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Constitucionalismo.

Suas inspirações filosóficas, econômicas, jurídicas, e sua influência na Europa e nas Américas

Constitucionalismo. Suas inspirações filosóficas, econômicas, jurídicas, e sua influência na Europa e nas Américas

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Este trabalho retrata a evolução do constitucionalismo, entendendo-o como processo iniciado no Código de Hamurabi até os dias atuais. Entretanto, focamos no constitucionalismo moderno, suas características e influências nos EUA, Polônia, França e Alemanha.

1. Constitucionalismo 1.1. Conceito de Constitucionalismo 1.2 Evolução histórica 2. Influências históricas, econômicas, filosóficas e jurídicas 2.1. Estados Unidos da América 2.2. Polônia 2.3. França 2.4. Alemanha

RESUMO

Este trabalho retrata a evolução do constitucionalismo, entendendo-o como o processo iniciado no Còdigo de Hamurabi até os dias atuais e considerando suas perspectivas futuras. Entretanto, focamos no constitucionalismo moderno, suas características e influências nos EUA, Polônia, França e Alemanha.

ABSTRACT

This work depicts the evolution of constitutionalism, understanding it to the method started in the Code of Hammurabi to the present day and considering its future prospects. However, we focus on modern constitutionalism, its characteristics and influences in the US, Poland, France and Germany.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é apresentar o processo de formação do constitucionalismo, em especial na sua fase moderna. Como esse movimento surgiu e o que o caracteriza. Influências históricas, econômicas, filosóficas e jurídicas fazem parte do trabalho.

Como o movimento tem caracterísiticas próprias dependendo do lugar e época, após uma explanação geral, focamos nas primeiras constituições do período moderno, mostrando quais as influências que determinaram o formato de cada uma delas. A primeira no mundo neste modelo, a norte-americana. A primeira na Europa segunda no mundo, a Polonesa. Seguida pela famosa Constituição Francesa, e a importantíssima alemã.

Esperamos gerar uma maior compreensão de como se deu a evolução do constitucionalismo para chegarmos até o que entendemos como constituição nos dias atuais.

1. CONSTITUCIONALISMO

1.1. CONCEITO DE CONSTITUCIONALISMO

Não há uma precisão no meio acadêmico sobre o significado do termo Constitucionalismo, até porque, apesar de se referir a um movimento bem antigo, a denominação é moderna.

José Joaquim Gomes Canotilho assinala que o Constitucionalismo é a teoria ou ideologia que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Para ele, o Constitucionalismo é uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.

Para Kildare Gonçalves Carvalho assinala que o Constitucionalismo “consiste na divisão do poder, para que se evite o arbítrio e a prepotência, e representa o governo das leis e não dos homens, da racionalidade do Direito e não do mero poder. ”

Ainda, para Walber de Moura Agra afirma que “o Constitucionalismo significa que as condutas sociais devem ser determinadas por normas, e o ápice da escala normativa reside nas normas constitucionais. ”

Entretanto, o Constitucionalismo moderno, é visto como um movimento político, social e jurídico que culminou na organização do Estado, por intermédio da previsão de direitos e garantias fundamentais, em uma Constituição, tendo por finalidade a limitação do poder estatal arbitrário e absolutista que reinava no final do século XVIII, de forma irrestrita pelos monarcas.

O Constitucionalismo está associado necessariamente a duas idéias básicas: direitos fundamentais e estruturação do Estado.

1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO

O constitucionalismo não é então algo puramente moderno. Seguindo a ideia de Walber Moura Agra, onde as condutas devem ser determinadas por normas, o constitucionalismo nasceu na idade antiga conforme já estudado anteriormente.

Desde os códigos mais antigos como os de Ur-Nammur e o de Hamurabi, padrões estavam sendo estabelecidos na sociedade. Claro que naquele momento histórico não se dava da mesma forma que hoje em dia. Estes códigos traziam direitos e deveres de diversas espécies. Algo sobre direitos básicos e sobre o governante, ainda que imperador, estavam presentes. Mas também eram recheados por leis civis e criminais dentre outras.

 Na idade média, apesar de parecer contraditória  a existência de um Constitucionalismo, após alguns séculos de regimes absolutistas surgiram normas garantidoras de direitos individuais bem como uma função judiciária bastante atuante e independente. Valorizava-se o direito natural. Dentre as normas garantidoras de direitos individuais estão os pactos e os forais já estudados anteriormente.

O mais relevante pacto deste período foi a Magna Charta Libertatum, de 15 de junho de 1215, tornada definitiva em 1225, outorgada pelo Rei João, mais conhecido como João Sem Terra, na Inglaterra. Ela marcou o ressurgimento do Constitucionalismo, reconhecendo diversos direitos limitadores do poder estatal, dentre eles citam-se o habeas corpus, a limitação ao direito de tributar, o direito de petição, a instituição do júri, o devido processo legal, o princípio do livre acesso à justiça, a liberdade de religião, a aplicação proporcional das penas, direito de propriedade, entre outras.

Além dele pode-se destacar também o Estatuto ou Nova Constituição de Merton, de 1236, o documento firmado por Afonso IX, em 1188, a Bula de Ouro da Hungria, de 1222, o Privilégio General, outorgado por Pedro III em 1283 e os Privilégios da União Aragonesa, de 1286.

Na idade moderna notamos a continuidade do Constitucionalismo Inglês, o qual consagra o Princípio Rule of Law (governo das leis), com o surgimento da Petition of Right, de 1628, do Habeas Corpus Act, de 1679, da Bill of Right, de 1689 e da Act of Settlement, de 1701, marcando, desta forma, uma transição lenta e paulatina das fontes de poder das mãos do monarca para os textos que podem ser comparados aos constitucionais, os quais estabeleciam uma série de direitos individuais.

No âmbito do constitucionalismo norte-americano manifestado neste período, podem ser citados os contratos de colonização, a Charter of New England, de 1620, a Charter of Massachusetts Bay, de 1629, a Charter of Maryland, de 1632, as Fundamental Orders of Connecticut, de 1639, a Massachusetts Body of Liberties, de 1641, a Charter of Connecticut, de 1662, a Charter of Rhode Island, de 1663, a Charter of Carolina, de 1663, a New York Charter of Liberties, de 1683, a Pennsylvania Charter of Privileges, de 1701, a Charter of Georgia, de 1732 e a Declaration of Rights do Estado da Virgínia, de 1776.

Na idade contemporânea nasce a ideia de constitucionalismo moderno, também chamado de clássico ou liberal. Ele se desenvolve no final do século XVIII.

Foi caracterizado pelo surgimento de Constituições modernas, escritas, rígidas, dotadas de supremacia constitucional, com destaque para as Constituições norte-americana, de 14 de setembro de 1787, e a francesa, de 3 de setembro de 1791, as quais consagraram-se como diplomas que traziam em seu bojo o ideário de liberdade, a ausência de interferência estatal e os direitos individuais, influências típicas do iluminismo e que, por sua vez, acabaram por influenciar a maioria da Cartas Constitucionais ocidentais, dentre elas, as Constituições brasileiras de 1824 e 1891.

Na época estas constituições foram chamadas de happy constitution (constituição feliz), pois traziam promessas de igualdade, de liberdade e de felicidade. Elas promoveram uma estabilidade ao sistema já que os seus principais valores e princípios passaram a ser positivados e garantidos.

Para Canotilho, a constituição moderna tem três características básicas: um documento escrito, conjunto de direitos fundamentais e o modo como garantir estes direitos, e a organização do poder político de forma a torná-lo um poder limitado e moderado.

Ainda na idade contemporânea, após a segunda guerra mundial, surge o conceito de neoconstitucionalismo. Até então o positivismo era a base de interpretação do mundo ocidental. Ocorre que Hitler conseguiu usar a lei para realizar as maiores atrocidades já cometidas na face da terra. No julgamento de Nuremberg, a mesma lei que permitia condenar as práticas cometidas pelos principais integrantes do nazismo, era a que lhes defendia. Suas atrocidades normalmente eram amparadas pelo arcabouço jurídico da época. A interpretação literal imperava. Não haviam princípios sobre os quais o ordenamento estava firmado como hoje em dia, mas apenas regras. E muitas regras na Alemanha do Terceiro Reich eram atrozes.

O mundo reconheceu então que a forma de interpretação precisava ser modificada. Não se podia mais admitir violações de direito legalizadas e passou a haver, gradativamente, uma interrelação entre o direito e a moral, na sua forma de interpretação e aplicação.

Foi necessário se elaborar um redesenho dos ordenamentos jurídicos vigentes à época, objetivando alocar a Constituição no ponto central e mais importante do ordenamento, estabelecer como essência e fim deste sistema político-jurídico o homem, por meio do resguardo jurídico de sua dignidade e de seus direitos fundamentais, o que mostra sua vocação axiológica, e a inclusão, nos documentos normativos, de princípios e conceitos jurídicos indeterminados, de forma a possibilitar um “espaço” maior de interpretação e raciocínio jurídico do intérprete e aplicador do Direito, criando-se uma nova dogmática de hermenêutica constitucional.

As Constituições européias deixam de ser meros documentos retóricos e de inspiração política e passam a ter força normativa, aplicação de seus preceitos (especialmente dos direitos fundamentais) aos casos concretos, servindo necessariamente de referência e orientação à produção, à interpretação e à aplicação das normas infraconstitucionais, em razão de sua característica de centralidade do sistema.

O neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação de um Estado Democrático Social de Direito. Dentre suas principais características, podem ser mencionadas:

a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais;

b) onipresença dos princípios e das regras;

c) inovações hermenêuticas;

d) densificação da força normativa do Estado;

e) desenvolvimento da justiça distributiva.

É nesta fase que surgem os direitos chamados de 3ª dimensão, chamados difusos, quais sejam, o direito à paz, ao meio ambiente, ao desenvolvimento, entre outros. Eles são incluídos nas Cartas Constitucionais elaboradas após o fim da 2ª Guerra Mundial.

Pode-se dizer que o Neoconstitucionalismo marca uma transição de um Estado Legislativo de Direito, influenciados pela doutrina inglesa de supremacia do Parlamento e da francesa com enfoque na lei como expressão do povo, para um Estado Constitucional de Direito, influenciado pela supremacia da Constituição do modelo americano, tendo como referências européias a Constituição da Itália (1947), da Alemanha (1949), de Portugal (1976) e da Espanha (1978) e na América do Sul, a Constituição Brasileira de 1988.

Após o neoconstitucionalismo, já existem algumas novas teorias da evolução do constitucionalismo. Uma delas é o Transconstitucionalismo que é tese do professor Marcelo Neves. O transconstitucionalismo é o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional.”

 Dentre os vários exemplos ofertados na tese de Marcelo Neves, podemos citar o da princesa Caroline de Mônaco, que teve fotos íntimas publicadas por paparazzi na imprensa alemã. Ela entrou com processo judicial, e a Corte Constitucional Alemã decidiu que, em casos como o dela, em que a pessoa é socialmente proeminente, não há que se falar em direito à privacidade. Ela recorreu ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que, em decisão contrária, defendeu haver direito à privacidade, mesmo em se tratando de pessoas públicas, como Caroline de Mônaco, não se aplicando, aqui, a liberdade de imprensa. Marcelo Neves defende que não se deve impor uma ou outra decisão, mesmo porque esses órgãos não possuem grau de hierarquia entre eles. Deve-se buscar a orientação socialmente mais adequada. É preciso que haja um diálogo entre as Cortes Constitucionais para se definir o caminho a ser tomado. 

Além do Transconstitucionalismo, fala-se em Constitucionalismo do Futuro. Também chamado pela maioria dos doutrinadores de Constitucionalismo do por vir, ele deverá se pautar, segundo Pedro Lenza, na:

a) Verdade pois a Constituição não pode mais gerar falsas expectativas; o constituinte só poderá “prometer” o que for viável cumprir, devendo ser transparente e ético;

b) Solidariedade: trata-se de nova perspectiva de igualdade, sedimentada na solidariedade dos povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social;

c) Consenso: a Constituição do futuro deverá ser fruto de consenso democrático;

Continuidade: ao se reformar a Constituição, a ruptura não pode deixar de levar em conta os avanços já conquistados;

d) Participação: refere-se à efetiva participação dos “corpos intermediários da sociedade”, consagrando-se a noção de democracia participativa e de Estado de Direito Democrático;

e) Integração: trata-se da previsão de órgãos supranacionais para a implementação de uma integração espiritual, moral, ética e institucional entre os povos;

f) Universalização: refere-se à consagração dos direitos fundamentais internacionais nas Constituições futuras, fazendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana de maneira universal e afastando, assim, qualquer forma de desumanização.

2. INFLUÊNCIAS HISTÓRICAS, ECONÔMICAS, FILOSÓFICAS E JURÍDICAS

Este movimento constitucionalista, que também era jurídico, político e cultural, tinha como uma de suas finalidades limitar o poder estatal, uma vez que este poder passa a ser traçado nas Constituições, rompendo com o regime absolutista até então vigente, passando o povo a ser o titular das decisões. Esta limitação somente foi possível com a separação de poderes e com a declaração de direitos. Surgem, nesta época, os chamados direitos de 1ª dimensão.

Os principais pensadores e filósofos desta época foram John Locke, Jean Jacques Rousseau e Charles de Secondat, o Barão de Montesquieu, os quais promoveram uma inspiração determinante para o desencadear das Revoluções norte americana, de 1776, e francesa, de 1789, contribuindo para o desenvolvimento de um racionalismo que se contrapunha à imposição da fé e dos dogmas religiosos, impostos pelo domínio de séculos da Igreja.

Vale ressaltar, por fim, que esta fase sofreu muitas influências, pertinentes a períodos distintos, dentre as quais podem ser mencionadas o direito natural, a racionalidade iluminista, a filosofia mecanicista do século XVI, o direito consuetudinário, a limitação e o controle de poder iniciado na idade média, os valores cristãos, entre outros.

Este movimento é político pelo fato de sua articulação ter objetivado o interesse comum da população, alterando a forma de se governar. É social, por ter tido o apoio das massas sociais, principalmente da classe burguesa que ansiava pela derrocada do absolutismo, dos privilégios concedidos à nobreza e ao clero, a fim de ter seus direitos individuais de livremente comerciar e de dispor de seu patrimônio garantidos, sem a interferência estatal e é jurídico, pois resultou na criação de uma Constituição, uma lei suprema que viria a reduzir o alcance do poder estatal vigente.

A incongruência que se encontra na conceituação supra é a de que o termo Constitucionalismo está necessariamente associado ao documento da Constituição, porém há que se observar que dentre os três Estados em que esse movimento constitucional teve bastante proeminência, quais sejam Reino Unido, França e Estados Unidos, no primeiro não houve tal documento e sim diversas declarações, atos e leis elaboradas ao longo dos anos que formam uma Constituição, as quais ainda estão vigentes, configurando-se, desta forma, uma situação peculiar, a qual será analisada em linhas próximas.

Por outro lado, com um olhar voltado para os casos concretos, houve situações mais recentes em que existiam as Constituições escritas, com a positivação dos princípios inerentes ao Constitucionalismo, porém seus dispositivos, os quais incluíam direitos e garantias fundamentais, não eram cumpridos, em razão da existência de regimes autoritários que ditavam seus próprios direcionamentos, alheios às imposições e limites normativos existentes, a exemplo do ocorrido nas diversas ditaduras implantadas na América Latina, na segunda metade do século XX.

2.1. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (EUA)

2.1.1. As treze colônias (Estados Unidos)

A colonização dos Estados Unidos desenvolveu-se durante o século XVII, quase um século depois da colonização portuguesa e espanhola na América. A procura de liberdade religiosa, os conflitos políticos na Europa, a procura de melhores condições devida e o crescimento do comércio, foram as principais razões que motivaram a vinda de grandes levas de colonos, principalmente ingleses, para a América do Norte, fixando-se na costa do Oceano Atlântico, fazendo surgir as treze colônias inglesas.

2.1.2. Influências filosóficas

A gênese do movimento constitucional está circunscrita nos estudos sobre o Direito Natural, cujo ideário influenciou em todos os aspectos as Revoluções Inglesa, Francesa e Americana, que, como bem sabemos, deram início ao entendimento moderno de Direito Constitucional, tal qual o conhecemos hoje, isto é, um sistema que coíbe a atuação desmedida do príncipe pelo reconhecimento da existência de certos direitos individuais inatos à condição humana.

Tendo essa ideia em vista, na formulação de um conceito do que vem a ser o direito natural, toda a doutrina diz, num primeiro passo, que ele é o direito que emana da própria natureza, independentemente da vontade humana e, portanto, anterior e superior ao direito posto pelo Estado, isto é, pelos homens.

Já em um segundo momento, a doutrina começa a verificar que o Direito Natural está ligado à liberdade individual, porque o homem é um ser que nasce livre e, portanto, não pode ser submetido a tratamento que avilte essa qualidade. Outro reflexo do direito natural está ligado ao entendimento de que todos os homens são iguais.

As ideias dessa filosofia buscava evitar os desmandos da monarquia absolutista, que não enxergava o indivíduo como detentor de direitos, salvo quando assim o monarca quisesse, gerando com isso uma situação de completa insegurança, porque o soberano propunha e dispunha como bem entendesse, até mesmo acerca da vida dos súditos.

Diante disso, pode-se verificar que a doutrina do Direito Natural foi desenvolvida com a estrita finalidade de limitar o poder estatal e essa é a qualidade essencial do constitucionalismo, que ao depois procurou garantir aos indivíduos a proteção de certos direitos indeléveis, tais como vida, liberdade, igualdade e, na visão de Locke, propriedade.

Foi seguindo os iluministas, que os colonos das treze colônias situadas na América do Norte, pertencentes à Inglaterra, declararam, unilateralmente, sua independência em 04 de julho de 1776, em virtude de pressões realizadas pela então metrópole.

2.1.3. Influências econômicas

Durante os séculos XVIII e XIX, o constitucionalismo ocidental se desenvolveu na esteira das revoluções liberais e individualistas que marcaram a ascensão política da burguesia. O ideário liberal propugnava um modelo de Estado-mínimo, que não promovesse ingerências no livre jogo das forças do mercado, as quais, supostamente, através das condutas particulares dos agentes econômicos, garantiriam a distribuição equânime das riquezas na sociedade.

Nesse contexto, foram as Constituições entendidas como diplomas legislativos fundamentais, que se limitariam a descrever a estrutura do Estado e assegurar os direitos individuais dos cidadãos (vida, liberdade, igualdade, propriedade, segurança), sem prescrever normas que pudessem embaraçar a dinâmica natural do sistema econômico.

O pensamento liberal considerou como princípio fundamental da constituição econômica, implícita nos textos constitucionais liberais, o princípio de que, na dúvida, se devia optar pelo mínimo de restrições aos direitos fundamentais economicamente relevantes, tais como a propriedade, a liberdade de profissão, indústria ou comércio.

O liberalismo baseava-se, portanto, na livre circulação da riqueza, figurando o contrato como o instrumento jurídico capaz de viabilizar as transações econômicas, alimentando a crença de que os acordos contratuais permitiriam o equilíbrio harmônico dos interesses, sem a necessidade de que o Estado interviesse no mercado, espaço cativo das operações privadas.

Até por volta do século XVIII, a Inglaterra não tinha um controle mais intenso sobre as suas colônias americanas em detrimento de vários motivos. Em razão desse não policiamento, as colônias começaram a concorrer com a metrópole, em relação ao comércio. A inglaterra ao ver que as colônias começaram a se enriquecer e havendo necessidade de buscar mercados novos por causa da Revolução Industrial e pelo fato de precisar restaurar o equilíbrio financeiro, apertava as malhas do pacto colonial com vários atos, entre outros:

  • em 1750, foi proibida a fundição de ferro nas colônias;

  • em 1754, foi proibida a fabricação de tecido e o contrabando;

  • em 1765, foi aprovado um decreto regulamentando a obrigação de abrigar e sustentar tropas inglesas em solo norte-americano;

  • criaram vários impostos e aumentaram outros através de leis votadas na metrópole e sem participação dos colonos.

As reações dos colonos, de início, foram pacíficas, culminando posteriormente (mais precisamente a partir de 1776) em conflitos maiores por meio da Guerra da Independência dos Estados Unidos da América durante a Revolução Americana de 1776. As bases do novo sistema de governo foram fixadas com autonomia completa para os treze estados até o término da guerra pela independência.

2.1.4. Influência juridica

As revoluções liberais-burguesas ocorridas na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França trouxeram para o sistema político um novo conceito: o Estado de Direito, que tem como linha mestra a submissão de todos perante a lei, representando a limitação do poder político.

Essa limitação ocorreu através do movimento constitucional, cujas manifestações iniciais foram diferentes em cada sede revolucionária. Os Estados Unidos, ao proclamarem a independência da Inglaterra, tomaram como modelo de Estado de Direito uma república presidencialista estabelecida sob uma constituição editada em 1787.

Assim, a ideia do Estado de Direito está intimamente relacionada com a ideia de constitucionalismo, cuja qualidade essencial implica uma limitação jurídica do governo.

Junto com a limitação do poder governamental, ocorre a garantia dos direitos fundamentais, que nada mais é do que simples expressão positivada dos direitos naturais. Tais direitos previstos nesse período imediatamente posterior às revoluções são aqueles que a doutrina convencionou classificar de primeira geração ou dimensão, ligados ao valor da liberdade.

Outra importante consequência introduzida pelo Estado de Direito foi o uso proliferado de normas jurídicas escritas, com a evidente finalidade de regular a atuação do governo e de prescrever direitos. É nesse ponto que surge a constituição norte-americana, que também é reflexo do pensamento positivista, cuja base ontológica é a supremacia das leis em relação a tudo e a todos.

Daí porque o Estado de Direito ser também conhecido como o Estado do governo das leis e isso foi introduzido nas constituições sob a ideia de responsabilidade política e jurídica dos governos, tentando coibir, dessa maneira, o abuso do poder, pois se findam as diferenças entre governantes e governados.

Com a ruptura das 13 colônias com a coroa inglesa, uma nova ordem jurídica deveria ser estabelecida nas américas, ordem essa que deveria ser desvinculada de seus antigos opressores. Com o fim da guerra, a Convenção Constitucional de Filadélfia elabora a primeira constituição política escrita da História, onde ela é promulgada em 1787. Constituição esta que foi inspirada em Locke, Montesquieu e Rousseau, marcando o início do constitucionalismo moderno ou constitucionalismo do Estado Liberal de Direito

O poder constituinte, no figurino norte americano, transporta uma filosofia garantista, em que a constituição não é um projeto para o futuro, e sim, uma forma de garantir direitos e de limitar poderes. Na revolução americana, o poder constituinte é o instrumento para definir a higher law (Lei Maior), e estabelecer as regras do jogo. O poder constituinte é para fazer uma constituição oponível aos representantes do povo e não apenas uma constituição querida pelo povo.

A constituição americana sempre teve o caráter de documento jurídico passível de aplicação direta e imediata pelo judiciário. A concepção de constituição como norma jurídica suprema criou condições necessárias para que os juízes pudessem exercer a função de controlar a legitimidade constitucional das leis.

Da essência constitucional norte americana fazem parte os tribunais que exercem a justiça em nome do povo. Os tribunais são constituídos por juízes que são agentes do povo, nos quais este deposita confiança de preservação dos princípios de justiça. O modelo de constitucionalismo praticado no mundo contemporâneo segue nas suas linhas gerais o padrão que foi estabelecido nos Estados Unidos.

2.2. POLÔNIA

A Constituição Polonesa de 3 de maio de 1791 é considerada a primeira moderna constituição nacional codificada da Europa assim como a segunda mais antiga no mundo. Foi instituída por Ato de Governo aprovado naquela data pela Sejm (parlamento) da República das Duas Nações. Esse nome se deu pela união de Reino da Polônia e Grão-Ducado da Lituânia em 1.569, formando um estado unitário em 1.791.

A Constituição introduziu a igualdade política entre as “pessoas comuns” e a nobreza e colocou os camponeses sob a proteção do governo, para desse modo atenuar os piores abusos da servidão.

A Constituição de 3 de maio buscou suplantar a anarquia existente nutrida por alguns dos magnatas reacionários do país, com uma monarquia constitucional igualitária e democrática.

A adoção da Constituição provocou uma reação de hostilidade por parte dos vizinhos da República. Na Guerra em defesa da Constituição, a Polônia foi traída pela sua aliada a Prússia. Apesar da derrota e a subseqüente Segunda partição da Polônia, a Constituição de 3 de maio influenciou os movimentos democráticos posteriores no mundo. Permaneceu, após o desaparecimento da República em 1795, como ideal para se conseguir o restabelecimento da soberania polonesa.

|Após muitas mudanças territoriais geradas pelas constantes guerras, inclusive com seu desaparecimento por completo em alguns períodos, a Polônia voltou a ser uma nação e sua constituição voltou a vigorar. Em 02 de abril de 1997, numa espécie de revisão constitucional, ela voltou a vigorar com algumas modificações. Este texto substituiu emendas temporárias instituídas em 1992, concebidas para anular os efeitos do sistema comunista, estabelecendo a nação como um "estado democrático regido pela lei e implementando os princípios da justiça social". Foi adotada pela Assembléia Nacional e aprovada por um referendum nacional em 25 de maio de 1997, entrando em vigor em 17 de outubro de 1997. Entretanto, até hoje o dia 03 de maio é feriado na Polônia.

2.3. FRANÇA

2.3.1. Aspectos históricos

O constitucionalismo clássico surgiu a partir do final do século XVIII, ou seja, um fator, ocorrido nessa época, foi muito importante, as chamadas revoluções liberais, revoluções Americana 1776 e Francesa em 1987, feitas pela burguesia em busca de direitos libertários e com essas revoluções ocorreu o surgimento das primeiras constituições escritas.

Por outro lado, demonstra o movimento constitucional moderno, tal qual o conhecemos, não começou com a Revolução Francesa, nem com a norte-americana como muitos sustentam. Nesse sentido, temos a lição de José Jobson de Arruda (1988, p. 89): “A Revolução Inglesa foi a primeira revolução burguesa da Europa Ocidental. Antecipou em 150 anos a Revolução Francesa. Representou o fim do Estado absolutista”.

Em tais circunstâncias, podemos citar, dois marcos mais importantes na história do constitucionalismo moderno, a Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791, esta, que teve como preâmbulo a declaração universal dos direitos do homem e do cidadão de 1789.

Segundo, prova-se, cabalmente, que Canotilho tem razão ao dizer que não existe um constitucionalismo, mas sim movimentos constitucionais, cada qual à sua maneira, porque os movimentos constitucionais norte-americano e francês não se vinculam à monarquia, mas sim à república. Portanto, em análise ao constitucionalismo antigo, possibilitou que a uma teoria normativa política Canotilho, define como uma:

"Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos e dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. (...). É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo" (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. p. 47).

Nessa dimensão o nascimento efetivo do Constitucionalismo está vinculado às Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das Treze Colônias, e da França, em 1791, a partir da Revolução Francesa. O constitucionalismo americano, o francês e o inglês influenciaram de forma significativa a Constituição brasileira, como Paulo Bonavides fomenta:

"O nosso constitucionalismo, ao revés, levantou-se sobre as ruínas sociais do colonialismo, herdando-lhe os vícios e as taras, e ao mesmo passo, em promiscuidade com a escravidão trazida dos sertões da África e com o absolutismo europeu, que tinha a hibridez dos Braganças e das Cortes de Lisboa, as quais deveriam ser o braço da liberdade e todavia, foram para nós contraditoriamente o órgão que conjurava a nossa recaída no domínio colonial (...) Com efeito, a fonte doutrinária fora a mesma: o constitucionalismo francês, vazado nas garantias fundamentais do número 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789. Nesse documento se continha a essência e a forma inviolável de Estado de Direito. Idêntica, por igual, a fonte positiva de inspiração imediata: a Constituição de Cadiz. Fomos tão longe que lhe decretamos a vigência durante 24 horas. Com efeito, entre nós o fraco rei espavorido a outorgou no Rio de Janeiro num triste episódio que mal recomenda a memória política de D. João VI" (BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional no Brasil. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000300016).

Salienta-se que na França, surgiu a segunda constituição escrita da Europa, em 1791. A experiência francesa contribuiu com duas ideias principais; a garantia de direitos e a separação dos Poderes. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão é de 1789 e serviu de preâmbulo para a Constituição Francesa de 1791.

Ocorre, todavia que o Iluminismo foi o movimento intelectual portador de uma visão unitária de mundo e de homem, que expressou os anseios da sociedade burguesa do século XVIII, o Século das Luzes. O Iluminismo era um projeto de emancipação do homem, que passava a pensar sobre si mesmo e multiplicaram as concepções sobre o governo e as formas de melhor governar, de tal maneira, os iluministas creditaram ao Estado Absolutista a responsabilidade pela intolerância política e religiosa, raiz de todas as injustiças políticas e sociais.

2.3.2. Revolução francesa

É importante distinguir, que no final do século XVIII, a França ainda era governada por um poder absoluto e mantinha práticas mercantilistas, que entravavam o desenvolvimento do capitalismo, o que desagradava profundamente a sua burguesia. Enquanto, o sistema tributário francês era injusto, já que a nobreza e o clero estavam isentos de vários impostos. Conforme se viu, a burguesia, economicamente mais forte, era sobrecarregada com o pagamento de tributos.

O mesmo se pode dizer em relação, a um dos traços marcantes da França pré-revolucionária é a divisão de sua sociedade em três grupos distintos com status jurídico próprio, ou seja, a sociedade francesa era estamental, dividida em três, no que condiz o primeiro estado, constituído pelo clero, proprietário de 10% das terras da França, não pagava impostos. O clero estava dividido em alto e baixo; já o segundo estado, era formado por uma nobreza parasitária, proprietária de 20% das terras, que mantinha as relações servis de produção. Também havia a nobreza de toga, ocupante de cargos oficiais, oriunda da burguesia, que comprava títulos nobiliárquicos; e por fim o terceiro estado composto pela burguesia e pela massa de trabalhadores rurais e urbanos.

Como notar, no que refere esse estamento sustentava o Estado Absoluto Francês, por meio do pagamento de impostos e dessa forma, era visível que os dois primeiros estamentos se constituíam numa minoria populacional. Oprimiam o terceiro estamento, a maioria da população, que de fato produzia a riqueza nacional e tinha de conviver com o autoritarismo do rei e os gastos excessivos da Corte. Como bem salientou SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa. p. 05: “O Terceiro Estado abrange, pois, tudo o que pertence à nação. E tudo o que não é Terceiro Estado não pode ser olhado como pertencente à nação. Quem é o Terceiro Estado? Tudo”.

2.3.3. Fato Econômico e Jurídico

Entretanto, no período de 1786 a 1788, a França experimentou uma grave crise econômica de sub produção, gerada por uma seca que assolou a região e a falta de alimentos trouxe como resultado a elevação vertiginosa dos preços e a diminuição dos salários. Para garantir os privilégios da Corte, do primeiro e do segundo estados, o governo, sempre intervindo na economia cada vez mais onerava o terceiro estado com tributos. A burguesia, prejudicada com esse quadro caótico aproveitou o momento propício para intensificar os ataques ao absolutismo de Luís XVI.

De qualquer modo, confrontado por uma oposição resoluta a seus planos de reforma fiscal, Luís XVI convocou os Estados Gerais. Esta medida trouxe um novo grupo para o centro da vida política francesa. A indecisão de Luís XVI em face de uma colheita desastrosa, sublevações no campo, falência iminente e, acima de tudo, o conflito hostil entre deputados da nobreza e da plebe criou uma lacuna de poder logo preenchida pelos Estados Gerais, agora a autoproclamada Assembleia Nacional.

Colocando-se à frente dos acontecimentos, o organismo aboliu os privilégios fiscais, o que reduziu o poder político da nobreza, da Igreja e de muitas cidades e províncias e criou um sistema administrativo uniforme com a extinção das antigas províncias e Assembleias locais. O que torna a Revolução Francesa o ponto de partida da autonomia do Direito Administrativo. De fato, consagrado, depois da revolução, segundo Cretella Júnior:

"O princípio da divisão dos poderes e da interia sujeição do poder executivo às normas estatuídas pelo poder legislativo, as leis referentes à organização e à atividade dos órgãos administrativos adquirem eficácia exteriormente vinculantes e se tornam fontes das relações jurídicas entre o Estado e os administrados" (CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. 1ª ed. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 1966. p. 238.).

Diante desse panorama, não é difícil visualizar que todo movimento constitucional genuíno consagra o respeito às leis em oposição ao absolutismo, para tanto, é a magistral lição de Norberto Bobbio:

"A história da doutrina do primado do governo das leis conclui-se e completa-se, ainda que através de duas rupturas revolucionárias, a primeira no século XVII na Inglaterra, a segunda no século XVIII na França, com o moderno constitucionalismo, através do qual também o poder dos governantes é regulado, como aquele dos cidadãos, pelo direito natural, ou então por pactos, como o pactum subiectionis, formalmente entre iguais, mas substancialmente entre desiguais, através da promulgação de constituições escritas dotadas de força de leis fundamentais e garantidas também por órgãos delegados que tem sua observância controlada pelo poder legislativo" (BOVERO, 2000, p. 249).

Porém, o Constitucionalismo pode ser vislumbrado sobre a perspectiva jurídica, sociológica ou política, partindo-se da ideia de que todo Estado deve possuir uma Constituição, que contém regras que dão sustentação a limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses.

Com se percebe, na revolução francesa o poder constituinte assume o caráter de um poder supremo com um titular, o povo ou nação, que passa a deter um poder constituinte que permite querer e criar uma nova ordem política e social, dirigida ao futuro, mas, simultaneamente, de ruptura com o antigo regime. A Constituição francesa de 1791 construiu um sistema fundado na supremacia do legislativo, restando ao executivo a função de dispor dos meios aptos a aplicação da lei. Nessa época, o parlamento ganha força e junto com ele, a lei ganha força, tornando impensável um controle judiciário das leis. Nesse sentido leciona Paulo Gustavo Gonet Branco:

"Supremacia do Parlamento e supremacia da lei eram aspectos de um mesmo fenômeno, hostil, por si mesmo, a ideia de um instrumento normativo superior ao parlamento e a lei. Comprometia-se, assim, a noção de constituição como instrumento de valor normativo eficaz, capaz de estabelecer parâmetros para aferição da validade jurídica dos atos dos poderes públicos. Tudo isso conduzia, também, a que tampouco se emprestasse maior relevância ao problema da modificação da Constituição por via institucional" (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2009, p. 223).

Precisamente, nesta época, o papel do juiz, dada a aversão à sua figura pelos revolucionários, decorrente de sua forte vinculação com a nobreza, restou reduzido a de mero emissor da voz da lei, conforme resta claro no artigo 3º, título III, capítulo V da Constituição francesa de 1791: “Artigo 3. - Os tribunais não podem, nem interferir com o exercício do Poder Legislativo, ou suspender a execução das leis, nem desempenhar as funções administrativas, ou convocar diante deles os administradores por razão de suas funções”.

De todo o exposto, Montesquieu defendia a divisão do poder em três: legislativo, executivo e judiciário, os quais no conjunto harmonizariam e equilibrariam o poder. Ao Legislativo cabe a faculdade de estatuir, ou seja, ordenar e corrigir em termos e legislação e examinar como foram executadas as leis.

2.4. ALEMANHA

Nos anos de 1648 houve a dissolução do Sacro Império Romano-Germânico, e as comunidades germânicas espalharam-se por mais de trezentos principados autônomos, com destaque para a Prússia e a Austria. A situação permaneceu desse modo até o ano de 1815, quando os principados foram fundidos em cerca de trinta unidades maiores, se formando por sua vez a Confederação Germânica.

Em 1866 com a vitória da Prússia na guerra contra a Áustria, formou-se a Confedereção Germânica do Norte, e a sua Constituição foi promulgada nos anos de 1867 após a dissolução da Confederação Germânica e foi Integrado por 22 estados do norte da Alemanha, luteranos, sendo na verdade um arranjo transitório, pois durou apenas até a fundação do Império Alemão, em 1871. Teve, porém, o condão de fortalecer o controle da Prússia sobre a Alemanha setentrional e ficaram de fora da Confederação a Austria e a Baviera.

A unificação Alemã só veio a ser formalmente cerca de quatro anos mais tarde, com a vitória sobre a França. Em 16 de abril de 1871 quando foi promulgada a Constituição do Império Alemão.

Para esclarecer as fases adentraremos um pouco na história dos governantes onde os Hohenzillern foi uma importante família nobre prussiana e depois de 1871, no império alemão. Desde 1618 a família governava o Ducado da Prússia, cujo chefe da família possuía o título de duque e em 1701 conquistaram o título de reis da Prússia. Em 1871, como já escrevemos, os prussianos unificaram os estados germânicos, e fez seu primeiro rei – Guilherme I dando início ao período do Império Alemão que terminou no fim da 1° Guerra Mundial, em 1918.

O Império Alemão, de maneira sintética, lembramos 3 vitórias militares, sob o comando do Chanceler Otto Von Bismark que resultou na unificação do reino alemão, em 1871. A constituição do Império Alemão foi a lei fundamental do Império Alemão de 1871 a 1919, conhecida na historiografia alemã como a constituição imperial de Bismarck.

Desse modo com a ascensão do rei prussiano Guilherme I (1871) ao poder, a Prússia passou a ter, além da supremacia econômica sobre a Áustria, também, a liderança política em toda a região dos estados germânicos. A partir da união da elite alemã, neste momento, localizada na Prússia, com os representantes feudais, favoreceu a união dos estados alemães, governado, então, pela casa Von Hohenzillern.

A política de poder imperalista e a defesa determinada dos interesses nacionais terminaram por levar à eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, tendo como causa imediata o assassinato do herdeiro do trono austríaco Francisco Fernando, e sua mulher, em Sarajevo em 28 de junho de 1914, nas mãos de um nacionalista sérvio. Demais causas para a guerra, aduzidas por historiadores, são as políticas opostas levadas a cabo pelas potências europeias, a corrida armamentista, a rivalidade germano-britânica, as dificuldades do Estado multinacional austro-húngaro, a política russa para Bálçãs e as apressadas mobilizações e ultimatos.

A Alemanha lutou ao lado da Áustria-Hungria e do Império Otomano contra Rússia, França, Reino Unido, Itália e vários outros Estados menores. Houve combates também no Oriente Próximo e nas colônias alemãs. No ocidente, a Alemanha lutou uma guerra de posições com batalhas sangrentas. Após uma rápida marcha através da Bélgica, as tropas alemãs foram detidas no Marne, ao norte de Paris. Desde então, a frente na França mudou muito pouco até o final do conflito.

No oriente, não houve vitórias decisivas contra as forças russas. O bloqueio naval britânico no Mar do Norte trouxe sérias conseqüências para o suprimento alemão de matérias-primas e alimentos. A entrada dos Estados Unidos na guerra, em 1917, em seguida à declaração alemã de conduzir uma guerra submarina irrestrita, constituiu-se no ponto de inflexão em desfavor da Alemanha.

Em outubro de 1918, unidades da marinha alemã em Kiel recusaram-se a lançar-se ao mar para uma última grande operação numa guerra que davam como perdida. Em 3 de novembro, a revolta espalhou-se para outras cidades. Estabeleceram-se os chamados conselhos de trabalhadores e os de soldados. O cáiser Guilherme II e todos os príncipes reinantes alemães abdicaram. Em 9 de novembro, o social-democrata Philipp Scheidemann proclamou a República. Em 11 de novembro, assinou-se o armistício em Compiègne.

Nos termos do Tratado de Verssalhes, que foi assinado na data de 28 de junho de 1919, ficou descrito que deveria a Alemanha ceder a Alsácia-Lorena, Eupen-Malmédy, o Eslésvico Setentrional e a área de Menmel. A Polônia foi restaurada e, após plebiscitos e levantes independentistas, foram-lhe entregues Posen, a Prússia Ocidental e a Alta Silésia. Todas as colônias seriam entregues aos Aliados. As margens direita e esquerda do Reno seriam permanentemente desmilitarizadas. O Sarre, centro industrial importante, seria governado pela Liga das Nações por 15 anos, seus campos de carvão administrados pela França.

Para assegurar o cumprimento do tratado, tropas aliadas ocupariam a margem esquerda (alemã) do Reno por um período entre 5 e 15 anos. O exército alemão ficaria limitado a 100 mil oficiais e soldados; o estado maior seria dissolvido; grandes quantidades de material bélico seriam entregues e a fabricação de munições, rigidamente controlada. A marinha sofreria redução semelhante; ficava proibida a utilização de aeronaves militares. A Alemanha e seus aliados deveriam aceitar a exclusiva responsabilidade pela guerra e pagar compensações financeiras pelas perdas e danos sofridas pelos Aliados.

Os humilhantes termos da paz provocaram indignação entre os alemães e enfraqueceram drasticamente o novo regime democrático. Em 11 de agosto de 1919, entrou em vigor a Constituição de Weimar, sendo Friedrich Ebert o primeiro Presidente da República. A constituição foi promulgada no fim da Primeira Guerra Mundial, onde foi elaborada em um contexto de intensa turbulência política, sendo resultados de ideologias diversas, foi um dos documentos constitucionais mais atuante da história, apesar de sua curta vigência sendo encerrada de fato em 1933.

A Constituição de Weimar era dividida em duas grandes partes: na Parte I organizava o Estado alemão, disciplinando a relação entre os Entes Federativos descrito no capítulo I e entre os Poderes e na Parte II, estabelecia o catálogo de direitos fundamentais, na qual constava tanto direitos individuais, de origem liberal, quanto direitos sociais, aí incluídos a proteção do trabalhador e o direito a educação.

Os dois maiores inimigos do novo regime eram o Partido Comunista Alemão (KPD) e o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), que abusariam das liberdades democráticas para lutar contra a República de Weimar. Já nos primeiros meses de 1920, fracassou uma tentativa de golpé de estado feita pelo extrema-direita Wolfgang Kapp em Berlim; greves e rebeliões em outras cidades foram violentamente reprimidas.

Em 1922, a Alemanha foi o primeiro Estado a estabelecer relações diplomáticas com a União Soviética, por meio do Tratado de Rapallo.

Quando a Alemanha deixou de pagar a indenização de guerra, tropas francesas e belgas ocuparam o distrito do Ruhr, altamente industrializado (janeiro de 1923). A resistência passiva subseqüente foi bem-sucedida mas levou à hiperinflamação — os que perderam as suas fortunas tornar-se-iam inimigos da República de Weimar e eleitores da direita antidemocrática.

Em setembro de 1923, com a deterioração da economia, o Chanceler Gustav Strsemann pediu o fim da resistência passiva no Ruhr. Em novembro, seu governo lançou uma nova moeda, o Rentenmark (posteriormente, Reichsmark), e tomou outras medidas para controlar a hiperinflação. Nos seis anos seguintes, a situação econômica melhorou. Em 1928, a produção industrial alemã voltou aos níveis de 1913.

Na noite de 8 de novembro de 1923, seiscentos integrantes armados das SA cercaram uma cervejaria em Munique, onde os dirigentes do estado da Baviera e os comandantes locais do exército alemão se encontravam para uma reunião pública. As tropas de assalto eram chefiadas por Adolf Hitler. Nascido em 1889, na Áustria, ex-voluntário no exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial, na época membro do NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães), Hitler era até então desconhecido. Procurou forçar os presentes a se juntarem a ele numa marcha contra Berlim para tomar o poder. Foi posteriormente preso e condenado a cinco anos de detenção, mas terminou por ser solto com apenas um ano de prisão, no fim de 1924.

As eleições nacionais de 1924 foram ganhas pela direita (na chamada Ruck nach Rechts). O Marechal-de-Campo Hindenburg, monarquista, foi eleito Presidente.

Em outubro de 1925, Alemanha, França, Bélgica, Reino Unido e Itália celebraram o Tratado de Locarno, que reconhecia as fronteiras franco e belgo-germânicas. Ademais, o Reino Unido, a Itália e a Bélgica comprometeram-se a ajudar a França caso a tropas alemãs reocupassem a Renância desmilitarizada. O tratado preparou a entrada da Alemanha na Liga das Nações, em 1926.

O crash de Wall Street em 1929 e a conseqüente Grande Depressão foram sentidos na Alemanha, onde a economia foi abalada. No início de 1932, o desemprego no país já atingia mais de seis milhões de pessoas. Ocorreu também uma crise política, devido à incapacidade de os partidos políticos representados no Reichstag constituírem uma maioria para indicar o governo. Em março de 1930, o Presidente Hindenburg nomeou Heinrich Bruning para o cargo de chanceler. De maneira a fazer aprovar seu pacote de medidas de austeridade contra uma maioria de parlamentares sociais democratas, comunistas e do NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães), Brüning lançou mão de decretos de emergência e chegou mesmo a dissolver o Parlamento.

O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) saiu vitorioso nas eleições de julho de 1932, com 38% dos votos (e o apoio da pequena burguesia, da juventude, dos desempregados e da população rural), o que lhe deu a maior bancada no Reichstag. O KPD (Partido Comunista Germânico), por sua vez, passou a ser o terceiro maior partido no Parlamento, com 15%. Juntos, portanto, os partidos antidemocráticos de esquerda e direita detinham agora a maioria no legislativo alemão. Em 30 de janeiro de 1933, pressionado pelo ex-Chanceler Franz von Papen e outros conservadores, o Presidente Hindenburg nomeou Hitler para o cargo de chanceler.

Em 1933, foi publicada a "lei de autorização", que permitia a edição de leis diretamente pelo governo imperial, na prática pelo Chanceler Adof Hitler, ainda que divergessem do texto constituicional. O referido Clhanceler acusou os comunistas pelo incêndio criminoso do prédio do Reichstag, ocorrido na noite de 27 de fevereiro de 1933, e logrou convencer o Presidente Hindenburg a assinar o "decreto do incêndio do Reichstag", que suspendia importantes direitos políticos e humanos e permaneceu em vigor até 1945. Foram detidos e enviados para campos de concentração 11 mil comunistas e socialistas, que ficaram à disposição da nova polícia secreta, a Gestapo.

Após a derrota da segunda guerra mundial e os julgamentos do Tribunal de Nuremberg, foi promulgada Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, em 23 de maio de 1949, marcada pela reafirmação dos valores democráticos. A Constituição enuncia os direitos fundamentais logo em sua abertura, com o foco nos tradicionais direitos de libgerdade, como a inviolabilidade corporal, a liberdade de locomoção, de expressão e de consciência, dentre outros. O artigo 1º diz respeito a proteção da dignidade da pessoa humana, considerada inviolável. não há previsão clara de direitos sociais, mas a sua existência tem sido reconhecida, sobretudo com base na cláusula do estado Social, aliado á eficácia irradiante dos direitos fundamentais e a toda teoria dos deveres de proteção. em certas áreas, como educação, existe a previsão da atuação do Estado, reputando-se a atividade privada como claramente subsidiária e dependente de aprovação e supervisão estatal.

A lei fundamental adotou a forma de Estado federal. Embora, do ponto de vista formal, esse modelo vigorasse desde a unificação, em 1871, jamais funcionara adequadamente, dado o centralismo do período da chancelaria de Bismarck, a turbulência que arrastou a Constituição de Weimar e a concentração de poder que caracterizou o nazismo. A Lei Fundamental de 1949 reputou a opção pela forma federativa como um dos pilares da ordem instituída e protegeu-a com o status de cláusula pétrea. Atualmente, o país é dividido em quinze Estados, sendo duas Cidades-Estado (Berlim e Hamburgo). A repartição de competências entre Governo Federal e stados prevê a existência de atribuições privativas e concorrentes, modelo que veio a influenciar o constituinte brasileiro de 1988.

O sistema de governo são os da República Parlamentar, organizada com o princípio da supremacia da Constituição. A Constituição estabelece um modelo de separação de poderes, com as superposições próprias do parlamentarismo, dividindo o poder político nas três funções clássicas.

O Poder Legislativo organiza-se em duas câmaras, sendo o Parlamento Federal, órgão de representação popular, sendo a principal casa legislativa e o Conselho Federal, órgão representado pelo Estado, tendo seus membros nomeados pelos governos estaduais em número proporcional a população. O sistema eleitoral é o distrital misto, na qual o eleitor tem dois votos simultâneos.

O Poder Executivo na Alemanha é dual, como é próprio dos sistemas parlamentaristas, sendo dividido entre o Presidente da República, sendo eleito pelo mandadto de cinco anos, indiretamente por Assembléia Nacional que se reúne unicamente para esse fim e o Governo Federal composto pelo Primeiro Ministro ou Chanceler e pelos mnistros de seu gabinete nomeados e destituídos pelo Presidente.

No que se refere ao Poder Judiciário, a Constituição assegura a independência dos juízes, submetidos apenas ao Direito, sendo a supervisão administrativa do Poder Judiciário seja exercida primariamente pelo Ministério da Justiça, no plano federal e nos Estados. A Constituição estrutura cinco tribunais federais superiores, encarregados da uniformização das decisões em cada uma das áreas em que se divide a jurisdição, sendo eles o Tribunal Federal, o Tribunal Federal Administrativo, o Tribunal Federal Financeiro, o Tribunal Federal Trabalhista e o Tribunal Federal Social.

O controle de constitucionalidade é exercido de forma concentrada. o Tribunal Constitucional é dividido em duas secçoes, compostas, cada uma, por oito juízes. Tais seções dividem as materias de competência do Tribunal Constitucional, nos termos da Lei Orgânica, e quando houver divergência de entendimento entre as seções, a decisão deverá ser proferida pelo Plenário.

As principais competências do Tribunal Constitucional Federal Alemao incluem o controle abstrato de constitucionalidade, que tem por objetivo discutir em tese a norma federal ou estatal impugnada em face de lei fundamental, o controle concentrado de constitucionalidade que visa arguir a inconstitucionalidade de lei federal devendo ser a questão decidida pelo Tribunal Constitucional Federal e o julgamento da queixa constitucional, notadamente nas questões que envolverem violação dos direitos fundamentais.

CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou a evolução do constitucionalismo com suas influências em todo o ocidente. Independente de que visão doutrinária se adote, o constitucionalismo é e foi fundamental na história do direito ocidental. O bloco de constitucionalidade é fator determinante para assegurar o controle da atividade exercida pelos governantes. Ainda, toda a principiologia constitucional atual se demonstra essencial para assegurar a dignidade da pessoa humana contra arbitrariedades estatais.

A preocupação nesse momento histórico deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos previstos nas constituições, sem esquecer das novas relações internacionais trazidas pela globalização.

BIBLIOGRAFIA

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.


Autor

  • Hanna Thó

    Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ) Especialização para a Carreira da Magistratura da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia - EMERON (em curso) Mestrado interrompido em Direito Urbanístico na Universidade Federal do Pará (UFPA) Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO)

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