

(Publicação: Diário Oficial no 188, de 1o/10/2001, seção 1, p. 156 – Republicada: Diário Oficial no 192, de 5/10/2001, seção 1, p. 113)

O MINISTRO DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, no uso da competência que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal, 

Considerando os compromissos do Governo Brasileiro junto à comunidade internacional (IV Conferência Mundial Sobre os Direitos da Mulher em 1995 e a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em 2001) no sentido de promover a democratização das relações entre homens e mulheres e a igualdade de oportunidades e de tratamento;

Considerando a institucionalização do Programa de Ações Afirmativas do MDA/INCRA, mediante Portaria no 33, de 08 de março de 2001 e a Portaria no 202, de 04 de setembro de 2001 que visa adoção de medidas compensatórias, especiais e temporárias, que acelerem o processo de construção da igualdade racial e étnica no campo; 

Considerando o dever dos Estados de promover sociedades livres de racismo, xenofobia e toda forma de intolerância e discriminação, compatíveis com a dignidade inerente à pessoa humana; 

Considerando o trabalho que vem sendo desenvolvido pelos Fóruns Regionais de Mulheres que, na nova estrutura do INCRA, têm contribuído com a implementação descentralizada das políticas públicas previstas com a participação ativa das populações assentadas, permitindo assim a sustentabilidade, a capilaridade do Programa e o empoderamento das populações discriminadas;

Considerando a necessidade de estimular o exercício da cidadania, com capacitações, ações preventivas de saúde, documentação, orientação para aproveitamento das potencialidades específicas das trabalhadoras rurais e comunidades com predominância negra, estimulando sua organização e propiciando assim maior democratização das relações de gênero, raciais e étnicas e a respectiva melhoria da qualidade de vida no campo;

Considerando que estas ações impõem a necessidade de implementar um novo modelo de gestão estratégica, com enfoque de gênero, raça e etnia incorporado, e que proporcione a formulação e o acompanhamento de políticas integradas no âmbito dos programas da reforma agrária, de forma capilarizada, resolve:

Art. 1o Os artigos 10, 14, 18 e 20, do Regimento Interno do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, aprovado pela Portaria no 164, de 14 de julho de 2000, passam a vigorar com as seguintes redações:

"Art. 10.....................

XIII – autorizar o Presidente a receber em doação imóveis rurais, para fins de reforma agrária.

Art.14...............

§ 3o..............

j) orientar, supervisionar e acompanhar o desempenho das Comissões de Processos Administrativos Disciplinares e Sindicância, sem prejuízo das demais disposições regulamentares internas, no tocante a investigações, forma e conteúdo dos atos processuais, visando aferir a correta aplicação da legislação pertinente à matéria, respeitadas a autonomia e independência dos integrantes da Comissão.

Art. 18........................

§ 3o..............................

g) apoiar, supervisionar e avaliar o Programa de Ações Afirmativas, no âmbito da Sede e de cada Superintendência Regional do INCRA, para formalização institucional desta atividade com metas, cronograma de execução, garantindo assim a legitimidade, continuidade e agilidade das ações com enfoque de gênero, raça e etnia nos estados.

Art. 20.........................

§ 3o.. ......

i) o Programa de Ações Afirmativas, nos moldes seguintes:

I – participar da formulação e implementação de políticas sociais, com enfoque de gênero, raça e etnia, vinculadas às ações estratégicas da reforma agrária e acordadas com a Coordenação do Programa de Ações Afirmativas;

II – articular com parceiros a estruturação de propostas que promovam o desenvolvimento sustentável de comunidades remanescentes de quilombos;

III – participar de momentos de capacitação em gênero, raça e etnia, acesso à cidadania, liderança transformadora e gestão social junto à Coordenação do Programa de Ações Afirmativas;

IV – sensibilizar continuamente servidores/as no local de trabalho sobre as relações desiguais de gênero, raça e etnia e a necessidade de promoção dos direitos humanos;

V – ser multiplicador/a e promotor/a de capacitações, assistência técnica, ações preventivas de saúde, documentação, projetos de geração de renda, comercialização e acesso ao mercado, estimulando sua organização em associações e cooperativas;

VI – trabalhar de forma articulada com os/as empreendedores/as sociais; 

VII – promover a credibilidade do Programa de Ações Afirmativas do MDA–INCRA junto aos parceiros locais;

VIII – diagnosticar a realidade das comunidades negras, no meio rural para elaboração de propostas e implementação de ações que promovam a sustentabilidade local e 

IX – sistematizar continuamente os resultados processuais alcançados para disponibilização dessas informações em rede.

Art. 2o Fica revogado o disposto na letra "h", do § 2o, do Art. 14.

Art. 3o Esta portaria entra em vigor na data da sua publicação.

RAUL BELENS JUNGMANN PINTO

DECRETO NO 3.952, DE 4 DE OUTUBRO DE 2001

Dispõe sobre o Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto no inciso X do art. 16 da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, 

DECRETA:

Art. 1o Este Decreto trata da competência, da composição e do funcionamento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD, a que se refere o inciso X do art. 16 da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998.

Art. 2o Ao CNCD, órgão colegiado, integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça, compete propor, acompanhar e avaliar as políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos sociais e étnicos afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância.

Art. 3o O CNCD tem a seguinte composição:

I – o Secretário de Estado dos Direitos Humanos, que o presidirá;

II – um representante da Assessoria Especial do Gabinete da Presidência da República;

III – um representante do Ministério das Relações Exteriores;

IV – um representante do Ministério da Educação;

V – um representante do Ministério da Saúde;

VI – um representante do Ministério do Trabalho e Emprego;

VII – um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário;

VIII – um representante da Secretaria de Estado de Assistência Social;

IX – um representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA;

X – um representante da Fundação Cultural Palmares;

XI – um representante da Fundação Nacional do Índio; e

XII – onze representantes de movimentos sociais e organizações não governamentais, com especial ênfase na participação de entidades da comunidade negra, que se ocupem de temas relacionados com a promoção da igualdade e com o combate a todas as formas de discriminação.

§ 1o Poderão integrar, ainda, o CNCD:

I – um representante do Ministério Público Federal; e

II – um representante do Ministério Público do Trabalho.

§ 2o Haverá um suplente para cada membro do Conselho.

§ 3o Os membros e os suplentes do Conselho serão indicados pelos titulares dos órgãos e entidades mencionados neste artigo e designados pelo Ministro de Estado da Justiça.

§ 4o Os membros do Conselho terão mandato de dois anos, permitida uma recondução, e não serão remunerados, sendo sua participação considerada serviço público relevante.

Art. 4o Nas reuniões do CNCD será necessária a presença de, no mínimo, doze membros, sendo seis representantes das entidades ou dos órgãos públicos e seis de movimentos sociais ou de organizações não-governamentais referidos no art. 3o.

§ 1o As decisões do Conselho serão tomadas por maioria de votos dos presentes.

§ 2o Em caso de empate, o Presidente do Conselho tem o voto de qualidade.

§ 3o O Conselho poderá convidar para participar das reuniões, sem direito a voto, representantes de órgãos públicos diversos dos arrolados no art. 3o e pessoas com especialização ou experiência na temática da promoção e proteção dos direitos humanos e do combate à discriminação. 

Art. 5o O CNCD poderá constituir comissões para a análise de assuntos específicos relacionados com as matérias de sua competência.

Art. 6o O CNCD, no exercício de sua competência, poderá solicitar informações a órgãos e entidades governamentais e não-governamentais, examinar as denúncias que lhe forem submetidas e encaminhá-las para as autoridades competentes.

Art. 7o Os serviços de secretaria-executiva do CNCD serão prestados pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.

Art. 8o As dúvidas decorrentes da aplicação deste Decreto serão dirimidas pelo Presidente do CNCD.

Art. 9o O regimento interno do CNCD será aprovado pelo Ministro de Estado da Justiça.

Art. 10. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 4 de outubro de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Gregori

PORTARIA PFDC NO 03, DE 16 DE OUTUBRO DE 2001.

A PROCURADORA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO, do Ministério Público Federal, nos termos do art. 5o, letra h e inciso II, letra e da Lei Complementar no 75, de 20 de maio de 1993 e,

CONSIDERANDO a necessidade de dar seqüência ao Plano de Ação definido no VIII Encontro Nacional dos Procuradores da Cidadania, que definiu a necessidade de constituição de grupo de trabalho composto de Procuradores do Cidadão para cuidar da situação do tema no Brasil;

CONSIDERANDO a necessidade de dar seqüência às discussões e conclusões das reuniões preliminares e da reunião final da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata;

CONSIDERANDO a necessidade de estimular os Procuradores do Cidadão a buscar soluções para promover a inclusão social e econômica dos discriminados por racismo;

CONSIDERANDO a necessidade de definir estratégia de atuação, a iniciar com a inclusão dos negros (IPEA);

CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer parcerias internas e externas com entidades da sociedade civil para colher subsídios para atuação;

CONSIDERANDO a necessidade de estudar formulação e fazer o acompanhamento de políticas de ação afirmativa destinada a inclusão social de grupos vulneráveis, especialmente os negros;

RESOLVE instituir junto a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, sob a coordenação de sua titular, GRUPO TEMÁTICO DE TRABALHO SOBRE DISCRIMINAÇÃO RACIAL, integrado pelos Membros do Ministério Público Federal, a seguir relacionados, secretariado pelo primeiro, para definir planos de atuação que indiquem parâmetros e metas dos Procuradores da Cidadania em todo o país: Luiza Cristina Fonseca Frischeisen; SP, Ana Lúcia Amaral; SP, Alexandre Amaral Gavronski; MS, André de Carvalho Ramos; SP, Walter Cláudius Rothenburg; SP, Fabiano João Bosco Formiga de Carvalho; AL, Luciano Mariz Maia; DF, Maria Soares Camelo Cordioli; DF, Marco André Seifert; RN, Raquel Elias Ferreira Dodge; DF, Maria Luiza Grabner; SP, Joaquim Benedito Barbosa Gomes; RJ. 

Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

MARIA ELIANE MENEZES DE FARIAS
Subprocuradora-Geral da República
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão

PORTARIA NO 1156 DO MJ, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2001, SOBRE AÇÕES AFIRMATIVAS

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso da competência que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal,

Considerando os padrões internacionais de respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, a Convenção no 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que trata da discriminação no emprego e na profissão, e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência;

Considerando as declarações, plataformas e programas de ação das conferências mundiais sobre direitos humanos (Viena, 1993); desenvolvimento social (Copenhague, 1994); direitos da mulher (Pequim, 1995); e de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata (Durban, 2001);

Considerando a institucionalização do Programa Nacional dos Direitos Humanos – PNDH – que prevê a adoção de medidas compensatórias especiais que acelerem o processo de construção da igualdade, sem qualquer discriminação no que se refere a gênero, raça, etnia e condição física ou mental; 

Considerando que a ação afirmativa constitui um dos instrumentos de promoção da cidadania e da inclusão social, possibilitando a garantia a todos os cidadãos brasileiros dos direitos consagrados na Constituição Federal e na legislação ordinária, resolve:

Art. 1o Instituir o Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Justiça, que tem como objetivo central a incorporação, no cotidiano do Ministério, de um conjunto de medidas preconizadas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, especialmente as referentes à promoção e proteção dos direitos dos afrodescendentes, das mulheres e das pessoas portadoras de deficiência.

Art. 2o Constituem o Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Justiça as seguintes medidas administrativas e de gestão estratégica:

I – Com o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades, o Ministério da Justiça – MJ, a contar da publicação da presente Portaria, passará a observar, no preenchimento de cargos de direção e assessoramento superior – DAS, requisito que garanta, até o final do ano de 2002, a realização das seguintes metas de participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência:

a) – afrodescendentes – 20 % (vinte por cento);

b) – mulheres – 20% (vinte por cento);

c) – portadores de deficiência – 5% (cinco por cento).

II – Os termos de convênio ou parceria celebrados pelo Ministério da Justiça, a contar do mês de janeiro de 2002, deverão incorporar cláusula de adesão ao Programa Nacional de Direitos Humanos, especialmente no que diz respeito às políticas de promoção da igualdade.

III – Nas licitações e concorrências públicas promovidas pelo MJ deverá ser observado, como critério adicional, a ser utilizado nos casos em que a legislação assim o permitir, a preferência por fornecedores que comprovem a adoção de políticas de ação afirmativa.

IV – Nas contratações de empresas prestadoras de serviços, bem como de técnicos e consultores no âmbito dos projetos desenvolvidos em parceria com organismos internacionais será exigida a observância das seguintes metas: 

a) – afrodescendentes – 20% (vinte por cento);

b) – mulheres – 20% (vinte por cento);

c) – portadores de deficiência:

– Até 200 empregados – 2% (dois por cento);

– De 201 a 500 – 3% (três por cento);

– De 501 a 1.000 – 4% (quatro por cento);

– De 1.001 em diante – 5% (cinco por cento).

Art. 4o A coordenação do Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Justiça ficará a cargo do Secretário-Executivo do Ministério, com as seguintes atribuições:

I – Submeter à apreciação do Ministro de Estado propostas de diretrizes complementares, com vistas à adequada execução do Programa; 

II – Estabelecer diretrizes e procedimentos administrativos com vistas a garantir a adequada implementação do Programa, a sua incorporação aos Regimentos Internos dos órgãos integrantes da estrutura organizacional do Ministério e a conseqüente realização das metas estabelecidas no inciso I do art. 2o;

III – Articular, com parceiros do MJ, a estruturação de propostas que promovam a implementação de políticas de ação afirmativa;

IV – Estimular o desenvolvimento de ações de capacitação com foco nas medidas da ação afirmativa para a promoção da igualdade e o acesso à cidadania; 

V – Sensibilizar servidores do MJ para a promoção dos direitos humanos, com a conseqüente eliminação das desigualdades de gênero, raciais e as que se vinculam às pessoas portadoras de deficiência;

VI – Trabalhar de forma articulada com os empreendedores sociais e parceiros dos movimentos negros, de mulheres e de pessoas portadoras de deficiência;

VII – Sistematizar os resultados alcançados pelo Programa de Ações Afirmativas do MJ e disponibilizá-los através dos meios de comunicação;

VIII – Fomentar a implementação de medidas estabelecidas nos acordos, tratados e convenções internacionais, que tenham o Brasil como signatário, com vistas à promoção da igualdade de oportunidades; 

Art. 5o Fica constituída a Comissão de Avaliação e Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas do MJ, assim composta:

I – Secretário de Estado dos Direitos Humanos, que a presidirá;

II – Representante da Secretaria Executiva;

III – Representante do Conselho Nacional de Combate a Discriminação – CNCD;

IV – Representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM; e

V – Representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE.

Parágrafo Único – A Comissão tem por finalidade apoiar, supervisionar e avaliar a implementação do Programa de Ações Afirmativas do MJ, sugerindo ao Ministro de Estado a adoção de medidas destinadas a garantir a continuidade e a efetividade do Programa, especialmente no que diz respeito ao cumprimento das metas e do cronograma estabelecido.

Art. 6o Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ALOYSIO NUNES FERREIRA

PORTARIA NO 25, DE 21 DE JANEIRO DE 2001.

O MINISTRO DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, no uso da competência que lhe confere o art. 87 parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal,

Considerando os compromissos assumidos pelo Governo Brasileiro junto à comunidade internacional (IV Conferência Mundial sobre a Mulher e frente aos preparativos para a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em 2001) no sentido de promover a democratização das relações entre homens e mulheres e a igualdade de oportunidades e de tratamento;

Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e contra a Mulher, a Convenção Internacional sobre a Repressão e Castigo de Crime de Aparthaeid, III Conferência Mundial das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em setembro de 2001 na África do Sul, reafirmam o direito inalienável de todas as pessoas viverem em uma sociedade livre de racismo, xenofobia e de toda forma de intolerância e discriminação;

Considerando os Protocolos de Intenções celebrados entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e os Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, e da Justiça, que visam a promoção de igualdade de oportunidades e de tratamento entre servidores e servidoras e beneficiários e beneficiárias da reforma agrária e da agricultura familiar;

Considerando a institucionalização do Programa de Ações Afirmativas do MDA/INCRA, mediante Portarias no 33 de 08 de março de 2001, no 202 de 04 de setembro de 2001 e a de no 222 de 26 de setembro de 2001; e 

Considerando a necessidade de estimular empresas públicas e privadas a investirem em seu capital social incorporando e respeitando a diversidade – raça/gênero – entre seus funcionários, funcionárias e entidades parceiras, resolve: 

Art. 1o Determinar a Subsecretaria de Planejamento Orçamento e Administração que proceda a comunicação às Empresas e Instituições, por meio de carta e de Edital, com ampla divulgação Nacional, informando que a partir de agosto de 2002 a realização de contratações ou a continuação de serviços ao MDA/INCRA, deverão ser procedidas de comprovação de desenvolvimento de ações de cunho social/afirmativo, de resgate de cidadania, respeitando a diversidade – raça/gênero – em seus quadros funcionais. 

Art. 2o Determinar que conste dos editais de contratação, aquisição de serviços, materiais e “ outras aquisições ” no âmbito do MDA/INCRA, que as empresas licitantes deverão apresentar propostas de adoção de ações afimativas para democratização das relações sociais no âmbito organizacional, independente de sexo, raça, etnia e geração. 

Art. 3o Estimular rede de parcerias com selo afirmativo para aquelas empresas comprometidas em contribuir na erradicação da pobreza e na promoção da justiça social com enfoque de gênero, raça, etnia e geração. 

Art. 4o Atribuir ao Programa de Ações Afirmativas do MDA-INCRA a competência, para em nome do MDA, orientar a criação de Programas de Ações Afirmativas nas organizações e nas empresas que desejarem. 

Art. 5o Esta portaria entra em vigor na data da sua publicação.

RAUL BELENS JUNGMANN PINTO
MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO

PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO SOBRE A AÇÃO AFIRMATIVA NO INSTITUTO RIO BRANCO, QUE ENTRE SI CELEBRAM O MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, POR INTERMÉDIO DO CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO–CNPQ, 

O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, POR INTERMÉDIO DA SECRETARIA DE ESTADO DOS DIREITOS HUMANOS, O MINISTÉRIO DA CULTURA, POR INTERMÉDIO DA FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES E O MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, POR INTERMÉDIO DO INSTITUTO RIO BRANCO, COM VISTAS A FIXAR DIRETRIZES PARA A CRIAÇÃO E CONCESSÃO DE "BOLSAS-PRÊMIO DE VOCAÇÃO PARA A DIPLOMACIA".

Com vistas a propiciar maior igualdade de oportunidade e diversidade étnica na preparação ao concurso do Instituto Rio Branco para a formação de diplomatas brasileiros, por meio de apoio a candidatos afro-descendentes, e com eqüidade de gênero, o Governo Federal, por intermédio das entidades acima individuadas, por seus respectivos titulares resolvem fixar diretrizes para a criação e concessão de "bolsa-prêmio de vocação para a diplomacia".

PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO que será em tudo regido por preceitos de direito público e pelas condições que vão a seguir discriminadas:

CLÁUSULA PRIMEIRA

DO OBJETO

O presente Protocolo de Cooperação tem por objeto fixar diretrizes para a criação e concessão de "bolsas-prêmio de vocação para a diplomacia" em favor de estudantes afro-descendentes que venham candidatar-se ao Instituto Rio Branco.

SUBCLÁUSULA ÚNICA: A implementação do objeto deste Protocolo dar-se-á mediante a outorga de até 20 (vinte) bolsas de estudo para que candidatos afro-descendentes se preparem adequadamente para o concurso de ingresso na Carreira Diplomática, observando para esse fim condições a serem oportunamente instituídas em atos específicos.

CLÁUSULA SEGUNDA

DA PROGRAMAÇÃO E ALOCAÇÃO DE RECURSOS

Os recursos financeiros necessários à execução do objeto do presente Protocolo de Cooperação serão oportunamente incluídos na programação de gastos para o presente exercício e, observadas as disponibilidades orçamentárias e financeiras de cada um dos partícipes, serão alocados na forma pactuada em Termo de Ajuste a ser oportunamente celebrado.

SUBCLÁUSULA PRIMEIRA: Apenas para efeito de programação orçamentária ajustam os partícipes que os recursos a serem alocados corresponderão ao montante mínimo estimado em R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais), distribuídos da seguinte maneira: 

R$ 100.000,00 (cem mil reais) de responsabilidade do Ministério de Justiça.

R$ 100.000,00 (cem mil reais) de responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia.

R$ 100.000,00 (cem mil reais) de responsabilidade do Ministério da Cultura.

R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) de responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores.

SUBCLÁUSULA SEGUNDA: A alocação dos recursos dar-se-á mediante a celebração de Termo de Ajuste em que serão fixados os montantes definitivos e a data da transferência, quando então serão disciplinadas as condições básicas de execução a serem observadas pelo CNPq, entidade que será encarregada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia como "agente operador" do presente protocolo.

CLÁUSULA TERCEIRA

DA COMISSÃO TÉCNICA E DO GRUPO DE ACOMPANHAMENTO

Os partícipes adotarão providências com vistas à constituição de uma Comissão Técnica que será integrada por membros do Conselho Científico e Tecnológico Palmares (C&T Palmares), por representantes da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e do Instituto Rio Branco, a esta incumbindo realizar a seleção de bolsistas dentre os candidatos que atenderem a chamada pública a ser oportunamente realizada.

SUBCLÁUSULA ÚNICA: Será ainda constituído um Grupo de Acompanhamento do presente Protocolo e de seus ajustes a ser constituído por um representante de cada partícipe, oportunamente indicado mediante a troca de correspondência.

CLÁUSULA QUARTA

DA VIGÊNCIA

O presente PROTOCOLO, constituindo uma carta de intenções, vigorará por prazo indeterminado, a partir da data de sua assinatura.

CLÁUSULA QUINTA

DA DENÚNCIA E DA RESCISÃO

Esta avença poderá, a qualquer tempo, ser denunciada pelos partícipes, devendo o interessado externar formalmente a sua intenção nesse sentido com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias da data em que se pretenda sejam encerradas as atividades do presente PROTOCOLO, respeitadas as obrigações assumidas com terceiros e saldados os compromissos financeiros entre os partícipes.

SUBCLÁUSULA ÚNICA: A rescisão decorrerá do descumprimento de qualquer de suas cláusulas ou condições, operando os seus efeitos de pleno direito, independentemente de notificações ou interpelações, judiciais ou extrajudiciais.

CLÁUSULA SEXTA

DA PUBLICAÇÃO

A publicação do extrato do presente PROTOCOLO no Diário Oficial da União, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada até o quinto dia do mês seguinte ao de sua assinatura, devendo esta ocorrer no prazo de vinte dias a contar daquela data, em conformidade com o disposto no parágrafo único, do art. 61, da Lei no 8.666/93.

E por estarem assim justos e acordadas, assinam o presente PROTOCOLO em quatro vias de igual forma e teor, para um só efeito legal.

Brasília-DF, 21 de março de 2002.

ALOYSIO NUNES FERREIRA FILHO OSMAR. V. CHOHFI
Ministro da Justiça Ministro Interino das Relações Exteriores

FRANCISCO CORRÊA WEFFORT RONALDO MOTA SARDENBERG
Ministro da Cultura Ministro da Ciência e Tecnologia

DECRETO DE 21 DE MARÇO DE 2002

Institui Grupo de Trabalho com a finalidade de propor e implementar ações voltadas ao desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos e dá outras providências. 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição,

DECRETA:

Art. 1o Fica instituído Grupo de Trabalho com a finalidade de propor e implementar ações voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, reconhecidas e tituladas pela Fundação Cultural Palmares.

Art. 2o O Grupo será integrado:

I – por um representante, titular e suplente, de cada órgão e entidade a seguir indicados:

a) Casa Civil da Presidência da República, que o coordenará;

b) Ministério da Educação;

c) Secretaria de Estado de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social;

d) Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça;

e) Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde;

f) Fundação Cultural Palmares;

g) Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA;

h) Agência Federal de Controle e Prevenção de Doenças – APEC; e

II – por um representante, titular e suplente, dos remanescentes das comunidades dos quilombos.

§ 1o Os membros referidos no inciso I serão indicados pelos titulares dos órgãos e entidades representados no Grupo de Trabalho e designados em ato do Chefe da Casa Civil da Presidência da República. 

§ 2o O representante dos remanescentes das comunidades dos quilombos será designado em ato do Ministro de Estado da Cultura.

Art. 3o As ações de que trata este Decreto serão implementadas mediante a celebração de convênios específicos, firmados pelos órgãos e pelas entidades representados no Grupo de Trabalho.

Parágrafo único. Poderão ser firmados convênios com outros órgãos do Governo Federal, quando necessário, para atingir os objetivos propostos neste Decreto.

Art. 4o Os convênios mencionados no art. 3o terão por objeto ações estratégicas que promovam a integração dos remanescentes das comunidades dos quilombos no processo de desenvolvimento nacional, por meio: 

I – de programas e projetos de saúde e assistência à saúde adequados às suas peculiaridades bio-socioculturais;

II – da educação adequada que valorize e promova a preservação de suas manifestações culturais e tradições;

III – da geração de emprego e renda adequados e adaptados à realidade local;

IV – da implantação de serviços de saneamento básico;

V – da implantação de infra-estrutura e serviços;

VI – do incentivo aos processos de autogestão;

VII – do apoio à produção;

VIII – da preservação do meio ambiente; e

IX – do intercâmbio cultural.

Art. 5o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 21 de março de 2002; 181o da Independência e 114o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Francisco Weffort

DECRETO No 4.228, DE 13 DE MAIO DE 2002.

Institui, no âmbito da Administração Pública Federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição, DECRETA:

Art. 1o Fica instituído, no âmbito da Administração Pública Federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas, sob a coordenação da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. 

Art. 2o O Programa Nacional de Ações Afirmativas contemplará, entre outras medidas administrativas e de gestão estratégica, as seguintes ações, respeitada a legislação em vigor:

I – observância, pelos órgãos da Administração Pública Federal, de requisito que garanta a realização de metas percentuais de participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência no preenchimento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS;

II – inclusão, nos termos de transferências negociadas de recursos celebradas pela Administração Pública Federal, de cláusulas de adesão ao Programa; 

III – observância, nas licitações promovidas por órgãos da Administração Pública Federal, de critério adicional de pontuação, a ser utilizado para beneficiar fornecedores que comprovem a adoção de políticas compatíveis com os objetivos do Programa; e

IV – inclusão, nas contratações de empresas prestadoras de serviços, bem como de técnicos e consultores no âmbito de projetos desenvolvidos em parceria com organismos internacionais, de dispositivo estabelecendo metas percentuais de participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência.

Art. 3o Fica constituído o Comitê de Avaliação e Acompanhamento do Programa Nacional de Ações Afirmativas, com a finalidade de: 

I – propor a adoção de medidas administrativas e de gestão estratégica destinadas a implementar o Programa;

II – apoiar e incentivar ações com vistas à execução do Programa;

III – propor diretrizes e procedimentos administrativos com vistas a garantir a adequada implementação do Programa, sua incorporação aos regimentos internos dos órgãos integrantes da estrutura organizacional da Administração Pública Federal e a conseqüente realização das metas estabelecidas no inciso I do art. 2o;

IV – articular, com parceiros do Governo Federal, a formulação de propostas que promovam a implementação de políticas de ação afirmativa;

V – estimular o desenvolvimento de ações de capacitação com foco nas medidas de promoção da igualdade de oportunidades e de acesso à cidadania;

VI – promover a sensibilização dos serviços públicos para a necessidade de proteger os direitos humanos e eliminar as desigualdades de gênero, raça e as que se vinculam às pessoas portadoras de deficiências;

VII – articular ações e parcerias com empreendedores sociais e representantes dos movimentos de afrodescendentes, de mulheres e pessoas portadoras de deficiência;

VIII – sistematizar e avaliar os resultados alcançados pelo Programa e disponibilizá-los por intermédio dos meios de comunicação; e 

IX – promover no âmbito interno, os instrumentos internacionais de que o Brasil seja parte sobre o combate à discriminação e a promoção da igualdade.

Parágrafo Único. O Comitê de Avaliação e Acompanhamento do Programa Nacional de Ações Afirmativas apresentará, no prazo de sessenta dias, propostas de ações e metas a serem implementadas pelos órgãos da Administração Pública Federal.

Art. 4o O Comitê de Avaliação e Acompanhamento do Programa Nacional de Ações Afirmativas tem a seguinte composição:

I – Secretário de Estado dos Direitos Humanos, que o presidirá;

II – Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA,

que substituirá o presidente em suas faltas e impedimentos;

III – um representante da Presidência da República;

IV – um representante do Ministério das Relações Exteriores;

V – um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário;

VI – um representante do Ministério da Ciência e Tecnologia;

VII – um representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

VIII – um representante do Ministério do Trabalho e Emprego;

IX – um representante do Ministério da Cultura;

X – um representante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDA;

XI – um representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE;

XII – um representante do Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD; e

XIII – um representante do Grupo de Trabalho Interministerial e Valorização da População Negra.

§ 1o O Presidente do Comitê de Avaliação e Acompanhamento do Programa Nacional de Ações Afirmativas poderá convidar para participar das reuniões um membro do Ministério Público do Trabalho.

§ 2o Os membros de que tratam os incisos III a XIII serão indicados pelos titulares dos órgãos representados e designados pelo Ministro de Estado da Justiça.

Art. 5o Os trabalhos de Secretaria-Executiva do Comitê de Avaliação e Acompanhamento de Ações Afirmativas serão prestados pelo IPEA.

Art. 6o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de maio de 2002; 181o da Independência e 114o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Miguel Reale Júnior

Celso Lafer

Paulo Jobim Filho

Guilherme Gomes Dias

Francisco Weffort

Ronaldo Mota Sardenberg

José Abrão

DECRETO No 4.229, DE 13 DE MAIO DE 2002 – 1a PARTE.

Dispõe sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, instituído pelo Decreto n o 1.904, de 13 de maio de 1996, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição, DECRETA:

Art. 1o O Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, instituído pelo Decreto no 1.904, de 13 de maio de 1996, contém propostas de ações governamentais para a defesa e promoção dos direitos humanos, na forma do Anexo I deste Decreto.

Art. 2o O PNDH tem como objetivos: 

I – a promoção da concepção de direitos humanos como um conjunto de direitos universais, indivisíveis e interdependentes, que compreendem direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos;

II – a identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos diretos humanos no País e a proposição de ações governamentais e não-governamentais voltadas para a promoção e defesa desses direitos;

III – a difusão do conceito de direitos humanos como elemento necessário e indispensável para a formulação, execução e avaliação de políticas públicas;

IV – a implementação de atos, declarações e tratados internacionais dos quais o Brasil é parte;

VI – a observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, especialmente os inscritos em seu art. 5o.

Art. 3o A execução das ações constantes do PNDH será detalhada em Planos de Ação anuais, na forma do Plano de Ação 2002, que consta do Anexo II deste Decreto.

Art. 4o O acompanhamento da implementação do PNDH será de responsabilidade da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, com a participação e o apoio dos órgãos da Administração Pública Federal.

Art. 5o O Secretário de Estado dos Direitos Humanos expedirá os atos necessários à execução do PNDH.

Art. 6o As despesas decorrentes do cumprimento do PNDH correrão à conta de dotações orçamentárias dos respectivos órgãos participantes. 

Art. 7o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8o Fica revogado o Decreto no 1.904, de 13 de maio de 1996.

Brasília, 13 de maio de 2002; 181o da Independência e 114o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Miguel Reale Júnior

PORTARIA NO 484, DE 22 DE AGOSTO DE 2002

O MINISTRO DE ESTADO DA CULTURA, no uso da atribuição que lhe conferem os itens I e II do parágrafo único do artigo 87 da Constituição Federal,

Considerando os padrões internacionais de respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Convenção no 111 da Organização Internacional do Trabalho –OIT, que trata da discriminação no emprego e na profissão, e a Convenção lnteramericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência; 

Considerando as declarações, plataformas e programas de ação das conferências mundiais sobre direitos humanos (Viena, 1993); desenvolvimento social (Copenhague, 1994); direitos da mulher (Pequim, 1995); e de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata (Durban, 2001);

Considerando a institucionalização do Programa Nacional dos Direitos Humanos – PNDH, que prevê a adoção de medidas compensatórias especiais que acelerem o processo de construção da igualdade, sem qualquer discriminação no que se refere a gênero, raça, etnia e condição física ou mental;

Considerando que a ação afirmativa constitui um dos instrumentos de promoção da cidadania e da inclusão social, possibilitando a garantia de todos os cidadãos brasileiros dos direitos consagrados na Constituição Federal e na legislação ordinária, resolve:

Art. 1o Instituir o Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Cultura, com alcance às suas entidades vinculadas, objetivando a aplicação de medidas preconizadas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, especialmente aquelas voltadas aos afro-descendentes, às mulheres e às pessoas portadoras de deficiência.

Art.2o Constituem o Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Cultura as seguintes medidas administrativas:

I – no preenchimento de funções de direção e assessoramento superior – DAS, a obrigatoriedade da participação de afro-descendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência, nas seguintes proporções: 

a) afro-descendentes – 20% (vinte por cento);

b) mulheres – 20% (vinte por cento);

c) portadores de deficiência – 5% (cinco por cento);

II – nos termos de convênio ou cooperação técnica, celebrados pelo Ministério da Cultura ou por suas entidades vinculadas, deverão constar cláusula que obrigue expressamente a adesão ao Programa Nacional de Direitos Humanos, especialmente no que diz respeito à política de promoção da igualdade.

III – nas licitações e concorrências públicas promovidas pelo Ministério da Cultura deverá ser observado, como critério adicional, a preferência por fornecedores que comprovem a adoção de políticas de ações afirmativas, respeitados os preceitos da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993; 

IV – nos contratos firmados com empresas prestadoras de serviços, bem como com técnicos e consultores no âmbito dos projetos desenvolvidos em parceria com organismos internacionais, será exigida a participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência, nas seguintes proporções:

a)afro-descendentes-20% (vinte por cento);

b)mulheres-20% (vinte por cento);

c)portadores de deficiência;

– até duzentos empregados – 2% (dois por cento);

– de duzentos e um a quinhentos empregados – 3% (três por cento);

– de quinhentos e um a mil empregados – 4% (quatro por cento);

– de mil e um em diante – 5% (cinco por cento).

Parágrafo Único – Em caso da concorrência de uma mesma pessoa a mais de uma das condições previstas nas alíneas a, b e c dos Itens I e IV deste artigo, dar-se-á prioridade à quem pertencer a três, duas e uma categoria, pela ordem decrescente.

Art.3o A coordenação do Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Cultura ficará a cargo do Secretário-Executivo do Ministério, a quem caberá: 

I – estabelecer diretrizes e procedimentos administrativos com vistas a garantir a adequada implementação do Programa, a sua incorporação aos Regimentos Internos das entidades vinculadas à estrutura organizacional do Ministério e a conseqüente realização das metas estabelecidas;

II – submeter à apreciação do Ministro de Estado as propostas de diretrizes complementares, com vistas à adequada execução do Programa;

III – trabalhar com empreendedores sociais, articulando parcerias com Entidades de defesa e promoção do negro, da mulher e do portador de deficiência;

IV – promover, no âmbito do Ministério da Cultura e de suas vinculadas, o respeito aos direitos humanos, a fim de sensibilizar seus servidores sobre tópicos atinentes à eliminação de todas as formas de discriminação.

Art.4o Fica constituída a Comissão de Avaliação e Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Cultura com a finalidade de apoiar, avaliar e supervisionar a implementação do Programa, bem como sugerir ao Secretário-Executivo a adoção de medidas destinadas a garantir a continuidade e a efetividade das suas ações.

§ 1o A Comissão será composta de um representante da Secretaria-Executiva do Ministério e de um representante de cada uma das entidades vinculadas.

§ 2o Os resultados alcançados pelo Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Cultura deverão ser sistematizados e disponibilizados através de todos os meios de comunicação existentes.

Art.5o Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

FRANCISCO WEFFORT

LEI NO 10.558, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2002

Cria o Programa Diversidade na Universidade, e dá outras providências. 

Faço saber que o Presidente da República adotou a Medida Provisória no 63, de 2002, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Ramez Tebet, Presidente da Mesa do Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 32, de 2001, promulgou a seguinte Lei:

Art. 1o Fica criado o Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas brasileiros.

Art. 2o O Programa Diversidade na Universidade será executado mediante a transferência de recursos da União a entidades de direito público ou de direito privado, sem fins lucrativos, que atuem na área de educação e que venham a desenvolver projetos inovadores para atender a finalidade do Programa.

Parágrafo único. A transferência de recursos para entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos do caput, será realizada por meio da celebração de convênio ou de outro instrumento autorizado por lei.

Art. 3o As transferências de recursos da União por meio do Programa Diversidade na Universidade serão realizadas pelo período de três anos.

Art. 4o Fica autorizada a concessão de bolsas de manutenção e de prêmios, em dinheiro, aos alunos das entidades a que se refere o parágrafo único do art. 2.

Art. 5o Os critérios e as condições para a concessão de bolsas de manutenção e de prêmios serão estabelecidos por decreto.

Art. 6o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Congresso Nacional, em 13 de novembro de 2002; 181o da Independência e 114o da República.

Senador RAMEZ TEBET
Presidente da Mesa do Congresso Nacional

LEI Nº 3524, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2000.

DISPÕE SOBRE OS CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E ADMISSÃO DE ESTUDANTES DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO EM UNIVERSIDADES PÚBLICAS ESTADUAIS E DÁ OUTRAS PROVIDENCIAS

Art. 4º - VETADO.

Art. 5º - VETADO.

Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 2000.

ANTHONY GAROTINHO
Governador

Lei nº 3708, de 9 de novembro de 2001

Institui cota de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no acesso a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à Universidade Estadual do Norte Fluminense, e dá outras providências

O Governador do Estado do Rio de Janeiro

Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica estabelecida a cota mínima de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação da universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF)

Parágrafo único. Nesta cota mínima ficam incluídos também os negros e pardos beneficiados pela lei 3524/2000

Art. 2º O Poder executivo regulamentará a presente Lei no prazo de 30 (trinta) dias de sua publicação Art. 3º Está lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de janeiro, 09 de novembro de 2001

Governador Anthony Garotinho

Decreto nº 30.766, de 04 de março de 2002

Disciplina o sistema de cota para negros e pardos no acesso à Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à Universidade Estadual do Norte Fluminense e dá outras providências

O Governador do Estado do Rio de Janeiro no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o disposto no artigo 1º, caput e parágrafo único, da Lei nº 3.708, de 09 de novembro de 2001, e tendo em vista o que consta do Processo E-26/059/2002.

Decreta:

Art. 1º Ficam reservadas, para negros e pardos, 40% das vagas relativas aos cursos de graduação oferecidas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

Parágrafo único. Para os fins deste decreto, não se faz distinção entre pessoas negras e pardas.

Art. 2º Caberá às universidades envolvidas definir os critérios mínimos de qualificação para o acesso às vagas reservadas aos alunos negros e pardos.

Art. 3º No preenchimento de suas vagas, deverão as universidades observar, sucessivamente, o seguinte:

I - verificar os candidatos qualificados de acordo com o com os critérios tratados na Lei nº 3.524/2000, selecionando-os para ingresso até o limite das vagas destinadas a tal fim;

II - identificar, dentre os alunos selecionados para ingresso na instituição na forma do inciso anterior, o percentual que se declarou negro ou pardo em relação ao número total de vagas oferecidas, por curso e turno;

III - deduzir, da cota de 40%, o percentual de candidatos selecionados na instituição, declarados negros ou pardos, que foram beneficiados pela Lei nº 3.524/2000 (art. 1º, parágrafo único, da Lei 3.708/2001).

IV - preencher as vagas restantes, da cota de 40%, com os demais candidatos declarados negros ou pardos que tenham sido qualificados para ingresso na instituição, independentemente da origem escolar; e

V - preencher as demais vagas oferecidas independentemente da cor, raça ou origem escolar do candidato qualificado.

Parágrafo único. Em caso de reclassificação, deverão as universidades observar o sistema de cotas estabelecidos pelas Leis nºs 3.524/2000 e 3.708/2001.

Art. 4º Caso não sejam preenchidas todas as vagas reservadas aos beneficiários deste Decreto poderão ser elas aproveitadas pelos demais estudantes.

Art 5º A identificação dos alunos negros e pardos se fará através de declaração firmada, sob as penas da Lei, pelo próprio candidato à vaga na universidade.

§1º A autodeclaração é facultativa, ficando o candidato submetido às regras gerais de seleção, caso opte por não a firmar.

§2º Os candidatos beneficiados pelo regime de reserva de vagas tratado na Lei nº 3.524/00 poderão firmar a declaração prevista neste artigo.

Art. 6º Fica instituído sem o aumento de despesa, o Conselho para a Promoção Educacional Superior das Populações Negra e Parda - COPESNEP, com os seguintes objetivos:

I - manter a memória de dados capaz de permitir o acompanhamento do perfil de desempenho dos estudantes negros e pardos nos exames seletivos para o ingresso nas instituições de ensino superior em funcionamento no Estado do Rio de Janeiro;

II - propor medidas que visem estimular a aplicação do sistema de cotas estabelecido neste Decreto a outras instituições de ensino superior;

III - propor medidas que visem o aprimoramento da legislação que trata do acesso dos negros e pardos ao ensino superior; e

IV - propor medidas que visem divulgar e orientar a sociedade da importância das ações afirmativas adotadas por força deste Decreto, com vistas à promoção da igualdade de oportunidades entre os diversos grupos étnicos e o combate à discriminação.

Art. 7º O Conselho para a Promoção Educacional Superior das Populações Negra e Parda - COPESNEP, vinculado à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, é composto dos seguintes membros:

I - um representante da Secretaria de Estado de Educação de Ciência e Tecnologia;

II - um representante da Secretaria de Estado de Educação;

III - um representante do Conselho Estadual do Negro;

IV - um representante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro;

V - um representante da Universidade Estadual do Norte Fluminense; e

§1º Será convidado para participar do COPESNEP um representante do movimento estudantil negro organizado indicado pela Coordenação Nacional de Entidades Negras - CONEN, dentre estudantes do ensino médio.

§2º O COPESNEP será presidido pelo representante da Secretaria de Estado de Ciências e Tecnologia, contando com voto qualificado, em caso de empate nas votações.

§3º O exercício das funções de Presidente ou membro do Conselho não será remunerado, a qualquer título, sendo considerado de relevante interesse público.

Art 8º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos para o ingresso nas universidades a partir de 2003, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 04 de março de 2002-03-22

LEI Nº 4.151, DE 04 DE SETEMBRO DE 2003.

INSTITUI NOVA DISCIPLINA SOBRE O SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NAS UNIVERSIDADES PUBLICAS ESTADUAIS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

RESOLVE:

Art. 1º - Com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer cotas para ingresso nos seus cursos de graduação aos seguintes estudantes carentes:

I - oriundos da rede pública de ensino;

II - negros;

III - pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas.

§ 1º - Por estudante carente entende-se como sendo aquele assim definido pela universidade pública estadual, que deverá levar em consideração o nível sócio-econômico do candidato e disciplinar como se fará a prova dessa condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores sócio-econômicos utilizados por órgãos públicos oficiais.

§ 2º - Por aluno oriundo da rede pública de ensino entende-se como sendo aquele que tenha cursado integralmente todas as séries do 2º ciclo do ensino fundamental em escolas públicas de todo território nacional e, ainda, todas as séries do ensino médio em escolas públicas municipais, estaduais ou federais situadas no Estado do Rio de Janeiro.

§ 3º - O edital do processo de seleção, atendido o principio da igualdade, estabelecerá as minorias étnicas e as pessoas com deficiência beneficiadas pelo sistema de cotas, admitida a adoção do sistema de auto-declaração para negros e pessoas integrantes de minorias étnicas, cabendo à Universidade criar mecanismos de combate à fraude.

§ 4° - O candidato no ato da inscrição deverá optar por qual reserva de vagas estabelecidas nos incisos I, II e III do presente artigo irá concorrer.

Art. 2º - Cabe às universidades públicas estaduais definir e fazer constar dos editais dos processos seletivos a forma como se dará o preenchimento das vagas reservadas por força desta Lei, inclusive quanto ao quantitativo oferecido e aos critérios mínimos para a qualificação do estudante, observado o disposto no seu art. 5º e, ainda, os seguintes princípios e regras:

I - autonomia universitária;

II - universalidade do sistema de cotas quanto a todos os cursos e turnos oferecidos;

III - unidade do processo seletivo; e

IV – em caso de vagas reservadas não preenchidas por determinado grupo deverão as mesmas ser, prioritariamente, ocupadas por candidatos classificados dos demais grupos da reserva (art. 1°, I a III) seguindo a ordem de classificação.

Parágrafo único - Os critérios mínimos de qualificação para acesso às vagas oferecidas deverão ser uniformes para todos os concorrentes, independentemente de sua origem, admitida, porém, a adoção de critérios diferenciados de qualificação por curso e turno.

Art. 3º - Deverão as Universidades Públicas Estaduais constituir Comissão Permanente de Avaliação com a finalidade de:

I - orientar o processo decisório de fixação do quantitativo de vagas reservadas aos beneficiários desta Lei, levando sempre em consideração seu objetivo maior de estimular a redução de desigualdades sociais e econômicas;

II - avaliar os resultados decorrentes da aplicação do sistema de cotas na respectiva instituição; e

III - elaborar relatório anual sobre suas atividades, encaminhando-o ao colegiado universitário superior para exame e opinamento e posterior encaminhamento à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Art. 4º - O Estado proverá os recursos financeiros necessários à implementação imediata, pelas universidades públicas estaduais, de programa de apoio visando obter resultados satisfatórios nas atividades acadêmicas de graduação dos estudantes beneficiados por esta Lei, bem como sua permanência na instituição.

Parágrafo único – Aplicam-se as disposições deste artigo, aos estudantes carentes que ingressaram nas universidades públicas estaduais beneficiados pelo disposto nas Leis nºs 3.524, de 28 de dezembro de 2000, 3.708, de 09 de novembro de 2001 e 4.061, de 02 de janeiro de 2003, ficando, desde já, o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares para cobrir as despesas necessárias à manutenção do programa, inclusive com recursos oriundos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza.

Art. 5º - Atendidos os princípios e regras instituídos nos incisos I a IV do artigo 2º e seu parágrafo único, nos primeiros 5 (cinco) anos de vigência desta Lei deverão as universidades públicas estaduais estabelecer vagas reservadas aos estudantes carentes no percentual mínimo total de 45% (quarenta e cinco por cento), distribuído da seguinte forma:

I - 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede pública de ensino;

II - 20% (vinte por cento) para negros; e

III - 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor e integrantes de minorias étnicas.

Parágrafo único - Após o prazo estabelecido no "caput" do presente artigo qualquer mudança no percentual acima deverá ser submetida à apreciação do Poder Legislativo.

Art. 6º - Para fins de aplicação da ação afirmativa instituída nesta Lei, os órgãos de direção pedagógica superior das universidades, para assegurar a excelência acadêmica, adotarão critérios definidores de verificação de suficiência mínima de conhecimentos, os quais deverão ser publicados no edital de vestibular ou exames similares, sob pena de nulidade.

Art. 7º- Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário, especialmente as Leis nºs 3.524, de 28 de dezembro de 2000, 3.708, de 09 de novembro de 2001 e 4.061, de 02 de janeiro de 2003.

Rio de Janeiro, 04 de setembro de 2003.

ROSINHA GAROTINHO
Governadora

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL

CONCLUSÃO

Nesta data, faço conclusão destes autos ao MM Juiz Federal da 6ª Vara

Fortaleza, 15, de setembro de 1999

Proc. N.º 990017917-0 - Ação Civil Pública
Autor: Minístério Público Federal
Réu: UFC

CIS.

0 Ministério Público Federal propõe Ação civi1 Pública, com pedido liminar de antecipação de tutela, contra a Universidade Federal do Ceará - UFC, pretendendo a condenação desta na obrigação de reservar 50% das vagas ofertadas pela instituição, em todos os seus cursos, para estudantes oriundos das escolas públicas, advogando: I). o Poder Público tem-se omitido na concretude de valores fundamentais do Estado de Direito, especialmente o de assegurar, aos menos aquinhoados, padrão de qualidade no ensino público, de modo a garantir-lhes igualdade de condições para o acesso e permanência. na escola, inclusive aos níveis mais elevados de ensino; 2)- o descumprimento, pelo Poder Público, daqueles princípios constitucionais, tornou a universidade pública verdadeiro instrumento de exclusão social, pois a quase totalidade de suas vagas são conquistadas por filhos daqueles que possuem recursos para custear sua educação 3) na tentativa de solucionar questão tão delicada e implementar aquelas garantias constitucionais, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 298/995, estabelecendo reserva de vagas nas universidades públicas para alunos egressos da rede pública de ensino; 4). a idéia é salutar, mas pode não vingar, principalmente se houver veto presidencial, já que o Ministério da Educação mostra-se contrário ao projeto, conforme foi divulgado nos meios de comunicação; 5)- a implementação daquela reserva dispensa a edição de lei formal, podendo ser extraída da interpretação sistemática da Constituição Federal (arts. 6º, 205, 206 e 208) e da vigente LDB (arts. 2º, 3º e 4º). Daí a pretensão vestibular.

Considerando o MPF legitimado para a demanda por força do disposto no art. º, VI1, letras "a" e "d", da LC 75/93, aprecio o pedido de antecipação de tutela.. Num exame superficial, próprio desta. fase de cognição sumária, estou em que a tese esboçada na inicial mostra-se razoável e perfeitamente verossímil. Dos vários argumentos ali expostos, merecem relevo os seguintes:

1) o modelo até então gerenciado pelo Poder Público, deixando de garantir ensino gratuito de qualidade aos alunos carentes é, sim, vetor de desequilíbrio na disputa para o acesso à universidade pública, quebrando a um só tempo os princípios insculpidos nos arts. 206 e 208 da CF/88 e 2º, 3° e 4° da LDB.

2) o atual processo seletivo para. os cursos oferecidos pela UFC quebra o princípio constitucional que garante igualdade de condições para o acesso à escola (art. 206, I, CF/88; art. 3°, I, LDB), na medida em que nivela pessoas sabidamente desiguais, no caso os estudantes das escolas públicas e os estudantes das escolas privadas, os primeiros sabidamente menos preparados em nome da falta de garantia, pelo Poder Público, de escola pública e gratuita de qualidade;

3) aludido processo seletivo, se não fora bastante, quebra o princípio da finalidade, pois termina servindo de instrumento de reserva de mercado apenas para os alunos das escolas privadas, conforme estatisticamente comprovado (v. fl. 28/30v);

Acrescento: embora sendo vero que a regulamentação da matéria por lei solucionaria definitivamente o problema, nada obstaria que a UFC deliberasse, em nome de sua autonomia administrativa e independente de normatização legislativa, no sentido de adotar critério justo e equânime na distribuição das vagas de seus cursos entre os alunos egressos das redes pública e privada de ensino. Ciosa do problema (v, relatório da. CCV às fls. 22/140), bem poderia fazê-lo por ato normativo infra legal de sua própria. edição, dando eficácia aos princípios insculpidos no art. 206, 1, dá CF/88 e art. 30, I, da LDB. Sua omissão, em todo caso, pode ser objeto de controle jurisdicional.

Assim, em nome do princípio da isonomia (art. 206, I, CF/88 c.c, art. 3º, da Lei n.º 9.394/96), defiro a liminar para determinar que a UFC, doravante e até ulterior deliberação, reserve cinqüenta por cento (50%) das vagas de todos os seus cursos para estudantes egressos da rede pública de ensino, de logo fixando em R$50.000,00 (cinquenta mil reais) a multa penal para caso de transgressão do preceito. Intime-se para imediato cumprimento. Após, cite-se.

Exp.

Fortaleza, 16 de setembro de 1999.

FRANCISCO ROBERTO MACHADO
Juiz Federal da 6ª Vara/CE


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Fernando Martins da. Estudo sociojurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil: aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 342, 14 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5302. Acesso em: 28 mar. 2024.