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A imunidade tributária dos templos de qualquer culto

A imunidade tributária dos templos de qualquer culto

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A imunidade tributária sob o enfoque da garantia constitucional da liberdade religiosa e mecanismo de não intervenção do Estado.

I -    INTRODUÇÃO

A religião está presente no cotidiano humano desde os primórdios da civilização, confundindo-se em alguns períodos, com o próprio Estado.

Na acepção constitucional moderna da Constituição da República de 1988, o seu texto está repleto de direitos-garantia, como é o caso do inciso IV, artigo 3º, que se mostra no texto constitucional como um dos objetivos da República, afastando quaisquer tipos de preconceitos e discriminações.

Ademais, o fundamento mor da nossa república, inciso III, art. 1º do texto Constitucional, protege o homem contra toda e qualquer tentativa do Estado ou do particular em mitigar tal garantia; A dignidade da pessoa humana é imensurável, embora passível de controle judicial, com o fim de evitar a banalização de tal fundamento.

A seguir a constituição de 1988 em seu art. 5º, inciso VI diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Continua ainda o constituinte originário, garantindo, aos que escolham professar uma crença religiosa, mas que estejam impedidos de fazê-lo por seus próprios meios, a assistência religiosa necessária art. 5º, VII. A CF/88 garante ainda que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, art. 5º, VIII.

Percebe-se claramente que o Constituinte originário teve a devida precaução no início do inciso VI do art. 5º: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença” (deixou a cada um a escolha), aí incluída a liberdade de não professar nenhum culto ou religião, confirmando a neutralidade do Estado quanto a esse cunho.

O constituinte protegeu o direito de escolha do cidadão por professar ou não uma crença ou religião, prevendo inclusive tipificação penal a quem tentar furtar tal direito, como se vê no art. 208 do Código Penal:

 “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

 Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

 Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência”.

A lei 7.716/89 também criminaliza a afronta a tal liberdade:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Até então a Constituição protege a liberdade de crença e religiosa dos atos dos particulares.

O artigo 19, I da CF/88 veda à União, aos Estados, o Distrito Federal e aos Municípios que estabeleçam cultos religiosos ou igrejas, subvencione-os, embarace-os o funcionamento ou mantenha com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Afastou aí o constituinte, qualquer possibilidade de retorno dos vínculos entre o Estado e a religião.

Com o fito de propiciar um amplo exercício da liberdade de crença e religiosa no Brasil, o Constituinte Originário achou por bem, diante da competência ampla da União em criar e cobrar tributos, limitar tal atuação prevendo em seu art. 150, VI, “b” a imunidade tributária quanto à impostos aos templos de qualquer culto, como forma de aplicação plena ao direito à liberdade religiosa, sem possíveis intervenções pessoais dos representantes do Estado.


II -   HISTORICIDADE DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RELIGIOSA

A imunidade tributária dada às instituições religiosas em nossa história não tinha o ímpeto do ideal de liberdade, pelo contrário, por vezes a não tributariedade do setor religioso se dava pela posição política em que o setor possuía junto ao poder monárquico, outras vezes por o poder estar em suas próprias mãos e ainda por ser a religião oficial do Estado, o que privilegiava a determinada seita religiosa, como foi no Brasil e em boa parte do mundo em relação à Igreja Católica Apostólica Romana.

Tinha-se a ideia de que não se poderia tributar a religião oficial por ser ela uma representação na terra do próprio Deus, o que implicaria em proibição de cobrar tributos da entidade espiritual.

Mas tal benesse não era apenas ao setor religioso, por vezes fora direcionadas a determinadas classes sociais.

As classes influentes se negavam a exercer o papel de contribuintes do Estado, cabendo tal obrigação à classe trabalhadora (COSTA, 2001), sendo a imunidade tributária um verdadeiro privilégio do Estado dado a determinadas classes sociais.

Trazendo a discussão para o âmbito histórico brasileiro, temos que a constituição do império de 1824 traduziu em “garantia” o direito ao culto religioso, porém apenas à Religião Católica Apostólica Romana deu a plena liberdade, às demais deu uma pequena liberdade de culto.

“Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (Constituição Política do Império do Brasil, 1824).

Além da imunidade tributária a Religião Oficial recebia subvenções do Estado para pagamento dos ministros religiosos e manutenção dos seus seminários.

Somente com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 fez-se menção à liberdade e igualdade religiosa e ao fim de tais regalias, concretizou-se no texto constitucional e sendo ainda o marco da separação Estado-Igreja, uma vez que determinou o estado laico no Brasil, como vemos no art. 72, §§3º e 7º.

§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum

§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.

O cenário de imunidade foi sendo aperfeiçoado ao que temos hoje com a Promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, que em seu art. 31 introduziu a imunidade tributária quanto a impostos aos templos de qualquer culto, impondo a condicionante de que as rendas fossem aplicadas integralmente no país em sua atividade fim, além de repetir a vedação de ligação Estado-Igreja e da interferência estatal.

“Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

(...)

II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício;

V - lançar impostos sobre:

(...)

b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins”;

A constituição de 1988 acompanhou a linha iniciada pela de 1946 e trouxe a previsão em seu artigo 150, VI,”b” a imunidade aos templos de qualquer culto.

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

b) templos de qualquer culto”;

O texto constitucional trouxe ainda a mitigação quanto à abrangência de tal imunidade, que somente incidirá sobre o patrimônio, renda e serviços dos templos religiosos.

“§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.

O dispositivo constitucional imunizante parece de uma clareza imensa, porém até hoje causa interpretações dúbias por diversas fazendas no Brasil.


III – O CONCEITO DE LIBERDADE RELIGIOSA 

Antes de viajarmos na imunidade em si, necessária trazer à baila algumas considerações quanto ao direito-garantia protegido (ou que se tenta) proteger com o texto imunizante.

Conceituar liberdade religiosa não é tarefa das mais fáceis, haja vista a infinidade de concepções e pensamentos distintos.

Inicialmente, no dizer de José Afonso da Silva, “o conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade.” (SILVA, 2014, p. 235).

É esse aspecto que iremos encampar no presente trabalho.

A liberdade religiosa, como uma liberdade humana, é a exteriorização da liberdade de pensamento, sendo direito fundamental onde residem a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. (SILVA, 2014, p. 250).

Na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. (SILVA, 2014, p. 251).

A liberdade de culto exterioriza-se com a prática dos ritos, no culto, com as suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. Tal garantia está prevista no art. 5º, VI da CF/88.

A liberdade de organização religiosa refere-se à possibilidade do estabelecimento e organização das igrejas sem a intervenção estatal em seu funcionamento, mas as instituições religiosas devem cumprir a norma legal para sua criação e organização.

Portanto, a liberdade religiosa consagrada pela CF/88, em sentido amplo, é a liberdade de crer ou não crer em um ou vários deuses, de se congraçar com os seus e ainda dar forma jurídica a tais reuniões de pessoas.


IV – LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto diversas normas-regras a serem aplicadas em desfavor de seu apetite tributário, de forma que protegesse o contribuinte de sua voracidade, e consequentemente, protegendo direitos e garantias fundamentais.

Os princípios contidos no texto constitucional podem ser classificados em princípios gerais, especiais, específicos e imunidades tributárias. Antes de analisarmos o conteúdo proclamado, façamos uma breve abordagem quanto aos princípios.

Os princípios gerais são classificados em expressos, se subdividindo em:

  1. da legalidade estrita (art. 150, I), onde é vedado ao ente exigir ou amentar tributo sem lei que o estabeleça;
  2. da igualdade tributária (art. 150, II), busca dar tratamento igualitário, considerando as desigualdades dos contribuintes e proíbe a tributação com distinção em razão da ocupação profissional e ou função exercida;
  3. da personalização dos impostos e da capacidade contributiva (art. 145, §1º), onde se busca tributar levando em consideração o contribuinte individualmente inserido na sociedade e sua capacidade de sua capacidade de contribuir;
  4. da irretroatividade tributária (art. 150, III, “a”), onde o ente tributante somente pode cobrar impostos dos fatos geradores ocorridos após o início da vigência da lei que o criou ou majorou;
  5. da anualidade do lançamento do tributo (art. 150, III, “b”), a cobrança do tributo se dará apenas no exercício financeiro seguinte ao da publicação da lei, cabe exceções;
  6. da noventena (art. 150, III, “c”), a cobrança do tributo somente poderá ocorrer após o prazo de 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou majorou, cabe exceções;
  7. da ilimitabilidade do tráfego de pessoas ou bens (art. 150, V), proíbe a cobrança de tributos que acabem por limitar o livre tráfego de pessoas dentro do território nacional, exceto a cobrança de pedágio; e
  8. os princípios gerais decorrentes da universalidade (art. 19, III).

Princípios especiais, aqueles vedados à União:

  1. da uniformidade tributária (art. 151, I), embora seja permitido os incentivos fiscais na promoção do desenvolvimento das regiões do país, a regra é que os tributos devem ser uniformes em todo território nacional;
  2. limitabilidade da tributação da renda das obrigações da dívida pública estadual ou municipal (art. 151, II) ;
  3. de que o poder de isentar é inseto ao de tributar (art. 151, III);
  4. da não diferenciação tributária (art. 152), não importando a origem e o destino, a tributação deve ser a mesma.

Princípios específicos:

  1. da progressividade (arts. 153, §2º, I; 156, §1º e 182, §4º, II);
  2. da não cumulatividade do imposto (arts. 153, IV, §3º, II e 155, II e §2º, I);
  3. da seletividade do imposto (art. 153, IV, e §3º, I).

Imunidades, que no dizer do professor José Afonso da Silva: “As imunidades fiscais, instituídas por razões de privilégio, ou de considerações de interesse geral (neutralidade religiosa, econômicos, sociais ou políticos), excluem a atuação do poder de tributar. (SILVA, 2014, p. 730).

As imunidades tributárias contidas no art. 150, VI da CF/88, veda à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros (imunidade recíproca);

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;

e) fonogramas e videofonogramas musicais e /ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que o contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura laser.

Tais imunidades referem-se apenas aos impostos, excluindo as taxas e contribuições.


V – DIFERENÇA ENTRE IMUNIDADE E ISENÇÃO TRIBUTÁRIA

Reconhecidamente, a imunidade tributária possui sede constitucional enquanto a isenção é uma dispensa legal de tributos.

Podemos afirmar ainda que a imunidade é uma não incidência qualificada constitucionalmente, ela age no campo de existência do fato gerador, havendo imunidade, não há fato gerador.

Por outro lado, a isenção age no campo pós fato gerador. Na isenção a lei cria regra que inibe o lançamento tributário.

Como bem assevera Luciano Amaro: “a diferença entre a imunidade e a isenção está em que a primeira atua no plano da definição da competência, e a segunda opera no plano do exercício da competência”. (AMARO, 2008, p. 152).

Quanto a interpretação, a norma de isenção, a teor do inciso I do art. 111 do Código Tributário Nacional – CTN, prevê a interpretação literal para as causas de exclusão do crédito tributário, a saber, isenção e anistia. Já a imunidade admite interpretação ampla, à luz dos princípios constitucionais consagrados no corpo e na alma da constituição.

Por vezes o texto constitucional se refere às isenções, mas que na verdade são imunidades como vemos no §7º, art. 195 e art. 184 da CF.

É certo que tais comandos constitucionais são de imunidades e não de isenções, que decorrem apenas de lei.

Nesse diapasão é o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF:

“EMENTA: Recurso extraordinário. Alcance da imunidade tributária relativa aos títulos da dívida agrária. - Há pouco, em 28.09.99, a Segunda Turma desta Corte, ao julgar o RE 169.628, relator o eminente Ministro Maurício Corrêa, decidiu, por unanimidade de votos, que o § 5º do artigo 184 da Constituição, embora aluda a isenção de tributos com relação às operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, não concede isenção, mas, sim, imunidade, que, por sua vez, tem por fim não onerar o procedimento expropriatório ou dificultar a realização da reforma agrária, sendo que os títulos da dívida agrária constituem moeda de pagamento da justa indenização devida pela desapropriação de imóveis por interesse social e, dado o seu caráter indenizatório, não podem ser tributados. Essa imunidade, no entanto, não alcança terceiro adquirente desses títulos, o qual, na verdade, realiza com o expropriado negócio jurídico estranho à reforma agrária, não sendo assim também destinatário da norma constitucional em causa. - Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (RE 168110, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 04/04/2000, DJ 19-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01991-01 PP-00087).

Portanto, não há dúvida de que a imunidade é tratada sempre na Constituição Federal e a isenção por meio de lei, não importando se o constituinte tenha usado verbete incorreto, dizendo isenção, quando na verdade tinha o desejo de imunizar.

Uma vez traçadas as principais diferenças entre imunidade e isenção, iremos iniciar a discussão quanto ao foco do presente trabalho, a imunidade tributária aos templos de qualquer culto, que ainda tem causado grande furor jurídico por parte das Fazendas.


VI – A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

A imunidade dos templos de qualquer culto está prevista no art. 150, VI, “b”:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...)

VI – Instituir impostos sobre:

(...)

b) templos de qualquer culto; (...)

Como já discutido em tópico específico o Brasil se desvencilhou da religião, ou seja, tornou-se Estado não confessional com a chegada da República e a imunidade tornou-se constitucional com a promulgação da constituição de 1946.

Embora o Brasil tenha escolhido pela laicidade - não ter o Estado religião oficial - os princípios constitucionais apontam para um mandado de otimização para que o Estado apenas mantenha uma situação de limite de neutralidade, sendo permitidas algumas exceções, como é o caso de crucifixos em repartições públicas ou dos feriados nacionais, estaduais ou municipais santos.

Não há que se discutir que a imunidade tributária aos templos de qualquer culto abrange apenas os impostos, a teor do texto constitucional, não havendo imunidade quanto às taxas e contribuições.

Urge destacar que o §4º do art. 150 afirma dentre outros, que a imunidade dos templos de qualquer culto compreende somente o seu patrimônio, a sua renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais.

Cabe agora discutir se a norma constitucional visa proteger o bem da pessoa jurídica ou a própria pessoa jurídica.

1.O campo de aplicação da imunidade – conceitos de culto e templo

Uma vez descoberto o imposto a que os templos de qualquer culto estão imunes, insta descobrir o que o constituinte quis dizer com termo “templos de qualquer culto”.

Em uma tentativa de conceituar culto, trazemos o conceito dado pelo professor Eduardo Sabbag, culto é a manifestação religiosa cuja liturgia adstringe-se a valores consonantes com o arcabouço valorativo que se estipula, programática e teleologicamente, no texto constitucional”. (SABBAG, 2010, p. 319).

O culto deve ater-se aos bons costumes e valores da sociedade.

O conceito de templo é bem amplo e de difícil conceituação. A doutrina majoritária divide para fins didáticos, o tema, em três teorias, cada uma com sua conceituação, vejamos:

  1. Teoria Clássico-restritiva (concepção do templo-coisa) tem como seus maiores defensores Pontes de Miranda, Paulo de Barros Carvalho e Sacha Calmon Navarro Coelho, e conceitua o templo como local destinado à celebração do culto, pouco importando se é móvel ou imóvel, se há construção fixa ou provisória;
  2. Teoria Clássico – Liberal (concepção do Templo – atividade), onde o templo é tudo aquilo que viabiliza o culto, ou seja, o local e seus anexos, comungam dessa concepção Aliomar Baleeiro, Roque Antonio Carazza e Hugo de Brito Machado;
  3. Teoria Moderna (concepção do Templo - Entidade), tal teoria conceitua o templo como entidade, no sentido de instituição, organização ou associação, mantenedoras do templo religioso, tem como seus defensores José Eduardo Soares de Melo, Marco Aurélio Greco e outros.

O que nos parece é que a teoria moderna é de uma efetividade jurídica maior, transcendendo de forma mais ampla a efetividade do direito trazido pela Constituição Federal. A imunidade dirige-se à instituição, tanto é que o §4º do art. 150 elenca em quais pontos serão imunes os templos de qualquer culto.

A teoria moderna ameniza a celeuma da imunidade aos templos de qualquer culto, olhando templos de qualquer culto como uma entidade, facilita a aplicação do texto constitucional.

Sobre a definição de templos de qualquer culto o STF no Recurso Extraordinário 562.351/RS, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, publicado no DJe. de 14/12/2012, deu expressiva contribuição para nortear o que se considera templo de qualquer culto.

Vejamos a ementa do julgado, onde o Colendo Tribunal decidiu não tratar-se de culto religioso a maçonaria:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO.

I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei.

II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes.

III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião.

IV - Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida”.

Em seu voto, o eminente Ministro Relator assevera: “Nessa linha, penso que, quando a Constituição conferiu imunidade tributária aos “templos de qualquer culto”, este benefício fiscal está circunscrito aos cultos religiosos”. (FEDERAL, 2012, p. 13).

De grande didática é o voto do Eminente Ministro Relator Ricardo Lewandowski no julgamento do Recurso Extraordinário acima, portanto, traz-se à cola o seu teor:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO 562.351 RIO GRANDE DO SUL

V O T O

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR):

Inicialmente assento que o apelo extraordinário não merece conhecimento quanto ao art. 150, VI, c, da Constituição Federal, que assim dispõe:

““Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei””(grifei).

Vale recordar, a propósito, que o Min. Maurício Corrêa, em voto proferido no RE 202.700/DF, julgado pelo Plenário deste Tribunal, em 8/11/2001, ao interpretar o aludido dispositivo em relação às entidades de assistência social sem fins lucrativos, consignou que

““(...) o reconhecimento desse direito está condicionado à observância dos preceitos contidos nos incisos I a III do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Resulta desse modo que o favor constitucional não é absoluto e o seu deferimento, mesmo em face dos objetivos institucionais da entidade, previstos em seus atos constitutivos (CTN, artigo 14, § 2º), poderá ser suspenso quando não cumpridas as disposições legais (CTN, artigo 14, § 1º)””.

Diante do entendimento acima adotado, segue-se que a exigência do cumprimento dos requisitos do art. 14 do CTN constitui conditio sine quanon para o gozo da imunidade tributária outorgada pela Constituição.

Assim, para se chegar à conclusão de o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos.

Incide, nesse aspecto, a Súmula 279 do STF, segundo a qual, “para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Nesse sentido, menciono os seguintes precedentes, entre outros: AI 673.173-AgR/MG, Rel. Min. Eros Grau; AI 461.817-AgR/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa; RE 423.464-AgR/DF; Rel. Min. Cezar Peluso; AI 559.488- AgR/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia. Remanesce o extraordinário, contudo, quanto ao art. 150, VI, b, da Carta Federativa, verbis:

““Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

b) templos de qualquer culto”” (grifos nossos).

A questão central está, então, em saber se a referência a “templos de qualquer culto” alcança a maçonaria.

Segundo ensina Sacha Calmon Navarro Coelho

“”Templo, do latim templum, é o lugar destinado ao culto. Em Roma era lugar aberto, descoberto e elevado, consagrado pelos augures, sacerdotes da adivinhação, a perscrutar a vontade dos deuses, nessa tentativa de todas as religiões de religar o homem e sua finitude ao absoluto, a Deus. Hoje, os templos de todas as religiões são comumente edifícios. (...)

Onde quer que se oficie um culto, aí é o templo. No Brasil, o Estado é laico. Não tem religião oficial. A todas respeita e protege, não indo contra as instituições religiosas com o poder de polícia ou o poder de tributar (...).

O templo, dada a isonomia de todas as religiões, não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de candomblé ou de umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita maometana. Pouco importa tenha a seita poucos adeptos. Desde que uns na sociedade possuam fé comum e se reúnam em lugar dedicado exclusivamente ao culto da sua predileção, este lugar há de ser um templo e gozará de imunidade tributária”” (grifei).

Já Roque Antonio Carraza afirma que

““Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja.

(...)

É fácil percebermos que esta alínea ‘b’ visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos”” (grifos nossos).

No julgamento do RE 578.562/BA, o Min. Eros Grau assentou que

“”O Supremo Tribunal Federal tem entendido que a limitação ao poder de tributar, que a imunidade do artigo 150, VI, ‘b’, contempla, há de ser amplamente considerada, de sorte a ter-se como cultos distintas expressões de crença espiritual””.

Vale destacar também o quanto concluiu o Min. Ayres Britto naquele julgamento:

“”tendo a interpretar a regra constitucional da imunidade sobre os templos de qualquer culto como uma espécie de densificação ou de concreção do inciso VI do art. 5º da mesma Constituição, cuja dicção é esta:

‘ART. 5º.

(...)

VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e as suas liturgias;(...)’

Uma coisa, portanto, puxando a outra””.

Verifico, assim, que referido dispositivo (art. 5º, VI, da Constituição Federal) é expresso em assegurar o livre exercício dos cultos religiosos. E uma das formas que o Estado estabeleceu para não criar embaraços à prática religiosa foi outorgar imunidade aos templos onde se realizem os respectivos cultos.

Nesse sentido, estamos a falar em imunidade tributária com o intuito de não criar embaraços à liberdade de crença religiosa.

Por isso mesmo, grifei, nas citações doutrinárias e na jurisprudência mencionadas, a referência a que sempre se faz à religião, quando se aborda a imunidade estabelecida no art. 150, VI, b, do Texto Constitucional.

E qual a razão de a liberdade de consciência não ter sido ”beneficiada” por tal imunidade tributária?

Nas lições do já citado professor Carrazza, citado inclusive pelo

recorrente para fundamentar sua pretensão:

““A imunidade em tela decorre, naturalmente, da separação entre Igreja e o Estado, decretada com a Proclamação da República.

Sabemos que, durante o Império, tínhamos uma religião oficial:

a religião católica apostólica romana. As outras religiões eram toleradas, mas apenas a católica recebia especial proteção do Estado.

(...)

Muito bem, com a proclamação da República, que se inspirava no positivismo de Augusto Comte, foi imediatamente decretada a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado tornou-se laico. Deixou de dispensar maior proteção a uma religião em particular (ainda que majoritária), para tolerar todas elas.

Evidentemente, o Estado tolera todas as religiões que não ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a religião é legítima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em contrário, a ser produzida pelo Poder Público.

Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, o templo positivista e o centro espírita”” (grifei)

Ora, em que pese o brilhantismo do raciocínio desenvolvido pelo eminente tributarista, entendo que a conclusão a que ele chega não pode prevalecer.

Isso porque, assim como o fazem muitos outros doutrinadores, entendo que a interpretação do referido dispositivo deve ser restritiva, atendendo às razões de sua cogitação original.

As liberdades, como é sabido, devem ser interpretadas de forma extensiva, para que o Estado não crie qualquer óbice à manifestação de consciência, como é o caso sob exame, porém, às imunidades deve ser dado tratamento diametralmente oposto, ou seja, restritivo.

Nessa linha, penso que, quando a Constituição conferiu imunidade tributária aos “templos de qualquer culto”, este benefício fiscal está circunscrito aos cultos religiosos.

Corroborando, ainda, tal raciocínio, trago à colação o esclarecimento, colhido do sítio eletrônico da Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul, quanto à natureza das atividades que ela desenvolve:

“”A Maçonaria é uma Ordem Iniciática mundial. É apresentada como uma comunidade fraternal hierarquizada, constituída de homens que se consideram e se tratam como irmãos, livremente aceitos pelo voto e unidos em pequenos grupos, denominados Lojas ou Oficinas, para cumprirem missão a serviço de um ideal. Não é religião com teologia, mas adota templos onde desenvolve conjunto variável de cerimônias, que se assemelha a um culto, dando feições a diferentes ritos. Esses visam despertar no Maçom o desejo de penetrar no significado profundo dos símbolos e das alegorias, de modo que os pensamentos velados neles contidos, sejam decifrados e elaborados. Fomenta sentimentos de tolerância, de caridade e de amor fraterno. Como associação privada e discreta ensina a busca da Verdade e da Justiça”” (grifos meus).

Verifico, então, que a própria entidade declara enfaticamente não ser uma religião e, por tal razão, parece-me irretocável a decisão a quo, a qual, quanto ao tema consignou:

“”A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a idéia de que o Homem e a Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De certa forma, paradoxal pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma ‘profissão honesta’) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da Ordem””.

Por essas razões, conheço parcialmente do recurso extraordinário e, nessa parte, nego-lhe provimento.

É como voto”.

Então como vimos acima, terá direito à imunidade quanto aos impostos a instituição que tendo cunho religioso, professe sua liturgia através de cultos aceitos pelos costumes brasileiros e não proibidos pela nossa legislação, de acesso comum e universal a todos.              

2.A relação da imunidade e o patrimônio, a renda e os serviços dos templos de qualquer culto

Já conseguimos delimitar que a imunidade aos templos de qualquer culto é dirigida à instituição, teoria moderna, como a maioria da doutrina pátria, e ainda que a atividade religiosa é pressuposto à imunidade, agora cabe analisarmos a abrangência dessa desoneração nos cofres das entidades religiosas.

O texto do art. 150, §4º da CF traz um rol classificatório quanto à não incidência do imposto, vejamos:

“(...)

§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” (grifo meu).

O parágrafo acima consolida a assertividade em seguir a teoria moderna (concepção do templo-entidade), uma que vez utiliza o termo “entidade” para qualificar os beneficiários da imunidade consagrada no art. 150, VI, “b” e “c” da CF.

O §4º desonera o patrimônio mobiliário e imobiliário dos templos, as suas rendas decorrentes da prática do culto e ainda os serviços que sejam vinculados às finalidades religiosas.

À guisa do já exposto, a regra imunizante incidirá sobre o bem imóvel pertencente à  entidade, onde ela realiza suas finalidades essenciais, deste modo, não incidirá o imposto municipal denominado Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU; Da mesma forma os veículos pertencentes à entidade para utilização no trabalho religioso também não sofrerá a incidência do fato gerador do Imposto de Propriedade Sobre Veículos Automotores - IPVA.

O mesmo se aplica no caso de Imposto sobre Transmissão Onerosa de Bens Imóveis – ITBI, Imposto de Renda – IR e do Imposto Sobre Serviços – ISS.

De certo que a imunidade quanto aos impostos referendados acima ocorrerá apenas quando o sujeito passivo da obrigação for o templo de qualquer culto, uma vez que a imunidade é personalíssima.

Mas em que momento será aferida a finalidade essencial do bem patrimonial? Em um primeiro momento parece simples, bastante olhar se o bem pode ser utilizado pelo templo (teoria moderna) em seus cultos e liturgias, porém não se pode generalizar. Tomando o ITBI como o tributo imune, imagine uma operação de compra de um grande lote de terras em área urbana, em local muito valorizado, por um templo de qualquer culto. Como comprovar que a operação se destina a atender às finalidades essenciais da entidade imune?

Bom, o STF já se manifestou por diversas vezes sobre o assunto, o que comprova a diversidade de decisões nos Tribunais de Justiça do Brasil, e o Tribunal maior já assentou em sua jurisprudência que o fato gerador do ITBI se dá no momento da aquisição dos bens imóveis. Portanto, quando adquiridos por entidades imunes, a destinação de referidos bens às finalidades essenciais dessas entidades deve ser pressuposta, sob pena de se inviabilizar a imunidade tributária em relação a esse tributo.

Portanto, o ente público tributante tem o ônus de provar o desvio de finalidade do bem, sendo certo que um imóvel sem construção, não caracteriza desvio de finalidade, uma vez que por vezes, os recursos de tais entidades são formados em longos períodos, inclusive, devido a esse fato, tem-se o jargão popular de que uma obra demorada parece “obra de igreja”.

Nesse contexto é a decisão do STF a seguir:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ITBI. IMUNIDADE. IGREJA. AQUISIÇÃO DE BENS IMÓVEIS NÃO EDIFICADOS. PRESUNÇÃO DE DESTINAÇÃO ÀS FINALIDADES ESSENCIAIS DA INSTITUIÇÃO. NÃO UTILIZAÇÃO TEMPORÁRIA DOS BENS. SITUAÇÃO DE NEUTRALIDADE QUE NÃO ATENTA CONTRA A FINALIDADE DA REGRA IMUNIZANTE. CABE AO FISCO PROVAR EVENTUAL DESVIO DE FINALIDADE. RECURSO PROVIDO.” (RE 882781, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 28/10/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 03/11/2015 PUBLIC 04/11/2015).

Não opera mais dúvidas quanto à presunção de finalidade essencial do patrimônio dos templos de qualquer culto.

Sobre questão análoga o STF se manifestou ainda no sentido de que a locação de imóveis a terceiros pelas entidades imunes não tem o condão de excluir a imunização sobre o bem, uma vez que está pacificado que a imunidade incide sobre o patrimônio, a renda e serviços dos templos de qualquer culto. Nesse sentido é a ementa abaixo:

“Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, `b´ e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, `b´, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços `relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas´. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas `b´ e `c´ do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido.” (RE 325.822, Rel. Min. Ilmar Galvão, Redator do acórdão o Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJ de 18.12.2002).

O entendimento do STF está consolidado no sentido da ampla imunidade referente ao tributo imposto, cabendo ao ente tributante comprovar que a entidade imune age com desvio de finalidade.

Da mesma forma que o patrimônio das entidades está imune aos impostos, as rendas e serviços também estão.

Os dízimos e ofertas dadas pelos membros à entidade religiosa não podem sofrer incidência de qualquer tipo de imposto. Há presunção relativa de que tais valores são aplicados em suas funções essenciais, cabendo ao ente fazendário correspondente, comprovar o desvio de finalidade.

Difícil tem sido mensurar a essencialidade, para assim transportar ao mundo da imunidade do templo religioso. Levando em consideração a teoria moderna (templo – entidade), em uma análise entre o sistema da imunidade recíproca do §2º, art. 150 da CF e a parte final do §4º do mesmo artigo, tem-se que a imunidade tributária comporta dois gêneros:

No dizer de Eduardo Sabbag: (SABBAG, 2010, p. 325)

“A imunidade vinculada, exigindo aproveitamento direto do patrimônio, da renda e do serviço, abrange apenas os bens necessários para poder funcionar. Exemplo: o prédio de instalação, os bens móveis etc.”

“A imunidade relacionada, por sua vez, abrange também os bens de aproveitamento indireto. Exemplo: o prédio alugado a terceiros, o imóvel dedicado ao lazer etc.”

O que se deve afastar é a concepção de finalidade econômica, esta sim tributável, porém, com espeque no farto posicionamento do STF, não basta que a atividade em si tenha finalidade econômica, mas sim o interesse concreto da entidade, nesse sentido foi o julgamento a seguir:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. ESTACIONAMENTO PAGO DE VEICULOS, MANTIDO POR SOCIEDADE CIVIL PARA USO DE ASSOCIADOS, NA PROPRIA SEDE SOCIAL E EM LOCAL PROXIMO. INEXISTÊNCIA DO INTUITO ECONOMICO, IMPLICITO NA CLÁUSULA 'POR EMPRESA OU PROFISSIONAL AUTONOMO', LIDA TANTO NO ART. 71 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL QUANTO NO ART. 8. DO DECRETO-LEI N. 406, DE 31.12.68, NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO SOBRE A MATÉRIA. TRIBUTO INDEVIDO”. (RE 87890, Relator(a):  Min. DÉCIO MIRANDA, Segunda Turma, julgado em 24/08/1979, DJ 14-09-1979 PP-06843 EMENT VOL-01144-02 PP-00452 RTJ VOL-00091-03 PP-00955).

Portanto, não há incidência de imposto nos serviços e vendas de produtos ocorridos no interior ou exterior dos templos que busquem recursos para manutenção de suas atividades essenciais.

Há de se considerar ainda o princípio da livre concorrência como limite à imunidade religiosa, caso este analisado pelo STF, em 15/12/2013, no julgamento da ADIN nº 939/DF, vejamos a ementa:

“EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.” (ADI 939, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755).

A análise do caso concreto deverá ser a opção viável à aplicação ou não da norma imunizante, verificando se porventura não há desvio de finalidade na aplicação da norma.

A quantidade de imóveis pertencentes à entidade religiosa e a destinação dos seus recursos quando locados, devem ser levados em consideração para aplicação da norma imunizante. O afastamento da finalidade empresarial e da concorrência desleal são “requisitos” que devem ser observados nesses casos.

Exemplificando ainda mais trazemos a hipótese de uma entidade religiosa que compra roupas de vestuário de inverno para a revenda em seu bazar, incidiria neste caso o ICMS?

De certo que não incidiria o imposto, uma vez que, embora não seja relacionada com sua atividade eclesiástica a venda de roupas de inverno, trata-se de atividade ocasional, precária e de cunho não empresarial, buscando apenas auferir recursos para as atividades essenciais.

Da mesma forma caso seja utilizado um terreno vizinho ao templo, de propriedade da entidade religiosa como estacionamento, não haverá a imunidade se a fazenda comprovar a atividade para fins de lucro (atividade empresarial).

Finalizando tem-se que não incide o ICMS na venda de mercadorias fabricadas pelas entidades religiosas e de cunho religioso, desde que o lucro seja vertido à atividade essencial da entidade.

3. A imunidade religiosa dos cemitérios

Acreditamos não haver dúvidas quando os cemitérios são anexos das entidades religiosas, e assim são imunes aos impostos, porém a celeuma é quanto aos cemitérios pertencentes à particulares, pessoas físicas ou jurídicas que explorem a atividade.

Sobre a questão se manifestou o STF no RE 544.815/SP, no caso concreto o cemitério Santo André S/C Ltda, localizado na cidade de Santo André-SP, se levantou contra decisão do extinto Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que decidiu pela incidência de IPTU sobre o bem imóvel.

A proprietária alegava que o cemitério era considerado “templo de qualquer culto” e assim deveria ser imune ao IPTU, nos termos da CF/88.

O Ministro Joaquim Barbosa, relator neste Recurso Extraordinário, em seu voto apontou a incidência do IPTU, uma vez que o proprietário do imóvel não atendia aos requisitos constitucionais (lembrando que o STF encampa a teoria moderna – templo – entidade). O eminente relator enalteceu alguns pontos principais observados no caso: O imóvel não pertencia à entidade religiosa; o imóvel estava locado a uma empresa privada sem qualquer vínculo com as finalidades de entidade religiosa e ainda o imóvel era empregado em atividade lucrativa e seus lucros não eram dirigidos às atividades essenciais de entidade religiosa.

Com esses fundamentos o Relator negou provimento ao Recurso, o que foi seguido pelos seus pares, com exceção do Ministro Celso de Melo, que pediu vistas. Importante salientar que a autora desistiu da ação, sendo a desistência homologada pelo Plenário em 18/11/2015, com publicação em 18/12/2015 no DJe.

A decisão acima é mais uma comprovação da encampação da teoria moderna pelo STF, onde a imunidade é aplicada ao templo-entidade, descaindo por vez a Teoria Clássico-restritiva (Concepção do templo-coisa) e a Teoria Clássico – Liberal (Concepção do Templo – atividade).


VII - CONCLUSÃO

O Brasil-Império ainda possuía grandes laços com a igreja, havendo inclusive a confusão entre Igreja e Governo.

A Constituição Imperial de 1824 em seu texto garantia, ou melhor permitia uma certa liberdade religiosa, na forma de culto religioso, porém apenas à religião oficial do império havia plena liberdade de culto.

Com o surgimento da República e a primeira constituição republicana (1891), houve a criação do estado laico, com o livre exercício da liberdade religiosa e a proibição de interferências financeiras e políticas do estado nas igrejas e cultos.

Nesse cenário é fácil identificar que as classes mais ricas estavam mais propensas em criar seus cultos e liturgias, uma vez que detinham o capital econômico e os mais pobres não tinham como recursos para desenvolverem-se, comprar templos e etc.

Nesse diapasão, buscando trazer igualdade de oportunidades entre os diversos cultos religiosos, a constituição de 1946 inovou trazendo a imunidade de impostos aos templos de qualquer culto.

Da mesma forma a constituição de 1988 garantiu tais imunidades aos cultos religiosos, como forma de oportunizar e não dificultar a liberdade religiosa dos seus cidadãos.

Tal garantia de liberdade religiosa, consubstancia-se na liberdade de escolher uma religião ou ainda a de ser ateu (liberdade de crença); em praticar os seus cultos e manifestações (liberdade de culto) e de se estabelecer em forma de entidades jurídicas sem a intervenção estatal (liberdade de organização religiosa).

A intenção do constituinte originário era a de minimizar o apetite tributário do Estado frente a tais entidades religiosas.

Assim o STF entende, uma vez que encampa a teoria templo-entidade.

Com essa teoria há a presunção imunizante quanto aos impostos. Como já fartamente decidido e apresentado nesse trabalho, o STF tem garantido o direito pleno às instituições religiosas no gozo de tal norma.

Bastante salutar chegarmos a seguinte conclusão:

A regra imunizante é adstrita à entidade como um todo, à pessoa jurídica que executa as ações essenciais e fundamentais do templo religioso. Pode ser entendido como uma garantia personalíssima da instituição/entidade religiosa.

Uma vez presente o requisito acima, a imunidade irá abarcar todos os impostos que em tese incidiria, em situações não imunes, desde que, o patrimônio, a renda e serviços sejam utilizados em suas atividades essenciais.

Tal essencialidade é presumida, como vimos no decorrer do trabalho a entidade religiosa tem imunidade do tributo municipal IPTU quanto ao imóvel em que seja sede a sua congregação, como também seus anexos, os imóveis alugados e os vazios, construídos ou não.

Da mesma forma, quanto ao ITBI, presume-se que a aquisição do bem imóvel (prédio ou terreno) será destinada à atividade essencial da entidade religiosa, atendendo assim o preceito constitucional.

O mesmo para os demais impostos (IRPJ, ISS), presume-se que as receitas serão vertidas a finalidade essencial da entidade religiosa, podendo o ente fazendário, uma vez comprovado desvio de finalidade, tributar tais bens.

Cabe lembrar que o caráter precário e a proibição à afronta à livre concorrência, são quesitos a ser observados na aplicação das imunidades, para que assim não seja desvirtuado tal instituto.

Portanto, é justo dizer, que é plena a imunidade tributária quanto aos impostos às entidades religiosas legalmente constituídas, podendo estas recorrer a diversas formas de arrecadação de receitas sem que haja tributação  pela fazenda, desde que obedeçam os quesitos apontados (precariedade da operação e não afronta à livre concorrência).


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Autor

  • Alexandre Ribeiro Bezerra

    Advogado privado especialista em Direito Público, atuante no Direito Tributário, Administrativo, Constitucional e Eleitoral. Com escritório na cidade de Barbacena/MG, atua em demandas em todo o Brasil, defendendo os cidadãos em face do fisco, bem como os servidores civis e militares em todas as esferas.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEZERRA, Alexandre Ribeiro. A imunidade tributária dos templos de qualquer culto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4910, 10 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53746. Acesso em: 20 abr. 2024.