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Parlamento do Mercosul e Parlamento Europeu: breve análise comparativa

Parlamento do Mercosul e Parlamento Europeu: breve análise comparativa

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Breve análise histórica, jurídico-política e legislativa entre os parlamentos da Europa e do Mercosul.

Sumário:1.  Breve introdução. 2. Parlasul – uma instituição incipiente. 3.  Composição, sede e reunião. 4. Competência. 5. Conclusão 


1.      Breve introdução

Tradicionalmente, os parlamentos são instituições nacionais precípuas para a consolidação da democracia interna, e com o avanço das relações internacionais e do direito internacional, com acordos, tratados, etc, passou-se a admitir possibilidade de existência de parlamentos regionais (internacionais) que atuem para aprofundar o multilateralismo e a democracia no âmbito dos blocos. Nesse contexto foi criado o Parlamento Europeu, e posteriormente o Parlamento do Mercosul. Este artigo visa comparar algumas características e funções de ambas as instituições.


2.      Parlasul – uma instituição incipiente     

O Parlamento do Mercosul, ou apenas Parlasul, foi efetivamente criado em 2007. É, em verdade, uma sucessão da Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), a qual tinha por função primordial representar os Estados membros no âmbito do Mercosul (cf. art. 22, do Protocolo de Ouro Preto).

Como se pode inferir, o Parlasul ainda não completou seu primeiro decênio, sendo uma instituição novíssima na constituição do bloco mais influente da América do Sul. Assim, trata-se de um parlamento ainda em consolidação geopolítica, tanto no âmbito das Relações Internacionais, como também do Direito Internacional. Portanto, o Parlasul deverá lutar pelo aumento de sua importância nas próximas décadas, assim como o Parlamento Europeu conseguiu abranger suas funções com o Tratado de Lisboa (2007).

Os principais documentos balizadores do Parlasul são o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul e o Regimento Interno do Parlamento do Mercosul (este aprovado pela disposição do Parlamento do Mercosul nº 6, e 6 de agosto de 2007).  Além disso, o Congresso Nacional regulamentou a representação brasileira no Parlasul em 2011[1].

Há críticas em relação à necessidade de se criar um parlamento multilateral de uma união aduaneira imperfeita e ainda em consolidação. Porém o entendimento político dominante na época da criação via a “integração regional não apenas como uma estratégia de política externa, mas como uma questão de identidade ou destino coletivo, e para a qual o parlamento era um instrumento central na sua consolidação e democratização[2]”. Inclusive, o preâmbulo do Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul explana o seguinte:

[...] a instalação do Parlamento do Mercosul, com uma adequada representação dos interesses dos cidadãos dos Estados-Partes, significará uma contribuição à qualidade e equilíbrio institucional do Mercosul, criando um espaço comum que reflita o pluralismo e as diversidades da região, e que contribua para a democracia, a participação, a representatividade, a transparência e a legitimidade social no desenvolvimento do processo de integração e de suas normas [...].[3]                                  

Diante do exposto, é provável que nas próximas décadas o Parlasul procure ampliar suas competências e consolidar sua influência, tanto no âmbito do Mercosul, como no âmbito latino-americano.

Dada a sintética introdução ao Parlamento do Mercosul, o restante do presente trabalho pretende traçar comparações com o Parlamento Europeu quanto à: Composição, Sede, Reunião e Competências.


3.      Composição, sede e reunião

Quanto à eleição de seus membros, ambos os Parlamentos supranacionais aqui analisados determinam o sufrágio universal, direto e secreto[4]. Infere-se que o Parlamento Europeu pretendia estabelecer um processo uniformizado para a eleição, porém não há acordo, tampouco unanimidade para tal; talvez o Parlasul, já antevendo tal dificuldade de se acordar um processo unificado, determinou que o mecanismo deve ser legislado por cada Estado-Membro, desde que cada um garanta a adequada representação dos gêneros, etnias, dentre outros. Praticamente tudo o que é citado sobre a composição e eleição fica à mercê da legislação e das políticas nacionais.

Vale ressaltar que o Protocolo Constitutivo do Parlasul (PCMP) prevê a Criação do Dia do Mercosul Cidadão, em que a eleição dos parlamentares de todos os países membros ocorrerá de forma simultânea e direta, tal previsão não existe no âmbito do Parlamento Europeu. O vislumbre que se tem dessa disposição é que a mesma busca um ideal ainda distante, tendo em vista que no Brasil os representantes do Parlasul são indicados dentre senadores e deputados federais, ou seja, não há eleição direta. Este é apenas um dos entraves que dificultam o estabelecimento do Dia do Mercosul Cidadão.

Quanto à repartição dos assentos entre os países, o Parlamento Europeu segue a regra da proporcionalidade à população de cada Estado-membro; há um número máximo de parlamentares (750), a composição máxima por país é de 96 (número atingido pela Alemanha), e o mínimo é de 06 representantes[5]. Já no Parlasul, o número cadeiras por país foi definido nas disposições transitórias do Protocolo Constitutivo, que dispunha: número igual de 18 (dezoito) cadeiras por Estado-parte, num primeiro período; a segunda etapa deveria adotar o critério da proporcionalidade populacional; a partir da terceira etapa o Brasil deveria contar com 74 representantes, porém houve um acordo[6] estabelecendo a proporcionalidade atenuada (Brasil conta com 37[7] e Argentina com 26, até que se realize eleições de fato diretas)[8].

Quanto à sede, o Parlasul teve mais êxito em simplificar e estabelecer apenas um local para todas as suas ações, Montevidéu, capital do Uruguai. Já no caso europeu, nota-se que foi preciso fracionar a sede em locais distintos, talvez frutos de acordos para dar mais importâncias a alguns países dentro da União Europeia: as reuniões ordinárias acontecem em Estrasburgo, França; as extraordinárias acontecem em Bruxelas, Bélgica; e o secretariado do parlamento estão instalados em Luxemburgo[9].

Quanto ao mandato, o TFUE estabelece cinco (05) anos para os representantes do Parlamento Europeu; no Parlasul os mandatos são de quatro (04) anos[10], período estabelecido para igualar com o mandato dos parlamentares nacionais da maioria dos países do Mercosul.

Quanto às reuniões, ambos os parlamentos preveem a realização de sessões ordinárias, uma por mês pelo menos. Em caráter extraordinário o Parlamento Europeu poderá se reunir por determinação de maioria de seus membros, ou por determinação do Conselho ou da Comissão; o Parlasul também se reunirá extraordinariamente, por convocação de seu presidente, por solicitação do Conselho do Mercado Comum, pela Mesa Diretora ou por requerimento de 25 % dos parlamentares[11].


4.      Competência

Neste quesito, percebe-se que há uma grande resistência por parte dos Estados Nacionais, pois os mesmos não abrem mão de suas competências legislativas, talvez por entenderem que são características inegociáveis de sua soberania; os parlamentos europeu e do Mercosul não possuem típicas funções legislativas. Pode-se observar “que geralmente os parlamentos regionais não dispõem, em sua gênese, dos poderes necessários para serem um vetor de demandas dos cidadãos. No caso europeu, a aquisição de competências se deu de forma gradual e intermitente [com o tratado de Lisboa, por exemplo]”[12].

A principal atribuição do Parlasul é emitir pareceres sobre projetos de normas do Mercosul que dependam de aprovação interna nos Estados-membros; há também a competência para propor estudos e projetos de normas, no âmbito do Mercosul, ao Conselho do Mercado Comum[13], porém percebe-se que o poder decisório em tais quesitos não está sob os auspícios do parlamento. Com relação ao orçamento, o Parlasul só elaborará e apreciará o seu próprio orçamento, não há previsão de competência para a elaboração da norma orçamentária do bloco Mercosul.

O Parlamento Europeu tem um rol de competências mais amplo e de maior importância; isso ocorre, pois, a União Europeia se encontra em um estágio avançado em relação ao Mercosul (que ainda é apenas uma união aduaneira), sendo mais complexa e com mais atribuições. Ademais, o parlamento da Europa é mais antigo, e consequentemente teve um tempo maior para buscar seu espaço regional. Primeiramente, o Parlamento Europeu tem uma importante função consultiva, pois, em vários momentos outros órgãos devem solicitar pareceres ao parlamento, sob risco de anulação do procedimento caso o rito não seja cumprido (os pareceres não têm poder vinculante). O PE deve exercer sua função legislativa juntamente com o Conselho[14], porém não possui o poder de iniciativa legislativa[15]. A despeito das funções citadas acima, certamente a principal função PE é a orçamentária. A União Europeia possui autonomia financeira e política, podendo atuar para atingir seus objetivos. O orçamento é integralmente financiado por recursos próprios, sem prejuízo de outras receitas.  Através disso, o PE deve participar do processo orçamentário juntamente com o Conselho e a Comissão.[16]


5.      Conclusão

O presente artigo buscou estabelecer algumas importantes diferenças, e também semelhanças entre os parlamentos representantes do Mercosul e da União Europeia. Pode-se extrair da análise que ambos se encontram em momentos e fases distintas, que necessariamente são consequências dos estágios em que se encontram seus blocos respectivos.

O Parlasul busca sua consolidação como órgão legislativo do Mercosul, ainda precisa de apoio dos Estados-membros para alcançar a eleição direta de seus membros (o Brasil por exemplo, ainda não aprovou internamente a eleição direta para representantes do Parlasul), portanto o parlamento precisa de apoio dos Congressos nacionais para poder funcionar como previsto em seu Protocolo Constitutivo e em seu Regimento Interno:

[...] não há um constrangimento real para que se cumpram os dispositivos do Protocolo Constitutivo ou para que se proceda ao diálogo interinstitucional. Tal carência de identificação entre a comunidade regional e o Parlamento é um dos entraves mais importantes para o desenvolvimento institucional.[17]

O Parlamento Europeu já está em um contexto mais consolidado da União Europeia, e mesmo tendo como primordial a função consultiva, conseguiu espaço no âmbito internacional com o Tratado de Lisboa[18], que permitiu o emendamento por parte do parlamento na discussão e aprovação do orçamento da União Europeia. Entretanto, ainda não há capacidade de iniciativa legislativa, ou capacidade de elaborar anteprojetos e projetos de norma (como o Parlasul, nesse quesito).

Em suma, os parlamentos regionais são tentativas de incluir a representação e participação da população nos processos decisórios. O estabelecimento de um papel realmente fundamental encontra resistência dentro dos próprios blocos e nas inciativas legislativas próprias dos Estados, que são vistas como atos de soberania. Tais são os desafios do Parlamento Europeu e do Parlasul nas próximas décadas.


Bibliografia

Legislação do Parlasul: Regimento interno do Parlamento do Mercosul, Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul e a Resolução do Congresso Nacional do Brasil nº 1 de 2011 = Legislación del Parlasur: Reglamento interno del Parlamento del Mercosur, Protocolo constitutivo del Parlamento del Mercosur y la Resolución del Congreso Nacional de Brasil nº de 2011 / Câmara dos Deputados. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015, 128 p.

MARIANO, Karina Pasquariello. A eleição parlamentar no Mercosul. Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 54, n. 2, p. 138-157, 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292011000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  22  jun.  2016.

MEDEIROS, Marcelo de Almeida; PAIVA, Maria Eduarda; LAMENHA, Marion. Legitimidade, representação e tomada de decisão: o Parlamento Europeu e o Parlasul em perspectiva comparada. Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 55, n. 1, p. 154-173, 2012. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292012000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  22  jun.  2016.

Versões consolidadas do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Disponível em < http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/pm/Tratados/Lisboa/tratados-TUE-TFUE-V-Lisboa.html#TFUE-PARTE-VI-TIT-I-CAP-1-SECCAO-1>. Acesso em 22 jun. 2016.


Notas

[1] Vide Resolução do Congresso Nacional nº1 de 2011, publicada no DOU em 07.06.2011.

[2] MARIANO, Karina Pasquariello. A eleição parlamentar no Mercosul. Rev. bras. polít. int., Brasília ,  v. 54, n. 2, p. 138-157, 2011 .  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292011000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  22  jun.  2016.

[3] Legislação do Parlasul: Regimento interno do Parlamento do Mercosul, Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul e a Resolução do Congresso Nacional do Brasil nº 1 de 2011 = Legislación del Parlasur: Reglamento interno del Parlamento del Mercosur, Protocolo constitutivo del Parlamento del Mercosur y la Resolución del Congreso Nacional de Brasil nº de 2011 / Câmara dos Deputados. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015, p. 48.

[4] Vide art. 6º, do PCPM, e art. 223 do TFUE.              

[5] Vide art. 14 do TFUE.

[6] Vide Decisão CMC nº 28/2010.

[7] Lista dos membros brasileiros no Parlasul disponível em < https://www.parlamentomercosur.org/parlasur/innovafront/parlamentarios.jsp?actualidad=actuales&pais=Brasil&nombre=&site=1&channel=parlasur&contentid=6983&rightid=7629>. Acesso 22.06.2016.

[8] Vide Nota Informativa nº 1966/2013, da Representação Brasileira no Parlsul. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-mistas/cpcms/eleicoes-parlasul-brasil/nota-informativa-nr.-1966>. Acesso 22.06.2016.

[9] Vide Protocolo nº 6, artigo único, do TFUE.

[10] Vide art. 14 do TFUE e art. 10 do PCPM.

[11] Vide art. 229 do TFUE e art. 107 do RIPM.

[12] MEDEIROS, Marcelo de Almeida; PAIVA, Maria Eduarda; LAMENHA, Marion. Legitimidade, representação e tomada de decisão: o Parlamento Europeu e o Parlasul em perspectiva comparada. Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 55, n. 1, p. 154-173, 2012. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292012000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  22  jun.  2016.

[13] Vide art. 4º do PCPM.

[14] Vide art. 14 do TUE.

[15] Vide art. 17 do TUE. A iniciativa legislativa ordinária é reservada à Comissão.

[16] Vide art. 314 do TFUE.

[17] MEDEIROS, Marcelo de Almeida; PAIVA, Maria Eduarda; LAMENHA, Marion. Legitimidade, representação e tomada de decisão: o Parlamento Europeu e o Parlasul em perspectiva comparada. Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 55, n. 1, p. 154-173, 2012. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292012000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  22  jun.  2016.

[18] Sobre o Tratado de Lisboa, vide < http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=OJ:C:2007:306:TOC>.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Denner Vargas. Parlamento do Mercosul e Parlamento Europeu: breve análise comparativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4929, 29 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54326. Acesso em: 29 mar. 2024.