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Contrabando e aplicação do art. 15 da Lei nº 7.802/89

Contrabando e aplicação do art. 15 da Lei nº 7.802/89

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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. LEGISLAÇÃO PERTINENTE AO TEMA; 2. OS AGROTÓXICOS DE ORIGEM ESTRANGEIRA NO BRASIL; 3. O CONCURSO FORMAL DE CRIMES; 3. CONSEQÜÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO CONCURSO FORMAL DE CRIMES; CONCLUSÃO

PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal; Contrabando; Agrotóxicos; Concurso de crimes.

RESUMO: Estuda o tipo penal previsto no Artigo 15 da Lei n° 7.809/89 (Lei de Agrotóxicos), em confronto com o crime de contrabando (artigo 334 do Código Penal); Analisa a legislação pertinente ao tema; Aborda o concurso formal dos crimes analisados.


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo a análise do concurso de crimes existente no contrabando de agrotóxicos, prática esta costumeiramente existente no meio agrícola brasileiro, tendo em vista o baixo custo dos agrotóxicos de origem estrangeira em relação aos similares nacionais.

A título de exemplificação, o agrotóxico Chloryl 25 WP, embalagem de 100g, é vendido no mercado paraguaio a aproximadamente US$ 3,50, enquanto no Brasil, seu similar, o Classic 250-25 WP, embalagem com 300 gramas, é vendido ao consumidor ao preço aproximado de R$ 185,00. Efetuadas as devidas proporções, pode-se constatar que o valor no Brasil é 100% caro que seu similar no exterior.

Quanto ao produto Pilarking Imidacloprid, a diferença é absurdamente maior: o produto, fabricado em Taiwan, é vendido por aproximadamente US$ 40,00 no mercado paraguaio, enquanto no Brasil, seu similar, o Confidor 700GRBA, produzido pela Bayer AS, é vendido ao preço aproximado de R$ 1,00 o grama. Ou seja, um valor superior em mais de 300%. (dados extraídos em consulta à estabelecimentos comerciais brasileiros e paraguaios)

A abissal diferença entre os valores, aliada a facilidade da aquisição dos produtos no mercado internacional, sobretudo no Paraguai, tendo em vista a fiscalização quase que inexistente, motivam o crescimento do contrabando de agrotóxicos no país.

Tal fato pode ter sérias conseqüências, sobretudo pelo fato dos produtos, em razão de não possuírem registro no Ministério da Agricultura, não estarem submetidos a nenhum tipo de análise e, portanto, podendo apresentar gravíssimos meio-ambiente e, conseqüentemente, à saúde humana.

Importância singular tem a aplicação do concurso de crimes na importação de agrotóxicos sem registro no Ministério da Agricultura, como medida a objetivar a redução ou até a extinção de tal prática, tendo-se em vista as conseqüências gravosas de tal crime.


1. LEGISLAÇÃO PERTINENTE AO TEMA

A princípio, cabe a transcrição do artigo 8º do Decreto 4.074/2000, que dispõe:

"Os agrotóxicos, seus componentes e afins só poderão ser produzidos, manipulados, importados, exportados, comercializados e utilizados no território nacional se previamente registrados no órgão federal competente, atendidas as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da agricultura, saúde e meio ambiente."

Sobre a permissão da importação, o Regulamento Aduaneiro (Decreto n° 4.543, de 26 de dezembro de 2002) em seu artigo 556, assim trata:

"Art. 556 – Os Agrotóxicos, seus componentes e afins, só poderão ser importados ou exportados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e as exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura."

O artigo 3º da Lei 7.802/89, por sua vez, traz que:

"Os agrotóxicos, seus componentes e afins, de acordo com definição do artigo 2º desta Lei, só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura."

Portanto, para serem utilizados no Brasil, os agrotóxicos de origem estrangeira devem ter o competente registro no Ministério da Agricultura, submetendo-se a rigorosos testes biológicos e agronômicos, sendo avaliado e autorizado também pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ministério da Saúde.

O art. 15 da Lei n° 7.802/89, com redação atualizada pelo artigo 5º da Lei n° 9.974/2000, tem redação clara ao estabelecer:

"Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa."

Surge aqui um novo tipo penal, quase que desconhecido dos operadores do direito penal, e que pode surtir eficácia no combate a tais crimes, de conseqüências tão drásticas ao meio ambiente e à própria saúde pública.

Na própria Lei n° 7.802/89, em seu artigo 7º, encontramos algumas exigências para o agrotóxico ter liberada a importação para ser utilizado em território nacional:

Art. 7°. Para serem vendidos ou expostos à venda em todo o território nacional, os agrotóxicos e afins ficam obrigados a exibir rótulos próprios, redigidos em português, que contenham, entre outros, os seguintes dados:

I – indicações para a identificação do produto (...);

II – instruções para a utilização (...);

III – informações relativas aos perigos potenciais (...);

IV - recomendação para que o usuário leia o rótulo antes de utilizar o produto.

§1º. Os textos e símbolos impressos nos rótulos serão claramente visíveis e facilmente legíveis em condições normais e por pessoas comuns.

Os agrotóxicos, antes da obtenção do registro, são submetidos a baterias de testes, tanto químicos quanto biológicos, a fim de verificar sua adequação a padrões exigidos pela legislação brasileira.

A maioria dos casos de apreensão de agrotóxicos de origem estrangeira sem registro no Ministério da Agricultura tem sido enquadrados unicamente no crime de contrabando. Analisaremos as conseqüências do concurso de crimes a seguir.


2 OS AGROTÓXICOS DE ORIGEM ESTRANGEIRA NO BRASIL

Segundo informações colhidas no site do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, www.agricultura.gov.br, a comercialização de produtos fitossanitários só é permitida quando o mesmo estiver registrado no Ministério da Agricultura e devidamente cadastrado no órgão estadual competente. A utilização de qualquer produto que não atende a esses requisitos constitui crime. Além disso, se o produto não registrado/cadastrado for de origem estrangeira e não tiver cumprido com as exigências da Receita Federal estará incurso em crime de contrabando, em razão do ingresso da mercadoria de origem estrangeira no país sem a documentação devida.

A aquisição e utilização de um produto ilegal, além das penalidades, oferece também um grande risco à saúde humana e ao meio ambiente, bem como prejuízos ao agricultor, nos casos de ineficiência do produto.

Além das sanções de ordem penal, o agricultor que fizer uso dos produtos ilegais estará sujeito a pagar multas elevadas, duplicando o valor em caso de reincidência e, além disso, terá sua lavoura destruída. Os envolvidos na comercialização do produto também receberão uma multa no mesmo valor, além da cassação do registro de comercialização.


3 O CONCURSO FORMAL DE CRIMES

O concurso formal é regulado pelo artigo 70 do Código Penal, que assim prescreve:

"Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a pena a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade. As penas aplicam-se, entretanto cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior".

Temos, portanto, que no caso da prática do crime de contrabando o sujeito passivo pratica também o delito previsto no artigo 15 da Lei de Agrotóxicos em concurso formal.

Trata-se de concurso formal heterogêneo, ou seja, ocorre quando o agente, mediante uma só ação, pratica dois crimes previstos em normas penais diversas (um previsto no Código Penal e outro na Lei de Agrotóxicos).

Ainda, segundo DAMÁSIO DE JESUS em sua obra Direito Penal – Parte Geral, o concurso formal exige dois requisitos, de acordo com a teoria objetiva, a saber, a unidade de comportamento e a pluralidade de crimes.


4 CONSEQÜÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO CONCURSO FORMAL DE CRIMES

Conforme dispõe a legislação penal, no caso do concurso de crimes entre infrações penais com penas diferentes, aplica-se a pena da infração mais grave, acrescida de um sexto até a metade.

Portanto, no caso em análise do concurso de crimes do contrabando de agrotóxico de origem estrangeira, a aplicação do concurso formal dobra a pena inicial a se considerar o enquadramento apenas no crime de contrabando, uma vez que sua pena mínima é de 1 (um) ano, ao passo o crime previsto no artigo 15 da Lei de Agrotóxicos tem pena mínima de 2 (dois) anos.

Aplicando-se o concurso formal de crimes, a pena mínima aplicável, em tese, no caso em análise, seria de 2(dois) anos e 3(três) meses, ao contrário, no caso de aplicar-se somente a pena do contrabando, tal pena seria de apenas 1(um) ano.


CONCLUSÃO

Da análise do exposto, pode-se depreender que a aplicação do concurso de crimes entre o contrabando e o tipo penal previsto na "Lei de Agrotóxicos" apresenta-se de fundamental importância a fim de coibir tal conduta, uma vez que torna mais alta a pena a ser aplicada, levando-se em consideração que, no caso em tela, freqüentemente costuma-se aplicar somente o artigo 334 do Código Penal Brasileiro.

Espera-se que este trabalho sirva de alerta para que magistrados, membros do ministério público e delegados de polícia aprofundem-se no estudo deste tipo penal, que, embora existente na legislação brasileira há tempos, apresenta-se esquecido pelos operadores do direito.

A aplicação deste tipo penal pode apresentar-se como meio eficaz de reduzir o uso de agrotóxicos de origem estrangeira, sem o competente registro, tendo em vista os males que tal uso pode causar ao meio ambiente e à saúde pública.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANSELMO, Márcio Adriano. Contrabando e aplicação do art. 15 da Lei nº 7.802/89. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 343, 15 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5316. Acesso em: 28 mar. 2024.