Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/54087
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Abandono afetivo: possibilidade de indenização por danos morais

Abandono afetivo: possibilidade de indenização por danos morais

Publicado em . Elaborado em .

Comentários à acórdão referente à indenização por danos morais em decorrência de abandono afetivo.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO PATERNO. RESTRIÇÃO AO ÂMBITO FAMILIAR. AUSÊNCIA DE ILÍCITO E DANO INDENIZÁVEL. I - Ao dever de reparar impõe-se configuração de ato ilícito, nexo causal e dano, nos termos dos arts. 927, 186 e 187 do CC/02, de modo que ausente demonstração de um destes requisitos não há que se falar em condenação, ressalvada a hipótese de responsabilidade objetiva, na qual prescindível a demonstração da culpa.II - Para a configuração do dano moral, há de existir uma conseqüência mais grave em virtude do ato que, em tese, tenha violado o direito da personalidade, provocando dor, sofrimento, abalo psicológico ou humilhação consideráveis à pessoa, e não dissabores da vida. III - O abandono afetivo de um pai, apesar de ser uma triste situação, não caracteriza ilícito e não gera, por si só, obrigação de indenizar, não tendo sido demonstrado, no caso, nenhum dano moral efetivo, não cabendo ao Estado, por outro lado, através do Poder Judiciário, transformar em pecúnia sentimentos inerentes às relações familiares. 

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0515.11.003090-2/001 - COMARCA DE PIUMHI - APELANTE (S): JOAQUIM AUGUSTO DA SILVA FIDELIS - APELADO (A)(S): JOAQUIM FIDÉLIS DE SOUZA 

ACÓRDÃO 

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. 

DES. JOÃO CANCIO 


RELATOR. 

DES. JOÃO CANCIO V O T O 

Trata-se de Apelação Cível interposta por JOAQUIM AUGUSTO DA SILVA FIDELIS em face da r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 01ª Vara Cível da comarca de Piumhi que, no âmbito da ação de indenização ajuizada em face de JOAQUIM FIDELIS DE SOUZA, julgou improcedentes os pedidos iniciais. 

O Apelante argumenta, em suma, em suas razões de fls. 91/98, que após a separação de seus pais o apelado abandonou por completo o apelante, não mais lhe prestando nenhuma espécie de afeto, carinho, ou qualquer outra forma de apoio moral. Afirma que a obrigação de assistir moralmente um filho não importa na obrigatoriedade da relação conjugal. Diz que o abandono de seu pai lhe causou déficit emocional, violando sua integridade psíquica e moral. Relata que quando criança passou a apresentar crises de ansiedade, tendo que ser atendido por psiquiatras em virtude da rejeição paterna.

Contrarrazões às fls.100/103, pelo desprovimento do recurso. 

É o relatório. 

Passo a decidir. 

Presentes seus pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo. 

Trata-se de recurso de Apelação Cível, através do qual busca o Apelante a reforma da sentença primeva que julgou improcedente a "Ação de Reparação de Dano Moral" por ele ajuizada em face de seu pai, pretendendo a condenação do mesmo ao pagamento de indenização a título de danos morais, em função de seu abandono moral e afetivo. 

Na inicial, o autor alega que por razões levianas o seu pai o deixou desprovido de sua presença, de seu carinho, de seu interesse por sua criação e desenvolvimento o que lhe causou e ainda causa significativo déficit emocional. 


No presente recurso, o Apelante devolve toda a matéria debatida na instância ordinária, ressaltando a necessidade de reforma da sentença em face da manifesta existência de danos morais. 

Eis os limites da lide. 

Entendo que, no caso "sub judice", não se pode falar em dano moral suscetível de indenização
Isso porque, ao dever de indenizar impõe-se a presença dos requisitos exigidos para a responsabilização civil, nos termos em que estatuídos nos arts. 927, 186 e 187 do CC/02. A saber: 

"Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes." 

Da lege lata, extrai-se, portanto, que ao direito à reparação civil exige-se ocorrência de ato ilícito, nexo causal e dano


Nos dizeres de Antônio Lindembergh C. Montenegro, os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil são: 

"a- o dano, também denominado prejuízo; b- o ato ilícito ou o risco, segundo a lei exija ou não a culpa do agente; c- um nexo de causalidade entre tais elementos. Comprovada a existência desses requisitos em um dado caso, surge um vínculo de direito por força do qual o prejudicado assume a posição de credor e o ofensor a de devedor, em outras palavras, a responsabilidade civil"[1] 

Com efeito, para a configuração do dano moral, há de existir uma conseqüência mais grave em virtude do ato que, em tese, tenha violado o direito da personalidade, provocando dor, sofrimento, abalo psicológico ou humilhação consideráveis à pessoa, e não dissabores da vida. 

Na lição de YUSSEF SAID CAHALI[2], o dano moral pode ser conceituado como"...a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)" 

Destarte impõe-se aos julgadores o cuidado na análise de sua configuração, pois meros aborrecimentos e insatisfações cotidianos, por se tratarem de fatos corriqueiros e atinentes à vida em sociedade, não se deve atribuir indenização.


Diz a doutrina: 


"Para evitar excessos e abusos, recomenda Sérgio Cavalieri, com razão que só se deve reputar como dano moral 'a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo"[3] (g.n.) 


Analisando os autos, em que pesem as alegações feitas pelo autor em sua exordial, de que o réu, pai, o abandonou afetivamente, não prestando qualquer tipo de apoio, carinho ou, não logrou demonstrar ter sofrido os danos extrapatrimoniais reclamados, em decorrência de conduta que atribuiu ao réu. 


No caso, entendo que o suposto dano não pode ser considerado "in re ipsa", devendo ser efetivamente demonstrado. 


Não foi produzida, sequer prova testemunhal a fim de se demonstrar a configuração das situações alegadas na petição inicial, não restando evidenciado nenhum extraordinário dissabor digno de reparação.

Com efeito, na hipótese dos autos, tenho que não há prova suficiente para a procedência do pedido de indenização.


Não se desconhece que a conduta do réu, ora recorrente, tenha causado ao autor um sentimento de humilhação e tristeza, diante do abandono paterno, no entanto, embora possa ter-lhe infligido, não caracteriza dano moral apto ensejar ressarcimento pecuniário

Certo é que não é por meio da fixação de uma indenização que se dará a cicatrização emocional da mágoa e a reparação a constrangimento e sentimento de tristeza e dor pelo abandono e privação do carinho de um pai, porque não há reparação econômica possível para curar ressentimentos desta natureza


É inconteste que tais ocorrências são fatos da vida, não havendo reparação possível, de ordem econômica, para curar essas dores.


Quanto ao tema, coaduno com o entendimento manifestado pelo e. Des. Jorge Luís Dall'Agnol, da 7ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento de caso similar ao dos autos:


"O Estado não pode interferir tão a fundo nas relações que envolvam sentimentos, sob pena de acabar impondo, em caráter mais punitivo do que realmente indenizatório, o que seria muito mais uma vingança do que uma reparação propriamente dita.


Ademais, se se admitisse a reparação de desilusões, traições, humilhações e tantos outros dissabores derivados do casamento/união estável, acabar-se-ia por promover a mercantilização das relações existenciais.


Sendo assim, a alegação de adultério não gera obrigação de indenizar, uma vez que para a configuração do dano moral, necessário se faz o preenchimento dos requisitos inerente à responsabilidade civil, quais sejam, dano, ilícito e nexo de causalidade." (TJRS - Nº 70051711935, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, jul. 27-02-2013 - g.n.)


Além disso, deve-se levar em conta, ainda, que é evidente que a liberdade subjetiva do pai em dispensar afeto ao filho, restrita à vontade interior, emanada do coração, desejo inconsciente de dar amor ao filho, não há como sofrer interferência externa, sequer é razoável impor o dever de indenizar por esta ausência afetiva paternal


Nessa esteira, tenho que o abandono emocional do pai não gera, por si só, obrigação de indenizar, não tendo sido demonstrado, no caso, nenhum dano moral efetivo, não cabendo ao Estado, por outro lado, através do Poder Judiciário, transformar em pecúnia sentimentos inerentes à relação entre pais e filhos.


Em casos similares, assim vêm se manifestando a jurisprudência deste Eg. TJMG: 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DE ABANDONO AFETIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL - FALTA DE ASSISTÊNCIA DO PAI BIOLÓGICO - RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE TARDIA - AUSÊNCIA DE ATO ILíCITO - RECURSO NÃO PROVIDO - SENTENÇA CONFIRMADA. - Ausente o ato ilícito, impossível o reconhecimento da reparação moral a que alude o art. 186 do Código Civil. -Não configura ato ilícito, passível de reparação por danos morais, o tardio reconhecimento da paternidade, quando não demonstrada a efetiva lesão sofrida pelo filho, em decorrência da inexistência de vínculo de convivência com o genitor. (TJMG - Apelação Cível 1.0480.12.014687-7/001, Relator (a): Des.(a) Versiani Penna, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/10/2014, publicação da sumula em 24/10/2014)


Apelação Cível - Direito de Família - Indenização - Dano Moral - Abandono Paterno - Ausência de Conduta Ilícita. - A indenização por dano moral no âmbito do Direito de Família, exige extrema cautela e, sobretudo, uma apuração criteriosa dos fatos. - A ausência de amor, afeto e carinho entre pais e filhos é fato lamentável, mas isso não dá direito à indenização, eis que ausentes os requisitos da conduta antijurídica e do nexo causal. (TJMG - Apelação Cível 1.0637.10.008090-1/001, Relator (a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/08/2012, publicação da sumula em 31/08/2012) 


EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERESSE DE AGIR. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ABANDONO AFETIVO. DANOS MORAIS. REPARAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO NÃO PROVIDO.


- É juridicamente possível o pedido que encontra amparo no direito material positivo. 

- "Há o interesse de agir quando o provimento jurisdicional postulado for capaz de efetivamente ser útil ao demandante." - A parte que não recorreu contra a decisão que indeferiu a produção de prova pericial não pode alegar cerceamento de defesa, pois precluiu o direito de produzi-la, como decorre do art. 183 do Código de Processo Civil. - O abandono afetivo não constitui ilícito passível de gerar reparação por danos morais. - O uso dos recursos previstos no ordenamento jurídico, bem como da argumentação que a parte entende como suficiente a embasar sua pretensão não configura litigância de má-fé. (TJMG - Apelação Cível 1.0472.08.017785-1/001, Relator (a): Des.(a) José Flávio de Almeida, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/11/2011, publicação da sumula em 18/11/2011)


Mediante tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO para manter a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais. 

Custas pelo apelante, ficando, entretanto, suspensa a exigibilidade de tal verba, observado o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50. 

É como voto.


DES. ROBERTO SOARES DE VASCONCELLOS PAES (REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a). 
DES. SÉRGIO ANDRÉ DA FONSECA XAVIER - De acordo com o (a) Relator (a). 

COMENTÁRIO:  O acórdão trata da indenização por danos morais por abandono afetivo pelos pais, que é bastante controversa, devendo ser analisada com cuidado. A discussão gira em torno da problemática do dever de pais, que faltam com o dever da assistência moral, de indenizar, em caráter pecuniário, seus filhos. Cabe desde já a ressalva de que a discussão em nada interfere no dever de pagar pensão aos filhos, mas trata da indenização devida tão e somente pelo abandono afetivo.

A primeira dificuldade, portanto, é identificar o que caracterizaria o “abandono afetivo”. Inicialmente, verificamos que a proteção da pessoa dos filhos é disciplina nos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil de 2002, dos quais podemos destacar:

Art. 1.583: “§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”.

Fica claro que os pais, mesmo quando não detenham a guarda, possuem o dever de supervisionar os interesses dos seus filhos. Seguindo o raciocínio, o abandono afetivo seria, portanto, a atitude omissiva de um pai no cumprimento dos deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, o que inclui o afeto, carinho, atenção, educação, entre outros.

O segundo problema é definir o que seria um dano moral passível de indenização. Para configuração da responsabilidade civil, há certos requisitos que devem ser cumpridos, quais sejam a ocorrência de ato ilícito, nexo causal e dano, nos termos dos artigos 927, 186 e 187 do Código Civil: 

Art. 927: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”; 

Art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; e 

Art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Uma vez definidos os termos, cabe analisar se o abandono moral poderia caracterizar um dano moral passível de indenização. Há doutrina e jurisprudência em ambos os sentidos. O acórdão em tela entendeu que não há como haver indenização por dano moral por abandono afetivo. A leitura do acórdão permite entender que a decisão se fundamenta no fato de que o abandono afetivo não poderia caracterizar dano moral, já que não haveria configuração do requisito do ato ilícito. O amor dos pais não deve ser forçado legalmente, ou melhor, não há como obrigar que o pai ame seu filho. Nesse sentido, o abandono afetivo, por mais que reprovável moralmente, não ensejaria uma indenização no âmbito judicial.

Por outro lado, há a corrente que defende a existência do dano moral e se fundamenta nos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da proteção integral da criança e do adolescente. Primeiramente, quanto ao princípio da proteção integral, as crianças e adolescentes merecem um tratamento diferenciado devido ao seu estágio de desenvolvimento físico, psicológico e mental, sendo assegurado pela Constituição Federal, em seu artigo 227, que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Observe-se que, mesmo que a Constituição imponha o dever à sociedade e ao Estado, prioriza o dever como um dever da família. Isso porque a família é o núcleo da formação e estruturação dos sujeitos, afetando diretamente o desenvolvimento de sua personalidade e, cada vez mais, observa-se a importância do princípio da afetividade nas relações familiares. Antigamente, enquanto a família era definida por relações de consanguinidade, hoje temos como caracterizar famílias pelo vínculo socioafetivo. A reflexão é interessante para a presente discussão no sentido de que a sociedade valoriza, cada vez mais, o afeto. Ainda, a dignidade da pessoa humana é um sobreprincípio do nosso ordenamento jurídico, disposto na Constituição Federal, artigo 1º, inciso III. Nesse contexto, deve ser respeitado em todas as relações jurídicas, sejam públicas ou privadas, o que inclui, portanto, as relações familiares.

Dada a importância da família, podemos destacar a relevância do dever dos pais de cuidar de seus filhos, não só oferecendo os recursos necessários, mas também com o cuidado de criar, educar e presenciar seu crescimento com carinho e atenção. Nesse sentido, a omissão dos pais seria extremamente prejudicial na própria formação da personalidade do indivíduo, ou seja, o dano causado pelo abandono afetivo seria o dano à personalidade do indivíduo.

Ainda sobre essa corrente, que considera o abandono afetivo como um dano moral, existe a problemática da quantificação da indenização.  A indenização não pretende sanar as consequências dos danos sofridos, mas servirá, em regra, como uma forma de atenuação, que deverá ser analisada no caso concreto. Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira, citado por Zamataro[4] afirma que:

"(…) não é possível obrigar ninguém a amar. No entanto, a esta desatenção e a este desafeto devem corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não quiserem dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obrigá-los, mas a sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas abandonadas, afetivamente".

Essa corrente, portanto, entende que o abandono praticado pelo(s) pai(s) configura um abuso de direito e que é, portanto, um ato ilícito passível de indenização, já que violou os direitos da personalidade humana daquele filho que foi privado desse afeto, essencial para seu desenvolvimento.

Discordamos da decisão do acórdão em tela.  Para nós, o direito é criado pelos homens para regular a vida em sociedade e, dessa forma, deve refletir os anseios da própria sociedade. Nesse sentido, é importante adaptar a interpretação quanto à aplicação das regras de responsabilidade civil e o direito de indenização para a realidade social atual.

Em 2012, o STJ condenou um pai ao pagamento de indenização por abandono afetivo, em decisão proferida pela Ministra Nancy Andrighi no REsp 1.159.242/SP. Segundo tal decisão, os elos familiares sempre são criados por atos volitivos e a responsabilidade seria, dessa forma, decorrente de suas próprias ações. Nesse caso, mais do que um vínculo afetivo, haveria um vínculo obrigacional, que inclui o dever de assistência psicológica. A Ministra então esclarece que a indenização não é uma forma de obrigar o pai a amar seu filho, mas é uma forma de reprovar o descumprimento de uma obrigação legal, que é cuidar. 

Corroboramos com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Assim, considerando o vínculo obrigacional, a responsabilidade civil subjetiva se caracteriza com uma ação ou omissão do indivíduo que gera prejuízo para terceiro, sendo necessário o requisito da ilicitude e da culpa, bem como a prova do nexo de causalidade. Portanto: o ilícito civil seria caracterizado pela negligencia em relação ao objetivo de dever de cuidado; o dano é causado, constante e perpetuamente, no psicológico e no desenvolvimento da personalidade daquele filho abandonado; e o nexo causal se dá com a relação dos danos e das ações ou omissões do(s) pai(s).

No caso do acórdão, após a separação de seus pais, o pai abandonou por completo o filho, não mais lhe prestando nenhuma espécie de afeto, carinho, ou qualquer outra forma de apoio moral, causando-lhe déficit emocional, psíquica e moral, inclusive tendo que ser atendido por psiquiatras em virtude da rejeição paterna. Conforme demonstramos, entendemos que é caso de responsabilidade civil, havendo ato ilícito (omissão do pai no dever de cuidar), dano (déficit emocional, psíquico e moral) e nexo causal (seu emocional foi afetado em virtude da rejeição paterna).


[1] "Ressarcimento de dano", Âmbito Cultural Edições, 1992, nº 2, pág. 13.

[2] "Dano Moral", Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 1998.

[3] "Responsabilidade Civil", Carlos Roberto Gonçalves, Editora Saraiva, 8ª edição, São Paulo.

[4] PEREIRA, Rodrigo da Cunha apud ZAMATARO, Yves. Da possibilidade de indenização por danos morais decorrentes de abandono familiar. Revista Migalhas: 26 de junho de 2013. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI181259,91041-Da+possibilidade+de+indenizacao+por+danos+morais+decorrentes+de>. Acesso em 05 de outubro de 2016.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.