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Sujeito passivo e substituição tributária progressiva

Sujeito passivo e substituição tributária progressiva

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Na seara jurídica, a tônica, todos sabem, é a dissensão, isto é, não raras vezes, a unanimidade passa ao largo e as divergências, neste contexto, sobrepairam. É de boa nota ressaltar, que os confrontos de idéias são, na verdade, salutares para o progresso do Direito (e da própria sociedade), haja vista que, invariavelmente, os argumentos de cá e de lá têm por base fundamentos plausíveis e consentâneos, cabendo ao operador, destarte, posicionar-se e filiar-se a uma corrente, ou, ainda, apresentar novos elementos.

Sendo assim, a questão que se apresenta coloca, frente a frente, duas teses relevantes emanadas do Pretório Excelso, que versam sobre o fato gerador e a fixação da base de cálculo presumidos e sobre a chamada substituição tributária progressiva (Constituição Federal, art. 150, § 7º), em vista à constitucionalidade e à eficácia jurídica dos aludidos institutos, a saber:

1ª) "O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer da parte do Fisco, quer de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade." (ADI 1851-4 Alagoas; Voto Min. Ilmar Galvão, DJU 22.11.2002, republicado DJ 13.12.2002).

2ª) "Ninguém ensina nada a ninguém nesta Casa, mas é bom que se rememorem certos princípios. Recomendam os estudiosos da hermenêutica constitucional que os direitos e garantias inscritos na Constituição devem ser interpretados de modo a emprestar-se a esses direitos a máxima eficácia. (...) Conforme vimos, na substituição tributária ‘para frente’ é assegurada a restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. Ora, se o fato gerador tem, na base de cálculo, a sua expressão valorativa, ou a sua dimensão material, força é convir que o fato gerador se realiza nos termos dessa sua dimensão material, nem mais, nem menos. (ADI 1851-4 Alagoas; Voto Min. Carlos Velloso – vencido, DJU 22.11.2002, republicado DJ 13.12.2002).

Na Regra Matriz da Incidência Tributária, formulada pelo consagrado PAULO DE BARROS CARVALHO (2002:235 ss.), estão presentes, em linhas gerais, cinco critérios, quais sejam: a) material (que é o próprio fato gerador e envolve o "verbo" – ser, circular, industrializar, etc. – e o "complemento" – proprietário, mercadorias, produtos, etc. –); b) temporal (a lei que cria o tributo deve precisar o momento da ocorrência do fato jurídico tributável); c) espacial (cada ente tributante tem o seu "campo geográfico" de atuação); d) quantitativo (representado pela base de cálculo e pela alíquota); e) pessoal (sujeito ativo: pessoa jurídica de direito público titular da competência tributária; e sujeito passivo ou contribuinte: pessoa física ou jurídica obrigada a pagar o respectivo tributo).

Sobre este último, especialmente sobre o sujeito passivo e até porque não é possível, nesta breve digressão, trazer à baila todos os elementos que envolvem a discussão, RICARDO CUNHA CHIMENTI (2002:105-6) leciona, sinteticamente, mas com muita precisão, que, "O sujeito passivo da obrigação tributária principal pode ser o contribuinte, normalmente denominado sujeito passivo direto, ou o responsável, também chamado de sujeito passivo indireto. (...) O sujeito passivo indireto pode ser (art. 128 do CTN): I – responsável por substituição, quando a lei determina que a terceira pessoa ocupe o lugar do contribuinte antes mesmo da ocorrência do fato gerador (recolhe o tributo que seria devido pelo substituído antes mesmo da ocorrência do fato gerador) – a hipótese, hoje, encontra respaldo no § 7º do art. 150 da Constituição Federal, e que costuma ser denominada substituição progressiva (para a frente)."

Vale salientar, que o dispositivo mencionado foi inserto pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, não sendo, portanto, uma deliberação do constituinte originário, o que acarreta, por conseguinte, a possibilidade de ser contestado em face aos princípios basilares da ordem jurídica do Brasil:

"Art. 150. (...) §7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido."

À primeira vista – mesmo porque foi a tese vencedora e a última frase do dispositivo induz a este raciocínio –, tem-se a impressão de que a interpretação mais adequada é a literal, qual seja, "...assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido."

Por este prisma, desta maneira, o voto do Min. Ilmar Galvão é coerente, na medida em que o contribuinte somente será restituído se o fato gerador presumido não se realizar; caso consignado, prevalece, por conseqüência, o quantum estipulado por estimativa. No entanto, data maxima venia, ao ver, esta não é a melhor compreensão, razão pela qual opta-se pela tese assente no voto, mesmo que vencido, do Min. Carlos Velloso.

Melhor explicando, entende-se que a substituição tributária em si, não é contrária ao sistema, pois, em termos operacionais, trata-se de uma antecipação do recolhimento do tributo que seria pago em operações futuras por quem "concentra" a produção e/ou receitas, v. g., as montadoras de automóveis, as cervejarias ou, ainda, os fabricantes de refrigerantes. Alguns autores, como ROQUE ANTONIO CARRAZZA (2001:387 ss.) posicionam-se radicalmente contra o próprio instituto da substituição tributária. Mas, o próprio CTN, em vigor há quase quarenta anos, já traz em seu bojo esta previsão, por meio do art. 128, como visto. O que se contesta, na verdade, é a situação do ressarcimento apenas, repete-se, caso não se realize o fato gerador presumido. Ocorre que tal proposição não se coaduna com os princípios que norteiam o sistema jurídico-constitucional brasileiro.

Ora, o contribuinte não pode ser prejudicado por presunções e não pode ser compelido a pagar mais do que o que é devido!

Se a(s) Fazenda(s) não tem infra-estrutura para fiscalizar e/ou cobrar corretamente todos os contribuintes e, se atribui uma quantia aleatória a determinado bem e/ou serviço, tal procedimento não pode e nem tem validade se for lesivo ao contribuinte. Por exemplo, tendo sido recolhido um tributo calculado sobre um valor presumido de R$ 10.000,00 e o fato gerador foi efetuado, na realidade, por R$ 8.000,00, então, a diferença (a alíquota que incidiu sobre os R$ 2.000,00) paga a maior deve ser restituída. Isto, mesmo que o fato gerador presumido tenha se realizado, o que impediria, em tese, a restituição, conforme dicção da parte final do § 7º, do art. 150, da Carta Magna.

Na esteira, caso o fato gerador tenha sido efetivado, na verdade, por R$ 12.000,00, então, sempre a favor do contribuinte, cabe à Fazenda arcar com as conseqüências da sua inaptidão, tanto para fiscalizar e/ou cobrar, como para determinar um valor mais exato possível dos produtos, serviços, etc., não obstante restar nítido que é uma tarefa deveras árdua, intrincada e embaraçosa. Mas, sendo a estrita legalidade, a eficiência e a probidade – sem exclusão de outras – atribuições precípuas e inerentes à Administração Pública, esta não tem outra escolha, se não a de respeitar os parâmetros legais e, principalmente, constitucionais.

Resumindo o entendimento, o ideal, mesmo, é que o tributo seja cobrado uma vez consignado, no mundo real/físico, o fato descrito/prescrito pela norma, a fim de que se obtenha a máxima eficácia jurídica e econômica possível, segundo os ditames legais e constitucionais. Porém, face à dificuldade operacional peculiar à atividade estatal, entende-se que a substituição tributária ‘para frente’ é aceitável, desde que se permita que a quitação (ou mesmo a compensação contábil/financeira) do tributo corresponda ao montante efetivamente envolvido, vale dizer, nas palavras do Min. Carlos Velloso, na ADI 1851-4: "..., se o fato gerador tem, na base de cálculo, a sua expressão valorativa, ou a sua dimensão material, força é convir que o fato gerador se realiza nos termos dessa sua dimensão material, nem mais, nem menos.").

Especialmente quando o contribuinte desembolsa mais do que o que realmente deveria!

Não sendo assim, deve-se optar pela aplicação da chamada provisoriedade e não do caráter definitivo do fato gerador, ao contrário do que fora suscitado pelo Min. Ilmar Galvão. Da mesma forma, supondo-se que não haja interesse jurídico nesta restituição, como apregoado pelo mesmo Ministro, é certo que há interesse econômico, pois, como é sabido, com a absurda carga tributária que onera sobremaneira os brasileiros, tudo o que se puder fazer para minimizar o efeito da tributação excessiva mencionada, deve ser efetuado.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLA, Marco Aurélio. Sujeito passivo e substituição tributária progressiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 376, 18 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5441. Acesso em: 28 mar. 2024.