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Voo chapecoense: o adeus trágico.

A responsabilidade civil das empresas de transporte aéreo

Voo chapecoense: o adeus trágico. A responsabilidade civil das empresas de transporte aéreo

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Possíveis consequências jurídicas do trágico voo da chapecoense que ceifou a vida de um time inteiro de extraordinários atletas. Uma situação que comoveu mais do que apenas uma cidade, comoveu o Mundo.

1. PRELIMINARMENTE: A JUSTA HOMENAGEM (GUERREIROS NÃO MORREM, VIVEM ETERNAMENTE EM NOSSOS CORAÇÕES)

Na madrugada do dia 29 de novembro de 2016 a história brasileira foi marcada por uma tragédia que há anos não acontecia. Um fatídico acidente aéreo marcou o fim de um sonho coletivo e extinguiu, impiedosamente, a vida de um time de futebol inteiro.

Neste momento, aproveito o ensejo para externar minhas mais sinceras condolências e meus pêsames a todos os familiares, não apenas dos jogadores, mas de todas as pessoas que estavam naquele trágico voo.

Referido evento mobilizou o mundo. Inúmeras demonstrações de solidariedade fizeram renascer a verdadeira humanidade que subjaz em todos nós. O mundo se mobilizou, o mundo se solidarizou com a cidade catarinense de Chapecó e com as pessoas chapecoenses.

Que esse espírito humano jamais morra.

É pensando nisso que posso dizer que o time de Chapecó é verdadeiramente campeão, pois não venceu apenas um campeonato, venceu a indiferença, venceu as barreiras culturais, geográficas, linguísticas e políticas do mundo e juntou a todos nós, mostrando quem verdadeiramente podemos ser: humanos.

Obrigado Associação Chapecoense de Futebol por mostrar que todos somos campeões, que os verdadeiros sonhos são imorredouros, eternos, e que os verdadeiros campeões são aqueles capazes de unir a todos em torno de um ideal.

Tenho absoluta certeza de que a Associação Chapecoense de Futebol renascerá, agora mais forte, mais atuante, mais viva, pois terá como alicerce a força, a alma e a honra de todos aqueles que agora estão do outro lado zelando pela Nação brasileira.

Minha homenagem singela, mas verdadeira, a todos. 


2. DA TRAGÉDIA. PRUDÊNCIA NO MOMENTO DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO

No dia em que os eventos fatídicos aconteceram, estava em uma barbearia aqui na cidade interiorana de Birigui, Estado de São Paulo.

Assim que os noticiários começaram a mostrar os acontecimentos, imediatamente, um cliente que esta em uma cadeira próxima à minha disse: a responsabilidade da empresa aérea é objetiva, terá que indenizar todas as vítimas.

Quando somos pegos de surpresa por eventos como esse, não se pode negar, nos envolvemos emocionalmente de tal forma que queremos apurar os culpados. Principalmente os culpados por terem ceifado tantas vidas e tantos sonhos de uma única vez. É mais do que compreensível, é humano.

A questão é que, naquele momento, antes das apurações periciais, era precipitado dizer quem e em que medida era responsável.

A famosa “caixa preta”, prova das provas nos acidentes aéreos, ainda não havia sido analisada.

Nesses momentos, não se pode negar, a precipitação e a comoção são inimigas da razão e do bom senso, podendo levar o intérprete a conclusões equivocadas.

Juridicamente, todos os profissionais do Direito são instruídos nos bancos das Universidades e, principalmente, da vida, a agir com cautela. Cada caso é um caso e cada caso possui uma solução específica.

Neste momento, em que trazemos a lume estas considerações, a “caixa preta” ainda não foi analisada. O que temos são reportagens e vários áudios dos diálogos do piloto da aeronave com a torre de comando do aeroporto em que deveria pousar. Passemos agora a algumas ponderações para que se possa entender quais as consequências jurídicas deste evento trágico, caso a “caixa preta” confirme que houve erro por parte da empresa proprietária do avião.


3. RESPONSABILIDADE OBJETIVA OU SUBJETIVA? É PRECISO PROVAR A CULPA?

Primeiramente, impede definir o que seja, do ponto de vista jurídico, a palavra “responsabilidade”. Consoante estudo que realizei e que culminou com a publicação de minha obra O Valor do Dano Moral – como chegar até ele, 3ª Edição, 2001, Editora JH Mizuno[1], podemos dizer que:

De forma muito singela e sem maiores complexidades “responsabilidade” é o instituto que liga alguém às consequências do ato que pratica.

Todo ato tem uma causa, ou melhor, algo ou alguém que o tenha praticado.

Todo ato produz um resultado, uma consequência, ou várias consequências. Estas consequências podem ter como alvo outras pessoas que não tenham participado da prática do ato. Estas consequências podem ser positivas ou negativas. Obviamente que, quando estamos diante de consequências de atos que foram praticados por outrem e que nos trazem resultados positivos, problema algum se oferece, pois, raramente alguém irá reclamar de consequências boas que venham a fazer parte de sua vida.

O grande problema é quando o resultado oriundo da conduta de outrem causa um resultado negativo, um prejuízo, ou simplesmente, um dano. (obra citada, p. 33)

Assim, a responsabilidade é o laço que une o comportamento de uma pessoa às consequências advindas desse comportamento. Quando as consequências são positivas, está-se diante de um irrelevante jurídico. No entanto, quando estes comportamentos geram danos, ai a ordem jurídica é conclamada a atuar.

Inquestionavelmente, o acidente que ceifou inúmeras vidas causou danos imensuráveis. Isso é fato. Danos que não podem ficar sem a devida reparação.

A questão dos danos é estudada e solucionada pela área do Direito Civil, denominada de Responsabilidade Civil, que pode ser assim entendida, litteris:

3.1. - Uma Visão da Responsabilidade Civil

Como já ressaltado alhures, o instituto da responsabilidade civil é aquele por meio do qual se liga uma conduta a alguém, e, portanto, todas as suas consequências. Inegavelmente, o conceito de responsabilidade está atrelado ao de liberdade.

Pode-se dizer que, no mundo moderno, agimos mais no sentido de evitar certas condutas do que, precisamente, no sentido de agir de forma livre e despreocupada.

A sociedade nos impõe limites e é, justamente, sobre estes que norteamos todo o nosso comportamento. Agimos sobre aquilo que Sigmund Freud chamou de Superego.

Em rápidas pinceladas, descrevo a estrutura psíquica proposta por Freud, que estaria dividida em três estamentos ou instâncias: o Id, o Ego e o Superego. O Id são nossos instintos primários, tais como a fome, o sexo, a instinto de autopreservação, que nos faz sermos violentos a ponto de matar o oponente quando nos sentimos ameaçados, dentre outros. O Ego seria nossa razão, nossa parte consciente. Nossa entrada para a civilidade. É com o Ego que pensamos, raciocinamos, aprendemos as lições da vida. Já no Superego, temos as regras de comportamento impostas pela sociedade; são os limites sociais, os margeamentos dentro dos quais temos que colocar nosso comportamento, pautando-o. E aqui o corpo da responsabilidade civil ganha forma. Agir, no mundo moderno, é fazê-lo de tal forma que possamos antever os resultados, evitando invadir a esfera de liberdade alheia.

Mas, o que é a liberdade? Creio que a liberdade seja a essência do próprio homem, é o que o mantém vivo, é o que lhe dá forças para continuar a viver cada dia de sua existência. É poder recomeçar a cada momento, é fazer tudo de novo e melhor. É ter a consciência de que tem o tempo que quiser para fazer aquilo que deva ser feito. É poder ver o mundo, mesmo depois de adulto, com olhos de criança, e se encantar com cada pequena surpresa que a vida e o mundo nos apresentam a cada instante. Ser livre é deixar os medos para trás. É dissipar as trevas, e clarear com as chamas da razão o universo que se descortina à nossa frente. Ser livre é ter amor pela própria existência.

Claro que a vida em sociedade obrigou o homem a traçar certos balizamentos que, de certa forma, reduziram o conceito de liberdade. Entretanto, sua essência sempre permanecerá.

Assim, creio que, agir de forma responsável, no mundo moderno, é agir controlando a própria liberdade, de tal forma que o comportamento não seja fator de lesão do direito alheio. Agir de forma responsável é agir de forma controlada. Inegavelmente, quando agimos sem pensar, sem limites, sem parâmetros, fazendo o que queremos a todo momento, acabamos esbarrando no direito alheio. E, se houver dano, urge que o mesmo seja reparado.

E, para se saber quem praticou a conduta lesiva, sempre uma frase, de cunho chamativo, se faz presente: “O que fizestes?”. Diante da narrativa da conduta, se poderá chegar, evidentemente, ao autor do fato lesivo. Estabelece-se o nexo causal, que será analisado adiante, entre a conduta e o resultado. Traça-se uma linha que liga a extremidade da conduta perpetrada, com a outra ponta, que é o resultado. É obvio que, num momento posterior irá se indagar sobre a culpa do agente, mas isso é um momento posterior ao descobrimento da autoria.

Creio que esta primeira indagação sobre a responsabilidade esteja escrita no grande livro de registro da história da humanidade, a Bíblia. O episódio, que pode ser considerado o primeiro crime da humanidade, quando Caim matou seu irmão Abel, em razão do ciúme e da inveja, marca também o nascimento da responsabilidade. Assim está escrito em Gênesis 4; 9:11, nestes termos: “Iahweh disse a Caim: “Onde está teu irmão Abel?” Ele respondeu: “Não sei. Acaso sou guarda de meu irmão?”. Iahweh disse: “Que fizeste! Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar para mim!”. (grifos nossos)

Desta forma, estava estabelecida a responsabilidade. Foi perguntado quem era o autor de tal crime, houve o estabelecimento do nexo entre a conduta de Caim e o resultado lesivo, a morte de Abel, e, portanto, foi possível a localização do responsável pelo ato fatal.

Para que a responsabilidade civil se faça presente, alguns requisitos, ou melhor, pressupostos, devem estar presentes, conforme serão analisados nas páginas seguintes com maior riqueza de detalhes, que são: dano; ação ou omissão do agente; nexo de causalidade e culpa do agente. (Delgado, 2001:38-40)

Podemos dizer que a Responsabilidade Civil é a ciência jurídica das reparações de danos.

Para que o dever de indenizar surja é necessário quatro elementos: ação ou omissão do agente; nexo de causalidade, ou seja, elo entre comportamento e dano; dano, que é um prejuízo de ordem moral ou material; e culpa, ou seja, elemento intencional do agente, isto é, se agiu com dolo (intenção de prejudicar – dolo direto; ou assumiu o risco do evento danoso – dolo eventual ou indireto) ou culpa, esta entendida como negligência, imprudência ou imperícia.

A regra adotada pelo Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916 – Código Clóvis Beviláqua) e reprisada no de 2002 (Lei 10.406/2002 – Código Reale, em homenagem ao grande jurista Miguel Reale) é a da Responsabilidade civil subjetiva, ou seja, uma pessoa apenas pode ser condenada a indenizar outra pelo dano experimentado por esta se agiu dolosa ou culposamente. Ausente a culpa (dolo, negligência, imprudência ou imperícia), ausente o dever de indenizar.

No entanto, em razão do desenvolvimento tecnológico e da complexidade atual das relações sociais, algumas situações tiveram que ser tratadas de forma excepcional, ou seja, diferentemente da regra.

As exceções, que devem vir expressas na legislação de regência, consagraram a Responsabilidade civil objetiva.

Transcrevo, abaixo, a diferenciação entre a Teoria Subjetiva e a Teoria Objetiva da Responsabilidade civil. O texto, que está entre aspas, é do original do meu livro O Valor do Dano Moral – como chegar até ele, acima citado, páginas 73 a 85, litteris:

“Dentro do cenário da responsabilidade civil, uma grande questão se abre: aquestão atinente à Teoria Objetiva e à Teoria Subjetiva para a caracterização do dever de indenizar, como o último requisito a ser analisado para a verificação de tal dever, pois tais teorias tangem à questão da necessidade ou da desnecessidade da presença do elemento culpa para a composição da obrigação de reparar ou ressarcir. Relembre-se que, para que surja o dever de indenizar, devem se fazer presentes os seguintes elementos: a ação ou omissão do agente, o dano, onexo de causalidade ou nexo causal entre um e outro, e, finalmente, a culpa, esta entendida como o elemento subjetivo desta tetradimensionalidade, e que se caracteriza pela culpa em sentido estrito (stricto sensu), ou seja, o dolo, que se traduz na vontade livre e consciente de causar um prejuízo a outrem, por meio da lesão de um determinado bem jurídico pertencente a outrem, e a culpa em sentido amplo (lato sensu), ou seja, os comportamentos praticados com negligência, imprudência e imperícia, comportamentos que, mesmo não tendo o agente pretendido o resultado lesivo, deixou, consoante já explanado acima, de observar certos regramentos aprioristicamente traçados.”

“Pela Teoria Objetiva não se leva em consideração o elemento intencional do agente causador do dano. Não se perquire se o agente, ao agir, teve ou não intuito de causar um dano a outrem, ou se agiu, pelo menos, culposamente. Se estiverem presentes, a ação ou omissão do agente, o nexo de causalidade e o dano, haverá os elementos configuradores do dever de reparar. Assim, pelaTeoria Objetiva,a responsabilidade civil pode ser vista dentro de uma tridimensionalidade, pois, para a caracterização do dever de indenizar, basta a presença de três elementos, ou seja, a ação ou omissão do agente causador do dano, o dano e o nexo de causalidade. Estando presentes estes três requisitos, surge o dever de reparar o dano causado.”

“Já, através da Teoria Subjetiva, perquire-se sobre o elemento subjetivo. Indaga-se se o agente causador do dano tinha a intenção de causar dano, ou se tinha condições de prever a possibilidade de que o evento danoso se produzisse. Na Teoria Subjetiva o elemento culpa assume o epicentro da controvérsia. Culpa aqui, entendida em seu aspecto amplo, abrangendo tanto o dolo, intenção de provocar o resultado, quanto a culpa stricto senso, ou seja, a negligência, a imprudência e a imperícia, conforme já discorremos neste trabalho.”

“Nosso Código Civil de 1916, em seu art. 159, abraçou a teoria subjetiva da ação, que diz que, para que surja o dever de reparar o dano, necessário se faz a conjugação de todos os elementos da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão do agente, dano, nexo de causalidade e culpa. O Código Civil de 2002, Lei n.o 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em seu Art. 186, reprisou a regra do Art. 159, do CC/16, acrescentando a expressão “ainda que exclusivamente moral” e, abraçou, novamente, aTeoria Subjetivapara a caracterização do dever de indenizar. Este o enunciado do Art. 186 do CC/02: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Assim, no que diz respeito ao elemento subjetivo, para que o agente seja condenado a reparar o dano, deve ter agido, pelo menos, culposamente, ou seja, de forma imprudente, negligente ou com imperícia. Essa a regra dentro da esfera da Responsabilidade Civil.”

“A Teoria Objetiva, por sua vez, vem se respaldando na Teoria do Risco. Assim, para que uma pessoa seja obrigada a reparar um dano que tenha causado a outrem, deve ter criado condições que favoreceram a ocorrência do mesmo. Isso se verifica, principalmente, nas várias atividades industriais que o homem desenvolve. Uma empresa que explore energia nuclear cria condições para que haja um acidente desta natureza. Uma empresa que se dedica à exploração e extração de petróleo cria condições para que ocorra um acidente ecológico de grandes proporções, assim como já ocorreu. Nos dois casos citados, se há um vazamento de material radioativo, contaminando pessoas, animais, plantas, causando mortes, ou doenças mutagênicas, como câncer, ou ainda, se há um vazamento de petróleo, contaminando extensas áreas marítimas, ocasionando a morte da fauna e da flora locais, as empresas deverão ser responsabilizadas, independentemente da perquirição sobre sua atuação com culpa ou não, pois, foram elas que criaram o risco para que esses eventos ocorressem. E se houver dano às pessoas, deverão reparar, além dos prejuízos para com o hiperpatrimônio da humanidade, o meio ambiente, também as pessoas lesadas, individualmente.”

“Nosso ordenamento jurídico é signatário da teoria subjetiva, no entanto, é inegável que o mundo moderno com toda sua complexidade, por meio do capitalismo selvagem que se impõe a todos nós, da mentalidade que busca apenas o lucro, apenas o material em detrimento do humano, vem impondo a necessidade de, em muitos casos, se adotar a teoria objetiva. Inspirado por esta realidade, o legislador do Código Civil de 2002, assim fez constar no parágrafo único, do Art. 927, in verbis:”

“Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. 

“Como se percebe, a realidade impõe certas alterações no ordenamento jurídico, objetivando sua atualização para o mais amplo atendimento das necessidades e dos anseios da sociedade. No caso da Responsabilidade Civil, momento houve, em relação a determinadas atividades desenvolvidas pelo homem, em que a Teoria Subjetivanão mais foi capaz de solucionar certos conflitos ocorridos na realidade fenomenológica, sendo necessária a criação de um mecanismo jurídico capaz de dar as respostas que estavam faltando, daí o surgimento daTeoria Objetiva.” 

“Não foi por outra razão que a CEJ da CJF, em sua Jornada de Direito Civil, realizada entre 11 a 15.9.2002, aprovou o seguinte enunciado:”

“Enunciado Art. 927: a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.

“O CC/16 não fazia a previsão da responsabilidade sem culpa, é dizer, da responsabilidade objetiva com respaldo na Teoria do Risco. Assim, este dispositivo legal, qual seja, o parágrafo único, do art. 927, do CC/02 não apresentava correspondente no CC/16.”

“Consoante já dito em outro momento, o fundamento da Responsabilidade Civil, que deságua no dever de reparar um dano indevidamente causado a outrem, tem por regra a Responsabilidade Civil Subjetiva,é dizer, tem seu fundamento naTeoria Subjetivaque, como dito, exige o elemento intencional para a caracterização do dever de indenizar.” 

“Portanto, dentro da Responsabilidade Civil o ilícito gera um dano que, por sua vez, origina o dever de reparar este dano causado. A professora Thelma Araújo Esteves Fraga, uma das autoras do “Código civil comentado”, 2a Edição, Editora Freitas Bastos, 2004, pág. 619, ao comentar o art. 927, do CC/02, assim faz constar: “Pode-se afirmar, em linhas gerais, que se considera ato ilícito toda a manifestação de vontade contrária à ordem jurídica, por isso dizer-se ser o ilícito a contrariedade entre a conduta e a norma jurídica.”

“Impera no ordenamento jurídico o princípio do “neminemlaedere”, ou seja,a ninguém ofender.Em havendo a ofensa surge a obrigação de reparar o dano causador (injustamente) a outrem. Não causar dano a outrem é um dever jurídico e não um mero conselho ou recomendação do ordenamento jurídico. A Dr.a Thelma Araújo Esteves Fraga, na obra citada, pág. 620, citando posicionamento do Professor Sérgio Cavalieri Filho, assim deixa consignado acerca do dever jurídico, “ipsis literis:”

“A conduta externa de uma pessoa imposta pelo direito positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de verdadeira ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos”.

“Descumprido o dever jurídico legal e socialmente imposto, surge para o lesionador um dever, o dever de reparar que nada mais plasma do que uma obrigação, legalmente reconhecida em favor do lesado e legalmente imposta em desfavor do lesionador.”

“O ato ilícito, assim, é fonte de obrigação. A obrigação, dentro da visão jurídica, é o liame que liga duas ou mais pessoas e em decorrência do qual, umas estão obrigadas para com as outras. No caso do ato ilícito, o lesionador está obrigado para com o lesado e referida obrigação se plasma no dever que o lesionador tem de reparar o dano que causou ao lesado.”

“Estas as palavras da Professora Thelma Araújo Esteves Fraga, na obra já citada, pág. 620, que assim faz constar:”

“Neste diapasão pode-se dizer que a imposição de deveres jurídicos resulta em criação de obrigações que uma vez descumpridas, têm por conseqüência a configuração do ilícito.

A prática do ilícito está vinculada ao conceito de dano, que seria a lesão ao bem jurídico apreciável economicamente, com reflexos patrimoniais.

Uma vez ocorrido o dano – lesão – nasce o dever jurídico de reparação, denominado dever jurídico sucessivo.

Por isso menciona o professor Cavalieri à luz da doutrina que “A obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo”, já que nasce da violação do primeiro.

Como dispõe o artigo 927, caput, do novo Código Civil o ato ilícito é fonte de obrigação, pois gera o dever de reparar o prejuízo. Tal norma disciplina a responsabilidade subjetiva, denominada extracontratual e nasce com a conduta que contraria o direito, ou seja, violação do dever genérica de conduta. As regras insertas nos arts. 186 e 187 nos remetem às condutas que caracterizam o ilícito, quais sejam, ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência, imperícia e a conduta abusiva do titular de um direito que o exerça excedendo os limites impostos pelo fim econômico ou social, boa-fé ou pelos bons costumes.

Tal responsabilidade também é chamada de legal ou aquiliana, em virtude da Lex Aquília de Damno (século III a.C.), do direito romano. Seus pressupostos são:

1) ação ou omissão = conduta considerada lesiva;

2) o elemento culpa lato sensu (que abrange o dolo ou a culpa em sentido estrito).” 

“Portanto, o ato ilícito é fonte de obrigação e referida obrigação se plasma no dever de indenizar o lesado. Fica registrado, mais uma vez, ser a regra do dever de indenizar a Teoria Subjetiva,isto é, o agente, ao agir, deve ter atuado com dolo, ou pelo menos, com culpa em sentido estrito, é dizer, com imprudência, negligência ou imperícia.” 

“Fugindo à regra e inovando o sistema de Responsabilidade Civil do ordenamento jurídico brasileiro, colocando-o em igualdade com as modernas legislações dos demais países, o novo Código Civil, consoante já dito acima, trouxe, no parágrafo único, do art. 927, a exceção à regra, ou seja, a Responsabilidade Civil Objetiva, que faz nascer o dever de reparar o dano causado a outrem, independentemente, de culpa. Basta a conduta (omissiva ou comissiva), o dano e o nexo de causalidade (ou nexo causal) para que surja a obrigação legal de reparar o dano.” 

“Mais uma vez, transcrevemos o parágrafo único, do art. 927, do CC/02 para proceder a uma análise acurada do mesmo. Reza o precitado dispositivo, “in verbis”:” 

“Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano (1), independentemente de culpa (2), nos casos especificados em lei (3), ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor (4) do dano implicar, por sua natureza (5), risco para os direitos de outrem (6)”. (grifos nossos)” 

“Passemos, neste momento, para uma análise detalhada deste importante dispositivo legal, que incursionou no ordenamento jurídico brasileiro por conta da novíssima legislação civil.”

“Façamos, neste momento, uma dissecação do dispositivo acima descrito.”

“Primeiramente, o dispositivo diz que (1)“Haverá obrigação de reparar o dano”. Há um comando cogente nesta primeira parte do dispositivo, pois o mesmo diz que “Haverá” e não que “poderá” haver. Portanto, fazendo-se presente, no caso concreto, os demais complementos normativos descritos pelo dispositivo, o dever de indenizar se fará presente para o lesionador.”

“Neste caso do parágrafo único, do art. 927, do CC/02, quais os elementos necessários para a caracterização do dever de indenizar? Surge aqui, com a resposta à indagação sugerida, a inovação do sistema brasileiro de Responsabilidade Civil, pois, para a caracterização do dever de reparar o dano causado serão necessários os seguintes elementos: a) ação ou omissão do agente causador do dano; b) o dano propriamente dito; c) e o nexo de causalidade, ou nexo causal, é dizer, o liame que une as duas pontas do desdobramento fático-fenomenológico ensejador do dano. Mas, e quanto ao quarto elemento, ou seja, o elemento subjetivo, que é a culpa? Este se torna despiciendo, pois o próprio dispositivo diz que “Haverá o dever de reparar o dano”“independentemente de culpa”(2).” 

“Mas, se a Responsabilidade Civil Subjetiva é a regra, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, em que casos este dever de reparar o dano,independentemente de culpa,se fará presente?” 

“Esta resposta é dada pelo próprio ordenamento jurídico em vigor que, por meio do aludido dispositivo legal diz que “Haverá o dever de reparar o dano, independentemente de culpa” tanto “nos casos especificados em lei”(3), quanto nos em que “a atividade normalmente desenvolvida pelo autor(4) do dano implicar, por sua natureza (5), risco para os direitos de outrem (6)”.” 

“Assim, pelo novo regramento inserto na legislação privada, a Responsabilidade Civil Objetiva se fará presente nos casos especificados em lei, bem como naquelas situações em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do evento danoso implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Fica evidenciado, ademais, que a atual configuração legislativa da Responsabilidade Civil adotou aTeoria do Riscocomo fundamento para a caracterização daResponsabilidade Civil Objetiva,que se configura independentementedo elementoCulpa.” 

“Essa inserção, no ordenamento jurídico brasileiro, de uma regra de exceção, não faz desaparecer a primazia do regramento principal, qual seja, o da Responsabilidade Civil Subjetiva.”

“Neste sentido, aliás, estas as palavras da professora Thelma Araújo Esteves Fraga, opus citatum, pág. 621, que assim deixa registrada suas lições:” 

“Todavia, cumpre a ressalva que a regra geral ainda é a da responsabilidade subjetiva, ou seja, a que exige o elemento culpa por parte do causador do dano e que a responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente poderá ser aplicada quando existir lei expressa que a autorize ou quando o juiz ao examinar o caso concreto, levando em conta a regra do parágrafo único do artigo 927, verificar ser o fato passível de aplicação da teoria do risco.” 

“Pelo novel dispositivo, verifica-se que, no concernente à responsabilidade objetiva, ou seja, a responsabilidade que se caracteriza independentemente de culpa (responsabilidade sem culpa), o juiz civil ganhou um novo poder, discricionário é bem verdade (jamais arbitrário) para análise do caso concreto e estabelecimento da responsabilidade objetiva. Isso porque o parágrafo único do art. 927 do novo Diploma Civil, trouxe uma“cláusula aberta”, ou seja, uma margem de liberdade para análise do caso concreto.”

“Além das hipóteses legais, ou seja, situações expressamente previstas em lei para a imposição do dever legal de reparar do dano, independentemente de culpa, tal possibilidade também se fará presente “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.” 

“Qual a razão que nos leva a defender a posição de que a segunda parte do dispositivo traz uma “cláusula aberta”,no que tange à Responsabilidade Civil Sem Culpa? Simples: o dispositivo não traz um rol de quais atividades são consideradas, por sua natureza, como ensejadoras de riscos para os direitos de outrem. Logo, faculta ao julgador, por meio do bom senso jurídico, da razoabilidade e da proporcionalidade, analisar as atividades desenvolvidas pelo homem e considerá-las como ensejadoras, por sua natureza, da possibilidade de virem a causar danos a outrem. Se o dispositivo em comento trouxesse um rol taxativo de atividades que, por sua natureza, implicassem riscos para os direitos de outrem, referida discricionariedade restaria ausente. O que não ocorre.”

“O dispositivo, igualmente, não traz critérios fixos para a análise do caso concreto e estabelecimento do dever de indenizar o dano causado, independentemente de culpa. Essa análise terá que ser feita pelo juiz quando proceder ao estudo do caso concreto que lhe for submetido.”

“Neste sentido, estas as palavras da professora Thelma Araújo Esteves Fraga, nestes termos: “Por esse dispositivo – p.u. do art. 927, o juiz ao analisar o caso concreto poderá definir como objetiva a responsabilidade do causador do dano, funcionando como uma cláusula aberta, o que importa dizer que tal norma permitirá à luz da hipótese fática a criação do conceito de atividade de risco” (ob. cit., pág. 621).” 

“A atividade ensejadora do dever de indenizar, independentemente de culpa, em o dano se verificando, deve ser aquela que “costumeiramente” implica em risco para os direitos de outrem. Daí a necessidade do bom senso jurídico do julgador, bem como da utilização dos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade.”

“Neste sentido, a professora Thelma Araújo Esteves Fraga, faz a seguinte constatação, “in verbis”:”

“Valendo aqui a transcrição do ensinamento do professor Silvio de Salvo Venosa, para quem “O juiz deve avaliar, no caso concreto, a atividade costumeira do ofensor e não uma atividade esporádica ou eventual, qual seja, aquela que, por um momento ou por uma circunstância possa ser considerada um ato de risco. Não sendo levado em conta esse aspecto, poder-se-á transformar em regra o que o legislador colocou como exceção”. (ob. cit., pág. 621)”

“Evidente que a decisão do magistrado que considera uma determinada atividade, por sua natureza, como de risco e, portanto, apta a causar danos aos direitos de outrem, deverá ser fundamentada, o que é uma exigência constitucional (inciso IX, do art. 93, da CF/88). A ausência de fundamentação torna nula a decisão, podendo, com este fundamento, ser atacada.”

“A parte em desfavor da qual referida decisão é prolatada, ou seja, a parte demandada no processo indenizatório pode, consoante permissivo do Código de Processo Civil, a nosso ver, exigir a devida perícia técnico-científica para a constatação da probabilidade de riscos para outrem, que sua atividade possa ocasionar. Isso está a dizer que, a parte demandada, com base na Teoria Objetiva, por entender o lesado que sua atividade, costumeiramente desenvolvida, por sua natureza, implica riscos para os direitos de outrem, e que, em razão destes riscos veio a sofrer o dano que alegou em sua petição inicial, tem o direito de requerer, em sua defesa, a realização de perícia técnico-científica para a constatação de referidos riscos. Isso, como decorrência dos direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Tal direito, igualmente, assiste ao lesado, como decorrência do princípio da isonomia. Ademais, o próprio juiz, dentro das prerrogativas processuais em vigor, pode determinar a realização da perícia técnico-científica, objetivando dar fundamentação mais sólida à sua decisão.”

“A questão e importância da separação entre Teoria Objetiva e Subjetiva concerne a uma das questões mais importantes e basilares do Direito: a prova. Sabemos que tudo o que é alegado pelas partes num processo deve ser cabalmente provado, caso contrário têm-se por inverídicas as informações e alegações. Provar é o ato de demonstrar algo, por meio de palavras, escritos, documentos e demais meios permitidos em direito.”

“Quando se está diante da Teoria Subjetiva da responsabilidade civil e, portanto, da perquirição sobre a culpa, esta deve ser provada. Nas situações em que a lei exige a presença do elemento culpa para que possa surgir o dever de reparar, a parte que alegar o dano deverá provar que a parte contrária atuou culposamente. E repise-se mais uma vez, aqui culpa tange ao dolo ou à atuação imprudente, negligente ou com imperícia.”

“De um lado, diametralmente oposto, nas situações em que a lei abraça a Teoria Objetiva da responsabilidade civil, a pessoa que alega um dano, não necessitará demonstrar, ou melhor, provar a culpa do agente, pois esta não é exigida. Basta constatar que o agente criou o risco para que o dano se produzisse, para que configurado fique o dever do agente reparar o dano. No caso citado, da usina nuclear, se houver um vazamento de substância radioativa causando sérios danos aos habitantes de uma determinada região, bastará que demonstrem que houve um dano para que a usina seja condenada a indenizar os danos causados, porque a usina, ao se instalar em determinada região, cria o risco do acidente. Se se tratar de usina nuclear que pertence ao Estado, este deverá ser condenado a indenizar os danos que o eventual vazamento de produtos radioativosvier a causar.”

“Desta forma, a Teoria Objetiva é uma necessidade que se impõe, em decorrência da própria realidade que nos cerca. Evidentemente que o elemento subjetivo é indissociável do ser humano, enquanto ser dotado de razão, feito do e para o pensamento, sabendo-se que todo o comportamento é pensado e arquitetado pelo mesmo. Em direito penal, inclusive, não se vislumbra um comportamento dissociado do elemento intencional. Podemos dizer que, neste ramo do direito, mais do que em qualquer outro, a vontade é a espinha dorsal de todas as indagações. As penas, para os mais variados crimes previstos no corpo do Código Penal variam consoante o elemento subjetivo, o elemento intencional. Se houve a intenção de praticar uma determinada conduta, e, portanto, houve dolo, a vontade livre e consciente dirigida a uma determinada finalidade, a pena será maior, e o crime é dito doloso. Se, ao revés, não houve a intenção de praticar determinada conduta, tendo o resultado se verificado por negligência ou imprudência do agente, a pena será mais branda, e o crime será denominado culposo. Exemplo disso, podemos citar o mais sério dos crimes, o homicídio. O homicídio doloso, previsto no art. 121 do CP, tem uma pena que pode variar de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão; já o homicídio culposo, previsto no § 3º do art. 121 do CP, prevê uma pena de detenção de um a três anos. Aqui o elemento subjetivo é responsável pela dosimetria da pena. Assim, vislumbra-se a importância do elemento subjetivo para o direito, uma vez que o mesmo é uma ciência reguladora do comportamento humano. E o comportamento humano demanda vontade, intenção. No direito penal, se o agente, no momento do ato, não tinha condições de entender o caráter ilícito de sua conduta ou de se determinar consoante esse entendimento, não será submetido à pena, mas sim à medida de segurança, nos termos do que determina o art. 26 do Estatuto Repressivo, pois se tratará de pessoa inimputável. Ser inimputável é não ter condições de ser responsabilizado por uma determinada conduta. Ausente esse entendimento, não há como punir o homem.”

“Mas, como dito, em certos casos, em decorrência da dinâmica social moderna, a teoria subjetiva teve que ceder lugar, em certas hipóteses, sob pena de, verificado um dano, a vítima ficar irressarcida, principalmente diante da impossibilidade de se provar o elemento subjetivo do causador do dano. Diante disso, em certas hipóteses, adotou-se a Teoria Objetiva,consoante já dito acima. Como exemplo, podemos citar os danos que se verificam nas relações de consumo, como ressaltado alhures. Os produtos postos no mercado de consumo geram riscos à saúde e segurança daqueles que os consomem e, se houver dano, em decorrência deste risco, tal dano deve ser indenizado. Pois, não se poderia admitir que o fornecedor, ou produtor pudesse lucrar sobre o dano alheio. Se o produtor ou fornecedor criaram o risco, pondo o produto em circulação no mercado de consumo, devem arcar com os danos e prejuízos que se verificarem.”

“Fiquemos com um exemplo para ilustrar essa proposição e tornar clara a justificativa da adoção da teoria objetiva nas relações de consumo. Propagou-se,nomercado de consumo, a venda de alimentos enlatados, alimentos que são conservados por meio de produtos químicos específicos e que permitem que o produto possa aguardar mais tempo antes de ser consumido. Entretanto, há nestes produtos um risco em potencial de causar danos aos consumidores. Os alimentos que ali são colocados podem estar estragados, ou, ao serem enlatados, por um erro de produção, algum corpo estranho, como fezes de rato, ou de outro animal, vir a ser colocado junto com os alimentos, o que, evidentemente, pode vir a causar prejuízos à saúde dos que os consumirem. Claro que, mais modernamente, com a mecanização da produção, na qual são utilizados equipamentos muito precisos, de alta tecnologia, estes riscos diminuíram, mas não são impossíveis de se verificarem, isso porque são máquinas produzidas por seres humanos e, portanto, também sujeitas a falhas. Há um tipo de bactéria que produz uma fermentação em enlatados, chamada de Clostridium botulinum, causadora da doença chamada Botulismo, que causa a morte da vítima. O Botulismo produz uma paralisia dos músculos óculos-motor (o que significa que a pessoa fica com um olhar fixo, sem poder movimentar os olhos) e do esôfago, fazendo com que a pessoa fique impossibilitada de se alimentar, e em consequência, a morte é certa. Nesta hipótese, assim como em muitas outras, houve um dano, simplesmente porque um produto com defeito em sua qualidade foi posto no mercado de consumo e à disposição da virtual vítima, que será aquela que irá consumir o produto. Se o produtor não tivesse posto este produto à disposição no mercado, a pessoa não o consumiria e, portanto, não teria adquirido a citada doença e, consequentemente, não teria morrido. E o pior de tudo é que a empresa produtora lucra com isso. E é justamente, em decorrência dessas circunstâncias, que se houve por bem adotar a Teoria do Risco que, por sua vez dá fundamento àTeoria Objetivae, portanto, àResponsabilidade Civil ObjetivaouResponsabilidade Civil sem Culpa.Uma das legislações brasileiras que prevê a Responsabilidade Civil Objetivacom fundamento naTeoria ObjetivaouTeoria do Risco Criadoé o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, conhecido pela sigla CDC.” 

“Estas as palavras do professor ZelmoDenari, em comentários ao Código de Defesa do Consumidor, em parceria com outros autores de grande calibre cultural, Editora forense, 5.ed., 1997, p. 140, nestes termos:”

“A responsabilidade por danos decorre da propagação do vício de qualidade, alcançando o consumidor e inclusive terceiros, vítimas do evento (cf. art. 17), e supõe a ocorrência de três pressupostos:

a) defeito do produto;

b) eventus damni; e

c) relação de causalidade entre o defeito e o evento danoso. (Denari,1997:140)”

“Portanto, adotada a teoria do risco, nas relações de consumo, basta o defeito do produto, que se expressa em qualquer alteração em seu interior ou exterior, que, dentro dos requisitos configuradores da Responsabilidade Civil é a ação ou omissão do agente causador do dano (produtor, fornecedor, revendedor, etc.), a presença de um dano, que se traduz no prejuízo experimentado pela vítima e o nexo de causalidade, que é a relação de causa e efeito, de antecedente e consequente, o vínculo que une a causa ao resultado e justifica este para que surja, a um dos envolvidos na cadeia de responsabilidade da relação de consumo, responsáveis pelo dano, o dever de reparar o dano experimentado pela vítima que, no caso das relações de consumo é o consumidor. Presentes esses requisitos, exsurge o dever de reparar o dano causado.”

“Assim se expressa o professor Zelmo Denari, na obra supracitada:”

“No entanto, uma sociedade civil cada vez mais reivindicante reclamava mecanismos normativos capazes de assegurar o ressarcimento dos danos, se necessário fosse, mediante o sacrifício do pressuposto da culpa. A obrigação de indenizar sem culpa surgiu no bojo dessas idéias renovadas por duas razões:

a) a consideração de que certas atividades do homem criam um risco especial para outros homens, e que

b) o exercício de determinados direitos deve implicar ressarcimento dos danos causados. (Denari, 1997:142)”

“E, seguindo esta esteira de pensamento, assim conclui seu posicionamento:”

“No âmbito das relações de consumo, os lineamentos da responsabilidade objetiva foram logo acolhidos e denominados “responsabilidade pelo fato do produto”: não interessava investigar a conduta do fornecedor de bens ou serviços, mas somente se deu causa (responsabilidade causal) ao produto ou serviço, sendo responsável pela sua colocação no mercado de consumo. (Denari, 1997:143)”

“Desta forma, como deflui do entendimento acima exposto, nas relações de consumo foi adotada a Teoria Objetiva, que tem supedâneo na Teoria do Risco Criado. Se uma pessoa cria um risco, em decorrência de sua atividade, risco que, em condições normais não existiria, lucrando com tal atividade e, vem a causar um dano a outrem, fica obrigada a reparar o dano causado que, evidentemente, não teria ocorrido se não tivesse criado o risco. Esse o fundamento, da Teoria Objetiva, nas relações de consumo.”

“Assim, a responsabilidade subjetiva é aquela que busca a indagação sobre a culpa. Por esta teoria somente haverá o dever de reparar, se a vítima provar que o agente causador do dano agiu de forma culposa, culpa esta entendida em seu sentido amplo (lato sensu), abrangendo tanto o dolo quanto a culpa (stricto sensu – imprudência, negligência e imperícia). Já a responsabilidade objetiva, com base na teoria do risco, não indaga sobre culpa, bastando que estejam presentes os outros pressupostos - dano, ação ou omissão e nexo de causalidade. Uma vez mais é importante que se ressalte que, referido tratamento jurídico das relações consumeristas foi uma exigência social.”

“Entretanto, faço aqui uma importante ponderação que não pode ser esquecida. A responsabilidade objetiva é exceção. A regra ainda é a responsabilidade subjetiva, aquela que exige, além do dano, da conduta e do nexo de causalidade, também a demonstração da culpa. Somente será aplicável a teoria objetiva, com fulcro no risco criado, quando houver expressa previsão legal neste sentido, caso contrário, prevalecerá a responsabilidade subjetiva. No caso das relações de consumo, reguladas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor - Lei nº 8.079/90 - tal previsão, da responsabilidade objetiva, vem de forma expressa em seu art. 12, que assim reza: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”. (grifei)” 

“Na ausência de expressa previsão legal da responsabilidade objetiva, impera a responsabilidade subjetiva, que, ressalte-se novamente, em nosso ordenamento jurídico é a regra, cabendo à vítima que alega um dano, provar a culpa do agente causador do mesmo.” 

“Agora, com o Novo Código Civil (Lei n.o 10.406/2002), a previsão da Responsabilidade Civil Objetiva está prevista, por meio do parágrafo único, do art. 927, uma vez que definitivamente sedimentada, em nosso ordenamento jurídico. Tal dispositivo, consoante já amplamente defendido acima, traz ao magistrado que irá se debruçar sobre as temáticas da Responsabilidade Civil o poder, discricionário (jamais arbitrário), de, ao analisar o caso concreto, aferir se a atividade, costumeiramente desenvolvida pelo agente, por sua natureza, implica riscos para os direitos de outrem. Se, ao analisar o caso concreto que lhe é submetido, o magistrado chegar à conclusão de que a atividade normalmente desenvolvida pelo agente causador do dano, por sua natureza, implicar riscos aos direitos de outrem, a responsabilidade será Objetiva, ou seja, sua caracterização prescindirá do elemento Culpa.”

Assim, a Responsabilidade Civil Objetiva obriga à reparação do dano independentemente de culpa.


4. DA NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTE AÉREO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O transporte aéreo tem natureza contratual, logo, no que diz respeito à sua classificação dentro da Responsabilidade civil, pode-se dizer que a mesma é contratual.

O desenvolvimento dos transportes acelerou o processo civilizatório da humanidade, assim, a história dos transportes anda emparelhada com a história da civilização. Eis, a propósito, o escólio de José de Aguiar Dias, em sua aclamada obra Da responsabilidade civil, 9ª Edição, 1994, Editora Forense, p. 183/184, litteris:

A história dos transportes tem a importância de determinante da história da civilização. Ela explica a evolução social, diz Roger Grand, em palpitante ensaio sobre a matéria.

Com muita propriedade, recorda-se que a aplicação do vapor à indústria foi o maior fator econômico do século passado, principalmente pela sua adaptação à locomotiva, com o que fez desaparecer, ao menos para as grandes distâncias, os antigos sistemas de transporte.

E mais adiante (locus citatum) o ilustre jurista faz constar, verbis:

O estudo da responsabilidade civil deve, em grande parte, o extraordinário incremento que apresenta em nossos dias ao desenvolvimento incessante dos meios de transporte. Sem desconhecer outros motivos realmente fortes, pode afirmar-se que a influência dos novos riscos criados pelo automóvel na responsabilidade civil foi profunda e decisiva, no sentido de alçá-la ao seu incontestável lugar de vedette do direito civil, na classificação adequada de Josserand. O insopitável anseio de se transportar fácil e rapidamente, a que alude Julian Huxley, é responsável por essa crescente importância do problema. (grifei)

A primeira observação a ser feita é que a responsabilidade das empresas de transporte é objetiva com base na teoria do risco criado. Afinal, o desenvolvimento dos meios de transporte criou, igualmente, o desenvolvimento de riscos novos. E quem cria os riscos, consoante visto alhures, tem a obrigação de reparar/indenizar os danos eventualmente ocorridos.

Sobre a definição do contrato de transporte, uma vez mais nos valeremos do ensinamento de José de Aguiar Dias, obra citada, p. 184, nestes termos:

O contrato de transporte pode ter por objeto a condução de pessoas, coisas ou notícias, feito pelos diversos modos de que dispõem os serviços de comunicações: por via fluvial e marítima, terrestre e aérea e por meio de navios, estradas de ferro, automóveis, aviões etc. (grifei)

A natureza da responsabilidade do transportador de pessoas é civil, ou seja, regula-se pelo Código Civil. Nesse sentido José de Aguiar Dias, litteris:

Já se discutiu a propósito da natureza da responsabilidade do transportador e, ainda hoje, surgem opiniões que consideram aquiliana a culpa das empresas de transporte de pessoas, sob o fundamento de que a incolumidade dos passageiros não pode ser objeto de contrato. Essa doutrina parece ter sido prestigiada pela autoridade de Clóvis Beviláqua, quando assentou que o caráter da empresa de transporte é comercial, mas que a sua responsabilidade para com o passageiro é regulada pelo Código Civil, ponto de vista radicalmente oposto ao de Carvalho de Mendonça, para quem o contrato de transporte é de caráter comercial, tanto para o transportador como para o passageiro. (DIAS,1994:185)

E complementa:

Não acedemos à opinião de Carvalho de Mendonça e, quanto à de Clóvis Beviláqua, devemos esclarecer que não temos dúvida em considerar como civil a obrigação de reparar o dano, desde que isso não importa transformar a natureza do contrato, o que vale dizer que, em nossa opinião, o prejudicado pode invocar o contrato como fundamento da responsabilidade do transportador, sem que, por isso, em face dele, seja comercial a obrigação de reparar o dano. A propósito, diz Vivante, com muito acerto, que, no transporte de pessoas, se aplicam, de preferência, os princípios gerais de direito, o que não atinge, contudo, a sua natureza de verdadeiro contrato. (DIAS,1994:184/185)

Portanto, a responsabilidade do transportador de pessoas é contratual e a reparação de eventuais danos regula-se pelo Direito Civil.

De fato, no contrato de transporte de pessoas o bem assegurado é a incolumidade, ou seja, a integridade física e psíquica da pessoa transportada. Nesse sentido, ainda, José de Aguiar Dias, litteris:

Quanto à opinião de que o transporte de pessoas induz de responsabilidade aquiliana, porque a incolumidade das pessoas não pode ser objeto de contrato, não tem nenhum fundamento e resulta de confusão. Com efeito, não se pactua sobre a incolumidade, tanto que não seria permitida uma cláusula de excluísse a obrigação de assegurá-la. A cláusula de incolumidade é inerente ao contrato de transporte de pessoas. Quem utiliza um meio de transporte regular celebra com o transportador uma convenção cujo elemento essencial é a sua incolumidade, isto é, a obrigação, para o transportador, de levá-lo são e salvo ao lugar do destino. (DIAS,1994:185)

O transportador de pessoas tem, portanto, a obrigação de levá-las ao destino em total segurança. Havendo danos, surge-lhe o dever de repará-los.

Dizer que a relação de transporte é contratual é dizer que todas as partes envolvidas têm direitos e obrigações.

A pessoa transportada tem o dever de pagar o valor do transporte e o direito de ser conduzida em segurança até o destino e o transportador tem o direito de receber o valor para o transporte e a obrigação de conduzir a pessoa sã e salva até o destino contratado.

Além disso, o contrato de transporte é de obrigação de resultado, ou seja, o transportador tem a obrigação de dar à pessoa transportada o resultado esperado por esta que, no caso, é levá-la ao lugar a que mesma deseja chegar (lugar de destino). Diferentemente ocorre com os contratos de obrigação de meio, por meio do qual a pessoa obrigada emprega todos os meios possíveis, mas não garante o resultado almejado. Exemplo deste último é o contrato de cirurgia plástica reparadora.

Além disso, tem total aplicabilidade no caso de transporte aéreo de pessoas o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Isso porque a pessoa transportada utiliza serviço como destinatária final, nos termos do Art. 2º do CDC e a empresa aérea é a parte que fornece referido serviço de transporte, nos termos do Art. 3º do CDC.

Em caso de danos, a empresa aérea apenas se isenta do dever de indenizar se provar alguma causa excludente da responsabilidade (ou causa de irresponsabilidade), como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, dente outras.

Assim, tem natureza contratual a relação de transporte aéreo de pessoas, sendo, a responsabilidade, em caso de dano, de natureza objetiva, com base na teoria do risco criado, isto é, independe de culpa. Ademais, em referida relação contratual tem total aplicabilidade o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC).


5. DAS NOTÍCIAS E DOS ÁUDIOS DIVULGADOS NA INTERNET

No início das investigações havia rumores de que o acidente havia decorrido de pane elétrica.

Todavia, recentemente, conforme noticiado pela imprensa escrita e falada e pelos diálogos divulgados do piloto com a torre de comando, demonstram que a aeronave caiu em razão de falta de combustível.

Tanto uma, quanto outra causa, se comprovadas pela “caixa preta”, demonstram falha na manutenção do veículo aéreo, ensejando, por conseguinte, a responsabilidade da empresa pelos danos experimentados pelos familiares das vítimas e pelos passageiros sobreviventes. Estes danos são tanto de ordem material, quanto e, fundamentalmente, de ordem moral.

Eis uma das inúmeras reportagens, litteris[2]:

Avião da Chapecoense desrespeitou plano de voo, admite companhia

Representante da Lamia diz que piloto deveria ter feito escala em Bogotá

O avião da LaMia, que caiu na Colômbia na madrugada de terça-feira e deixou 71 mortos, entre eles grande parte da delegação da Chapecoense, não respeitou o plano de se reabastecer de combustível em Bogotá, informou nesta quarta-feira uma fonte da companhia.

— O avião deveria ter reabastecido em Bogotá, mas seguiu até Medellín — afirmou ao diário PáginaSiete Gustavo Vargas, representante da companhia aérea.

A principal hipótese para o acidente é uma falta de combustível do avião fretado que transportava a delegação da Chapecoense e jornalistas desde a cidade boliviana de Santa Cruz, onde haviam chegado após voo comercial oriundo de São Paulo. A capital boliviana está distante cerca de 400 quilômetros ao sul do destino do Avro RJ85 que levava a delegação do clube catarinense.

— O piloto é quem toma a decisão de não pousar, porque pensou que tinha combustível suficiente — insistiu Vargas.

De acordo com o funcionário, "no plano de voo havia a opção da aeronave parar em Cobija (fronteira boliviana com o Brasil), mas logo se falou da opção de Bogotá para reabastecer".

Uma investigação está em andamento pelas autoridades colombianas, com a ajuda de técnico da Direção Geral de Aeronáutica Civil da Bolívia.

— Temos que investigar o motivo do piloto ter decidido ir direto a Medellín — explicou Vargas.

A investigação se baseia a partir "de provas técnicas, documentais e de rigor" do avião acidentado, uma aeronave BA 146 que caiu na noite de segunda para terça-feira em uma remota zona a 3.300 metros de altitude quando estava chegando ao destino, o aeroporto de Rionegro, nos arredores de Medellín.

Alfredo Bocanegra, diretor da Aeronáutica Civil da Colômbia, declarou que "não se compreende como o piloto não se declarou em emergência se estava sem combustível".

O avião caiu com 77 pessoas a bordo: 68 passageiros e nove tripulantes, dos quais sobreviveram seis: três jogadores, uma comissária de bordo, um técnico de voo e um jornalista, todos internados em hospitais perto de Rionegro.

*AFP[3]

Há, ainda, vários áudios publicados no site do YouTube mostrando o diálogo do piloto com a torre de comando[4].

Diante disso, sendo essa a causa da queda da aeronave e, por conseguinte, da morte das vítimas, os familiares têm direito de processar cível e criminalmente a empresa aérea, buscando as devidas reparações e punições aos responsáveis.


6. DANOS MATERIAIS E MORAIS

Os familiares das vítimas sofreram duas ordens de danos diretos, fora, evidentemente, os danos colaterais. Mas, neste ensaio analisaremos apenas duas ordens de danos, os materiais e os morais.

O primeiro deles e, certamente para os familiares, o mais intenso, diz respeito aos danos morais, decorrentes da perda dos entes queridos, pois a vida, esse bem precioso e inavaliável, não terá retorno. Nenhuma indenização poderá repor aquilo que foi perdido. Pais, filhos, netos, maridos, amigos, heróis, essas perdas ficarão para sempre.

E o que vem a ser o dano moral? Transcrevo, abaixo, a conceituação de dano moral constante de meu livro, já citado, litteris:

Por muito tempo, os pesquisadores do direito se indagaram sobre o que seria o dano moral. Sua definição, e ainda, sua precisão, seriam fatores decisivos na consagração do instituto. Sempre que se propõe a análise de algum fenômeno da natureza, tanto físico, quanto humano, mister se faz que se o conceitue o objeto de análise, no intuito de individualizá-lo, ou, nas palavras do filósofo Mário Ferreira dos Santos (1958:77), sente-se a necessidade de “estilizá-lo”. E estilizar é, justamente, abstrair o dado da realidade fenomenológica e simplificá-lo em categorias mais simples, para facilitar o entendimento. Se se partir de categorias, aprioristicamente, definidas e individualizadas, fica mais fácil a compreensão do dado que se apresenta para análise. E, uma vez compreendido, é possível dar-lhe desenvolvimento.

Num primeiro momento, deduziu-se, pela prática, que o dano moral representava aquela categoria de lesões que não atingiam o patrimônio material do indivíduo, daí a dificuldade de sua aceitação. Afinal, não se podia “ver” o dano. Mas ele existia. O fato de não se poder ver algo, não significa, necessariamente, que ele não exista. Assim como não se pode ver o vento ou a alma humana, que nem por isso deixam de existir. Por muito tempo a mazela perdurou.

Desse mesmo posicionamento é o ilustre professor Wilson Melo da Silva que, em sua brilhante monografia, assim se expressa:

A objeção tem aparência de seriedade.

De fato, nos danos morais, o juiz tem, pela frente danos não facilmente constatáveis, a olho nu, em toda sua extensão.

O campo dos danos morais é o interior de cada indivíduo. No recesso de sua alma é onde as dores se aninham. Só ele, que as sente, conhece, em toda enormidade, aquilo que o aflige.

E se, como nos ensinou LANGE, a dor se revela de maneira exterior, o seu hombre triste, contudo, pode não aparentar, com exatidão, toda extensão do que sofre. Em sucessão à crise aguda, é comum sobreviver a crise crônica de uma dor muda, não raro indefinida. (Silva,1983:375)           

Somente após muito tempo, após muitos erros e até injustiças, os meios jurídicos, representados pela jurisprudência, aceitaram a existência do dano moral. Este seria a categoria de lesões e danos que a pessoa sofre em seu patrimônio ideal, em sua psique, em seu ânimo. Não se exterioriza materialmente, mas existe, e pode ser perfeitamente detectado em muitos casos.

Assim, num primeiro momento, poderíamos conceituar os danos morais como sendo todas as lesões que um indivíduo sofre em seu patrimônio ideal, em sua psique, em seu estado de ânimo, trazendo-lhe tristeza, angústia, reprovação social, enfim, máculas em sua honra. (DELGADO,2011:123/124)

Além dessa conceituação, transcrevo as lições dos juristas De Plácido e Silva e Marcus Cláudio Acquaviva sobre o dano moral, nestes termos:

Consoante o magistério do grande De Plácido e Silva (1993:5), assim se pode visualizar (ou conceituar) o dano moral: “Assim se diz da ofensa ou violação que não vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua pessoa ou à sua família”.

Corroborando tal entendimento, acerca da visualização do dano moral, assim se manifesta o Prof. Marcus Cláudio Acquaviva (1998:422) em sua magistral obra Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva: “Prejuízo de ordem não patrimonial, suscetível de indenização. Esta espécie de dano lesiona, principalmente, a intimidade, a honra e o bom nome do indivíduo ou de sua família”.

Assim, como se deduz do exposto e, em conclusão ao que os doutos autores acima muito bem expõem em suas obras, o dano moral compreende os danos que afetam o íntimo das pessoas, seu âmago, sua estrutura psicológica, espiritual. Ressalte-se ainda que, somente a pessoa lesada está em condições de dizer se houve ou não dano moral, pois somente ela tem acesso ao seu equilíbrio psíquico, ao seu íntimo. (DELGADO,2011:125)

E, ainda, Orlando Soares assim leciona:

O conceito de dano moral diz respeito à ofensa ou violação que não fere propriamente os bens patrimoniais de uma pessoa – o ofendido -, mas os seus bens de ordem moral; tais como os que se referem à sua liberdade, honra (à sua pessoa ou à sua família), compreendendo-se na idéia de honra o que concerne à fama, reputação, conceito social, estima dos outros. (SOARES apud DELGADO, 2011:126)

O dano moral, assim, é o dano que se processa subjetivamente, no âmago, no cerne, na alma da pessoa lesada. O dano moral, dada sua especificidade, não pode ser visto pelos olhos do corpo, mas apenas percebidos, sentidos pelos olhos da alma.

Não se pode negar, todavia, que as tragédias são exceções, pois, no caso do desastre que pôs fim à vida dos tripulantes do voo chapecoense, é mais do que visível, tanto pelos olhos do corpo, como pelos da alma, a dor intensa e devastadora que se instalou não apenas nos familiares das vítimas, mas se espraiou para a cidade de Chapecó, para a Nação brasileira, para o Mundo.

A vida humana é o mais precioso dos bens, estando no ápice de salvaguarda e proteção de qualquer ordenamento jurídico de um povo que se proclame civilizado.

Diante disso, não é despropósito dizer que o valor das indenizações por danos morais, aos familiares das vítimas, neste caso, não pode assumir valores irrisórios e/ou simbólicos. Deverá ser estabelecido, referido valor, tendo em vista a extensão de referidos danos, ex vi do Art. 944 do Código Civil que diz: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

Quanto aos danos materiais, penso que os mesmos dirão respeito a possíveis pensionamentos dos dependentes das vítimas, tanto de filhos, ou esposas, ou, ainda, pais. Provando-se que o parente dependia financeiramente da vítima, abre-se a possibilidade do estabelecimento de pensão alimentícia. Além disso, entra no quesito dano material as despesas que os familiares tiverem com o velório, desde o translado do corpo, compra da urna funerária ou caixão e compra do terreno no qual o corpo será enterrado.

Para os sobreviventes, além dos danos materiais e morais que tiveram, há, ainda, a possibilidade de requerer reparação por danos estéticos, decorrentes dos danos corporais ocasionados pelo acidente. Não se esquecendo, ainda, que os sobreviventes têm direito a que a empresa responsável pelo acidente pague todas as despesas médicas e hospitalares que tiverem.


7. CONCLUSÃO

Pelo exposto, podemos concluir que a responsabilidade das empresas aéreas pelos danos sofridos pelos passageiros e seus familiares é contratual, ou seja, decorre de uma obrigação de resultado, que se traduz no transporte seguro do passageiro do local de embarque ao local de destino; é, ainda, objetiva, com base na teoria do risco criado, ou seja, configura-se independentemente do elemento culpa, bastando a prova da ação ou omissão do agente, o dano e o nexo de causalidade e, ainda, tem aplicabilidade as regras disciplinadoras das relações de consumo.

No caso de vítimas fatais de acidentes aéreos, configurados estão os danos materiais e morais sofridos pelos familiares. Já quanto às vítimas sobreviventes, além dos danos morais e materiais, há, ainda, a possibilidade de se pleitear a devida reparação por danos estéticos, porventura sofridos.

Neste ensaio, abordei apenas a questão da responsabilidade civil das empresas aéreas, não entrando no mérito da responsabilidade penal.

Assim, de maneira superficial, esse o quadro que vejo juridicamente neste trágico acidente, em se provando, por meio da perícia da “caixa preta”, que houve culpa da empresa aérea.


Notas

[1] A obra foi objeto de reportagem no renomado portal jurídico Consultor Jurídico, pelo jornalista Robson Pereira, no seguinte endereço: http://www.conjur.com.br/2012-mai-21/criterios-parametros-tabela-precos-dano-moral, sob o título “Critérios, parâmetros e preços no dano moral”.

[2] Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/aviao-da-chapecoense-desrespeitou-plano-de-voo-admite-companhia-8557335.html <Acessada em 3.12.2016 às 11h58min>

[3] Outras reportagens sobre o assunto:

“Companhia aérea dona de avião que caiu na Colômbia teria negócios obscuros na Venezuela, diz jornal – Com 17 anos de uso, aeronave transportava 77 pessoas quando sofreu o acidente” (fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/companhia-aerea-dona-de-aviao-que-caiu-na-colombia-teria-negocios-obscuros-na-venezuela-diz-jornal-8554820.html);

“Aeronáutica colombiana pede prudência sobre as causas do acidente – Diretor disse que caixas-pretas serão enviadas para a Grã-Bretanha”(fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/aeronautica-colombiana-pede-prudencia-sobre-causas-de-acidente-8554489.html);  

“Porta-voz da LaMia admite que aeronave trabalhava no limite de sua capacidade de combustível

Representante da companhia acrescenta, porém, que aeronave tinha "dispositivos para ampliar autonomia" (Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/porta-voz-da-lamia-admite-que-aeronave-trabalhava-no-limite-de-sua-capacidade-de-combustivel-8550092.html#showNoticia=L214amhvXHg2MjQxMzQwNTkzNDAyODI2NzUyK1NBMTk2NjIyMDMwNjk1ODIwNjMxMFw2NTI5MTIwNzYyODQyMjM4MTU2ODB6Ly5COilUZ2cuNlFPYXY4Y1s=)

[4] Um dos áudios pode ser acessado no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=oaVTZIiGciQ


Autor

  • Rodrigo Mendes Delgado

    Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; [email protected])

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Informações sobre o texto

Tendo em vista a comoção causada pelo acidente do voo da chapecoense e as possíveis consequências jurídicas do ocorrido, senti a necessidade de escrever algumas linhas para ajudar no entendimento deste assunto.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Rodrigo Mendes. Voo chapecoense: o adeus trágico. A responsabilidade civil das empresas de transporte aéreo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4908, 8 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54366. Acesso em: 28 mar. 2024.