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Julgamento da ADPF 109: a questão da constitucionalidade de leis municipais que proíbem o uso do amianto

Julgamento da ADPF 109: a questão da constitucionalidade de leis municipais que proíbem o uso do amianto

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Está em discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade de lei municipal que proíbe o uso de amianto na construção civil, em quaisquer de seus tipos e variedades.

1. Introdução

Está em discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal a possibilidade, em termos de constitucionalidade, de lei municipal proibir o uso de amianto na construção civil, em quaisquer de seus tipos e variedades (tanto amianto marrom ou azul - considerados mais nocivos - como o amianto branco - chamado de crisotila e apontado como menos nocivo).

Já houve, através de diversas leis estaduais e muncipais, tentativas de se proibir o uso do amianto no âmbito dos Estados e Municípios. Houve também o ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade visando atacar tais normas que restringem ou proibem o uso do amianto. em um primeiro momento, considerou-se inconstitucional lei estadual que proibia o uso do amianto, por se entender que legislar sobre esta matéria era competência exclusiva da União. Em um segundo momento, outra ação direta de inconstitucionalidade foi julgada parcialmente procedente.

Sobre a evolução destas discussões é que teceremos considerações técnicas e jurídicas sobre o uso do amianto na construção civil e os riscos que o uso do mesmo pode trazer à saúde humana.

2. O que é Amianto?

Segundo a Associação Brasileira dos Expostos a Amianto (2016), O amianto ou asbesto é uma fibra mineral natural sedosa que, por suas propriedades físico-químicas(alta resistência mecânica e às altas temperaturas, incombustibilidade, boa qualidade isolante, durabilidade, flexibilidade, indestrutibilidade, resistente ao ataque de ácidos, álcalis e bactérias, facilidade de ser tecida etc.), abundância na natureza e, principalmente, baixo custo tem sido largamente utilizado na indústria. É extraído fundamentalmente de rochas compostas de silicatos hidratados de magnésio, onde apenas de 5 a 10% se encontram em sua forma fibrosa de interesse comercial. 

Acerca dos riscos à saúde, causados pelo Amianto, esta mesma Associação Brasileira dos Expostos a Amianto (2016), explica que No Brasil, o amianto tem sido empregado em milhares de produtos, principalmente na indústria da construção civil(telhas, caixas d'água de cimento-amianto etc.) e em outros setores e produtos como guarnições de freio(lonas e pastilhas), juntas, gaxetas, revestimentos de discos de embreagem, tecidos, vestimentas especiais, pisos, tintas etc. O Canadá, segundo maior produtor mundial de amianto, é o maior exportador desta matéria-prima, mas consome muito pouco em seu território(menos de 3%). Para se ter uma idéia de ordem de grandeza e da gravidade da questão para os países pobres: um(a) cidadão(ã) americano(a) se expõe em média a 100g/ano, um(a) canadense a 500 g/ano e um(a) brasileiro(a), mais ou menos, a 1.200g/ano. Este quadro inicial nos indica uma diferença na produção e consumo do amianto entre os países do Norte e do Sul, em especial, o Brasil, explicada pelo fato de que o amianto é uma fibra comprovadamente cancerígena e que os cidadãos do Norte já não aceitam mais se expor a este risco conhecido. O amianto é um bom exemplo de como estes países transferem a produção a populações que desconhecem os efeitos nocivos deste produto, enquanto para eles buscam outras alternativas menos perigosas, recorrendo à política do duplo-padrão (double-standard): produção e comercialização de produtos proibidos nos países desenvolvidos e liberados para os países em desenvolvimento. Entre as doenças relacionadas ao amianto estão a asbestose (doença crônica pulmonar de origem ocupacional), cânceres de pulmão e do trato gastrointestinal e o mesotelioma, tumor maligno raro e de prognóstico sombrio, que pode atingir tanto a pleura como o peritônio, e tem um período de latência em torno de 30 anos.

Segundo noticia o e-cycle (2016), no Brasil, os estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro proibiram o uso e comercialização. Em Goiás se concentram grandes produtores com representação no congresso nacional. Eles alegam que o tipo de amianto brasileiro é o crisotila (branco) puro, que seria menos contaminante. Outro argumento é o de que o amianto traz “apenas” problemas ocupacionais (oriundos do trabalho) aos operários, como se esse argumento já não fosse suficiente para banir o material. No entanto, há um campo aberto para o debate, já que a quebra do amianto em uma situação doméstica ou um descarte incorreto no meio ambiente pode causar a inalação da “poeira assassina” por parte do consumidor.

Segundo se observa através das fontes referidas, o amianto é um material de grande periculosidade à saúde humana. Isso porque já está comprovado o seu efeito nocivo sobre o organismo humano, em especial através da associação entre a inalação do pó produzido pelo material e a ocorrência de diversos tipos de cânceres.

3. ADPF nº 109

A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 109, segundo consta em peça da Advocacia Geral da União, foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI em face da Lei nº 13.113, de 16 de março de 2001 do Município de São Paulo, e do Decreto regulamentar (Decreto Municipal nº 41.788, de 13 de março de 2002), que versam sobre a proibição do uso do amianto como matéria-prima na construção civil.

A fim de fundamentar a presente arguição, a CNTI sustenta que os atos normativos teriam sido editados sem a observância da competência legislativa previstas na Constituição, estando o Município de São Paulo a atuar Ultra Vires - no estabelecimento de normas gerais sobre produção e consumo, defesa do solo e dos recursos naturais e proteção à saúde (CF, art. 24, V, VI e XII). Afirma ainda que o fiel atendimento às regras constitucionais de competência revela importância fundamental para a manutenção e o equilíbrio do federalismo, sendo vedado aos entes federados o ingresso nas atribuições reservados a outros componentes da federação.

Vale esclarecer que a União, através da Lei nº 9.055/1995, editou normas gerais disciplinando "a extração, industrialização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais de qualquer origem, utilizados para o mesmo fim, dado o interesse nacional do tema. Logo, eventual lei municipal que busque tratar da matéria poderá fazê-lo sumpletivaemente.

Neste termos, e pelo teor da Lei Federal nº 9.055/1995, tanto restou proibido o manejo do amianto do grupo anfibólio (asbestos marrom e azul), como se permitiu, sob certas condições, o uso da variedade crisotila (asbesto branco).

No entanto, a lei municipal em questão, contradizendo as diretrizes gerais definidas pelo diploma federal entendeu as proibições à utilização do amianto - sem discriminar a espécie - no âmbito da construção civil, ao teor de seu artigo 1º "fica proibida na construção civil a utilização de materiais, elementos construtivos e equipamentos constituídos por amianto". Ou seja, a disposição de lei municipal sobre a matéria proibe qualquer tipo de substância que tenha como matéria-prima o amianto, mesmo na variedade crisotila.

A Advocacia Geral da União, em sua manifestação apontou que inúmeras iniciativas estaduais tentaram vedar o manejo da crisotila, mesmo com a permissão da Lei Federal nº 9.055/1995. No julgamento da ADI nº 2.396/MS o STF manifestou-se no sentido de que tal vedação extrapola os limites da competência legislativa suplementar dos Estados-membros, de forma a confrontar com legislação geral a cargo da União. Com maior razão, segundo afirma, lei municipal de idêntico conteúdo, deve ser declarada inconstitucional.

Vê-se que a discussão principal nese caso reside na questão da competência para legislar sobre a matéria (permissão de uso e comercialização do amianto), em que se aponta competência exclusiva da União. Discute-se ainda, no âmbito das competências, que os municípios, no uso da competência que tem para suplementar a legislação federal e estadual no que couber, não pode pode esvaziar autorização de lei federal para o uso do amianto branco (crisotila). Não se discute o fato de ser o amianto, inclusive o da variedade crisotila, prejudicial à saúde humana. Esta discussão, que ao nosso ver é o cerne da questão, ou seja, seu ponto nevrálgico, é colocado em segundo plano.

Aduz ainda a Advocacia Geral da União que se lei federal permite, sob determinada condição, a comercialização de certas espécies de amianto não há porque norma local, que deve limitar sua atribuição legislativa a suplementar leis estaduais e federais, nos assuntos de interesse local - estatuir regulamento diametralmente oposto. Por fim, o Advogado Geral da União manifestou-se no sentido de pedir a concessão da medida liminar postulada, de modo que se suspenda a eficácia da lei municipal º 13.113, de 16 de março de 2001 do Município de São Paulo e de seu regulamento (Decreto Municipal nº 41.788, de 13 de março de 2002), por afronta à competência legislativa da União, prevista no artigo 22, XII da Carta de 1988. Pediu ainda a declaração de inconstitucionalidade das mesmas normas.

A Procuradoria-Geral da República manifestou-se, em setembro de 2016, opinando pelo conhecimento e pela improcedência do pedido feito pela CNTI, de se declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.113, de 16 de março de 2001, do Município de São Paulo. Ressalte-se, no entanto, que a Procuradoria-Geral da República, em um primeiro momento, em parecer do então Procurador-Geral da República Antônio Fernando Barros e Silva de Souza manifestou-se pelo conhecimento da arguição e pela procedência do pedido liminar.

Vale frisar que o Ministro Ricardo Lewandowski indeferiu o pedido liminar. Mais tarde, o ministro Lewandowski teve que passar a relatoria do presente caso ao Ministro Edson Fachin, que hoje é o relator do presente processo.

A Procuradoria-Geral da República entendeu cabível a ADPF em questão por não haver outros meios processuais aptos a corrigir adequadamente a lesão a preceito fundamental à luz do princípio da subsidiariedade, previsto no artigo 4º, §1º da Lei Federal nº 9.882/1999. Em seu parecer a Procuradoria-Geral da República historiou os casos em que foi qeuestionada a constitucionalidade de leis que proibiram o uso do amianto:

  • Na ADI 2.396/MS, o STF decidiu pela inconstitucinalidade formal da Lei 2.210, de 08 de janeiro de 2001 do EStado do Mato Grosso do Sul, que determinava a prodição de fabricação, ingresso, comercializaçaõ e estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil;
  • Na ADI 3.937/SP, ajuizada contra Lei 12.684, de 26 de julho de 2007 do Estado de São Paulo, o STF revisou seu posicionamento e reconheceu a constitucionalidade formal da norma, fundado em que a proibição do uso do amianto possui respaldo na Convenção da 162 da OIT, incorporada pelo Decreto 126 de 22 de maio de 1991, em que a existência de lei federal autorizadora do uso do crisolita não afasta a possibilidade de legislação estadual mais rigorosa. 

Conforme recorda CARNEIRO (2016), na sessão do dia 23 de novembro de 2016, o ministro Fachin votou então contra a ADPF e as três ações (ADIs 3.356, 3.357 e 3.937), todas propostas pela CNTI). Ele defendeu a tese de que a Constituição de 1988 inovou a concepção do federalismo brasileiro, ao prever para os estados e municípios a “competência concorrente”, ou seja, “competências residuais, comuns e complementares”. Nesse sentido, Fachin deu ênfase ao inciso II do artigo 33 da Constituição, cujo enunciado é o seguinte: “Compete aos municípios (EC 53/2006) suplementar a legislação federal e a estadual no que lhe couber”. Ele tomou como paradigma do seu entendimento a lei municipal paulistana que, a seu ver, ao ampliar a proibição já constante da Lei 9.055/1995, mostrou que se a norma federal estabeleceu “normas gerais” para a utilização industrial dos diversos tipos de amiantos ela não afastou, “de forma clara”, a possibilidade de que os estados e municípios estabeleçam outras restrições. No caso, acrescentando o tipo de amianto (crisotila) que foi “tolerado” pela lei federal à lei municipal, os vereadores paulistanos fizeram “uma escolha política” no âmbito da construção civil na cidade de São Paulo.

 4. Considerações Finais

Tem-se, diante do exposto, que o amianto, em quaisquer de suas formas e variedades, é uma substância carcinogênica, ou seja, causa câncer e que só por esta razão deveria ser banido por completo do território nacional, já que a indústria que a opera tal substência não consegue provar, através de estudos científicos, que o produto não causa efeito nocivo à saúde das pessoas e ao meio ambiente.

Não se entende haver violações à competência da União para legislar sobre saúde e mineração, uma vez que os Municípios possuem competências, definidas no Texto Constitucional (art. 30, incisos I e II) para legislarem sobre assuntos de interesse local (como é o caso da saúde sua população, e a poluição em seus limites) e para suplementarem a legislação federal estadual e municipal no que couber. Suplementar a legislação não significa apenas complementar a que já existe, agravando proibições ou abrandando permissões. Suplementar a legislação federal ou estadual é receber de volta a discussão que fora tratada no âmbito federal ou estadual para que, atento à sua realidade e aos fatores locais, como saúde local ou poluição local, se possa autorizar ou não o uso de determinado produto, método ou substância, considerada nociva à saúde, como atestam numerosos estudos.

O STF dá mostras de que deve se posicionar de modo a não declarar a inconstitucionalidade de lei do Município de São Paulo que proíbe o uso da substância em seu território. Isso porque já mostrou que mudou o entendimento inicial de que os municípios não podiam legislar sobre a matéria, afastando a aplicação de lei federal que admitia o uso do amianto do tipo branco (ADI 2.396/MS) para o de que é possível sim aos municípios, no âmbito de sua competência comum, que aponta para o dever de todos os entes federativos zelar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 23 da CF/1988), em consonância com o artigo 30, incisos I e II e art. 225 da Constituição da República de 1988, uma vez que o amianto é comprovadamente uma substância nociva à saúde humana e ao meio ambiente, como bem destaca a Convenção 162 da OIT, incorporada ao Ordenamento Jurídico brasileiro pelo Decreto 126 de 22 de maio de 1991.


5. Referências Bibliográficas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS EXPOSTOS A AMIANTO. Amianto ou Asbesto. Disponível em: <http://www.abrea.com.br/02amianto.htm>. Acesso em 28 de novembro de 2016.

E-CYCLE. Amianto: os problemas do inimigo íntimo. Disponível em: <http://www.ecycle.com.br/component/content/article/35/471-amianto-os-problemas-do-inimigo-intimo.html>. Acesso em 28 de novembro de 2016.

CARNEIRO, Luiz Orlando. Proibição mais severa de amianto ganha mais um voto no STF. Disponível em: <http://jota.info/justica/proibicao-mais-severa-de-amianto-ganha-mais-um-voto-no-stf-23112016>. Acesso em 29 de novembro de 2016. 

STF. Pedido de vista suspende julgamento sobre leis que proíbem uso de amianto. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=330281


Autor

  • Carlos Sérgio Gurgel da Silva

    Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel da. Julgamento da ADPF 109: a questão da constitucionalidade de leis municipais que proíbem o uso do amianto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4899, 29 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54199. Acesso em: 28 mar. 2024.