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A responsabilidade civil e ética do médico no atendimento à distância

A responsabilidade civil e ética do médico no atendimento à distância

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O atendimento médico à distância, no país, enfrenta dificuldades como a falta de acesso à internet em uma grande parte do nosso interior. A obra explana sobre a telemedicina no Brasil e a teleconsulta.

“Para descobrir as melhores regras de sociedade que são convenientes às nações, seria necessária uma inteligência superior que visse todas as paixões dos homens e que não provasse nenhuma delas; que não tivesse nenhuma relação com nossa natureza e que a conhecesse a fundo; cuja felicidade fosse independente de nós e que, no entanto, quisesse muito ocupar-se da nossa; enfim, que, no progresso dos tempos, procurando por uma glória longínqua, pudesse trabalhar num século e usufruir no outro. Haveria necessidade de deuses para dar leis aos homens”. Jean-Jacques Rousseau, in O Contrato Social.

Os avanços científicos e tecnológicos fizeram o mundo mudar, em pouco mais de um século, de uma produção artesanal ou semi-artesanal para a indústria de larga escala que permitiu o acesso quase universal aos bens de consumo, medicamentos e alimentos. Paralelamente às transformações sociais decorrentes dessa nova realidade, os diversos povos e governos tiveram que estabelecer legislações que protegessem os vários interesses envolvidos na produção e utilização dos bens disponíveis.

Entretanto, o crescimento exponencial da informática e o desenvolvimento da biotecnologia, mais acentuados desde o final do século XX, geraram mudanças nos costumes, nas relações familiares, na economia e no tipo de trabalho e emprego, além de trazerem à tona questionamentos éticos antes nunca imaginados, como os que envolvem o destino de embriões e a manipulação genética.

Dentro dessa nova realidade, porém, nenhum campo da atividade humana se desenvolveu mais que o das comunicações, pois em poucas décadas passamos das difíceis ligações telefônicas ao contato instantâneo com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, ao armazenamento de todo o conhecimento produzido e à disponibilização deste para a maioria dos que acessam a “internet”. Assim, as diversas mídias possibilitam que o paciente se comunique online com o médico ou envie seus questionamentos através de imagem e som, muitas vezes fazendo com que a comodidade deste contato imediato se sobreponha à vontade de comparecer ao consultório médico ou à percepção da necessidade de exame clínico urgente, não considerando a possibilidade de que o médico, devido suas diversas ocupações diárias, somente possa acessar sua solicitação horas depois, aumentando o risco de complicações de seu quadro.

Alguns países conseguem fazer com que o avanço tecnológico seja colocado à disposição dos cidadãos com regras e legislações mais adequadas, enquanto outros cursam com indefinições legais, regras que protegem interesses escusos e, até, restrições de cunho religioso, que prejudicam o avanço em algumas áreas do conhecimento ou no desenvolvimento de novos produtos.

No nosso país, em razão das desigualdades sociais e da má distribuição dos recursos públicos, muitas vezes reflexos da má gestão ou da corrupção presente no caminho das verbas, ocasionam o crescimento cada vez maior das demandas judiciais envolvendo médicos, hospitais, operadoras de planos de saúde e o próprio Estado, caracterizando o termo corrente “judicialização da saúde”. Como, frequentemente, a legislação não é clara ou é inexistente, o Poder Judiciário assume um papel que não é seu, ocupando uma lacuna deixada pelo Legislativo, estabelecendo jurisprudências que passam a ser aplicadas como se leis fossem.

Dentro desse contexto de indefinição legal ou de falta de regulamentação para aplicação de leis existentes, vemos surgir a telemedicina e a consulta médica “online” como resultado dos avanços tecnológicos hodiernos. Entretanto, cabe não esquecer o papel de “legislador” assumido pelo Conselho Federal de Medicina, por força das leis nº 3.268/57 e 12.842/2013, que elabora normas e resoluções que norteiam o exercício da “ars medica”, visando proteger o médico e a sociedade de atitudes que firam a ética, o bom senso ou a boa técnica profissional.


O ATO MÉDICO

A princípio, podemos dizer que toda vez que um médico opina sobre um tema profissional na mídia, responde a uma pergunta sobre determinado caso, orienta uma conduta medicamentosa ou não para um paciente, indica ou solicita um determinado exame, mesmo que informalmente, está realizando um ato médico, já que em todas essas ocasiões estará usando do seu conhecimento técnico-profissional para agir, embora não seja um ato completo do ponto de vista técnico.

O ato profissional que serve de base para toda e qualquer providência posterior é a consulta médica, já que esta permitirá ao médico definir as condutas mais adequadas a tomar, intervencionistas ou não.

Embora seja a primeira das profissões da área da saúde e uma das mais antigas da humanidade, a Medicina só teve a sua definição legal, no Brasil, após o estabelecimento das competências das demais profissões dela derivadas, quando, em 10 de julho de 2013, foi sancionada a lei nº 12.842/2013, conhecida como Lei do Ato Médico, aprovada após muitos anos de tramitação no Legislativo e com modificação do art. 6º pelo disposto na lei nº 13.270/2016, suprimindo a expressão que incluía a necessidade da inscrição nos CRMs para o exercício da profissão. Em um país onde muitos profissionais estrangeiros de formação desconhecida atendem como médicos sem a obrigatoriedade de revalidar seus diplomas e se registrar nos CRMs é fácil entender tal modificação.

Esta lei, em seu artigo 4º, define os procedimentos que são atribuições do profissional médico, tendo sido vetados vários itens que a Chefe do Executivo considerou conflitantes com outras profissões ou que mereceriam regulamentação específica posterior. Determina, também, no parágrafo único do artigo 7º, que:

A competência fiscalizadora dos Conselhos Regionais de Medicina abrange a fiscalização e o controle dos procedimentos especificados no caput, bem como a aplicação das sanções pertinentes em caso de inobservância das normas determinadas pelo Conselho Federal.

A consulta médica, por outro lado, é definida pela Resolução CFM nº 1958/2010, que estabelece em seu art 1º que ela compreende “a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, solicitação de exames complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo e que pode ser concluído ou não em um único momento”.

Numa primeira análise, pode-se inferir que a Resolução supra coloca o exame físico do paciente como um dos elementos primordiais do ato médico completo; portanto, sem este não há como caracterizar um ato profissional como consulta médica. Este posicionamento é fiel ao disposto no artigo 37 do Código de Ética Médica (CEM/2009) que diz que é vedado ao médico prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem a atribuição de emitir Normas ou Resoluções que regulamentem a atividade médica, qualquer que seja o ato profissional, e estas devem ser seguidas pela totalidade dos médicos registrados nos Conselhos Regionais de Medicina de cada Estado, por força da Lei nº 3268/1967, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá outras providências, da Resolução CFM 1.931/2009 (que aprova o Código de Ética Médica em vigor) e, mais recentemente, pela Lei do Ato Médico. Esta função do CFM é de fundamental importância por envolver aspectos éticos e técnicos que, na maioria das vezes, são de difícil alcance pelo legislador leigo e/ou pelos diversos juizados que analisam as frequentes demandas envolvendo o exercício da Medicina.


O MÉDICO E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

O médico convidado a dar entrevistas ou a participar de um programa de rádio ou de televisão pode prestar serviços importantes à população nesses momentos, porém precisa ser bastante cuidadoso em suas afirmações ou conclusões a respeito de casos que lhe sejam expostos, já que o artigo 114 do CEM/09 veda ao médico “consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”, devendo, portanto, abster-se de opinar de modo conclusivo sobre situações clínicas individuais e/ou de indicar uso de medicamentos, mesmo que sejam os chamados “naturais”.

O telefone ainda é, também, muito utilizado para tirar dúvidas, sem que o paciente tenha sido visto antes pelo médico ou quando surgem novos sinais e/ou sintomas após o atendimento presencial. A conduta do médico deve ser sempre da maior prudência possível, uma vez que uma “alergia” ou uma “coceira” para o paciente podem ter outro significado para o médico, se ele examinar o doente, dizendo-se o mesmo de uma “tosse” ou de uma “febre” que em horas podem evoluir para quadros de maior gravidade. Na maioria das vezes, a conversa telefônica não será gravada, restando a palavra de um contra a de outro e uma “dor de cabeça” para todos, no caso de mau resultado por orientação mal entendida ou mal direcionada.

Conversas de médicos com pacientes através de “e-mails” e aplicativos do tipo “WhatsApp” foram impressas e utilizadas em várias ocasiões para embasar denúncias de erro médico ou outras infrações éticas nos CRMs. Orientações cheias de boa-fé, quando não atingem seu objetivo ou são mal interpretadas pelo paciente (ou responsável deste, como no caso de crianças), podem gerar transtornos jamais imaginados pelo profissional.

Questionamentos que, para o paciente, parecem despretensiosos, enviados pelos diversos meios disponíveis, caracterizam verdadeira consulta médica onde as imagens muitas vezes enviadas nem sempre permitirão uma interpretação adequada e as informações fornecidas não serão suficientes para determinar uma boa conduta. Para atender estes casos, se o paciente não for ao consultório, o médico deverá orientá-lo a procurar outro serviço que o atenda presencialmente naquele momento ou complementará a anamnese pelo meio disponível, a seu critério, se já houver examinado o paciente recentemente. Neste último caso, por não realizar o ato médico completo, não poderá cobrar pelo atendimento¹.


 REDES SOCIAIS E O MÉDICO ENQUANTO CIDADÃO

O médico, como todo cidadão, tem o direito de se manifestar sobre as questões de interesse social, seja participando de uma marcha na rua, seja através de outro meio, como os grupos de mídias sociais. Em um jogo de futebol, numa praia, no trânsito e em todas as situações de seu cotidiano, também o cidadão médico tem o direito de livre expressão do pensamento, conforme o inciso IV do art. 5º de nossa Constituição Federal.

Contudo, quando sua manifestação nos grupos de relacionamento se refere a assuntos próprios da profissão médica, fica o questionamento: ele se manifestou como cidadão ou como médico? Nesse caso, o cidadão não é médico 24 horas por dia? E se ele se manifestou sobre possível erro de colega, não usou seus conhecimentos profissionais para fazê-lo?

Nessa última situação, se o fato é levado ao conhecimento do CRM, quer pelo médico que se sentiu ofendido com as colocações do colega, quer por qualquer outro meio, como não se trata de relação médico-paciente, aquele que postou o fato deverá fornecer ao sindicante do Conselho os elementos que comprovem suas afirmações. Se o fato é levado pelo ofendido à Justiça, com o fim de reparação por possível dano moral, por se tratar de relação entre iguais o ofensor também deverá ter elementos para comprovar sua acusação.


TELEMEDICINA NO EXTERIOR

A Telemedicina, nos mesmos moldes em que é praticada no Brasil (pares de médicos), também o é em diversos países, ocupando um espaço cada vez maior no atendimento sanitário. No continente europeu, onde as tecnologias de informação e as comunicações (TIC) são acessíveis nos mais distantes pontos do interior dos países, os novos projetos estão quase sempre relacionados com estas tecnologias, visando reduzir listas de espera, otimizar recursos e permitir ganhos de produtividade, além de melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças crônicas e reduzir hospitalizações.

A telemedicina, segundo definição da Comissão da Comunidade Europeia²:

É a prestação de serviços de cuidados de saúde, através da utilização das TIC, em situações em que o profissional de saúde e o paciente (ou dois profissionais de saúde) não estão no mesmo local. Ela envolve a transmissão segura de informações e dados médicos, por meio de texto, som, imagens ou outros formulários necessários para a prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes.

Essa definição deixa um caminho aberto para a tele-consulta, ao admitir a possibilidade de apenas um profissional de saúde no atendimento ao paciente, diferentemente do que ocorre no Brasil.

Essa mesma Comissão², em 2008, já registrava que os serviços em telemedicina: ...mais frequentemente referidos em avaliações pelos pares são telerradiologia, telepatologia, a teledermatologia, a tele-consulta, a telemonitorização, a telecirurgia e teleoftalmologia. Entre outros serviços potenciais incluem call centers / centros de informações on-line para os pacientes, visitas on-line de consulta remota ou videoconferências entre profissionais de saúde.

García e Sanz3, analisando a situação na Espanha e na Europa, consideram que o termo “telemedicina” tem um sentido mais global, sendo aplicado em todos os aspectos da medicina que envolvem tecnologia da informação. Ressaltam que, tanto na Espanha como nos demais países da comunidade europeia, a especialidade médica mais envolvida é a radiologia, seguida da dermatologia e das análises de laboratório.

Nos EUA, em vários Estados, diversos aplicativos facilitam o acesso ao médico, no próprio domicílio (“Heal”, “Pager”), com pagamento prévio por cartão de crédito, sendo a telemedicina bastante organizada e praticada também nos moldes de consulta médica à distância, tanto que a “American Telemedicine Association” estima que quase um milhão de pessoas se deveriam se consultar com um médico via “webcam” em 2015.

Vários serviços há, naquele país, para o atendimento por “webcam”, como o “Doctor On Demand”, o “Teladoc”, o “MDLive” e outros5.


TELEMEDICINA NO BRASIL

Certamente, muitos médicos em nosso país têm interesse em desenvolver o tipo de atendimento on-line nos moldes do praticado nos Estados Unidos, não o fazendo pelas limitações ético-profissionais (ou mesmo tecnológicas) vigentes.

Assim como os médicos, muitas empresas que exploram o atendimento à saúde, quiçá algumas cooperativas médicas também, gostariam de aderir a esse tipo de procedimento.

De modo geral, os termos Telemedicina e Telessaúde são amplamente utilizados como sinônimos para representar o uso de tecnologias de telecomunicação e de informação no atendimento de pacientes à distância e na análise de dados ou exames complementares por especialistas solicitados a opinar sobre determinado caso em outro ponto do país ou do mundo.

A justificativa de muitos para um maior uso da telemedicina no Brasil é que tornaria o acesso ao especialista e ao diagnóstico por imagem mais fácil nos lugares mais distantes do país, que é de dimensões continentais e de muita desigualdade na demografia médica. Há empresas operando no Brasil que oferecem serviços de diagnóstico por imagem à distância, como eletroencefalograma, ressonância magnética, tomografia computadorizada etc, sendo esses exames realizados nos locais onde estão os pacientes e as imagens enviadas à empresa para que um especialista emita o laudo respectivo.

Entretanto, há lugares, particularmente na Amazônia e no Centro Oeste que nunca viram a presença de um médico registrado nos CRM, brasileiro ou com diploma do exterior revalidado. As enormes distâncias, muitas vezes, inviabilizam o deslocamento do paciente ao posto de saúde mais próximo de sua localidade, geralmente precário, e, mais ainda, aos hospitais regionais de grande porte que poderiam atendê-lo.

Nessas regiões, há muitos lugares sem energia elétrica, portanto, sem condições de ter aparelhos para realizar os exames mínimos necessários, havendo outros que podem realizá-los, porém não têm conexão com a rede mundial de computadores nem, muitas vezes, linha telefônica, o que inviabiliza o uso da telemedicina e joga por terra a argumentação de que atingiria os lugares mais distantes e, assim, mais necessitados de seu uso.

1.  Conceituação:

O atendimento médico à distância pode ser analisado principalmente quanto a duas formas básicas: a telemedicina e a consulta médica online. A primeira já dispõe de regulamentação por parte do Conselho Federal de Medicina e a segunda ainda não é permitida, no Brasil, pela entidade médica.

O CFM define a telemedicina como “o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde."

Essa conceituação é fiel à definição da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1997), no que diz respeito à atuação do médico, não se referindo a “Telessaúde”, que pressupõe a participação de outros profissionais, visto que a OMS estabelece que:

Telemedicina/Telessaúde é oferta de serviços ligados aos cuidados com a saúde nos casos em que a distância é um fator crítico, ampliando a assistência e também a cobertura. Tais serviços são oferecidos por profissionais da área da saúde, usando tecnologias de informação e de comunicação para o intercâmbio de informações válidas para promoção, proteção, redução do risco da doença e outros agravos e recuperação. Além de possibilitar uma educação continuada em saúde de profissionais cuidadores e pessoas, assim como, facilitar pesquisas, avaliações e gestão de saúde. Sempre no interesse de melhorar o bem-estar e a saúde das pessoas e de suas comunidades.

No Brasil, dentre outras iniciativas do meio acadêmico, temos a da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), com o Setor de Telemedicina (SET) do Departamento de Informática em Saúde (DIS), para a disseminação, promoção e desenvolvimento de programas de assistência remota em saúde.

2. Normatização:

A Resolução CFM nº 1643/2002 define normas para a telemedicina e, nos seus argumentos, estabelece que:

As informações sobre o paciente identificado só podem ser transmitidas a outro profissional com prévia permissão do paciente, mediante seu consentimento livre e esclarecido e sob rígidas normas de segurança capazes de garantir a confidencialidade e integridade das informações.

Esta norma estabelece, também, a necessidade de infraestrutura técnica adequada e ressalta a necessidade de obedecer outras normatizações da entidade médica que dizem respeito à guarda, transmissão de dados e garantia do sigilo profissional.


CONSULTA MÉDICA À DISTÂNCIA

       1. Conceituação:

Caracteriza-se como o ato médico no qual de um lado está o médico e de outro está o paciente, ambos mantendo contato por meio de uma “webcam”, através de qualquer aplicativo ou programa digital, permitindo o acesso do profissional à história clínica do paciente, aos exames complementares que este porventura disponha e à avaliação do fácies, de alguma deformidade, mancha ou outra alteração cutânea, com as limitações do meio utilizado; estas limitações podem se dever à qualidade inadequada dos equipamentos, à pouca habilidade de utilização de tecnologia por uma ou ambas as partes, à inadequada velocidade de transmissão dos dados, à insuficiente capacidade de descrição dos sintomas por parte do usuário etc. Obviamente que itens do exame físico como ausculta, palpação e percussão não serão possíveis.

Diferentemente da telemedicina, portanto, neste tipo de atendimento o paciente não contaria com a presença de um médico assistente ao seu lado que o examinasse, não havendo intercâmbio profissional; o relacionamento seria exclusivo e direto com o médico à distância.

2. Normatização:

Não há Resolução do CFM, até o momento, regulamentando esse tipo de atendimento, devendo o médico cumprir a Resolução CFM nº 1958/2010 quando se tratar de consulta médica.

Há uma máxima na Medicina que diz que “a clínica é soberana”, significando que nada é mais importante que o exame físico do paciente para se chegar a uma impressão diagnóstica e, assim, quando necessário, solicitar os exames subsidiários que poderiam confirmá-la ou não. Sem o exame físico, mesmo um número excessivo de exames poderá não firmar o diagnóstico exato, gerando apenas custos desnecessários e resultados às vezes insatisfatórios, que poderão ocasionar desconforto maior ao paciente, ambos motivos suficientes para abalar a relação médico-paciente e suscitar reclamações cíveis ou éticas.

Além de sempre presencial, todo atendimento médico deve gerar registro em prontuário (ou ficha de atendimento), que deverá ficar sob a guarda do médico ou da instituição onde houve o atendimento (artigo 86 do CEM), sendo este documento de fundamental importância para comprovação de todas as providências tomadas pelo profissional. No ato à distância, o registro do atendimento em prontuário também poderá ser prejudicado e a confidencialidade dos dados dependerá da qualidade dos equipamentos e dos programas utilizados pelas partes envolvidas.

A conceituação de telemedicina feita pela OMS fala em “intercâmbio de informações válidas para promoção, proteção, redução do risco da doença e outros agravos e recuperação”, corroborando a interpretação de que a telemedicina envolverá a participação de dois médicos que farão esse intercâmbio de informações, não cabendo o uso do termo quando se tratar de atendimento por um médico à distância sem a participação do assistente ao lado do paciente.


PRONTUÁRIO MÉDICO

O art. 86 do CEM/09 determina o registro de todos os atendimentos em prontuário. Como enfatiza o CFM, na Resolução 1638/2002, ele é documento valioso para o paciente, para o médico que o assiste e para as instituições de saúde, bem como para o ensino, a pesquisa e os serviços públicos de saúde, além de instrumento de defesa legal.  

Quando o médico fornecer o prontuário para sua própria defesa na esfera judicial, deverá sempre solicitar que seja observado o sigilo profissional, conforme determina o parágrafo 2º do artigo 89 do CEM/2009. Quando for solicitado judicialmente, o prontuário deverá ser disponibilizado ao médico perito designado pelo juiz (parágrafo 1º, mesmo artigo).

O art 1º da Resolução supra referida define o prontuário médico (tanto na versão em papel quanto na eletrônica) como:

O documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.

De acordo com a legislação brasileira, documentos arquivados em papel somente poderão ser destruídos após a microfilmagem, o que é autorizado pela Lei nº 5.433/68 e pelo Decreto nº 1.799/96, que a regulamenta. O prontuário do paciente, em qualquer suporte (papel ou microfilme), deve ser preservado pelo prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro. O art 8º da Resolução CFM 1.821/2007 mantém esse prazo para documentos não digitalizados. Essa mesma Resolução aprova o “Manual de Certificação para Sistemas de Registro Eletrônico em Saúde” e estabelece regras quanto à digitalização e eliminação de prontuários em papel.


SIGILO PROFISSIONAL

Um aspecto dos mais importantes diz respeito à quebra do sigilo profissional (Resolução 1643/2002 do CFM), que poderia resultar em infração ao artigo 73 do CEM/09. Esta poderia ocorrer por diversos fatores inerentes aos equipamentos, por inadequado sistema de segurança de dados (quanto a invasão por programas maliciosos e/ou “crackers”) ou por divulgação não autorizada pelo paciente, seja no atendimento de telemedicina, seja por uma “webcam”, “e-mail”, “WhatsApp”, etc.

Particular cuidado quanto ao sigilo deve ser observado quando, no atendimento de uma celebridade ou de um caso de grande comoção pública, são emitidos boletins médicos ou dadas entrevistas coletivas à imprensa, sendo necessária a autorização prévia do paciente ou familiares e o relato objetivo de fatos de interesse, evitando emitir opiniões não embasadas em fatos científicos.

Em um artigo muito interessante, Carreiro alerta para alguns aspectos relativos ao sigilo, colocando, por exemplo, que uma foto obtida durante a internação, para fins de documentação médica, constante do prontuário do paciente, em primeiro lugar deveria ter a autorização do mesmo para fazê-la e, depois, deveria ser armazenada em programas com códigos de segurança que somente permitissem o acesso de pessoas autorizadas; alerta que sua cópia para computadores pessoais do médico ou qualquer outra mídia poderia representar apropriação indevida, se efetuada sem a necessária autorização do paciente. Ressalta o risco de compartilhamento acidental (ou mesmo intencional) quando essas imagens são gravadas em CD’s, pendrivers, laptops etc, sem esquecer a possibilidade de extravio ou furto de tais equipamentos, com a consequente quebra do sigilo.


RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

Em vista da crescente “judicialização da Medicina”, alguns médicos atualmente a exercem de maneira altamente defensiva, vendo no paciente ou seu representante/responsável alguém que a qualquer momento poderá se voltar contra ele. Essa pode ser a razão da solicitação de grande número de exames desnecessários para um determinado caso, do encaminhamento cada vez maior para especialistas, da elaboração de Termos de Consentimento Informado cada vez mais detalhados e de uma relação com o paciente onde é falado somente o estritamente necessário, procurando o profissional que assim age se resguardar de alegações de erro em sua conduta. Todavia, essa maneira de encarar o exercício profissional acaba por gerar maior descontentamento do paciente, que não se vê “abraçado” em sua doença pela aparente impessoalidade da relação.

O descontentamento do paciente, mesmo que não tenha havido falha técnica no procedimento realizado, é um dos principais fatores determinantes de denúncias nos Conselhos Regionais de Medicina e na esfera judicial. Esse conflito na relação médico-paciente pode ser devido a um erro médico (imperícia, imprudência ou negligência), a um mau resultado, a uma insatisfação com o resultado (mesmo que não haja erro) ou a fatores outros que culminam com a quebra do bom relacionamento pessoal.

O Código Civil em vigor, no artigo 927, diz que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Portanto, é direito inquestionável do paciente buscar a reparação pelo dano sofrido, na esfera cível, e a responsabilização do médico na ético-profissional. Entretanto, como veremos a seguir, a responsabilidade do médico sempre será atribuída através da constatação de culpa, como ocorre com os diversos profissionais liberais.

Fatos como a quebra do sigilo profissional poderão ocorrer por ato voluntário (dolo) ou involuntário (culpa) do médico ou do paciente ou, ainda, por inobservância das normas de segurança para documentos digitais, já antes citadas, e o médico sem a certificação digital (ICP-Brasil) poderá ser responsabilizado; se a quebra se deu por culpa comprovada do paciente, isto exclui a responsabilidade do profissional.


RESPONSABILIDADE CIVIL

A Medicina deve ser vista como atividade de meios, onde o médico buscará dentro do seu conhecimento científico a melhor solução para o problema apresentado pelo paciente, sem garantir este ou aquele resultado. Exceção é feita à cirurgia plástica estética, à anestesiologia, ao diagnóstico por imagem e à patologia clínica, onde se entende, como regra geral, que há um contrato de resultados.

Diante de um mau resultado ou de insatisfação do paciente com a conduta que considerou prejudicial de alguma forma, este tem o direito de pleitear reparação pelos danos sofridos, mesmo que puramente morais (direito de ação, garantido pelo art 5º, XXXV, da Constituição Federal, que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”).

A responsabilidade prevista no artigo 927 do Código Civil, que determina que aquele que causar dano a outrem, por ato ilícito, fica obrigado a repará-lo, remete-nos à apreciação dos artigos 186 e 187 do mesmo Código para que a configuremos como subjetiva ou objetiva, na dependência do agente considerado.

 Responsabilidade subjetiva:

Como ocorre com os profissionais liberais em geral, a responsabilidade civil do médico será sempre do tipo subjetiva, ou seja, há necessidade de demonstração de culpa (imprudência, negligência ou imperícia), do dano (prejuízo reprovável social e/ou legalmente) e da vinculação do nexo causal.

A responsabilidade subjetiva é prevista no artigo 186 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que diz que comete ato ilícito aquele que “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”.

O artigo 951 do mesmo Código estabelece que nos casos de demonstração de culpa do profissional, no exercício de sua atividade, por negligência, imprudência ou imperícia, vindo a “causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”, aplica-se o disposto nos artigos 948, 949 e 950 no caso de indenização devida.

O CDC (Lei nº 8.078/90) abraça também a responsabilidade subjetiva do médico quando determina, em seu artigo 14, que o fornecedor de serviços responda, independentemente da existência de culpa, por danos causados ao consumidor por defeitos na prestação dos serviços, ressalvando, entretanto, no parágrafo 4º, que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa”.

Ainda com relação ao CDC, a culpa do médico decorre de um defeito na prestação do serviço (§ 1º do art 14), devendo-se considerar algumas circunstâncias para caracterizá-la, como o modo da realização do serviço, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi prestado. No atendimento à distância, muitos são os riscos, conforme já comentado, porém sempre deverão ser observados os excludentes da responsabilidade subjetiva, tais como realizar o ato no estrito cumprimento do dever legal ou quando o dano é resultante de caso fortuito ou força maior ou de culpa exclusiva da vítima; também quando se trata de fato de terceiro ou de ausência de nexo causal.

 Responsabilidade objetiva:

Este tipo de responsabilidade, para sua caracterização, exige apenas a comprovação do dano sofrido pelo paciente e do nexo causal entre o dano e a atividade profissional questionada; portanto, se o atendimento (telemedicina ou consulta à distância) é feito dentro de uma instituição prestadora de serviços de saúde e ocorre o dano, esta será responsabilizada sem a necessidade de demonstração de culpa (art 187 do CC e art 14 do CDC), já que sua atividade, por sua natureza, implica em riscos para os direitos de outrem; mesmo assim, não haverá prejuízo da apuração da responsabilidade dos profissionais envolvidos.

Algumas situações específicas chamam a atenção nesse tipo de responsabilidade. Por exemplo, se o médico é empregado de um hospital ou atende em nome de um plano de saúde, essas instituições poderão ser responsáveis solidariamente. Basta a demonstração do dano e do nexo causal nesses casos, sendo ponto pacífico sua responsabilização. Porém, quando apenas o hospital ou plano de saúde é acionado judicialmente e é condenado, sem que o médico tenha sido chamado à lide, há o direito de ação de regresso em desfavor do médico, para que este também arque com a sua quota de participação em caso de indenização ao paciente.

A situação do médico de hospital público (como empregado ou conveniado) que tenha seus atos questionados ao exercer seu mister na instituição, levará esta a responder solidariamente, de acordo com o disposto no § 6º do art 37 da Constituição Federal e do art 43 do Código Civil em vigor, a menos que estejam presentes os excludentes de responsabilidade subjetiva do profissional.


RESPONSABILIDADE ÉTICA

1. Na Telemedicina:

Embora a responsabilidade profissional do atendimento caiba ao médico assistente do paciente, os demais envolvidos responderão solidariamente na proporção em que contribuírem por eventual dano ao mesmo. A atuação do médico que emite o laudo à distância, quanto a suporte diagnóstico e terapêutico, poderá se fazer em caso de emergência ou quando solicitado pelo médico assistente do paciente.

Assim, a telemedicina é modalidade de atendimento médico à distância praticada simultaneamente por dois ou mais profissionais médicos, não sendo cabível o caso clínico e, portanto, também os pontos a esclarecer, serem apresentados ao especialista distante por profissional não médico ou pelo paciente desacompanhado de seu assistente médico.

Mesmo não envolvendo a orientação terapêutica do paciente avaliado à distância, como acontece na realização de exames especializados, sempre haverá a necessidade de um médico que solicite o exame complementar e, com a devida autorização do paciente e os cuidados quanto ao sigilo profissional, envie os dados para análise e emissão do laudo do especialista que está no outro extremo. A Resolução atinente não aventa a possibilidade de um exame que envolva uso de contraste, sedação ou qualquer ato exclusivo de médico ser realizado por um profissional não médico e enviado ao especialista que o analisará; se assim ocorrer, não restará caracterizado o procedimento de telemedicina e caberá avaliação de possível infração ao artigo 2º do CEM, que veda ao médico “Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica”.

O atendimento à distância também é bem normatizado pelo CFM quanto à telerradiologia (Resolução 2107/2014), destacando-se que nesse tipo de procedimento são vedados os procedimentos intervencionistas em radiologia e diagnóstico por imagem e exames ultrassonográficos (art 6º). A responsabilidade profissional é atribuída aos participantes do ato do mesmo modo que na telemedicina e há a determinação de que as pessoas jurídicas que prestarem serviços em telerradiologia deverão ter sede em território brasileiro e estar inscritas no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.

No atendimento em telemedicina, os principais riscos do ponto de vista ético-profissional estão relacionados ao não cumprimento do parágrafo único do artigo 37 do CEM/2009, que determina observar a normatização do CFM a respeito de tal prática. A inobservância da Resolução CFM 1643/2002 resultaria, também, na infração de outras normas deontológicas da profissão médica.

Assim, quando o médico assistente ou o especialista à distância apresenta o caso clínico ou recebe os dados, respectivamente, utilizando outro profissional não médico para transmiti-los ou recebê-los, incorre em infração aos artigos 37 e 2º do CEM/09, além do artigo 5º, por assumir ato médico que não praticou.

Se não forem observados os cuidados necessários para a guarda de dados em meio eletrônico (ou outro) e fique comprovado que o médico foi o responsável pela quebra do sigilo profissional, caso ocorra, este será considerado infrator aos artigos 37 e 73 do CEM/09.

Como em todo atendimento médico, há obrigação de elaborar prontuário para o paciente, com registro de todos os dados pertinentes, de acordo com o determinado no artigo 86 do CEM/09.

2. Na Consulta à Distância:

Na teleconsulta muitos são os riscos do ponto de vista ético-profissional. Dentre eles temos os relacionados ao fato de o paciente não ser examinado pelo médico de modo presencial, colidindo frontalmente com o artigo 37 do CEM/09 que veda ao médico prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente.

Ao não realizar o exame direto do paciente, em caso de complicação ou insatisfação por parte do paciente, o profissional poderia ser punido por infração ao artigo 32 do CEM/09, por “deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente  reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”, já que o exame físico lhe permitiria conclusões mais adequadas do ponto de vista técnico e a tomada das medidas mais indicadas, inclusive com a solicitação de exames complementares, caso necessários, com indicação mais precisa. Nessa linha de raciocínio, outro risco seria o de infração ao artigo 5º do CEM/09, ao assumir responsabilidade por ato médico que não praticou.

Além do citado com respeito ao artigo 32 acima, neste tipo de atendimento, os principais riscos do ponto de vista ético profissional estão relacionados a algumas situações que possam caracterizar imprudência ou negligência, quando o médico determina condutas consideradas incorretas ou não toma atitudes corretas, por não ter efetuado o exame direto do paciente, causando dano ao mesmo e incorrendo em infração ao artigo 1º do CEM/09.

Se o atendimento não segue a normatização do CFM quanto a telemedicina, a consulta à distância constitui infração ao parágrafo único do artigo 37 do CEM/09. Infrações éticas também ocorrerão se houver quebra do sigilo por culpa comprovada do médico (artigo 73) ou se este não elaborar prontuário para cada paciente (artigo 86).

3. Assinatura digital:

Além do registro em prontuário, poderá haver a necessidade de preenchimento de outros documentos pertinentes ao ato, como guias de exame, prescrições ou laudos médicos do atendimento. Como não se trata de atendimento presencial, os documentos gerados somente teriam validade se assinados pelo médico assistente do paciente que participou do atendimento em telemedicina, ou, se obrigatoriamente tiverem que ser emitidos pelo especialista consultado à distância, este teria que assiná-los digitalmente ou enviá-los em meio físico.

Portanto, visando preservar a autenticidade e o sigilo das informações, passos importantes terão que ser tomados por quem pratica este tipo de teleatendimento. No Parecer nº 30/2014, o Conselho Federal de Medicina reconhece a documentação médica em formato eletrônico e com assinatura digital, desde que cumpridas as normas de validade conforme Infraestrutura de Chaves Públicas ICP-Brasil, o que está em consonância com a Resolução CFM 1.821/2007.

Quanto aos pedidos de exames complementares, caso se trate de paciente que possua plano de saúde este item também sofrerá prejuízo, uma vez que as operadoras de planos e as seguradoras de saúde não preveem assinatura digital para essa finalidade. As guias de Serviço Profissional / Serviço Auxiliar de Diagnóstico e Terapia (SP / SADT) não seriam preenchidas diretamente por quem solicita os exames; o usuário teria que ir à presença de outro médico, que poderia não concordar com o raciocínio do solicitante à distância, visto que teria oportunidade de examinar o paciente e orientar outra conduta, colocando em dúvida o atendimento “online” ou gerando atrito na relação médico-paciente com respeito ao que fez a consulta presencial.


RISCOS DA FALTA DE LEGISLAÇÃO

Não havendo legislação que proíba e seguindo o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a fazer algo (ou deixar de fazê-lo) a não ser por força de lei, não há ilegalidade no exercício pelo médico do atendimento à distância, qualquer que seja a sua forma (“nullum crimen, nula poena sine lege”). Entretanto, a lei nº 3.268/1957 confere ao CFM a competência de normatizar a atividade médica em território brasileiro, já o tendo feito com relação à telemedicina, inclusive determinando que as empresas que a pratiquem tenham sede e registros em nosso país.

A consulta à distância, onde apenas um médico e o paciente participam do procedimento, não tem regulamentação específica, entendendo-se, porém, que, do ponto de vista ético-profissional, não deva ser realizada por não haver exame direto do paciente.

Entretanto, o Brasil vive uma realidade onde milhares de médicos formados no exterior exercem a medicina em seu território sem validação de seus diplomas e sem registro nos Conselhos Regionais de Medicina dos Estados onde atuam, por força da Lei nº 12.871/13; como estes não estão sujeitos às normas e resoluções do CFM nem ao Código de Ética Médica em vigor no país, em tese poderiam também praticar consulta à distância sem risco de processo ético-profissional.

As diversas mídias e os aplicativos disponíveis para computadores e smartphones são de fácil acesso para as populações dos grandes centros urbanos brasileiros, onde impera a cultura da comodidade e do imediatismo e, para boa parte das pessoas, a consulta à distância, pagando com cartão de crédito, poderia parecer a solução para a maioria de seus problemas de saúde. Por isso, como se verificou com o aplicativo “Uber”, no ramo dos transportes, há sempre o risco da entrada no país de empresas de tele-consulta sediadas no exterior, com o atendimento feito por médicos não residentes no Brasil, falando em português, que, como os do programa “Mais Médicos” formados no exterior, por não serem inscritos nos CRMs, não seriam alcançados pelas Resoluções emanadas do Conselho Federal de Medicina, tampouco pelos Códigos Civil e Penal em vigor.

O melhor remédio, qualquer que seja a situação, sempre será aquele utilizado com uma boa dose de prudência tanto por aquele que o prescreve quanto por aquele que o recebe.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1- PARECER Consulta nº 12/2015-CRM-PA. Disponível em www.portalmedico.org.br Acessado em 01/11/2016

2-COMMISSIONE delle Comunitá Europee, Bruxelles, 4.11.2008. Disponível em http://notes9.senato.it.web;   www.medicinatelematica.it/   Acessado em 22/10/2015.

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5- https://getheal.com/; www.doctorondemand.com/; www.teladoc.com/ Acessado em 31/08/2015.

6 – RESOLUÇÃO CFM 1643/2002. Disponível em www.portalmedico.org.br  Acessado em 01/11/2016.

7 – CÓDIGO de Ética Médica/2009, art 37. Disponível em www.portalmedico.org.br  Acessado em 01/11/2016.

8- www.who.org  Acessado em 31/08/2015.

9- www.unifesp.br/dis/set   Acessado em 31/08/2015.

10 – PARECER CFM 30/2002. Disponível em  www.portalmedico.org.br  Acessado em 01/11/2016.

11- CARREIRO, Paulo R. L., in “A ética na era digital”, TCBC-MG1    EDITORIAL Rev. Col. Bras. Cir. 2014; 41(4): 234-235

12- FRANÇA, Genival V., in “Direito Médico”, 12ª ed., pg 306-307. RJ. Forense, 2014.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Manoel Walber. A responsabilidade civil e ética do médico no atendimento à distância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4919, 19 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54127. Acesso em: 26 abr. 2024.