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A teoria jurídica fundamental

algumas especulações acerca do conceito de Direito (em linhas propedêuticas)

A teoria jurídica fundamental: algumas especulações acerca do conceito de Direito (em linhas propedêuticas)

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Direito, justiça e lei são termos obrigatórios no terreno dos juristas. Mas o que referem ou podem referir tais vocábulos não comporta um único significado ou sentido, necessitando, pois, de uma mais destacada contextualização.

Sumário: 1. Direito como Fenômeno Social e Universal – 2. Multiplicidade Conceitual do Fenômeno Jurídico: 2.1. Alguns Conceitos Primordiais – 2.2 Ampliando a Plurisignificação Conceitual: Uma Aproximação Lingüística – 2.3. Dimensões Fundamentais do Direito: Ainda em Torno da Pluralidade Definitória – 3. As Grandes Divisões do Direito: 3.1. Direito Natural e Direito Positivo; 3.2. Direito Objetivo e Direito Subjetivo; 3.3. Direito Público e Direito Privado; 3.4. Direito Material e Direito Processual – 4. Os Diferentes Enfoques acerca do Direito: Dogmática e Zetética – 5. Direito e Justiça: Breve Nota Preliminar – 6. Referências.


1. Direito como Fenômeno Social e Universal

Direito, justiça e lei são termos obrigatórios no terreno dos juristas. Mas o que referem ou podem referir tais vocábulos não comporta um único significado ou sentido, necessitando, pois, de uma mais destacada contextualização para tornar adequado o enfoque utilizado. Partindo dessa premissa, alertamos, em primeiro lugar, para a dificuldade de conceituação do fenômeno jurídico [1].

Se, em certa medida, a noção primordial de direito sugere a idéia de "lei", de "um conjunto de normas que regula o convívio dos indivíduos de uma sociedade" [2], por outro ângulo, é facilmente perceptível que outras idéias podem acoplar-se ao termo comentado, tais como a inferência de que "se algo é direito", o é por uma questão de "justiça".

Mas se supormos que uma certa lei é aprovada para determinar que os trabalhadores brasileiros perderão o direito às suas aposentadorias, respeitando-se os limites da Constituição e das leis em geral, isso não quer dizer que a referida lei possa se considerar justa, ou seja, conforme um critério aparente de justiça. Caso alguém se sinta prejudicado e venha contestar esse ato legislativo, poderá requerer judicialmente, isto é, perante o Poder Judiciário, através de uma ação que se desenvolverá como um processo formalizado, assegurando-se às partes os direitos reconhecidos como válidos pelo sistema estatal.

Ao cabo do processo acima referido, a sentença consente que, apesar da lei ser injusta, o trabalhador que acionou a Justiça (o Judiciário) não faz jus ao benefício da aposentadoria, o que o motiva a recorrer da decisão. O direito constitucional, a proteção aos direitos adquiridos, enfim, nada disso, é bastante para anular a questão de direito trazida pela lei injusta.

É possível visualizar-se que, em um caso como esse – que é hipotético, necessitar-se-ia de muitos outros temperamentos e informações necessários para formar uma opinião. Mas reflete, no espectro dos conceitos aprioristicamente percebidos que direito e justiça são duas realidades que aparentemente se tocam, mas não se contêm e, tampouco, se exaurem.

Assim temos, em um sentido, que o direito é aquilo que emana das leis vigentes. De outra banda, o direito é aquilo que se afirma como expressão de justiça.

No entanto, essas são apenas duas das possíveis definições de direito que podemos assinalar, existindo uma gama de acepções diversas e, até mesmo, implicações que o vocábulo "direito" pode suscitar, como veremos adiante [3]. Decifrar o que vem a ser o direito é, nas palavras singelas de Herkenhoff, "uma dificuldade aparente que se torna uma questão instigante". [4]

O problema maior radica na possibilidade de idéias que, à primeira vista, perfilam-se contraditórias, ocasionando odiosas falácias e reducionismos, bastante comuns nas opiniões mais desatentas de alguns observadores cotidianos e, até mesmo, de uns certos profissionais da área jurídica.

Daí a importância de uma base sólida para avançar nos terrenos do saber jurídico, pois a fonte de questionamentos é inesgotável: a articulação de vários temas interdependentes reclama especial atenção e dedicação intensa.

Para compreender bem a ciência jurídica, faz-se necessária uma gradativa captação de dados relativos à filosofia, à ética, à sociabilidade humana, ao Estado e, por conseguinte, à ciência política, ao ambiente científico etc.

É imperioso frisar: direito e sociedade são indissociáveis. A relação jurídica é, em si, uma relação social, isto é, provém de relações intersubjetivas [5]. É que toda e qualquer forma de contato do homem entre seus semelhantes pode resultar em uma situação repleta de desdobramentos relativos ao campo do direito. Teremos uma melhor noção do que isso representa quando estudarmos o problema da norma jurídica e das normas de conduta em geral.

Em primeiro plano, cumpre esclarecer, com Ehrlich, que o termo sociedade deve representar o conjunto das organizações ou associações humanas inter-relacionadas; é da ordem interna das sociedades humanas que surge o direito. Por isso, diz ele: "Para explicar as origens, o desenvolvimento e a essência do direito, deve-se pesquisar sobretudo a ordem das associações". [6]

Para que uma organização social possua a coexistência harmoniosa de seus membros, o primado de regras de conduta deve ser obrigatório para evitar colapsos, intrigas, desavenças eventuais. Quando surgem os conflitos intersubjetivos, isto é, o choque entre interesses antagônicos de dois ou mais indivíduos, movidos pela busca incessante dos bens da vida prática, devem ser assinaladas normas que permitam o desate da questão turbulenta, da disputa, enfim, que não se conseguiu evitar se outras formas. Afinal, nem sempre a conciliação é possível, máxime nas relações mais complexas, onde a resistência ao interesse alheio é produto da multiplicidade cultural, ideológica etc. Com efeito, o direito corresponde à exigência de "uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e de solidariedade". [7]

Conforme acentua o Professor Reale, de "experiência jurídica", só podemos falar onde e quando se formam as relações entre os homens, por isso denominadas relações intersubjetivas, pois envolvem sempre dois ou mais sujeitos. Assim, temos a "sempre nova lição de um antigo brocardo": ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o direito). Ressalte-se, ainda, que a recíproca também é verdadeira: ubi jus, ibi societas, "não se podendo conceber qualquer atividade social desprovida de forma e garantia jurídicas, nem qualquer regra jurídica que não se refira à sociedade". [8]


2. Multiplicidade conceitual do fenômeno jurídico

A importância em se conceituar o que vem a ser o direito é tamanha e, também – por mais paradoxal que possa parecer – vã; é proporcional à aspiração em compreender de maneira absoluta o próprio fenômeno jurídico e, ao mesmo tempo, totalmente desnecessária quando já podemos identificá-lo (o direito), sem que isso implique no exaurimento de sua explicação.

As condições para que se possibilite uma noção definitiva de direito não podem ser realizadas em um primeiro e único momento, devendo ser laboradas gradativamente até a concreção de uma linha definitória mais ampla; no presente momento, permitiremos apenas uma pequena aproximação com o conceito de direito: um conjunto de noções primeiras, pontuais e que será visualizado a partir de uma breve e superficial incursão pelos autores clássicos que já mentalizaram arrojadamente o sentido do fenômeno "direito".

2.1. Alguns Conceitos Primordiais

Com base em definições propostas por diversos filósofos e juristas, apresentamos, à guisa de ilustração, algumas formas de enxergar-se o direito. O elenco de definições, apesar de selecionado, é apenas uma pequena amostra de concepções possíveis, podendo-se encetar uma quantidade bem maior, tal como faz Dimitri Dimoulis ao invocar visões 18 (dezoito) diferentes pensadores acerca do fenômeno "direito".

a)Sócrates, Platão e Aristóteles (viveram entre 400-320 a.C.): "Respeitar mesmo as leis injustas para que os maus, tomando isso como exemplo, respeitem as leis justas", eis o sentimento de direito e justiça em Sócrates que, condenado à morte, cumpriu sua sentença conscientemente. Platão também conecta o direito à justiça (a regra que indica o justo). Aristóteles também implica direito e justiça, mas essas possui modalidades distintas (justiça comutativa ou aritmética e justiça distributiva).

b)Celso (viveu entre os séculos I e II d.C) e Ulpiano (assassinado por volta de 223 d.C.): São conhecidos jurisconsultos romanos, ou seja, peritos na arte de "dizer o direito", de proferir julgamentos. Como se sabe, o direito romano é uma referência histórica do pensamento jurídico de brilho inobliterável. Esses dois representantes produziram clássicas definições do fenômeno direito, tal como a idéia de que o direito é atribuir a cada um o que é seu, vivendo honestamente e sem prejudicar ninguém (Ulpiano) e a expressão "ius esta ars boni et aequi"(o direito é a arte do bem e do justo), atribuída a Celso.

c)Immanuel Kant (1724-1804): Atribuía à liberdade o centro de um sistema jurídico, fundamentando a obrigatoriedade do direito em um conceito moral universal, o qual nominou de "imperativo categórico", que consiste na premissa de respeito aos direitos do outro indivíduo, na construção de uma liberdade geral.

d)Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) [9]: Para esse filósofo alemão, o direito consiste na plena liberdade e moralidade definidas pelo Estado. Hegel afirma que não existe uma única definição para o direito, mas considera imperioso visualizá-lo como primazia do Estado.

e)Friedrich Karl von Savigny e Rudof von Ihering: Dois grandes vultos da filosofia jurídica do século 19. Produziram vastíssimo conhecimento jurídico. Savigny é representante da escola pandecista, responsável pela recepção moderna do direito romano na Alemanha da época, criando assim uma visão sistêmica e científica de aplicação do direito. Infere, assim, a idéia de que o direito é uma ciência, com forte apelo interpretativo. Ihering preconiza a existência da força e do equilíbrio do direito, exortando o lado retórico da ciência jurídica. Defende a idéia de coercitividade e finalidade do direito.

f)Eugen Ehrlich (1862-1922): Para o jurista austríaco, a efetividade social é que delineia o direito. Dito assim, Ehrlich, representante da Escola do Direito Livre (ou direito vivo) reputa que o direito não depende só do Estado, mas do reconhecimento social de certas normas. Isso faz com que seja conhecido como um dos pais da sociologia jurídica.

g)Hans Kelsen (1881-1973): Um dos mais proeminentes nomes da cultura jurídica de todos os tempos e certamente o mais referido contemporaneamente, Kelsen reduz – de maneira científica e clara – o fenômeno jurídico à investigação das normas e ordenamento jurídico. Por isso é o grande representante do positivismo normativista e da preconizada ciência do direito (dogmática jurídica).

h)Robert Alexy (1945-): Professor da Universidade de Kiel (AL), é um dos mais expressivos filósofos do direito da atualidade, tendo expressivo destaque no campo de estudos da argumentação jurídica. Com especial enfoque na principiologia jurídica, defende a conexão do direito com preceitos morais, na construção de um direito discursivamente racional.

2.2. Ampliando a plurisignificação conceitual: uma aproximação linguística

Em sentido etimológico, "direito" origina-se de derectum do baixo latim, Derivado de dirigere, surgiu na Idade Média, aproximadamente século IX. Derivam dessa matriz, os vocábulos "direito" (português), "derecho" (espanhol), "diritto" (italiano) e "droit" (francês).

Significaria o direito aquilo que é reto (rectum), que não contém curvatura. O vocábulo "rectum", inclusive, deu origem a outras formas, tais como "right" (inglês) e "recht" (alemão).

Os romanos referiam-se a jus (lícito) e injuria (ilícito). De jus derivam os termos jurisdição, jurista, jurídico etc. Já lex é a representação da própria lei.

Na Grécia antiga, Diké, figura mitológica – filha de Zeus e Themis – que ostentava uma espada em sua mão direita e uma balança na esquerda – a indicar o que era "correto" – acoplava-se a um conceito primordial do que é justo, derivando o termo dikaion (aquilo que é devido). As normas de conduta, mais associadas geralmente a uma idéia de "sistema de direito", eram identificadas pela palavra nómos.

Isso ocorre também com o idioma inglês, que identifica o conjunto de normas, isto é o próprio direito, nessa particular acepção, com a representação "law", que significa simplesmente "lei".

2.3. Dimensões do Direito: ainda em torno da pluralidade definitória

Compreender "o que é o direito" é, no dizer Herkenhoff, "uma dificuldade aparente que se torna uma questão instigante" [10].

É possível repetir hodiernamente, como afirma Washington de Barros, o que foi dito por Kant sobre a incessante busca dos juristas pelo conceito de direito: enquanto não se apropriam de uma definição do que é o "direito", identificam, não raro, o que é "juridico" (o que é relativo ao "direito"). [11]

Na opinião de Alexandre Araújo Costa, os conceitos jurídicos desafiam um discurso linear, na medida em que ele faz referências a noções que se contêm e se condicionam mutuamente [12].

As condições para que se possibilite uma noção definitiva de direito não podem ser realizadas em um primeiro e único momento, devendo ser laboradas até a concreção de uma linha definitória mais ampla.

Como razão de ordem, propomos dois critérios básicos:

a) o nominal: procura dizer o que a palavra significa;

b) o real ou lógico: busca descobrir a essência do objeto definido (a realidade do direito).

Podemos subdividir, ainda, o critério nominal em definição etimológica (origem do vocábulo "direito"), tal como analisamos no item anterior e definição semântica. Com cuidado a esta última, trata-se da simples busca pelo significado da palavra "direito", em sua significação lingüística, os diversos sentidos que a palavra teve, através dos tempos, ou seja, os sentidos do vocábulo no curso de seu desenvolvimento [13]. Em termos semânticos, temos que o direito pode assumir o significado de "a qualidade do que está conforme a reta"; "aquilo que está conforme a lei"; "a própria lei"; "conjunto de leis"; "a ciência que estuda as leis" [14].

No que pertine ao critério real ou lógico, trata-se da busca do significado do vocábulo que, como sabemos, possui diferentes acepções, conduzindo, assim, à percepção do direito como fenômeno multifacetado.

Autores diversos, como Flóscolo da Nóbrega e Franco Montoro, destacam algumas dimensões particulares do objeto em análise. O primeiro identifica o direito em quatro planos distintos: o direito como princípio; como norma; como poder; e como garantia [15].

Utilizaremos, apenas para inferir uma linha conceitual básica, cinco definições concebidas por Franco Montoro [16] para identificar o fenômeno "direito":

- como lei ou norma (direito em sentido objetivo)

- como faculdade ou poder (direito em sentido subjetivo)

- como acepção de justo (direito como valor que implica a justiça)

- como ciência (direito como objeto do conhecimento)

- como fato social (direito em sentido sociológico)

A idéia mais comumente associada ao nosso objeto de estudo é a de "conjunto de normas que regulam uma sociedade". Direito, em sentido objetivo, assume o papel de norma de conduta impositiva; é a regra social obrigatória; é a norma jurídica reguladora da conduta social humana (norma agendi).

Nesse significado, identifica, também, o conjunto de normas de um ramo dogmático (Ex.: Direito Civil, Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Processual, Direito Tributário,Direito Comercial, Direito do Consumidor etc.).

Referível, igualmente, ao conjunto de normas relacionadas a um instituto jurídico (Ex.: Direito falimentar - refere-se às normas jurídicas pertinentes à falência e à concordata).

Ainda pode ser empregado para destacar o conjunto de normas jurídicas vigentes em determinado país – um ordenamento jurídico nacional – como, por exemplo, o Direito norte-americano, o Direito brasileiro, e, também, uma família ou sistema jurídico, no tocante ao seu modelo, à guisa dos dois principais modelos, o direito anglo-americano ("Common Law") e o direito de tradição romano-germânico ("Civil Law").

Por seu turno, o direito enquanto faculdade (direito subjetivo) é o poder de uma pessoa, em relação a determinado objeto jurídico. Vale dizer, o direito subjetivo diante de alguma situação jurídica.

No tirocínio de Eduardo Rabenhorst, trata-se de faculdade, poder, prerrogativa, imunidade ou privilégio (direito subjetivo), e pode ser assim compreendido: "se alguem tem um determinado direito, isso significa que este alguém possui uma prerrogativa de exigir a obrigação correspondente a essa direito. Por exemplo, se o comprador tem a obrigação de efetuar o pagamento daquilo que comprou, o vendedor, por sua vez, tem o direito de exigir o pagamento devido" [17].

Outra maneira de enxergar o direito é acoplando o seu conceito ao sentimento de justiça e aos valores inerentes à essa aspiração. Assim, as idéias de justiça, igualdade e correção são bem próprias do direito. Consistente na valoração de uma situação jurídica, constitui um campo de estudos à parte, chamada axiologia jurídica.

Atribuir a cada um o que seu é o fundamento da justiça, segundo Ulpiano: "Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi" [18]. Na ótica de Santo Tomás de Aquino, o direito é o que é devido a outrem, segundo uma igualdade".

O direito enquanto ciência refere-se ao campo de estudos que o reflete como objeto do conhecimento. Inclui, sobretudo, a chamada dogmática jurídica. Consubstancia-se no estudo metódico do fenômeno jurídico e a sistematização que decorre desse estudo, que recebe o nome de epistemologia jurídica [19]. Mas o problema da cientificidade do direito é mais complexa, não podendo desprezar-se as ciências auxiliares do fenômeno jurídico, tais como as disciplinas descritivas aludidas no tópico 1.

Finalmente, algumas linhas sobre a concepção de direito como fato social. Como já foi caracterizado no item 1 supra, o direito é um fenômeno social. Para o sociólogo, sobretudo, como ensina Lévy-Bruhl, propondo a seguinte definição de direito: "O direito é o conjunto das normas obrigatórias que determinam as relações sociais impostas a todo momento pelo grupo ao qual se pertence". [20] Já afirmou Ehrlich que o centro de gravidade do direito não está na legislação, nem na ciência jurídica, tampouco na jurisprudência, mas sim na sociedade mesma.

Desse ponto de vista, direito constitui-se como objeto da sociologia jurídica, importando fazer-se tanto uma leitura jurídica do social (a resposta do direito aos problemas sociais), quanto uma leitura social do jurídico (a resposta da sociedade à realidade jurídica).


3. As Grandes Divisões do Direito

É recorrente, na teoria jurídica fundamental, a exposição de divisões primordiais dos conceitos jurídicos, ordenadas para um maior aprofundamento dos sentidos buscados no estudo. Assim, é comum falar-se em "divisões do direito" ou "dicotomias clássicas".

Em termos lógicos, a expressão dicotomia indica a divisão de um conceito em dois outros conceitos, em geral contrários, que lhe esgotam a extensão. Pode, assim, caracterizar a bifurcação de um plano compreensivo sobre um determinado objeto.

Ao estudar o fenômeno jurídico, é comum o recurso a essa estrutura lógica, pois as relações dicotômicas potencializam um amplo cabedal de informações sobre o conceito jurídico estudado

Para franquear uma completa visão acerca das grandes questões do Direito, propomos uma divisão conceitual de dados relevantes para o objeto estudado, a partir das seguintes polarizações:

- Direito Positivo x Direito Natural

- Direito Objetivo x Direito Subjetivo

- Direito Público x Direito Privado

- Direito Material x Direito Processual

3.1. Direito Natural e Direito Positivo

O Direito Natural é o direito pressuposto pela intuição do que é o correto, dos princípios elementares do "justo". A idéia de Direito Natural é, assim, de alta indagação filosófica, constituindo-se o Jusnaturalismo em uma tendência que visualiza o direito como um valor perene, imutável e válido universalmente. Em outras palavras, seria o direito válido em todos os lugares e em todos os tempos, para todos os povos, correspondendo à clássica fórmula "direitos do homem e do cidadão", ou em outras palavras, "direitos humanos" [21].

A base filosófica para a convicção de um direito de tal ordem radica no chamado Jusnaturalismo, ou seja, na doutrina de um Direito Natural, que compreende um conteúdo variável [22]. Podemos destacar as principais concepções jusnaturalistas: A primitiva ou estóica, a teológica e a racionalista ou antropológica.

A concepção primitiva apresenta rastros remotos na Grécia Antiga, de um direito que a natureza (Physis) ensinou aos animais e que prediz ser a virtude consiste em uma vontade que está sempre de acordo com a natureza. Há que se ressaltar, aqui, a chamada fase de indiferenciação entre o direito, a religião e a moral, em que as normas jurídicas se confundem com as regras do culto.

A tragédia Antígona, de Sófocles, bem retrata a idéia arcaica do jusnaturalismo. Nela, o rei de Tebas, Creonte, editou uma norma proibindo o sepultamento de Polinice, que havia se insurgido contra aquele governante. Antígona, irmã de Polinice, ao desobedecer a norma real, proferiu, dirigindo-se ao próprio Creonte, de forma encomiasta, seu laudatório acerca da superioridade do Direito Natural:

Não foi do Sumo Zeus essa ordem emanada.

Nem a justiça a impôs dos Manes na morada.

Do céu não procedeu. Nem podia acudir-me

Que um decreto de rei ou ato humano infirme

Inolvidáveis leis, eternas, não escritas,

À raça dos mortais por imortais prescritas.

Não são d´ontem nem d´hoje; estranhas são às datas.

Têm existido sempre, imutáveis, inatas.

Por humana coação leis santas infringir

Fora da divindade a cólera atrair. [23]

Alguns autores preferem atribuir aos estóicos [24] a primeira formulação dessa doutrina, onde a participação dos seres vivos na ordem universal acontece por meio do instinto para os animais e através da razão para os homens. Neste sentido, exsurge a clássica definição de Ulpiano: "Jus naturale est quod natura omnia animalia docuit".

Como ressalta João Maurício Adeodato, outro exemplo está na célebre passagem atribuída a Jesus Cristo: "a César o que é de César, a Deus o que é de Deus". [25]

O Direito Natural teológico traduz-se na concepção medieval, com a notória influência da Igreja Católica, sobretudo da filosofia tomista [26]. Persiste, aqui, a noção de um direito imutável e superior, de origem divina, que é revelado aos homens através da Santa Madre Igreja.

Com o enfraquecimento da Igreja Católica e a ascensão do Estado como máxima instância sócio-político-jurídica, o mundo laico, isto é, secularizado, o jusnaturalismo transmuta-se em uma concepção antropológica ou racionalista. Esta surge, sobremaneira, com Hugo Grócio [27] e seu o jusnaturalismo. Com o Renascimento, o direito perde, de maneira progressiva, seu caráter sagrado e, a partir da construção de um sistema de normas que objetivassem a paz social, aparece como regulador racional, capaz de se operar, apesar das divergências nacionais e religiosas [28].

O Direito Natural seria, portanto, o conjunto de princípios da conduta humana que resultariam ou da natureza, ou da divindade, ou, ainda, da própria razão humana, sempre referente à idéia de justiça e que seria superior ao Direito Positivo [29].

Designa-se por Direito Positivo o conjunto de normas jurídicas escritas e não escritas (como o costume jurídico, por exemplo), vigentes em determinado território e, também, na órbita internacional na relação entre os Estados, sendo o Direito Positivo aí aquele estabelecido nos tratados e costumes internacionais [30]. O Direito Positivo de um Estado soberano não se cinge apenas às normas ou previsões hipotéticas, mas representa o conjunto de prescrições jurídicas, no qual se incluem as decisões, sejam administrativas ou judiciais [31].

Embora apareça nos primórdios da civilização ocidental (na Grécia surge como a nómos), o Direito Positivo se consolida como esquema de segurança jurídica a partir do século XIX. [32]. Sobre as raízes desse postulado, anota Ovídio Baptista Silva que, a busca da segurança jurídica foi o ethos que caracterizou toda a filosofia política do século XVII, tendo Hugo Grócio, em sua obra "O Direito da guerra e da paz", esposar sua idéia de ser preferível uma dominação ilegítima a uma guerra civil [33], opinião compartilhada também por Hobbes, que considerava o caos como maior temor das populações, a despeito do jugo da ditadura mais ferrenha [34].

Em síntese, o Direito Positivo seria o conjunto de normas que apresentam formulação, estrutura e natureza culturalmente construídas. É a instituição de um sistema de regras e princípios que ordenam o mundo jurídico, tendo como ponto de partida a norma jurídica e cujo manancial seria o Estado.

Para Tércio Sampaio Ferraz Jr, atualmente, esta dicotomia resta enfraquecida. A atual influência do direito natural, ainda existente, provém do século XVIII onde, sob o império do racionalismo jurídico, era concebido como um conjunto de direitos e deveres aplicados às relações entre os homens de maneira análoga a que se aplica o direito posto pelo Estado formal. [35]

Sucede-se, assim, a evolução de uma ordem jurídica racionalizada que, em meados do século XIX já absorveu, de modo institucional (como em Declarações de Direito), em que o nas primeiras décadas do século XX. Embora mantenha-se até os dias atuais, aquela dicotomia, a nível prático, enfraqueceu-se consideravelmente resumindo-se à discussões acerca da proteção dos direitos invioláveis do homem contra o próprio Estado.

O direito natural na atualidade encontra-se "positivado", a exemplo de algumas normas constitucionais que, com status de cláusulas pétreas, albergam direitos fundamentais do cidadão. Este fato contribuiu para o enfraquecimento da dicotomia ora falada, acarretando a trivialização do direito natural, a partir do momento em que todo direito passou a ser logicamente redutível a direitos naturais.

O fato é que apesar de o direito natural ter perdido sua força, seu objeto ainda continua presente, inclusive na ciência dogmática do direito, quando por exemplo tenta descobrir-lhe substitutos para-universais, como o princípio da legalidade, da autonomia privada, etc. A tudo isto acresça-se a teoria do direito artificial de Vittorio Frosini, que intenta "ressuscitá-lo" e transformá-lo numa "jurisprudencia more geometrico demonstrata".

Tabela 1

Características do Direito Positivo e do Direito Natural

DIREITO POSITIVO

DIREITO NATURAL

É posto (monopolizado pelo Estado)

É pressuposto (aspira superioridade ao Estado)

É valido em determinado tempo (vigência temporal) e em determinado lugar (base territorial)

Possui validade universal e imutável, ou seja, é válido em todos os tempos e para todos os povos

Tem como fundamento a estabilidade e a ordem da sociedade (primado da segurança jurídica)

Liga-se a princípios fundamentais, de ordem abstrata. Corresponde a idéia de justiça

Corresponde à dogmática jurídica

Pode ser associado ao pensamento zetético

3.2. Direito Objetivo e Direito Subjetivo

Outra dicotomia clássica é aquela que contrapõe o direito em sentido objetivo e o direito em sentido subjetivo, ou, simplesmente, direito objetivo e direito subjetivo. O primeiro é o conjunto de normas obrigatórias, como, por exemplo, as do direito civil. No outro caso, quando se alude à capacidade de uma pessoa para determinar obrigatoriamente a conduta de outra, com a expressão "ter direito a.. .", trata-se de direito subjetivo [36]. Afirma Rabenhorst: "A teoria jurídica faz uma distinção importante entre o direito entendido como o conjunto de normas vigentes em uma determinada sociedade (direito objetivo) e o direito enquanto faculdade, poder, prerrogativa, imunidade ou privilégio (direito subjetivo)" [37].

O Direito Romano distinguia esses "dois lados do direito". No conceito jus est norma agendi (o direito é norma de agir) está implícita a face objetiva do direito. A noção subjetiva se traduz na fórmula jus est facultas agendi (o direito é a faculdade de agir). A ordem jurídica compõe-se do direito objetivo, ao reunir prescrições, normas, leis e imperativos jurídicos. O direito objetivo, ao voltar-se sobre situações concretas, gera direitos subjetivos e deveres jurídicos que se opõem ou se articulam reciprocamente.

O direito como norma é chamado de "objetivo", porque, ao surgir, "se objetiva", se põe como uma realidade objetiva, independente da pessoa do observador e irredutível à sua subjetividade.

Já quando afirmamos que "alguém tem um direito", isso quer dizer que alguém possui direitos subjetivos, que podem (daí a expressão faculdade) ser exercidos, em uma relação jurídica [38].

Desse modo, explica Savigny: "O direito considerado na vida real, envolvendo e penetrando por todos os lados nosso ser, nos aparece como um poder do indivíduo. Nos limites desse poder, reina a vontade do indivíduo, e reina com o consentimento de todos. A tal poder ou faculdade nós chamamos ´direito´, e alguns, ´direito em sentido subjetivo´". [39]

3.3. Direito Público x Direito Privado

Quando focalizamos o direito como conjunto de normas vigentes para regular uma determinada sociedade – direito positivo, estabelecemos uma divisão conceitual dos vários ramos dogmáticos que o compõem. Assim, referimo-nos a célebre divisão dicotômica do Direito em Direito Público e Direito Privado.

O Direito Romano apontou, com muita propriedade, tal distinção, referindo-se ao Jus Publicum e ao Jus Privatum. O primeiro ocupava-se do governo do Estado e das relações entre os cidadãos e o Estado. O Jus Privatum tinha por objetivo regular as relações entre os cidadãos, entre os particulares, enfim. Tal dicotomia foi seguida pelo grande Savigny, para quem, no Direito Público, o Estado é o fim, e no Direito Privado, o indivíduo é o fim.

Embora sólida em suas bases, tal dicotomia não desfruta mais do antigo prestígio. Dizer-se que no Direito Público há o interesse do Estado e que no Direito Privado há o interesse da pessoa, como duas realidades estanques, incomunicáveis, é afirmação que vem encontrando severas críticas, pois, na verdade, não pode deixar de haver pelo menos uma pequena parcela de interesse do particular nos negócios públicos e, em contrapartida, uma pequena parcela de interesse do Estado nos direitos privados.

De tal sorte, alguns autores falam de descabimento técnico da dicotomia [40], ao passo em que outros preferem criar um terceiro bloco, sui generis, "intermediário", "misto" ou "difuso" [41], em que se inserem os chamados direitos fundamentais da Humanidade, cuja tutela jurídica está a ampliar-se.

Veremos abaixo, uma proposta de divisão do Direito em Público, Privado e Difuso, com base em Rizzatto Nunes [42] e efeito meramente didático [43] (Tabela 2).

Cabe, ainda, antes de fazermos a disposição dos ramos referidos, tecer alguns comentários acerca do problema da existência do direito na ordem internacional. Poderíamos falar, assim, de outra dicotomia: a do direito interno em face do direito internacional.

Com efeito, As normas jurídicas têm seu campo de abrangência limitado por espaços territoriais, em nível nacional, pelas fronteiras e extensões ficcionais do Estado, o que caracteriza o princípio jurídico da territorialidade (existência do direito em uma base territorial, entendida como elemento constitutivo de um Estado) [44].

Segundo Rizzatto Nunes, com o avanço das relações internacionais, os Estados modernos passaram a admitir, circunstancialmente, a aplicação de leis estrangeiras em seus territórios [45]; Haveria, assim, a quebra do princípio da territorialidade e adoção de um novo: o da extraterritorialidade [46].

Assim, a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) [47], estipula, em seu art. 8º, que, para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-ão as normas jurídicas do país em que estiverem situados, ao passo em que o art. 9º, do mesmo diploma legal dispõe que, quanto às obrigações, valem as normas jurídicas do país em que elas forem constituídas.

Existem duas correntes que tentam explicar o fenômeno direito na ordem internacional: a monista e a dualista.

A corrente monista defende a unicidade da ordem jurídica, não concebendo um sistema jurídico interno absolutamente separado do direito internacional. Sedimenta-se na idéia de que o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado, quer nas relações internacionais [48].

A corrente dualista, cujos principais representantes são Triepel, Anzilotti e Oppenheim, enfoca o direito internacional e o direito interno dos Estados como sistemas absolutamente independentes e distintos, de forma que a validade jurídica de um em nada interfere na do outro. A validade do direito interno não se condiciona à sintonia junto ao direito na ordem externa. De modo que o direito internacional e o direito interno confrontam-se, um com o outro, como mero fato e não como normas jurídicas colidentes.

Uma das bases teóricas do dualismo é a diversidade das fontes de produção normativa das normas jurídicas internas e internacionais. Outra base teórica refere-se aos destinatários das normas: as normas internacionais são formuladas pelos Estados, em conjunto, para serem aplicadas aos próprios Estados; as normas internas são formuladas pelo Estado, unilateralmente, para ser aplicadas aos indivíduos, súditos do Estado.

Em âmbito internacional, o Estado apresenta-se como um membro da sociedade internacional. Em âmbito interno, o Estado apresenta-se, sobretudo, como ente soberano, legitimado a impor regras aos seus indivíduos.

Assim, a obediência dos Estados frente aos pactos internacionais assumidos advém do princípio pacta sunt servanda, ao passo que os súditos do Estado devem cumprir as normas por este imposta em virtude da soberania de que está investido, externada pelo seu poder [49].

Tabela 2

Os Ramos do Direito: Direito Público, Direito Privado e o "Direito Difuso" [50]

No quadro abaixo, uma visão geral dos principais ramos da clássica divisão, ampliada pela dimensão do tertium gens chamado por Rizzatto Nunes de "Direito Difuso".

DIREITO PÚBLICO

DIREITO PRIVADO

DIREITO "DIFUSO"

Direito Constitucional

Direito Civil

Direito do Trabalho

Direito Administrativo

Direito Comercial

Direito Previdenciário

Direito Tributário

-

Direito Econômico

Direito Penal

-

Direito Ambiental

Direito Processual

-

Direito do Consumidor

Direito Eleitoral

-

Direito Internacional Privado

Direito Internacional Público

-

-

3.4. Direito Material e Direito Processual

Poucos autores recorrem a essa distinção nos manuais de Introdução ao Direito, cabendo crédito ao opúsculo de Hugo de Brito Machado, Uma Introdução ao Estudo do Direito, que trata de diferençar o direito material do processual [51].

Dentre os autores estrangeiros, podemos anotar a presença de tal dicotomia em Werner Goldschmidt [52] e Torres Lacroze [53].

Tal dicotomia, em verdade, só passa a ser enquadrada quando do estudo da Teoria Geral do Processo.

Direito material é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida em seus respectivos ramos dogmáticos (Civil, Penal, Constitucional, Tributário etc). De tal sorte, as normas de direito material (ou substancial) são aquelas que disciplinam imediatamente a cooperação entre pessoas e os conflitos de interesses ocorrentes na sociedade, escolhendo qual dos interesses conflitantes, e em que medida, deve prevalecer e qual deve ser sacrificado [54].

Já o Direito Processual liga-se à regulação da atividade do Estado (com respeito à sua função jurisdicional) e das partes litigantes, bem assim o modo como essa atividade se desenvolve. Subdivide-se em Processual Civil, Processual Penal, Administrativo e do Trabalho.

O Direito Processual disciplina a imposição da regra jurídica específica e concreta (Direito Material) pertinente a determinada situação litigiosa. Assim, as normas de direito processual, pela sua característica instrumental, são aquelas que disciplinam a aplicação das normas substanciais (materiais), seja regulando os meios de tornar estas efetivas e ainda as vias adequadas para provocar o seu cumprimento e efetivação.


4. Os Diferentes Enfoques acerca do Direito: Dogmática e Zetética

Como tivemos oportunidade de referir na Introdução deste livro, o direito pode ser enquadrado como um conhecimento cultural. Isto posto, verifica-se como construção do intelecto humano e variável, portanto, de acordo com o agrupamento social em que ele está inserido.

Em verdade, o problema gnoseológico do direito perpassa por dois enfoques distintos: o dogmático e o zetético. Compreenderemos, agora, um pouco mais acerca destes dois planos compreensivos acerca do fenômeno jurídico.

O idealizador da distinção entre o modo de pensar dogmático e o modo de pensar zetético foi Theodor Viehweg, da Universidade de Mainz (AL), em um artigo intitulado "Systemprobleme in Rechtsdogmatik und Rechtsforschung"(1968) [55]. No Brasil, teve especial destaque por meio de alguns discípulos de Viehweg, em especial Tercio Sampaio Ferraz Jr, da Universidade de São Paulo [56], e João Maurício Adeodato, da Universidade Federal de Pernambuco [57].

O pensamento dogmático está vinculado, diz Viehweg, à opinião e à formação de opinião, enquanto que o zetético liga-se à dissolução das opiniões pela investigação e seu pressuposto básico é a dúvida [58]. A origem etimológica das expressões referenciadas traduz, por si só, tal ideário, como bem esclarece Ferraz Jr: "Zetética" vem de zetein, que significa perquirir, ao passo em que "dogmática" deriva de dokein, que vem de ensinar, doutrinar [59].

A dogmática jurídica corresponde ao campo das normas vigentes em um dado ordenamento legal: são respostas pré-concebidas, produzidas pelo aparato estatal, que monopoliza a criação normativa. Daí algumas expressões recorrentes, tais como "direito dogmático", "direito estatal" ou "direito oficial". Equivale, assim, ao direito positivo. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e estabelecem parâmetros fechados, configurando um dever-ser (uma prescrição de como deve-ser algo?).

Um advogado, um juiz ou um promotor não podem especular de maneira ilimitada acerca da solução mais justa ou adequada para pacificar uma controvérsia posta ao conhecimento do Judiciário. Deverão opinar e decidir com base em uma norma válida do ordenamento, que será o ponto de partida para a interpretação e aplicação do direito. A inegabilidade desses pontos de partida é, portanto, a principal característica do pensamento dogmático [60].

Por seu turno, o enfoque zetético suscita a dúvida, sugere perguntas que melhor refletem a questão analisada. Assim, na esfera do saber jurídico cumpre uma função especulativa muito importante, visando saber o que é uma coisa, configurando um ser (o que é algo?) ao contrário da perspectiva dogmática dirige-se a "possibilitar uma decisão e orientar uma ação". [61]

A análise histórica do direito, a visão jusfilosófica, a psicologia forense, a antropologia e sociologia do direito são, entre vários outras, possíveis abordagens zetéticas do fenômeno jurídico, posto que descrevem a realidade de maneira explícita, especulando infinitamente sobre os dados tomados. Não se cingem a dizer o que algo deve ser, porquanto os pontos de partida são parâmetros da dogmática.

O papel da zetética seria, então, o de examinar criticamente os pressupostos que dão forma à dogmática, fornecendo-lhe assim condições de revisar seus pontos de partida, adaptando-os e fundamentando-os racionalmente. Para um saber jurídico completo, portanto, não se trata de eliminar ou de absorver um enfoque no outro, mas de compreendê-los como necessários e complementares.

A compreensão do direito depende, assim, do tipo de pensamento ou enfoque que se adotar. Tome-se como exemplo uma hipotética disposição normativa encontrada na entrada de um Restaurante de luxo, em Copacabana: "é proibida a entrada de animais". E se acaso um cego acompanhado de seu cão guia desejasse acesso ao recinto? Em uma perspectiva dogmática, estaria impedido de entrar nesse ambiente. Um outro enfoque, não-dogmático, poderia levar a um mais profundo questionamento do problema, em que, dentre as várias conclusões possíveis, uma delas indicaria não ser razoável que tal proibição fosse estendida ao cego, permitindo-lhe assim, entrar no guiado pelo seu cão. Num enfoque dogmático o problema estaria resolvido pela máxima dura lex sed lex, e, por conseguinte, o cego estaria proibido de entrar no restaurante. De outra banda, operando-se um enfoque zetético, configurar-se-ia uma exceção ao comando normativo geral, de sorte a permitir a entrada no cego e seu "acompanhante" canino.


5. Direito e Justiça: Breve Nota Preliminar [62]

Dentro do núcleo comum de princípios, aceitos pelas diversas escolas, situa-se o reconhecimento de que a justiça é o valor fundamental do direito. Podem algumas correntes, como o positivismo jurídico, considerá-la um elemento exterior ao direito, em sentido estrito. Mas, não se trata de negação da justiça, que foi amplamente estudada por Kelsen, mas da recusa em incluí-la no campo da investigação jurídica, definida em termos estritamente formais. [63]

No mundo do conhecimento jurídico, o problema da justiça, porquanto valor e objetivo do direito, é analisado pela axiologia jurídica (teoria dos valores jurídicos).

A justiça não é um conceito meramente formal e vazio de conteúdo, como pretendem alguns autores. Pelo contrário, em oposição às relações sociais de dominação e de submissão, ela representa a exigência concreta de respeito à personalidade de cada homem e de todos os homens. A justiça quer que cada homem seja reconhecido e tratado por todos os outros como um ser que é senhor de seus próprios atos. As exigências concretas da justiça se alimentam desse princípio; elas voltam continuamente à consciência dos homens; realizam-se por um trabalho permanente; transformam o direito em vigor. Imanente e sempre renovada em nosso espírito, a idéia de justiça se encontra em todas as leis, mas não se esgota em nenhuma. É ela que dá sentido e significação a todo direito positivo.

A idéia de justiça que nós, ocidentais, temos é herdada, em grande parte, de Platão, Aristóteles e dos juristas romanos. Os dois primeiros deram a ela o sentido ético e formal, enquanto os romanos o sentido jurídico e material. A justiça - pensa Platão - é virtude suprema, harmonizadora das demais virtudes. A harmonia é sua nota fundamental. Mas Platão também a considera como equilíbrio.

Como equilíbrio e proporção a definiu Aristóteles. É clássica a distinção que formulou entre justiça distributiva e justiça comutativa (sinalagmática ou corretiva) em função do critério da proporção e da igualdade. A primeira, pelo critério da proporção, distribui os bens correspondentes ao mérito e às necessidades de cada um, enquanto a segunda, com base no princípio de igualdade, torna justas as trocas entre as pessoas. A distributiva dependeria do Estado, que pode distribuir bens e honras, levando em conta o mérito de cada um. Já a comutativa preside as relações entre os homens, equilibrando-as de modo que cada um receba o que merece, o que lhe é devido.

Em síntese, de Aristóteles acolhemos duas notas formais características da justiça: igualdade e proporcionalidade.

Vieram depois os romanos, que, com seu espírito prático, não cogitaram dos aspectos formais da justiça, mas de seus princípios, de seu conteúdo. A definição romana de justiça: "justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu" (Ulpiano) [64]. "Dar a cada um o que é seu", eis a regra fundamental da justiça dos romanos, complementada com outra: "não causar dano injusto a outrem" ou "a ninguém ofender".

Com tais princípios, o Ocidente, através de sua história, criou a sua idéia de justiça, formulando, em função de situações histórico-sociais, um conceito do justo, que, variando com a modificação dessas situações, não se alterou em sua substância. Em síntese, justiça é igualdade de tratamento jurídico, bem como proporcionalidade da pena ao delito, da indenização ao dano, do preço à coisa vendida, da prestação à contraprestação etc.

Mas o Ocidente não se limitou a construir apenas uma teoria da justiça, pois, desde os romanos, vem elaborando teorias jurídicas para atender a necessidades sociais com o objetivo de legitimar a ordem jurídica dominante. Não se satisfez, portanto, em formular os elementos componentes da idéia de justiça, por ser muito mais importante encontrar o meio de realizá-la historicamente. Desse propósito resultou outra questão: a da relação entre justiça e direito.

Já vimos que o direito é norma executável coercitivamente, enquanto a justiça é finalidade, ou melhor, exigência moral de realizá-la no meio social (nem sempre atendida), valor, que pode ou não influir no legislador, apesar de dever influí-lo. A diferença, portanto, que existe entre direito e justiça é semelhante à que há entre ideal e realidade (fato). A justiça não é coercível, enquanto o direito é; a justiça é autônoma, pois não é imposta à nossa consciência, brotando nela como os demais ideais e valores, sendo, assim, valor moral, enquanto o direito é heterônomo, por termos a consciência de nos ser ele imposto pela sociedade (costumes) ou pelo poder público (legislação). A justiça é a meta a ser atingida pelo direito e, desta forma, distingue-se deste como o "meio" da "finalidade". É critério das leis, das condutas e das sentenças judiciais.

Mas, apesar de não se confundir com o direito, a justiça desempenha tríplice papel em relação ao mesmo: (i) meta do direito; (ii) critério capaz de julgá-lo e de aperfeiçoá-lo; (iii) fundamento do direito histórico. Torna-o problemático e revela, quantas vezes, a sua imperfeição, injustiça e desumanidade. O direito é um fato cultural, cujo "sentido" consiste em achar-se sempre a serviço da justiça.

Um conceito muito caro à justiça é o de eqüidade. Como afirma Nader, em Ética à Nicômaco, "Aristóteles traçou, com precisão, o conceito de eqüidade, considerando-a ´uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade´ e comparou-a com a ´régua de Lesbos´ que, por ser de chumbo, se ajustava às diferentes superfícies: ´A régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos´". [65]

Na busca de uma necessária conciliação entre segurança jurídica e justiça, a substancialidade desta pode ser captada pelo intérprete legal, ainda que vinculado às leis vigentes, no sentido de conferir melhor valoração a um caso concreto. Assim, a eqüidade consiste na possibilidade de o juiz, devidamente autorizado por lei, julgar determinado caso com plena liberdade, circunstância na qual inocorre uma simples adaptação da norma ao caso concreto, mas a elaboração da norma e sua correta aplicação. [66]


6. Referências

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Notas

1 Assim lembra Gesta Leal: "Todos sabemos que o direito, ao menos fundamentalmente, se expressa através de proposições que denominamos jurídicas, ou seja, em códigos, leis, constituições etc". (R. Gesta Leal: Hermenêutica e Direito – Considerações sobre a Teoria do Direito e os operadores jurídicos. 3. ed. Santa Cruz do Sul-RS: EDUNISC, 2002, p. 20.

2 Ou como propõe Karl Larenz, "a idéia de uma pauta, pela qual devemos orientar a nossa conduta, a idéia de injuntividade ou vinculatividade". (K. Larenz: Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 262).

3 É possível repetir hodiernamente, como lembra Washington de Barros, o que foi dito por Kant sobre a incessante busca dos juristas pelo conceito de direito: enquanto não se apropriam de uma definição do que é o "direito", identificam, não raro, o que é "juridico" (o que é relativo ao "direito"). (W. de B. Monteiro: Curso de Direito Civil – Parte Geral. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 1.).

4 J. B. Herkenhoff: Fundamentos do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.1.

5 Para um conceito de relação intersubjetiva, cf. L. R. Siches: Tratado de Sociologia. v. 1. 3. ed. Porto Alegre: Globo, s.d, p. 242 e ss.

6 E. Erhlich: Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: Universidade de Brasília, 1986.

7 M. Reale: Lições Preliminares de Direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 2.

8 Idem, p. 2.

9 Cf. G. W. F. Hegel: Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

10 J. B. Herkenhoff: Fundamentos do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

11 W. B. Monteiro: Curso de Direito Civil – Parte Geral. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 1.

12 A. A. Costa: Introdução ao direito: uma perspectiva zetética das ciências jurídicas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001.

13 A Semântica pode ser entendida como a "ciência específica do significado". Cf. J. Paviani: Fundamentos da semântica. Caxias do Sul-Porto Alegre: Universidade de Caxias do Sul-Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1976, p. 49.

14 Excetuando-se o uso do verbete "direito" como adjetivo e advérbio, podemos selecionar, no Dicionário Aurélio Eletrônico, os seguintes significados do substantivo "direito", comportando sentido jurídico: i. aquilo que é justo e conforme à lei; ii. Faculdade legal de praticar ou deixar de praticar um ato; iii. Prerrogativa, que alguém possui, de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos, ou o respeito a situações que lhe aproveitam; iv. Faculdade concedida pela lei; poder legítimo; direito de caça, direito de pesca; v. Ciência das normas obrigatórias que disciplinam as relações dos homens em sociedade; jurisprudência; vi. O conjunto de conhecimentos relativos a esta ciência, ou que tem implicações com ela, ministrados nas respectivas faculdades: estudante de direito; vii. O conjunto de normas jurídicas vigentes num país; viii. Complexo de normas não formuladas que regem o comportamento humano; lei natural; direito universal. ix. Taxa alfandegária; imposto; direitos de importação; x. Regalia, privilégio, prerrogativa; direito de primogenitura.

15 J. F. Nóbrega: Introdução ao direito. 7. ed. São Paulo: Sugestões literárias, 1987, passim.

16 A. F. Montoro: Introdução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, passim.

17 E. R. Rabenhorst: "Quem pode ser sujeito de direito? – Em torno do conceito de direitos subjetivos". In: E. R. Rabenhorst: Dignidade Humana e Moralidade Democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 56.

18 Cf. A. F. Montoro: Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 121 et seq.

19 "Epistemologia – do grego episteme – designa, na filosofia de Platão (...) a esfera mais alta do conhecimento e constituindo-se, até hoje, na teoria do conhecimento que hoje chamar-se-ia científico, um tipo especial de conhecimento, que se pretende verdadeiro, racional, sistematizável, transmissível etc". (J. M. Adeodato: Filosofia do Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1-2).

20 H. Lévy-Bruhl: Sociologia do Direito. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 20.

21 J. C. Vieira de Andrade: Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998, p. 11.

22 Aduz Alf Ross sobre o direito natural: "O direito natural busca o absoluto, o eterno, que fará do direito algo mais que a obra dos seres humanos e livrará o legislador das penas e responsabilidades de uma decisão. A fonte da validade transcendente do direito foi buscada na mágica lei do destino, na vontade de Deus, ou numa percepção racional absoluta". (Alf Ross: Direito e Justiça. Bauru-SP, Edipro, 2000, p. 302).

23 Sófocles: Antígone. Trad. Barão de Paranapiacaba. Rio de Janeiro: Bevilacqua, 1909, p. 103-104.

24 Como são chamados os filósofos participantes do estoicismo, escola cujo fundador foi o pensador grego Zenão de Citium (334-262 a.C., aproximadamente) e que muito influenciou a filosofia do Império Romano.

25 J. M. Adeodato: Ética e Retórica - Para uma Teoria da Dogmática Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 190.

26 Relativa à Santo Tomás de Aquino (séc. XIII).

27 Hugo Grotius, nome latino do jurista holandês Huig Van Der Groots, concebeu, no início do século XVIII, um direito supranacional que pusesse limite ao poder absolutista das monarquias européias. Rejeitou a "razão de estado" defendida por Maquiavel como fonte do direito e propôs uma versão atualizada do direito natural estóico, com elementos do direito romano e da teologia cristã. Thomas Hobbes entendia que a natureza humana não é tão perfeita como pensavam Grotius e os estóicos. Sustentava que o homem, em estado natural, luta somente por sua sobrevivência e só cede parte de sua liberdade e se submete à autoridade alheia em troca de segurança. Cf. H. Grócio: "Sobre os direitos da guerra e da paz". In: C. Morris: Os Grandes Filósofos do Direito – Leituras escolhidas em direito. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 73-101.

28 Para um conceito mais aprofundado de jusnaturalismo racionalista, cf. T. S. Ferraz Jr: Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed. São Paulo, Atlas, 2001, p. 65-72.

29 Cf. Gustav Radbruch: Filosofia do Direito. 6. ed. Trad. L. Cabral de Moncada. Coimbra, Arménio Amado, 1997, p. 61 et seq, onde se encontra referência às antíteses jusnaturalistas: natureza x normas (antiguidade); direito-divino x direito-humano (medievo); e direito positivo x razão individual (modernidade).

30 L. A. Rizzatto Nunes: Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 115-116.

31 Nessa orientação, assim o define Paulo Dourado de Gusmão: "(...) é o direito vigente, histórico, efetivamente observado, passível de ser imposto coercitivamente, encontrado nas leis, códigos, tratados internacionais, costumes, resoluções, regulamentos, decretos, decisões dos tribunais etc". (P. D. de Gusmão: Introdução ao Estudo do Direito. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 53).

32Cf. Soares Martinez: Filosofia do Direito. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 291 et seq.

33 O. A. Baptista da Silva: Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 110.

34 B. Magee: História da Filosofia. São Paulo: Loyola, 1999, p. 81.

35 T. S. Ferraz Jr: Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.

36 No campo etimológico, podemos notar a distinção semântica entre os dois vocábulos ingleses "law" (lei ou ordem legal) e "rights" (direitos), de modo a perceber-se a existência de "direitos baseados em normas".

37 E. R. Rabenhorst: Dignidade Humana e Moralidade Democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 56.

38 Cf. A. Franco Montoro: Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 437 et seq.

39 F. K. Von Savigny: Sistema Del Derecho Romano Actual – Volume I. Madrid: Gongora, 1879, p. 25 apud A. Franco Montoro: Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 437.

40 Cf. A. da Maia: "O público e o privado como tentativa de fixação de uma ontologia jurídica". In: A. da Maia: Ontologia Jurídica – O Problema de sua Fixação Teórica (Com Relação ao Garantismo Jurídico). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 41-60.

41 L. A. Rizzatto Nunes: Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 130 et seq.

42 Idem, p. 120 et seq.

43 Como consente Alexandre da Maia: "Muito embora percebamos a inexistência de rigor na distinção entre direito público x direito privado, percebemos também que ela traz um aspecto funcional importante: é através da divisão dos ramos do direito positivo que se organiza a justiça brasileira (varas cíveis, criminais etc.), e a manutenção dessa distinção se torna útil para que se facilite a prestação jurisdicional, bem como a estruturação acadêmica dos cursos de bacharelado em direito, que também se mantêm dessa maneira, inclusive na descentralização administrativa das disciplinas jurídicas (departamento de direito civil, constitucional etc.)". (A. da Maia: Ontologia Jurídica – O Problema de sua Fixação Teórica (Com Relação ao Garantismo Jurídico). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 59.).

44 Os Estados são, por tradição histórica, os principais sujeitos de Direito Internacional, sendo aqueles que reúnem três elementos básicos: população (composta de nacionais e estrangeiros); território (ainda que não completamente definido) e governo (desde que efetivo e estável, dotado de soberania).

45 L. A. Rizzatto Nunes: Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 200-201.

46 Tal temário será rediscutido por oportunidade da discussão sobre a eficácia da lei no espaço.

47 Decreto-Lei Nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.

48 Para Hans Kelsen, a diferença básica entre o direito nacional e o internacional reside no grau de centralização do primeiro e de descentralização do segundo. O direito interno promove uma ordem jurídica centralizada, havendo centralização na aplicação do direito, instituição de órgãos judiciários, divisão de competências, etc. Já o direito internacional é uma ordem jurídica descentralizada. Apresenta-se, inclusive, como sendo o mais alto grau de descentralização encontrado no direito positivo. Outro fator de descentralização do direito internacional é o tangente à sua eficácia. O direito das gentes somente cria obrigações, de regra, aos Estados. Quando obrigações são impostas aos indivíduos o são de modo indireto, através de mediação das ordens jurídicas nacionais. Cf. H. Kelsen: A Teoria Pura do Direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 364 et seq.

49 Cf. V. Ráo: O Direito e a Vida dos Direitos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

50 Não trata-se de um rol exaustivo, apenas exemplificativo dos ramos da Dogmática Jurídica. Importante frisar a existência de uma série de disciplinas jurídicas não catalogadas no esquema proposto, tais como: Direito da Infância e do Adolescente (antigo "Direito do Menor"), Direito Financeiro, Direito Empresarial (incluído tradicionalmente no Direito Comercial, mas englobado pelo Direito Civil Brasileiro, a partir do Novo Código Civil), Direito Agrário, Direito de Integração econômica etc.

51 H. B. Machado: Uma Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 21-23.

52 W. Goldschmidt: Introduccion al Derecho (Estructura del Mundo Juridico). 2. ed. Madrid-Buenos Aires-Mexico: Aguillar, 1962, p. 405 et seq.

53 F. A. Torres Lacroze: Manual de Introduccion al Derecho. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1973, p. 237 et seq.

54 A. C. de Araújo Cintra; A. P. Grinover; e a C. R. Dinamarco: Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 88.

55 Cf. T. Viehweg: "Problemas Sistémicos en la Dogmática Jurídica y en la Investigación Jurídica". In: Tópica y Filosofía del Derecho. 2. ed. Trad. Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 1997, p. 71-85.

56 Cf. T. S. Ferraz Jr: Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.39-51.

57 Cf. J. M. Adeodato. Filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 9-18.

58 T. Viehweg: "Problemas Sistémicos en la Dogmática Jurídica y en la Investigación Jurídica". In: Tópica y Filosofía del Derecho. 2. ed. Trad. Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 1997, p. 77.

59 T. S. Ferraz Jr: Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 41.

60 J. M. Adeodato: Ética e Retórica – Para uma Teoria da Dogmática Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 215.

61 T. S. Ferraz Jr: Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 41.

62 Para uma visão geral do tema: E. C. B. Bittar: Teorias sobre a Justiça - Apontamentos para a História da Filosofia do Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000; F. T. Leite: "Justiça e direito". Revista da Faculdade de Direito. João Pessoa, a. 1, n. 1, p. 213-246, 1998.

63 Cf. H. Kelsen: O Problema da Justiça. 2. ed. Trad. João Baptista Machado. [Com prefácio de Mário G. Losano]. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

64 "Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi". (Digesto, Livro I, "De justitia et jure" apud A. Franco Montoro: Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 39.

65 P. Nader: Introdução ao Estudo do Direito. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 109.

66 Idem, p. 110.


Autor

  • Gustavo Rabay Guerra

    Gustavo Rabay Guerra

    Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutor e pesquisador em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UNB), professor do Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e advogado em Brasília.

    é membro do Centro de Estudos em Direitos Humanos e Violência do UNIEURO, do Núcleo de Estudos Constitucionais do UniCEUB e do Círculo Constitucional (UnB/UniCEUB).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUERRA, Gustavo Rabay. A teoria jurídica fundamental: algumas especulações acerca do conceito de Direito (em linhas propedêuticas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 341, 13 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5329. Acesso em: 29 mar. 2024.