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Comentários ao rito do Tribunal do Júri

Comentários ao rito do Tribunal do Júri

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No presente texto, estudaremos um roteiro detalhado do procedimento do Tribunal do júri.

O Tribunal do Júri não se trata de apenas uma apresentação dos trabalhos com esforços de ambas as partes, seja para alçar uma condenação satisfatória ou a árdua absolvição.

Na tribuna, os personagens são como polos positivos e negativos, não se acertam, repelem-se, divergem entre si das ideias e dos ideais.

Por um lado, o ímpeto da defesa no máximo do seu convencimento, da comoção dos jurados, da aproximação de Deus e da natureza humana como forma errante comum e inerente a todos. Do outro lado da tribuna, a sociedade representada pelo Estado, pessoa fria, determinada e incansável em busca do direito de punir pelo erro outrora cometido. Ambos em sua máxima condição do convencimento e acirrado ímpeto no embate.

Na tribuna, o Direito toma forma, respira, transpira odor, tem movimento e livre convencimento, a letra fria impressa no papel cria vida, há a transformação do homem e o irreal se torna real, cresce e encorpa-se, expressa-se e o que outrora se tratava de simples ideias agora fazem-se presentes e participantes.

Há cumplicidade do homem com a lei, há contorno e aplicabilidade, há entendimento e omissão, há boa vontade e memória, há comoção perante o júri, e assim, passa-se a existir.

Nada que se tem em mente à respeito dos debates respalda-se perante o júri.Tcharlye Guedes Ferreira

Tudo se faz novo, do olhar à entonação vocal, da expressão corporal ao semblante, da prosopopeia na labuta dos gladiadores ao empenho na empáfia desafiadora dos comuns em sua máxima representatividade.

O Tribunal do Júri é organismo vivo e pensante. Não se trata apenas dos presentes, mas de todo o cenário.

Há que se respeitar a importância da reunião e decisão que será tomada. Não há lugar para inveja ou mentiras, a decisão sempre se dará de forma imparcial e com a soberania garantida.

No man has a good enough memory to be a successful liar. Abraham Lincoln

Falar do Tribunal do Júri é expressar-se além das palavras, é dar forma às palavras impressas nos códigos e sobressair os sentimentos. Mas não se trata apenas de forma poética e toque leve de romantismo, mas há um rito a ser seguido, o que veremos a diante.

O Ilustríssimo Senhor João Ary Gomes, Juiz de Direito, hoje na cidade de Uberlândia, dá-nos aula ímpar do rito seguido no Tribunal do Júri, o que se faz necessário repassar nesta oportunidade. Nossos mais sinceros agradecimentos pela aula, com os devidos comentários.


A – INSTALAÇÃO

I . Abertura:

Entrada do Juiz, Promotor e Escrivão.

  1. Cumprimentos iniciais do Juiz:

Boa tarde, senhoras e senhores, daremos início, neste momento, à instalação da sessão do Tribunal Do Júri da Comarca de … Passo à conferência das 25 cédulas dos jurados sorteados para esta sessão.

II. Verificação das cédulas

O Juiz confere as 25 cédulas, assinando o termo comprobatório.

III. Chamada dos Jurados

O Sr. Escrivão procederá à chamada dos jurados sorteados para esta sessão.

O jurado ausente terá seu motivo apreciado pelo juiz. Não havendo motivo justificado e comprovado para a ausência, o jurado será punido com multa de um a dez salários mínimos. O jurado faltoso, com justificativa ou não, será automaticamente incluído na próxima sessão periódica do Tribunal do Júri.

Peço aos jurados que respondam “presente”.

O Escrivão faz a chamada, anota os jurados presentes, mantendo as cédulas sobre a mesa.

IV. Resultado da chamada

1. Havendo mais de 15 jurados, mas faltando algum, com ou sem escusa, e se houver mais processos na pauta de julgamento, proceder ao sorteio dos suplentes, anunciando:

Procederei ao sorteio dos jurados suplentes, para completar o número legal para o próximo julgamento.

2. Realiza-se o sorteio, pelo próprio juiz. Os nomes dos sorteados são anunciados pelo Juiz e anotados pelo Escrivão, para que consigne na ata, expedindo-se, ainda durante o julgamento, mandado de intimação dos mesmos.

3. Comparecendo menos de 15 jurados, não pode prosseguir, anunciando o Juiz:

DEIXO DE INSTALAR A SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI, POR FALTA DE NÚMERO LEGAL DE JURADOS. DESIGNO NOVA SESSÃO PARA DIA ... FICANDO TODOS CONVOCADOS. PROCEDEREI AO SORTEIO DOS JURADOS SUPLENTES PARA COMPLETAR O NÚMERO LEGAL. OS FALTOSOS SERÃO PUNIDOS NA FORMA DA LEI.  AGRADECIMENTOS.  ENCERRAMENTO.

4. Havendo número legal, coloca-se as cédulas dos presentes na urna, fechando-a, e anuncia-se o julgamento.

V. Anúncio da sessão e do processo

Havendo número legal de jurados, declaro instalada e aberta a Sessão do Tribunal do Júri desta Comarca. Será submetido a julgamento o processo penal que a Justiça Pública move contra … sendo vítima …

Peço ao Sr. Oficial Porteiro que faça o pregão das partes e testemunhas, recolhendo-as aos seus devidos lugares.

O Oficial faz a leitura do pregão, com o nome da Comarca e Vara, nº do processo, artigo do código penal, Promotor de Justiça, Réu, vítima (se houver), Defensor, Testemunhas. Lavra-se a certidão – chamada – juntando-se aos autos.

VI. Comparecimentos

1. Do réu: pede aos Srs. Policiais para apresentá-lo à frente do Juiz, indagando-o:

Qual seu nome? Sua idade? Seu advogado?

O Escrivão confere e anota. Determina que o réu tome seu lugar.

2. Do advogado defensor:

Convido o Dr. …. para tomar assento na tribuna da defesa.

VII. Ausências

1. Do réu:

Se tiver preso – não se realiza, mesmo que tiver sido intimado. Adia-se para o primeiro dia desimpedido e requisita-se. Havendo pedido de dispensa de comparecimento, assinado pelo réu e pelo defensor, realiza-se.

Se tiver solto, por qualquer motivo: realiza-se se tiver sido intimado para o julgamento, pessoalmente ou por edital. Se não foi intimado, adia-se e determina-se a intimação.

2. Do defensor:

Intimado – com motivo justo – adia-se, ouvindo o Promotor.

Intimado – sem motivo justo – adia-se, nomeando outro – comunica a OAB.

Não intimado – adia-se.

Se o réu estiver preso, o adiamento deverá ser para o primeiro dia desimpedido.

3. Do Promotor:

Com motivo justo – adia-se.

Sem motivo justo – adia-se – comunicando ao Procurador Geral da Justiça.

4. Do Assistente da Acusação:

Com ou sem motivo – realiza-se.

5. Das testemunhas:

Regra geral – realiza-se o julgamento.

Se intimada por mandado, arrolada como imprescindível e seja residente na cidade – suspende-se o julgamento e determina-se sua condução coercitiva.

Se não localizada no endereço, para ser conduzida, o julgamento prossegue.

Se intimada, mas não seja possível sua condução imediata, em razão da distância ou outro motivo: se não arrolada como imprescindível, realiza-se; se arrolada como imprescindível, adia-se para o primeiro dia desimpedido e determina-se sua condução pela PM.

Se na sessão designada não for encontrada, realiza-se.

Se residente em outra Comarca – intimada ou não – realiza-se.

Se a testemunha deixou de comparecer sem justa causa, aplica-se multa de 01 a 10 salários.

VIII – Sorteio dos Jurados

Procederei neste momento ao sorteio dos sete jurados, dentre os presentes, para formação do Conselho de Sentença, mas antes advirto aos senhores e senhoras que não poderão servir no mesmo Conselho, entre os sete sorteados:

Marido e Mulher ou companheiro e companheira;

Ascendentes e descendentes – pai, avô, filho, neto;

Sogro e sogra com genro ou nora;

Irmãos, cunhados – durante o cunhadio;

Tio com sobrinho;

Padrasto ou madrasta com enteado;

Parentes próximos do Juiz, do Promotor, do Advogado de Defesa, do Assistente da Acusação, do réu ou da vítima;

Quem tiver sido testemunha ou exercido qualquer função no processo;

Quem já tiver manifestado disposição para condenar ou absolver o réu;

Quem for amigo íntimo ou inimigo capital do réu ou da vítima;

Quem tiver alguma demanda com o réu ou com a vítima;

Quem for credor ou devedor, tutor ou curador do réu ou da vítima;

Quem tenha tomado parte como jurado no julgamento anterior deste processo (se for o caso).

Advirto, ainda, aos senhores jurados que, uma vez sorteados, não poderão se comunicar entre si ou com outras pessoas, nem manifestar sua opinião sobre o processo, podendo, no entanto, sempre dirigir a palavra ao Juiz.

Solicito aos jurados sorteados que, caso queiram usar o telefone celular para algum aviso à família ou ao trabalho, que o faça antes do juramento. Em seguida, devem desligar e manter desligados seus aparelhos durante todo o julgamento.

Finalmente esclareço que a dispensa ou recusa de algum jurado não constitui nenhum demérito ou discriminação. Ao contrário, o jurado às vezes é dispensado por causa de suas virtudes e qualidades.

Peço ao jurado que, ao ser chamado, levante-se.

Retira a cédula, lê o nome do jurado, indagando, primeiro da Defesa e, em seguida do Promotor, se aceita ou recusa.

Defesa? … Promotor?

Os jurados aceitos deverão ser encaminhados aos seus devidos lugares, vestindo a beca.

1. A defesa e a acusação poderão fazer três recusas cada, sem motivação. Acima de três, só com motivo – suspeição ou impedimento. Levantado o motivo, o juiz deve consultar a parte contrária para depois decidir se exclui o jurado. Havendo concordância da Defesa e da Acusação, deve excluir, independentemente de ser legal o motivo. Os jurados excluídos por impedimento ou suspeição são contados para constituir o número legal. Se houver “estouro de urna”, o julgamento será adiado para o primeiro dia útil desimpedido. Suspeição ou impedimento não reconhecidos pelo Juiz não suspendem o julgamento, constando da ata.

A recusa de um dado jurado se dará pela relevância, sexo, idade, aparência e outras possíveis afinidades com o caso. Cada jurado que se apresenta, será analisado pela defesa e acusação, conforme vestes, adereços e joias, corte de cabelo e até entonação da voz. É importante ter calma e observar além dos detalhes. Saber recusar é uma arte, que apenas com o estudo e prática lhes dará a escolha correta. Trata-se de estratégia, trata-se de observação e tato.

2. Em caso de parentesco de jurados, serve o primeiro sorteado. Jurado que participou de julgamento de um réu não pode participar do julgamento do corréu.

3. Sendo mais de um defensor com um único réu, somente um advogado faz as recusas, e somente três (recusas).

4. Sendo mais de um réu e mais de um defensor, só um advogado faz as recusas, até seis. Se não concordarem, ambos são consultados, podendo a defesa de cada réu recusar até três jurados.

Neste sentido, decidiu o TJMG, em julgamento de Júri presidido por este juiz, verbis:

“O julgamento foi desmembrado diante da divergência entre os defensores em relação aos jurados. A cada defensor foram oportunizadas três recusas, a meu ver, de forma acertada. É direito de cada acusado aceitar ou recusar, por si só, o jurado sorteado, sendo que o art. 461, caput, do CPP, apenas faculta, caso os réus forem dois ou mais, que as defesas atribuam as recusas a um só defensor. Não coincidindo a recusa, dar-se-á a separação do julgamento, nos termos do dispositivo em questão” (Apelação Criminal n° 1.0470.02.010235-1/002 – Comarca de Paracatu).

5. Havendo divergência (um réu aceita e outro recusa ou a Defesa aceita e o Promotor recusa) quanto a um jurado, este será recusado, prosseguindo-se até que acabam as recusas (três para cada réu e três para o Promotor). Somente nesta hipótese, “estouro de urna” pelas recusas, é que o julgamento será separado, de conformidade com o novo art. 469 do CPP. Deve-se ter cuidado para que pelo menos um dos réus seja julgado naquela sessão, pois, em caso de mais de três réus, podem ocorrer tantas recusas que não fique saldo de sete jurados. Para isso, o Juiz deve separar o julgamento antes que o número de jurados a serem sorteados seja insuficiente para compor o Conselho de Sentença.

6. Se houver divergência e necessidade de separar o julgamento, será julgado em primeiro lugar o réu a quem foi atribuída a autoria do fato (primeiro o autor e não o partícipe) e, em caso de coautoria, julga-se primeiro o que está preso; se todos presos, aquele há mais tempo na prisão e, persistindo igualdade ou sendo todos soltos, o pronunciado há mais tempo. O(s) outro(s) será julgado no primeiro dia desimpedido.

IX. Compromisso do Conselho

Estando os sete jurados assentados, o Juiz, ficando de pé, determina:

Levantem-se todos, por favor, para o juramento do Conselho de Sentença.

Senhores Jurados, levantem o braço direito.

Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão, de acordo com a vossa consciência e os ditames da Justiça.

Assim que eu disser o nome do jurado, por favor responda:

Assim o prometo.

Senhor Jurado … (chamar o nome de todos, aguardando a confirmação) Podem sentar-se.

O Oficial colhe a assinatura dos jurados no Termo de Compromisso.

O Juiz se dirige aos demais jurados, não sorteados:

Os demais jurados estão dispensados …

Havendo mais julgamentos na pauta:

… ficando desde já convocados para o próximo julgamento, amanhã, às … horas.

Querendo permanecer no Plenário será um prazer. Se quiserem levantar, fiquem à vontade.

Muito Obrigado.

O mesmo Conselho poderá julgar mais de um processo na mesma sessão, se as partes o aceitarem, prestando novamente o compromisso.

X. Entrega de cópia da pronúncia e relatório aos Jurados

Neste momento, faz-se a entrega aos Jurados de cópia da pronúncia e do relatório do processo, elaborado de conformidade e no momento previsto no art. 423, II, do CPP. O relatório deve ser sucinto e substitui o da legislação anterior, que o Juiz fazia oralmente, em plenário. Não pode ser longo para que os Jurados não gastem muito tempo lendo, atrasando o julgamento. Recomenda-se que, neste momento, após o compromisso e a entrega de tais peças aos jurados, e antes da oitiva das testemunhas, aguarde-se alguns minutos, pois, caso contrário, estar-se-ia impedindo ou prejudicando a leitura dos jurados. Pode o Juiz, no entanto, já consultar as partes se desejam ouvir as testemunhas e, caso queiram, já ir chamando e qualificando a primeira. Se dispensarem a oitiva, já pode ser qualificado o réu, enquanto os jurados estão lendo as peças.


B – INSTRUÇÃO DO PROCESSO

O Juiz, antes de ouvir as testemunhas, diz para os jurados:

Iniciamos, neste momento, a instrução do processo aqui no Plenário do Júri. Esta instrução é uma coleta de provas na presença dos Senhores Jurados.

Podemos ouvir as testemunhas, caso queiram o Promotor e o Defensor, e também ouvimos, obrigatoriamente, o réu.

I. Oitiva da vítima e testemunhas

Oitiva de testemunha, sem a condução da mesma, por Tcharlye Guedes.

1. O Juiz indaga do Promotor e do Defensor se querem ouvir a vítima, se houver, e as testemunhas arroladas. A vítima (quando existir e estiver presente) será obrigatoriamente ouvida em primeiro lugar.

2. A testemunha pode ser dispensada por quem a arrolou (acusador ou defensor), mesmo que a outra parte não concorde (art. 401, § 2º, CPP).

3. Não desejando ouvir testemunhas, consulta novamente se podem ser dispensadas em definitivo.

Concordando, dispensa-se.

4. Desejando as partes que se ouça a vítima e testemunhas, primeiro se ouve a vítima, depois as testemunhas indicadas pelo Juiz, se houver; em seguida, as da acusação e defesa. As perguntas são feitas, pela ordem, pelo Juiz, Promotor, Assistente, Defensor e Jurados (as testemunhas do Juiz e da Acusação) e pelo Juiz, Defensor, Promotor, Assistente e Jurados (as da Defesa).

5. As partes – Promotor e Defensor – poderão inquirir diretamente a testemunha. Neste caso, o Juiz adverte o arguente que a testemunha não deve ser conduzida, constrangida ou coagida, sob pena de lhe ser cassada a palavra, o que deve ser feito em qualquer excesso que se verifique.

Não se trata de condução da vítima ou testemunha, mas, observando pelo lado da defesa, deverá, sim, “lembrar” de alguns fatos que a própria testemunha deva ter ciência.

Neste momento a expressão corporal irá contar muito mais para os jurados, haja visto que os jurados já têm em mente uma posição social a respeito do crime.

Quando se projeta em direção aos jurados, arguindo a testemunha, causa-se um certo temor, e, desta forma, consegue-se destituir o sentimento pré-estabelecido com a entrada da testemunha.

Cada defensor terá sua técnica para abordar a testemunha sem caracterizar condução, então caberá ao leitor a melhor técnica a ser usada.

6. Após a inquirição, o Juiz indaga das partes se a testemunha pode ser dispensada em definitivo. Concordando, dispensa-se. Não concordando, manda que se aguarde na sala própria.

A dispensa em definitivo deverá ser utilizada como estratégia para a ligação de possíveis mentiras, estratégias da testemunha dentre outros. Muitas vezes, a testemunha mascara o dissabor com as partes (vítima e réu), e o defensor deverá ter a sensibilidade de não dispensar a testemunha para mais tarde confrontar com outro depoimento.

7. O Juiz pode determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a oitiva de testemunha referida, que se encontrar no Plenário. Neste caso, tão logo haja o interesse pela inquirição, deve ser determinado que o Oficial recolha a testemunha à sala própria.

Importante não requerer testemunha que seja suspeita por envolvimento íntimo ou que seja inimigo declarado.

II. Diligências e leitura de peças

1. As partes e os jurados podem requerer acareações e outras diligências. Em caso de diligência externa, poderá ser realizada imediatamente, suspendendo-se, temporariamente, o julgamento, dirigindo-se todos para o local. Se não for possível a realização no mesmo dia e o Juiz entender pertinente a diligência, será dissolvido o Conselho e determinado o ato. Se a prova for pericial, o Juiz, desde logo, nomeia perito e formula seus quesitos, concedendo às partes o prazo de cinco dias para indicar assistentes técnicos e formular seus quesitos.

2. A leitura de peças pelo Juiz ou Escrivão somente é permitida para cartas precatórias e provas de processos cautelares, ou seja, provas colhidas antecipadamente ao processo penal ou em outra comarca.

Não há necessidade de se indagar às partes se desejam que se proceda acareação ou realize alguma diligência ou mesmo que se leia alguma peça. Se for pertinente e necessário, o Promotor e o Defensor, neste momento próprio, devem requerer ao juiz.

III. Interrogatório

1. O último ato da instrução é o interrogatório do réu. Observa-se o art. 188 do CPP, lendo o próprio Juiz a denúncia e o último interrogatório prestado, pausadamente e sempre indagando do réu se confirma o fato lido ou não, questionando-o, depois da leitura, se tem mais alguma coisa a dizer.

Mostra a arma, se houver. A arma do crime sendo demonstrada para o Júri por Tcharlye Guedes.

Neste momento, a defesa ou a acusação irão se empenhar para causar certa comoção, temor e até mesmo remorso perante o júri.

A arma do crime ou o objeto utilizado para o cometimento do crime deverá ser utilizado com ênfase, sempre fazendo referência para sua importância, seja na defesa ou na acusação. 

A visão da defesa. Sendo uma faca de cozinha, poderá desconstituir como “arma” e faz-se alusão a um simples objeto de cozinha para auxiliar nos alimentos. Já na visão da acusação, a faca de cozinha é uma arma incrivelmente perfeita para prática de homicídios diversos!

Arma do crime sendo demonstrada para o júri por Tcharlye Guedes.

Os objetos utilizados para causar impacto são em sua maioria as armas de fogo. Todavia, as facas podem ser exploradas quando a defesa simula o possível uso da mesma, fornecendo “possíveis” detalhes da forma em que foi cometido o crime.

Quando não se pode contar com os objetos que colaboraram para o óbito, pode mostrar fotos diversas, desde que sejam constantes do inquérito policial ou na própria denúncia.

2. O réu somente deverá ficar algemado em caso de absoluta necessidade. Em situações normais, deve permanecer sem algemas (art. 474, § 3º). Recomenda-se, no entanto, que, quando da leitura de sentença condenatória, esteja o réu algemado. Evita-se que tenha reação inesperada e violenta com o resultado, tentando fuga ou agressão aos jurados e promotor de justiça, fato que não é raro acontecer.

Algemas e presença de policiais causam impacto nos jurados e corroboram para uma possível condenação – por Tcharlye Guedes.

As algemas causam a ideia de condenação, de rejeição e de perda de jogo. A acusação tinha certa vantagem quando o réu ou ré adentravam no recinto algemado. A impressão causada perante os jurados era sempre de pessoa perigosa e infratora das normas vigentes. Ademais, o réu sempre apresenta-se perante o juízo acompanhado de dois policiais militares, fato que corrobora para a má impressão e pré-julgamento por parte dos jurados.

3. As partes poderão fazer perguntas diretamente ao acusado. Os jurados fazem através do juiz.

Quanto às perguntas diretas ao réu, também sempre se deve policiar o Promotor e o Defensor, pois não raramente conduzem o acusado, fazendo preâmbulos com informações para que o arguente responda da forma que querem e não a real verdade dos fatos.

É muito comum a promotoria conduzir o acusado, pois tem sempre o sentimento de fazer justiça, que neste momento chega a ter uma sombra de vingança em nome da sociedade.

Palavras como: “É sabido”; “Foi dito”; “Afirma-se”; “Caracteriza-se”; dentre outras, conduzem com facilidade a resposta do réu. Tenha cuidado para não sofrer advertência.


C – DEBATES

1. Terminada a instrução, o Juiz anuncia:

Passaremos agora aos debates orais, da acusação e defesa.

Peço aos doutores debatedores que somente façam uso de aparte se for concedido pelo orador do momento ou com autorização do Juiz.

Com a palavra ao Dr. Promotor. Vossa Excelência tem o prazo de até uma hora e meia para a acusação.

Havendo mais de um réu – duas horas e meia.

2. Havendo assistente, este falará depois do Promotor, dentro do mesmo prazo. Se a ação penal for de iniciativa privada, fala o Querelante primeiro.

3. Durante a fala do Promotor, o Juiz consulta o Defensor sobre a tese da defesa e elabora os quesitos (veja item E – Quesitos). Alguma matéria levantada pela Defesa, durante o Debate, ou pelo próprio réu, durante o interrogatório, poderá ser objeto de quesitação. O Promotor não pode ter acesso aos quesitos, antes da fala da Defesa.

4. Terminada a fala da acusação, dá-se a palavra ao Defensor:

Com a palavra o Dr. …, que terá até uma hora e meia para promover a defesa do réu.

A defesa deverá ter uma elaboração, na grande maioria dos casos, argumentação escalonada. Quero dizer que a defesa deverá separar por tópicos as partes com as quais pretenderá estabelecer o vínculo de confiança perante o júri. A cada defesa, acredito que a formação do caráter do réu é primordial. Esta formação de caráter mostrará que havia uma pessoa com compaixão, comprometida com a vida, simples e fiel aos valores da sociedade.

Pode-se, nesta fase, adentrar na rotina do réu e mostrar seu comprometimento com a família, amigos, trabalho e todos que o cercam e fazem parte de sua rotina.

Tcharlye Guedes Ferreira e Dr. Sebastião Francisco – Delegado de Polícia.

Inicia-se com agradecimentos, e lembrando que a labuta existe apenas na arena, fora são todos (delegado de polícia responsável pelo inquérito, promotoria, advogados de defesa e auxiliares, juiz presidente, escrivão, Polícia Militar, Polícia Civil e demais servidores) companheiros de lida, de Fórum, de secretarias e diversas outras oportunidades de encontro.

Os embates não são físicos, ou até mesmo com agressão verbal! Ambos, defesa e acusação poderão explorar ao máximo, dentro da lei, o que lhes é lícito e aproveitável ao convencimento do júri.

Havendo mais de um réu – duas horas e meia.

Havendo mais de um defensor, combinam entre si o tempo de cada, dentro do prazo total. Havendo discordância, o Juiz distribui, em partes iguais.

4. Réplica e tréplica

Terminada a Defesa, o Juiz indaga da Acusação:

Indago ao Dr. Promotor se quer fazer uso da faculdade da réplica?

Se negativo, passa-se à “CONSULTA AOS JURADOS”. Se afirmativo, dirá o Juiz:

Vossa Excelência está com a palavra. Tem uma hora para a réplica.

Havendo mais de um réu – duas horas.

Finda a réplica, o Juiz passa a palavra a Defesa:

Com a palavra o Dr. … Vossa Excelência tem uma hora para a tréplica.

Havendo mais de um réu – duas horas.

Algumas regras básicas durante os debates:

1. Somente deve ser impedido o aparte direto, se o orador, sem concedê-lo e sem responder a eventual pergunta da outra parte, se dirigir diretamente ao Juiz. Neste caso, o Juiz Presidente deve decidir, imediatamente, se o pedido de aparte é pertinente. Se for pertinente e oportuna a interferência da outra parte, deve ser concedido o aparte, por até três minutos (art. 497, XII). Este tempo deve ser acrescido ao orador que estiver com a palavra.

2. Dispõe o novo art. 478 do CPP, absurda e inexplicavelmente, que os oradores não poderão fazer referências, durante os debates, à decisão de pronúncia, à determinação do uso de algemas pelo réu em plenário, ao seu silêncio ou à eventual falta de interrogatório. Ora, se a própria lei (art. 472, parágrafo único) determina que se deva entregar cópia da pronúncia aos jurados, antes de se iniciar os debates, porque a proibição de se ler ou comentá-la em Plenário. Quem não pode saber de seu conteúdo? Os assistentes? O réu? Além do mais, a disposição, também, é inconstitucional, pois fere de morte o princípio constitucional da ampla defesa. Caberá, pois, a cada Juiz, decidir se proíbe ou não a referência à pronúncia e a estes fatos.

Sim, é verdade que o art. 478 veda tal ato. É importante se ater aos fatos e centrar suas ideias e provas na hora dos debates. Manter-se sempre nos fatos e não aprofundar é fator determinante na hora dos votos.

Na réplica e na tréplica podem as testemunhas ser inquiridas novamente.

4. Somente é permitida a leitura de documentos e apresentação de material, inclusive fitas e vídeos, que tenham sido juntados aos autos, com a parte contrária tendo ciência, três dias de antecedência.

Compreende-se na proibição “a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados”.

Matérias de direito podem ser lidas e exibidas, como, por exemplo, leitura de acórdãos ou até de jornais falando sobre o direito em debate.

5. Os jurados podem, a qualquer tempo, através do Juiz, pedir ao orador que indique a folha do processo a que está se referindo.


D – CONSULTA AOS JURADOS

1. Terminados os debates, o Juiz consultará aos Jurados:

Estão os Senhores Jurados habilitados a julgar ou precisam de mais esclarecimentos?

2. Caso algum jurado diga que deseja algum esclarecimento, o Juiz deve adverti-lo ou orienta-lo para não demonstrar sua intenção de voto no julgamento. Nada sendo pedido, passa a leitura resumida dos quesitos formulados, ainda na sessão pública, informando aos Jurados que, quando a votação na sala secreta, irá esclarecer cada pergunta, informando as consequências das respostas.


E – QUESITOS

Passo a ler os quesitos que serão postos em votação.

1. Os quesitos devem ser formulados de acordo com as disposições do art. 483 do CPP, observando-se que, após a Lei 11.689/08, primeiro se indaga quanto à materialidade. A quesitação básica comum pode, assim, ser exemplificada:

Quesito nº 1. Jeremias de tal, no dia tal, às tantas horas, em tal lugar, foi vítima de disparos de arma de fogo, que lhe causaram lesões corporais?

Quesito nº 2. Essas lesões, pela sede e gravidade, provocaram sua morte?

Quesito nº 3. O réu Valdemar foi o autor dos disparos que atingiram a vítima?

Ou (se partícipe):

Quesito nº. O réu Zacarias de tal concorreu de qualquer forma para o crime, ajudando terceira pessoa a efetuar os disparos contra a vítima?

Em caso de tentativa ou outra forma de desclassificação para outro crime, quesita-se:

Quesito nº. O réu deu início à execução de um crime de homicídio, que não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do réu, tendo em vista … (no caso de tentativa), ou,

Quesito nº. O réu, assim agindo, quis o resultado morte? Quesito nº. O réu assumiu o risco de produzir o resultado morte? (No caso se lesão corporal seguida de morte).

Se mantida a competência do Júri, rejeitando a desclassificação, segue tese absolutória:

Quesito nº. O réu Valdemar (ou Zacarias) deve ser absolvido?

Respondendo negativamente os jurados a este quesito, o réu estará condenado, indagando a seguir quanto às causas de diminuição de pena (privilégios, por exemplo) e depois as qualificadoras ou causas de aumento de pena contidas na pronúncia.

2. As agravantes e atenuantes, após a Lei 11.689/08, não mais são objeto de quesitação. O Juiz as analisará, na fixação da pena, levando em conta as alegações das partes nos debates e o que constar dos autos, como, por exemplo, a confissão, a idade e a reincidência.

Terminada a leitura, o Juiz consulta as partes e jurados:

Tem o Dr. Promotor requerimento ou reclamação a fazer com relação aos quesitos?

Tem o Dr. Defensor requerimento ou reclamação a fazer?

E também:

Querem os Senhores Jurados nova explicação sobre algum quesito ou podemos passar à votação, quando será dada nova explicação?

3. Não havendo, ou prestado o esclarecimento, ou ainda constando da ata a reclamação, o Juiz pede que Promotor e Defensor assinem a folha de quesitos, passando-se ao julgamento.


F – JULGAMENTO

Vai-se proceder ao julgamento.

Peço aos Senhores Policiais que retirem o réu da sala.

Convido o público a deixar o recinto, ficando no Plenário somente os Senhores Jurados, Escrivão, Oficiais de Justiça, Promotor e Defensor.

1. Distribui duas cédulas para cada jurado – sim ou não.

2. O Juiz lê o quesito, explicando-o novamente, sem uso de termos jurídicos não entendidos por leigos.

3. Não se permite interferência da acusação e defesa, sob pena de retirada da sala e multa.

4. O Jurado poderá consultar os autos durante a votação.

5. Se o resultado de cada votação for unânime, não se recolhe o outro voto com os jurados. Não sendo unânime, o Juiz manda o outro Oficial recolher os demais votos, conferindo-os.

6. O Juiz dita para o Escrivão, em voz alta, cada resultado.

7. Havendo contradição nas respostas, o Juiz explica e faz nova votação do quesito contraditório.

8. Havendo decisão que prejudique os quesitos seguintes, encerra-se, anunciando.

9. Havendo reconhecimento de privilégio, não se vota qualificadora subjetiva.

10. Na votação do quesito da absolvição, deve-se esclarecer em que consiste a tese absolutória (por exemplo, legítima defesa), constando também na ata, pois somente ocorre a absolvição por causa prevista em lei. Nesse momento não se fala mais em absolvição por negativa de autoria ou ausência de prova da materialidade, pois decididas no primeiro e segundo quesitos.

11. Após a votação, o Juiz, Jurados, Promotor, Defensor e Oficiais de Justiça assinam o termo próprio.


G – SENTENÇA

1. A sentença observa as regras gerais do CPP e, especificamente, do art. 492.

2. O Juiz deve fixar o valor mínimo para reparação de danos, em caso de condenação, inclusive os morais, se for o caso. O art. 492, I, “d”, determina a aplicação do novo art. 387, com a redação da Lei 11.719/08, que, em seu inciso IV, é imperativo: o juiz fixará valor… O mais comum, em crimes contra a vida, é a fixação de indenização material (um valor único ou pensão mensal) e também pelo dano moral, considerando, obviamente, em qualquer hipótese, a condição econômico financeira das partes. É tarefa complexa, já que o processo penal não cuida de colher provas de cunho patrimonial, mas deve-se atentar sempre para o fato do valor fixado ser o mínimo, já que não impede o ofendido de promover a liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido (parágrafo único do art. 63, com redação da Lei 11.719/08, em vigor a partir de 22.08.08).

3. A sentença também deve decidir sobre a prisão (decreto, manutenção ou soltura) do condenado.

4. Em se tratando de desclassificação, o Juiz Presidente profere a sentença e, se a nova infração for de menor potencial ofensivo, aplica-se, ainda em plenário, as regras dos arts. 69 e seguintes da Lei 9.099/95. Caso o crime desclassificado comporte a suspensão do processo (art. 89 da mesma lei), o Juiz também deverá fazê-lo de plano, ouvindo-se o Ministério Público em Plenário, podendo ser ainda durante a sessão secreta, antes de se abrir as portas para a leitura da sentença. Se ocorrer a desclassificação do crime de competência do Tribunal do Júri e havendo um outro que não seja contra a vida, conexo, este também será julgado pelo juiz presidente, em plenário, na mesma sentença.

5. Após proferida a sentença, o Juiz pede que as partes e jurados tomem seus lugares e que sejam abertas as portas, trazendo o réu e anunciando a leitura da decisão:

Peço a todos os presentes que fiquem de pé para a leitura da sentença.


H – ENCERRAMENTO

Lida a sentença, dizendo ao réu qual o resultado e seu destino, o Juiz encerra a sessão, com os agradecimentos de praxe:

Agradeço ao Dr. Promotor de Justiça e ao Dr. Defensor, pelo comportamento e pelas palavras a mim dirigidas.

Agradeço também à Polícia Militar, aos servidores desta Casa, ao público presente e, finalmente, agradeço aos senhores Jurados, pela presença e pelo cumprimento do dever.

Por fim:

Está encerrada a sessão.

Havendo mais julgamentos na pauta, avisa os jurados.

Fotos: ISGUFE, Divulgação


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