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A proibição da proteção deficiente enquanto vertente do princípio da proporcionalidade e sua influição na proteção dos direitos sociais

A proibição da proteção deficiente enquanto vertente do princípio da proporcionalidade e sua influição na proteção dos direitos sociais

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A proibição de insuficiência encontra sustentação no próprio âmago dos direitos sociais garantidos pela Constituição, na medida em que se torna um mecanismo de proteção desses direitos, seja combatendo a inércia ou a omissão dos poderes públicos constituídos.

INTRODUÇÃO

A investigação acerca da proibição deficiente (ou da insuficiência, proteção insuficiente, deficiência ou do déficit) se faz importante pelo exsurgimento dos ideários de direitos difundidos no pós-guerra, precipuamente com o advento do alcunhado Estado Social (Democrático) de Direito, qual seja aquela que dá azo, sem dúvidas nenhuma, a proteção e efetivação de direitos jusfundamentais, na clássica subdivisão entre os direitos de liberdade (negativos ou de non facere) e os sociais (à prestação, programáticos, positivos ou de facere).  É nesse mote que o presente relatório se funda, tendo sido dividido, para melhor acondicionamento e fixação da matéria, em três capítulos independentes, mas que se unem em uma pretensa interdisciplinariedade.

O primeiro capítulo traz para análise a evolução do Estado, através dos tempos, perpassando desde o Estado Medieval, Absolutista e Liberal, pelo que se chegou até o hodierno Estado Social (Democrático) de Direito, com seus atributos de fundamentalização de direitos, integração e corresponsabilização social de toda a sociedade em uma nova visão de comunidade e o reflexo da atual crise desse modo estatal, causado precipuamente pela globalização e diversos alguns outros fatores, como consequência da elaboração jurisprudencial e doutrinária dogmática do dever de proteção e consequentemente da proibição da proteção insuficiente, que adveio do princípio estruturante da proporcionalade, na qualidade de mecanismo de guarita dos direitos sociais, enquanto direitos fundamentais.

O capítulo seguinte, é a parte propedêutica do relatório, mas não menos importante. Será explanado mais a respeito dos direitos fundamentais, as características específicas da subdivisão entre direitos sociais e os de liberdade, suas diferenças, similitudes e aspectos inerentes a estes. Indo mais afundo no que tange aos direitos sociais, serão aduzidos as objeções doutrinárias a seu respeito, o posicionamento adotado neste estudo (com as desconstruções das críticas aferidas); as dimensões, subjetiva e objetiva, e quanto a está última, sua importância como meio de imposição ao Estado de proteger e efetivar tais direitos de forma ampla e total. Desta forma, é nesse ponto que se vislumbrara, mais uma vez, a reflexão que a utilização da proporcionalidade, na faceta da proibição da insuficiência, foi um dos meios úteis de se cumprir tal necessidade.  E para finalizar este ponto do trabalho, ainda será aduzido a sistematização dos direitos sociais nas Constituições do Brasil e de Portugal.

O terceiro e último capítulo trata do ponto fulcral deste trabalho, qual seja, mostrar como surgiu a proibição da Proteção Deficiente, a partir da intenção da divisão do Princípio da Proporcionalidade (sendo a primeira vertente a Proibição do Excesso), na Jurisprudência da Corte Constitucional Alemã.

Preliminarmente neste capítulo, será explanado no que toca ao princípio da proporcionalidade e seus sub-princípios, quais sejam a adequação dos meios ou idoneidade ou conformidade; a necessidade ou indispensabilidade, ou exigibilidade ou meio menos restritivo e a  proporcionalidade em sentido estrito ou nacionalidade ou da justa medida, como formas de expressão da proibição do excesso, sua colocação no sistema jurídico local e alienígena, além da Jurisprudência Internacional, de maneira a ratificar sua importância, já que é a partir dessa análise que começa a se entender a proibição da insuficiência.  

Depois, esmiuçando o tema principal aqui proposto, será investigada a estruturação da proibição do déficit, entre os passos da idoneidade do meio apresentado, dos meios alternativos e da proporcionalidade em sentido estrito, e como estes podem ser utilizados para a ampla proteção dos direitos sociais, visto que qualquer desrespeito a algum desses elementos, será igualmente no que toca ao direito à prestação posto no caso concreto.

Além de se trazer o consecutário lógico da aplicação da proibição deficiente no que tange aos direitos sociais, qual seja, a questão do minimum core (no qual encontra-se interligado ao princípio da dignidade da pessoa humana) e da clara razoabilidade do meio proposto, inquirindo dos diversos entendimentos doutrinários que trataram de estudar a matéria.

Insta salientar que o trabalho aqui produzido se utilizou do português Brasileiro, com as novas regras de ortografia, bem como doutrina portuguesa, brasileira, argentina, norte-americana, italiana, alemã e espanhola, além da jurisprudência de cortes internacionais, luso-brasileira, alemã e legislação internacional a partir do Direito comparado.


CAPÍTULO I

DA EVOLUÇÃO ATÉ O ESTADO SOCIAL (DEMOCRÁTICO) DE DIREITO E O REFLEXO DA CRISE ATUAL PARA APLICAÇÃO DA PROIBIÇÃO DA INSUFICIÊNCIA COMO MEIO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

Não se pode obliterar que a temática aqui esposada encontra-se totalmente entreposta e relacionada, com o hodierno contexto social, cultural e político na figura do Estado Social (Democrático) de Direito. Por isso, para se chegar a um entendimento prévio dessa interligação, nada mais justo que trazer à baila para análise a questão evolutiva do Estado, nos quais foram gestados os direitos sociais enquanto direitos fundamentais, levantando um panorama da atual crise pelo qual perpassa essa concepção atual estamentalista, precipuamente causada pela influição da globalização, e como todo esse contexto se fez observar a aplicação da proibição da insuficiência, enquanto uma segunda face do Princípio da Proporcionalidade, como mecanismo de proteção dos direitos sociais fundamentais.

Nos primórdios da acepção evolutiva do Estado, o chamado Estado Social de Direito veio a adquirir sua feição atual com a quebra de diversos paradigmas e mudança do pensamento do corpo social, através do tempo. Inicialmente, o que se vislumbrava eram os sistemas medievais e feudais, onde existiam uma pluralidade de poderes particulares, como expressão da situação de cada pessoa, direitos como privilégios, regalias ou imunidades que uns possuem e outros não; com características territoriais, primordialmente religiosas e perfunctoriamente sociais: os feudos, senhorios, vassalagens ou burgos. Aqui a organização política e social era de um prisma bastante múltiplo, assentado em vínculos entre o senhorio e vassalagem, numa teia interligada, hierarquizada e com dependência mútuas. [1]

De forma paulatina, com a desagregação de tal sistemática medieval, o resultado foi uma centralização do poder político e da derrogação dos privilégios e corporativismos feudais. Houve um câmbio por uma relação direta, em uma via de mão única, sem intermediários entre o Estado, no papel do Rei, e os súditos. Todos agora eram submetidos ao tal poder central, em uma autoridade pública e unificada na dependência dessa monarquia. Nessa nova acepção societária, nasce pela primeira vez a ideia de nação, que corresponde a um Estado propriamente dito, sob influência clara da secularização (ou laicidade), separação entre política e religião, e soberania, onde o Estado é concebido como poder supremo e independente, se tornando a figura central daquele meio: surge aí o advento de um Estado Absoluto, sendo esta a primeira manifestação histórica do tal Estado Moderno. [2]

Com o absolutismo, se pode perceber também o crescimento econômico e cultural de uma nova classe: a burguesa. Desse fortalecimento, já se visualizou a possibilidade de libertação do dirigismo e paternalismos típicos dessa forma de pensar única. Começou-se a tomar forma, então, um ideário de igualdade, influenciado por teorias racionalistas e iluministas, redimensionando o pensamento em relação do povo, intrinsicamente gregário que o é, quanto ao Estado, para quem ao invés de ser apenas um poder único e inquebrantável, deveria dotar de um verdadeiro ente encarregado de zelar ao bem comum e servir a todos. Os abusos de poder cometidos pela a autoridade única e absoluta, na figura do Rei, e a progressiva violação de direitos fundamentais do homem, levaram a conclusão que os poderes estatais deveriam, dessa maneira, serem controlados, ao mesmo tempo que colocava em xeque o modelo de poder até então assentado. Já se é possível, assim, avistar a luta pela liberdade, e os primeiros passos para a prescrição de direitos fundamentais, universais ou gerais, em face de privilégios e imunidades, típicos das classes mais próximas da vivência da Corte. [3]

Nos findos dos séculos XVIII e com as chamadas Revoluções (Francesa e Americana) um novo projeto político se torna um marco, inspirado na ideologia liberal: eis que daí exsurge mais um novo avatar estatal, na figura do alcunhado Estado Liberal de Direito. Primordialmente, este continha a característica de ser limitado e originado com vista à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, ou seja, deveria garantir um núcleo essencial de direitos e liberdades fundamentais ao homem, mas sempre com a noção de tais direitos levados a cabo sob uma concepção burguesa, subordinados aos valores idealistas da iniciativa privada e segurança dos bens de propriedade, pelos quais se dissociassem do público: o privado era a tônica.

Assim, essa garantia seria ratificada pela separação entre o Estado e a sociedade, permitindo a este se formar em um espaço auto-regulado com liberdade econômicas e morais daqueles que deste participe; a minimização da atividade estatalista apenas para que se assegurasse a garantia da harmonia social e das condições necessárias das autonomias de cada um e o livre desenvolvimento da personalidade idiossincrática, além de uma mutação progressiva de toda a atividade do Estado baseada e limitada pela juridicidade, regulada por o Direito, das relações entre autoridade versus sociedade. [4]

Neste quadro liberal, os direitos básicos do homem seriam aqueles sobretudo ligados as liberdades negativas, ou seja, posições jurídicas individuais, que para que se exerçam sua completude não se exigem quaisquer intervenções associadas ao Estado, mas sim sua mera abstenção. [5]          

Dessas características individualistas, aliadas a neutralidade e o abstencionismo, que advém dessa forma de atuação estatal, foi se percebendo uma séria de injustiças, vislumbrados muitas das vezes pelos movimentos sociais dos séculos vindouros, em consequência da insuficiência das liberdades burguesas, o que trouxe uma crise de valores e ideologias em que assentavam esse modelo de Estado liberal.

Com a transição do século XIX para o XX, as novas experiências políticas, observadas principalmente pelo legado da Primeira Grande Guerra, e uma certa crise dos pressupostos, valores e ideologia que se embasavam na liberalidade anteriormente citada, houve por bem surgir mais uma vez uma superação de paradigmas, o que se era de esperar com a evolução da consciência das sociedades, em uma verdadeira reavaliação dos fins estatais e de reconstrução da relações deste com a sociedade, permutaram-se os valores trazendo para o mundo agora o Estado Social (Democrático) de Direito. [6]

Não se trouxe com isso, diga-se de passagem, uma substituição pura e simples, mas sim, uma continuidade do legado do Estado Liberal, com adaptações necessárias às novas necessidades e vicissitudes do pensar dos séculos XX e atual, o que respinga em uma revalorização dos direitos fundamentais e suas diversas vertentes, o que se inclui claramente os new social rights.

Primeiro, a sociedade deixa de ser realizada como autossuficiente, e passa a ser vista como um objeto que o Estado deve dar suporte e estrutura, com vistas a alcançar valores de justiça social e progresso econômico. Segundo, vem o papel mais uma vez do Estado, que de forma consciente e tencionada, no processo de arrecadação, redistribua em forma de melhorias à sociedade, no mesmo caminho da planificação do processo econômico. A justiça social e a igualdade material são elevadas a categorias de fins inerentes do Estado, que assim firmam-se como se falou anteriormente de Estado Social. [7]

Podem-se existir certas reticências e suspeições ao que se defina de Estado Social, ainda que se lhe ajunte o termo Democrática: por que a palavra social vem sujeita a várias interpretações; e ainda porque que o importante seria não o social qualificando o Estado, mas sim que devesse qualificar o Direito. [8] Mas nem por isso se retira a importância do social que emana desta nova concepção, que nasce e cresce da outra liberal. Os direitos sociais são paritários, harmônicos e equilibrados agora aos direitos de liberdade, como feito da nova percepção de Estado e do seu lidar com os indivíduos que estão sob a sua tutela. [9]

O atual Estado Social, não só transpõe como cuida o legado do liberalismo anterior e, desta maneira, direitos sociais baseiam-se, programaticamente, não apenas no ideal de se construir uma sociedade superior, de índole meramente socialista, mas em um prisma que se alarga sempre, perpassando desde o ideário uma sociedade mais justa (incluindo neste sentido os valores de uma solidariedade cristã ou em uma concepção substancialista da dignidade da pessoa humana) até o mero pragmatismo de uma racional forma de pensar econômica utilitarista, que se transpõe a nossa zona de conforto, acrescendo novos e alastrados projetos alternativos emancipatórios desenvolvidos em nome das chamadas periferias excluídas da sociedade global, [10] talvez daí venha a sua importância que transpassa a mera feição semântica. Os direitos sociais em um Estado Social de Direito hoje expressam, pois, o amadurecimento máximo de novas exigências da sociedade, quiçá de novos valores, que estão em contínuo e intercambiantes movimentos. [11]

Sob esse paradigma, três direções principais são verificadas com as mudanças para o Estado Social (Democrático) de Direito. [12] A um, se verifica um processo de fundamentalização dos direitos sociais, econômicos e culturais, ou seja, ao lado dos direitos de liberdade clássicos, estes se travestem de fundamentalidade, sob a exigência de prestações positivas materiais a se realizar pelo Poder Público em favor da sociedade. Aqui não se vislumbra a mera abstenção estatal, mas sim, uma intervenção positiva com o fito de que a estes sejam conferidos uma realidade existencial.

Depois, há uma reinterpretação devida dos próprios direitos, liberdades e garantias tradicionais à guizo de uma nova visão de socialidade, assim, o exercício destes direitos passa similarmente a ser condicionado por uma nova integração de todos em uma igualdade material dos concidadãos (e não uma mera igualdade jurídico-formal), significando, desta maneira, que o Estado não se limita à apenas proclamar que existem liberdades negativas, mas em garantir a possibilidade do seu pleno exercício efetivo, prevenindo abusos, regulando conflitos e colisões, quando surgirem, entre os direitos fundamentais e outros bens similarmente dignos de proteção jurídica, sem obliterar da mesma obrigação no que toca aos particulares, pois são valores que se impõe genericamente a toda a sociedade, e consequentemente nas relações jurídicas de âmbito privado.

E por fim, eis que nascem novos tipos de direitos atinentes a uma integração e corresponsabilização social de todos e sob as exigências de solidariedade geracional e global, como sejam os direitos próprios de certas categorias (muitas das vezes minorias) sociais, cito, os direitos dos idosos, crianças, mulheres, indígenas, sexuais e agora dos refugiados [13], entre outros, bem como, os novos direitos do meio ambiente saudável ou os direitos dos povos ao desenvolvimento. [14]

Mas mesmo com esse florescimento de direitos, a modernidade, trazendo a globalização, dentre diversos alguns outros elementos, foram responsáveis por alguns fatores negativos nesse novo Estado Social, o que culminou em uma verdadeira crise e fez com que novos mecanismos fossem criados, principalmente pela Justiça Constitucional, para que se garantisse a proteção (ao menos mínima) de tais direitos fundamentais. Amalgamadas a questões de supressão econômicas (os custos de serviços aumenta inversamente proporcional as necessidade crescentes da sociedade), causas administrativas (multiplicação de serviços e intervenções em face do peso dos grupos corporativos na Administração), aumento populacional, escassez de recursos, a mundialização trouxe exorbitantes níveis de exclusão social e a perca de alguns desses mesmos direitos outrora já garantidos, inclusive em países tidos como de primeiro mundo ou em desenvolvimento. [15]

Dentre tais reflexos da tal crise do Estado Social, o professor INGO SARLET destaca a clara exclusão da cidadania, notadamente no meio das classes mais pobres, fenômeno este interligado aos altos níveis de desempregos, ou ainda, subempregos; redução e até mesmo supressão de direitos sociais prestacionais imprescindíveis (previdência, saúde, educação e assistência social), o corte destes ou, pelo menos, a flexibilização dos direitos dos trabalhadores em face dos empregadores; ausência ou diminuição de instrumentos de meios judiciais ou instâncias oficiais, no sentido de criadas ou ao menos fiscalizadas pelo Estado, capazes de controlar o âmbito processual, resolvendo lides destes oriundos, e manter o equilíbrio social, piorando o problema da ausência de efetivação dos direitos fundamentais e da própria ordem jurídica estatal. [16]

Tal agrura, apesar de aparentemente parecer que reverbera apenas no prisma dos direitos sociais, também influi em toda a amplitude dos direitos fundamentais, basta por exemplo trazer a baila o impacto da tecnologia na vida íntima e privada das pessoas, em um âmbito de informatização pura, bem como no desenvolvimento da ciência genética, ou ainda sobre a poluição dos mares, ar e meio ambiente, demonstrando que, dessa forma, até o progresso científico pode colocar também em riscos os direitos fundamentais da pessoa humana.  É uma crise que não mais se sobrepunha apenas na efetividade (no sentido do flagrante déficit de proteção dos direitos jusfundamentais assegurados pela autoridade estatal), mas na esfera do próprio ato de reconhecer a confiança do papel de tais direitos numa societas: parece que tais direitos foram agora vistos, como privilégios de uma casta em certos grupos específicos. [17]

Dessa forma, diante do esboço projetado pela crise aventada nesse moderno Estado Social de Direito, fica claro que esta foi crucial para que se voltassem os olhos para os direitos sociais, mas agora também sob outro ângulo. O Estado, principalmente através do Poder Judiciário, já que o Legislador, muitas das vezes falha em criar reais mecanismos que possam proteger ou garantir realmente tais apanágios sociais, teve que criar, melhorar e aplicar meios elementares, técnicas, regras, etc., que contribuíssem para uma adequada proteção contra atos externos, ou até omissões, que viessem a diminuir ou tentar excluir esses direitos programáticos.

Nessa senda, foi que se projetou e surgiu na Alemanha, através do Tribunal Federal Constitucional e ratificado pela doutrina (não só constitucionalista) o Princípio da Proporcionalidade no sistema jurídico, primeiramente sob a égide da proibição do excesso e mais recentemente da proibição de proteção deficiente, que apesar de não ter sido criado inicialmente para essa função, foi sob o ângulo dos direitos sociais, que este se tornou, agora com a doutrina mais atual, cada vez mais intenso na sua aplicação. Para Canaris, percussor doutrinário dessa vertente, aquele dever de proteção, citado anteriormente, obriga o Estado uma atuação mínima que seja de proteção jurídica requerida constitucionalmente, não sendo possível ultrapassar (para baixo) esse limiar. Dessa maneira, o princípio da  proteção da deficiência, exige ainda, a eficiência de tal proteção, de igual maneira como que os bens jurídicos e interesses contrapostos não sejam sobre-avaliados. [18]

E é nesta ideia nuclear é que se funda o tema fulcral do relatório aqui apresentado, no qual vai ser detalhado mais a frente. Mas antes, para fixar melhor o entendimento sob a temática, de bom alvitre analisar os direitos sociais enquanto direitos fundamentais, suas dimensões, objeções doutrinárias e ainda a colocação destes nos sistemas jurídicos brasileiro e português.


CAPÍTULO II

DOS DIREITOS SOCIAIS ENQUANTO DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIMENSÕES, OBJEÇÕES DOUTRINÁRIAS E A SISTEMÁTICA DOS DIREITOS SOCIAIS NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL E PORTUGAL

Para que se primeiro entenda os direitos sociais contidos em uma perspectiva de direitos fundamentais, inicialmente, é mais que necessário trazer a baila alguns pontos essenciais que são inerentes a estes.

Os direitos fundamentais hoje, foram içados ao patamar de normas substanciais constitucionais que ditam os critérios que regem a identidade material do Estado, [19] ou seja, possuem uma natureza constitucional tanto material, quanto formal. Formal porque consagrados na Lei Maior de um Estado: a Constituição. Material, porque inerentes a própia ideia básica de pessoa, como privilégio que transpõe a base jurídica da vida humana, em seu âmbito hodierno de dignidade da pessoa humana. [20]

São exatamente posicionamentos jurídicos que possam ser oponíveis em face da autoridade pública estatal, se subdividindo em duas perspectivas: os de agir e outras de exigir, uma postura ativa ou passiva do Estado, a um facere ou a um non facere, tudo a depender da sua metódica liberal ou prestacional (direitos de liberdade e direitos sociais). Levando-se a pensar em uma acepção filosófica, os direitos de liberdade são aqueles de libertação do poder e concomitantemente direitos à salvaguarda do poder contra outros instaurados com o escopo de limitação jurídica. Já os sociais, são aqueles de libertação da necessidade e igualmente de promoção, aqui sua tradução é simplesmente a organização da solidariedade. [21]

Estes, possuem características inefáveis de normas programáticas, dependentes de terceiros para sua concretização. Os direitos sociais estão interligados a vida momentânea de cada época, sob influência de condições socioculturais e institucionais, onde sua certa efetivação vai depender precipuamente de políticas econômicas e condições financeiras. [22]

JORGE REIS lembra que possuem algumas características básicas inerentes, quais sejam: o respectivo objeto de proteção respeita ao acesso unitário a bens de natureza econômica, cultural e social que sejam rigorosamente indispensáveis a uma vida condigna; com a particularidade de serem bens escassos, custosos, a que os indivíduos só conseguem alcançar se dispuserem, eles mesmos, por si ou pela instituições ao qual se integrem, de suficientes recursos econômicos ou se obtiverem ajuda ou as correspondentes prestações do Estado. Desta forma, há de se ter garantido pelo menos, um direito a um mínimo vital ou existencial, um direito à saúde (ou a sua proteção), um direito à habitação (ou a uma habitação condigna), um direito a segurança social (ou à assistência social), um direito ao trabalho e um direito a um ensino (à formação ou à educação). [23]

Ou seja, são de status positivus, e já estavam preconizados em textos dos séculos XVIII e XIX, onde foram amplamente garantidos a partir dos primeiros anos do século XX na Rússia pós-revolucionária, na Alemanha da República de Weimar e em outras nações com forte presença do movimento socialista: eram os direitos preferenciais em Estado Marxista-Leninista.[24]            Tidos como direitos a prestações, avalizados pelo Estado direta ou indiretamente, enunciados em normas jusfundamentais, possibilitam melhores condições de vida aos mais necessitados. Tais direitos tendem a realizar a isonomia de situações sociais desiguais, valendo como um pressuposto da fruição dos direitos individuais, na medida em que possibilitam condições materiais mais propícias ao apuramento da igualdade real, o que consequentemente, proporciona condição mais comportável com o exercício de liberdade, incluindo as liberdades de status negativus. [25]

Enquanto que a maior parte dos direitos, liberdades e garantias estão abarcadas por norma constitucionais exequíveis por si só (normas constitucionais preceptivas), a sua efetivação depende sobretudo de condições meramente institucionais e socioculturais. Nos direitos de liberdade, os indivíduos podem resistir a uma possível atividade estatal, repelindo e resistindo com vários meios que o ordenamento jurídico lhe oferece. São aqueles observados ou plenamente vislumbrados em regime político liberal ou pluralista, que é, insista-se, o subjacente ao Estado Social de Direito.  [26] 

Mas é de se perfilhar o entendimento que mesmo diante de conteúdos e características distintas, ambos se complementam e possuem o mesmo nascedouro: a dignidade da pessoa humana, inserindo-se em uma unidade axiológica e sistemática da ordem jurídica harmônica como um todo, dentro da Constituição.[27] Essa complementação, conforme já mencionada anteriormente, se vislumbra na medida em que os direitos sociais, ao promoverem os ideários de igualdade (tanto é assim que estão interligados umbilicalmente ao princípio da isonomia) e de promoção do homem, do livramento de necessidades, estabelecem os requisitos para que também se exerça a liberdade idiossincrática, por exemplo, no caso  da cultura e o ensino, que fazem ser possível fruir liberdade profissional (inclusive o melhoramento desta), o exercicio do sufrágio, a liberdade de expressão, etc.

Nesse contexto, indo mais afundo nos direitos sociais, estes possuem duas dimensões: a subjetiva, claramente por serem direitos individuais, inerentes ao espaço existencial do cidadão; e a objetiva, ou seja, as prestações estatais se bifurcam em materiais (ações fáticas positivas – positive fafiktische Handdlungen), pelo qual se traduz ou no oferecimento de bens ou serviços a quem não se pode adquirir no mercado ou no fornecimento universal de serviços monopolizados pelo Estado, como o guarnecimento de energia ou segurança pública; e normativas (ações normativas positivas – positive normative Handlungen), que consistem na criação de atos normativos que tutelem interesses individuais, como ocorre, por exemplo, quando o estado se vê obrigado a legislar sobre férias remuneradas (art. 7, XVIII – CF/88), caso no qual tal prestação não possui valor econômico direto, pois não oferece ao empregado uma espécie de remuneração, mas constitui e conforma tal obrigação jurídica de todos os empregadores concederem férias remuneradas e a pretensão jurídica dos trabalhadores a elas. [28]

Nessa senda, é de se configurar do entendimento que a dimensão objetiva não pode se limitar meramente ao âmbito legiferante, se for assim há aqui uma pretensão meramente minimalista. Trazendo esse raciocínio sob o estudo do aspecto objetivo dos direitos fundamentais aos direitos sociais, devemos também pensa-los em uma perspectiva global, numa moldagem que transcenda a um lado meramente isolado: ela respinga na coletividade, como valores ou fins que esta se propõe a levar a diante, em grande parte através de ações estatais que reforçam a imperatividade dos direitos fundamentais e ampliariam sua influência normativa no ordenamento e no corpo social. [29]

São autênticas espécimes de mais-valia jurídica que dota os direitos jusfundamentais com uma ampla carga de juricidade ao compo-las à produção de efeitos que vão além do significado individual, a ideia não parece se esgotar no direito subjetivo, como se pensava a clássica noção doutrinária dos direitos sociais, são valores agora comunitários (que do ponto de vista objetivo da existência da norma na ordem jurídica, sejam aplicáveis potencialmente a uma infinidade de sujeitos) [30] e estruturais, na medida em que ambas se completam.

E dentre tantas consequências jurídicas ao se analisar essa amplitude objetiva, algumas delas nos fazem mirar ao assunto ora em tela debatido, pois é a partir desse ponto, que se pode perceber que o Estado não apenas deve se estorvar de violar direitos fundamentais, mas sim, dar-lhes guarita: a dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais impõe uma proteção e efetivação total destes. Assim, mais uma vez,  se viu que a utilização da proporcionalidade, na faceta da proibição da insuficiência, foi um dos meios válidos de se cumprir tal necessidade.

Logo, a perspectiva objetiva se fez elevar os direitos fundamentais a um indicador de prevalência sobre as meras questões de Estado, de modo que se tem conferido aos mesmos, uma supremacia de natureza jurídica, formal e além de tudo, vinculativa de todos poderes públicos constituídos, [31] além de estabelecer que estes possuam um state of mind de caráter, eficácia e dimensão especial, que ultrapassa a mera questão de justiciabilidade pelo titular diretamente fundada na Constituição. [32] Há uma verdadeira eficácia dirigente que estes desencadeiam em relação aos órgãos estatais: contem os direitos fundamentais uma ordem dirigida ao Estado no sentido de que a este incumbe a obrigação permanente de concretização, realização e promoção de tais direitos, [33] através de quaisquer meios a disposição para que se tornem possíveis tais objetivos.

Deve-se ainda propalar o que a doutrina fez denominar de uma verdadeira força irradiante (ausstrahlungswirkung), ou uma espécie de interpretação conforme (os direitos fundamentais), que se desdobra a um dever de proteção por completude, no sentido que se incumbe zelar, ainda de forma preventiva, e não só contra os poderes públicos, contra agressões vindas de particulares e até de outros Estados [34], avalizando-os, assim, na supereficácia desses direitos constitucionais vinculados a uma força maior, com uma certa capacidade de resistência, variável em intensidade, dos direitos que se derivam a prestações, enquanto direitos que advém de leis conformadoras, aos câmbios normativos que impliquem uma diminuição do grau de realização desses direitos. [35]

A importância da dimensão objetiva aplicada aos direitos sociais também é encontrada infalivelmente na questão da referência para a verificação de legalidade do restante da ordenamento legal de uma sociedade, ou seja, toda norma que se centre na Constituição, incluindo aquelas que ditem direitos programáticos, podem servir de parâmetro para a fiscalização da constitucionalidade pela Justiça Constitucional. Há, sem sombras de dúvidas, eventual inconstitucionalidade por omissão no caso de negligenciamento a necessidade da respectiva promoção, precipuamente na falta de intepositio legislatoris necessária para lhes conferir a devida concretude e exiquibilidade a tais direitos. [36]

 Igualmente, numa eventual inconstitucionalidade por ação, em caso de atuações das autoridades públicas opostas ao sentido normativo incritos naqueles preceitos constitucionais, quiçá uma inconstitucionalidade superveniente de eventuais normas anteriores que se oponham ao sentido normativo normativos das positivações sobre direitos sociais. Assim, esses direitos vão agir como um verdadeiro parâmetro para o controle de constitucionalidade de medidas que por um acaso violem-nos, visto que na condição de preceitos que absorvem determinados valores e vereditos essenciais que caracterizam sua fundamentalidade, avançam em um mero reforço único da juricidade dos direitos fundamentais. [37]

Ainda tem-se a chamada função outorgada dada aos direitos fundamentais sob o apsecto de parâmetros para a criação e constituição de organizações ou instituições estatais e para o procedimento. Aqui é que se pode extrair do conteúdo das normas de direitos fundamentais, as consequências para aplicar e interpretar normas procedimentais, bem como a formatação de um procedimento que ajude na efetivação destes. Um procedimento alongado e demorado ou ainda ineficiente que retire o significado do conteúdo material de direitos fundamentais atenta contra a devida concretização dos mesmos. [38]

Desta forma, os direitos fundamentais, nessa perspectiva objetiva, exercem várias e relevantes funções na sistemática jurídica, que podem ser aplicadas de igual forma aos direitos sociais (até porque ambos estão contidos um ao outro). Mas não podemos, de igual maneira, excluir ambas as dimensões, nem isola-las por completo, mas sim integra-las e fazer uma releitura interdisciplinar, sem retirar, é claro, a característica precípua da leitura subjetiva dos direitos sociais. 

Os valores elencados na Constituição e assumidos pela sociedade definirão a fundamentalidade dos direitos e, por conseguinte, dos direitos sociais. Por outro lado, a ratificação de  sua subjetividade assegura, aos seus dependentes, a possibilidade de se procurar, através do Poder Judiciário, por meio da aplicação de vários princípios e metanormas, a implementação não levada a cabo pelos outros poderes. Sem obliterar que a condição de direitos subjetivos, autorizam o desenvolvimento de nupérrimos conteúdos, que sem se imiscuir no azo da subjetivação, assumem uma função de alta relevância na construção e idealização de um sistema que seja minimamente eficaz e coerente na sua própria efetivação e aplicação, esse foi o caso da proporcionalidade e seus subprincípios, em todos os seus ângulos.

Mesmo diante de todo esse contexto não se pode deixar de aduzir que um parte da doutrina não possui um consenso pacífico quanto as características da plena fundamentalidade dos direitos sociais, plenitude esta facilmente associadas aos direitos de liberdade, ou seja, parte dos estudiosos trazem objeções dogmáticas a estes, em que Robert Alexy agrupa-as em dois argumentos complexos, um formal e outro substancial [39], e que são acentuadas, de certa forma, quando o próprio texto Constitucional não dispõe expressamente tal categoria no rol dos direitos fundamentais, como é o caso da República Alemã.

A primeira objeção que se faz é o que toca ao que se construiu da dogmática da reserva do (financeiramente) possível (Vorbehalt des Moglichen), que se traduz a ideia de que os direitos sociais só possam existir quando e enquanto houver dinheiro nos cofres estatais. [40] Os direitos programáticos, como a própria semântica mostra, depende de um programa, ou seja, de custos ao Estado, onde há a necessidade de atuação do Poder Legislativo, que num quadro de escassez moderada é obrigado a fazer escolhas políticas acerca da colocação dos montantes já disponíveis, estabelecendo as maneiras corretas de prestação e decidindo prioridades no que tange a realização desses deveres e os disponíveis aportes financeiros; diferentemente do que ocorre nos direitos de liberdade, que tanto quanto possível, devem promover as condições favoráveis de efetivação das prestações estatais em questão e preservar os níveis de realização já alcançados, [41] o que, para alguns, de certa forma, acabaria por colocar em causa a própria fundamentabilidade desses direitos.

Ainda há quem definam os direitos sociais dotados de muita heterogeneidade, para o qual não se trata de normas garantidoras de direitos, e sim apenas de metas, no sentido de apontarem um dever a ser cumprido de forma discricionária pelo Estado. Disso se retira que a dimensão subjetiva não estaria presente, pois não haveria aptidão a abalizar pretensões de titulares de direitos, sempre dependendo da atuação estatal por meio do legislador para, dando forma ao programa, criar o direito, aí então exigível. Os defensores deste ideário levam a cabo o entendimento segundo o qual estas normas não configuram direitos, visto não serem justiciáveis, ou os são em pequena medida. [42] O que acresce o fato da falta do reverso do direito, ou seja, o dever estatal não estaria constitucionalmente definido, existindo um mero enunciado normativo a ser efetivado pelo poderes públicos, em especial a atuação legiferante, de acordo com sua oportunidade e conveniência (ou discricionariedade). [43]

Já no que tange a sua determinabilidade, o conteúdo dos direitos sociais não seriam constitucionalmente determináveis, o que significa inferir que seu conteúdo principal terá de ser, em ampla ou pequena medida, determinado por opção do legislador infraconstitucional, ao qual a Constituição defere poderes de determinação e/ou concretização, isto porque indica impor ao Estado que tome medidas para por em realização concreta de bens protegidos. Para que esses direitos se tornem direitos subjetivos ratificados, é necessária uma atuação externa que venha a delimitar seu conteúdo concreto, retirando tal feito de opções políticas em uma caixa de prioridades a que muitas vezes incorporam (e assim justificam na sua execução) escassez dos recursos, a limitação da intervenção estatal na sociedade e, em geral, uma ampliação característica do próprio princípio democrático. [44]   

Por essa razão, em se faltar preceitos normativos constitucionais que não sejam imbuídos de determinabilidade e preceptividade, não poderiam ser aplicados de forma direta, sendo este critério o que define a reserva constitucional de conteúdo e que sequencialmente conduz a aplicabilidade direta, que no caso dos direitos sociais estariam ausentes. A intervenção de lei infraconstitucional, possuiria aqui um sentido expansivo e bi-direcional. Expansivo porque ao legislador cabe definir, de acordo com a medida do direito por ele garantida a própria conformação constitucional do direito e bi-direcional num sentido que direciona a todos um direito abstrato e grandemente direcionado que vai ser completado depois, pelas prescrições dos encargos estatais (veja-se por exemplo quando a Constituição Federal do Brasil de 1988 afirma no artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações ou quando a Constituição Portuguesa dita em seu artigo 66 que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.). [45]

Mas de certa maneira é preciso desconstruir tais objeções, apenas para ratificar a importância dos mesmos e a melhoria de mecanismos para sua proteção, como é o caso da proibição deficiente.

Justificados sob um prisma especial, os direitos sociais como fundamentais, se previstos na Constituição de forma incompleta e que demandem uma atuação do legislador infraconstitucional, não deixam de ser fundamentais e ainda menos ausentam de um dever Estatal, muito pelo contrário.

As normas programáticas que possuam um caracter fundamental não são ínfimes programas que não necessitam de obrigatoriedade, são imposições legislativas concretas, em que o Estado e todos os orgãos de poder, bem como todas as entidades públicas estão vinculadas a estas, seja qual for seu trejeito ou forma de atuação, deve toma-las como referencial e fundamento, tendendo a conferir-lhes a máxima eficácia possível, assim como em relação ao conjunto dos preceitos normativos e atos jurídicos-públicos (ou administrativos) os quais devem criar condições capazes de permitir ao corpos sociais de usarem e gozarem efetivamente dos seus direitos em um âmbito de Estado Democrático de Direito,[46] mesmo ainda que exista alguma alegação de incapacidade material e econômica para a execução de tais políticas para aplicação desses direitos. Essa justificativa não enseja o fundamento necessário para que não haja uma aplicação destes a sociedade.

Restrições orçamentarias e escassez de recursos não seriam suficientes, de forma absoluta, para afastar a aplicação mínima de direitos sociais, pois o Estado tem de dispor e poder dispor dos correspondentes fundos econômicos objetivamente exigidos para a realização destes direitos. Deve-se levar em conta um standart mínimo, prioridades de opções políticas acerca de um equilíbrio de recursos e necessidades para determinar a existência de direitos em cada caso concreto, dado que não são aceitáveis um imperativo de otimização,[47] é claro, com um pressuposto necessário de gradualismo e flexibilidade de realização. [48]

Desta forma, o Estado, de forma global, é recebedor (e não titular) das normas definidoras de direitos sociais fundamentais e, como tais, são assim obrigados por ela, não se derivando de tais direitos por sua concepção natural uma opção de direito subjetivo, da forma que acontece com as normas privadas dos direitos privatistas (contratuais, consumeristas ou imobiliárias, por exemplo).[49]

Ex positis, é fácil vislumbrar que os direitos sociais hoje, para a doutrina moderna, assim como para uma grande maioria dos operadores do direito, tornaram-se verdadeiros direitos fundamentais, que por terem características intrínsecas a estes e diferenciadoras, possam possuir alguma objeções quanto a sua aplicabilidade e determinabilidade, mas que não retira sua essência, pelo qual é inquebrantável ao sistema jurídico como um todo, como se viu. Também é entendimento que esses mesmos direitos fundamentais estão imbricados a dignidade da pessoa humana, o que fizeram tornaram a base medular do Estado atual de Direito, tendo garantidos o seu respeito, eficácia máxima, proteção através de todos os meios garantidos e possíveis, em que uma garantia de vida condigna com um mínimo existencial no que tange aos diretos sociais se tornaram os novos paradigmas societários da mundo atual, mínimo este que se liga inteiramente a proposta da proibição deficiente, conforme se mostrará mais adiante.

Já no que tange a sistematização desses direitos nas Constituições Portuguesa e Brasileira, é mais que crucial fazê-lo, analisando suas particularidades, bem como suas similitudes, pois com isso mostra-se conveniente e oportuno firmar um propósito de direitos fundamentais enquanto organização de direitos numa Constituição considerada em concreto, dentro de um sistema que ocupam um lugar de destaque, concebidos como elementos estruturantes tanto em termos materiais (aquela ideias básicas, extraídas pelo sistema social, que foram objetos de recepção, concretização e incorporação pela Constituição), instrumentais e auxiliares, pelos quais corroboram a unidade e dinamicidade de todo o conjunto normativo Constitucional. [50]     

Em ambos os sistemas é capaz de se perceber algumas características semelhantes, quanto a estes direitos: ilustram uma configuração possível do (tipo de) Estado constitucional ocidental, assentados nos elementos precípuos da democracia representativa, da teoria da separação dos poderes, da rule of law e garantia efetiva de pelo menos um núcleo básico de direitos e de colaboração política [51], como por exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana como metaprincipio básico de parâmetro para a construção de direitos sociais, conferindo equilíbrio e ordem aos sistemas em consonância com a liberdade, igualdade e solidariedade (art. 1º, III, da CF/88 e da CRP/76) [52]; o aduzimento dos direitos sociais como direitos que não meramente se dirigem objetivamente ao Estado; uma certa preocupação no que tange a efetividade dos direitos jusfundamentais (Art. 5º, § 1º, da CF/88 e art. 18, 1, da CRP/76); bem como a abertura a direitos que extrapolam a autoridade da Constituição (ou a conhecida cláusula aberta, Art. 5º, § 2º, da CF/88 e art. 16, 1, da CRP/76). [53]

No que toca aos direitos sociais a Constituição do Brasil os positivou nos artigos sexto ao décimo primeiro, de forma espaçada, o que se infere a impossibilidade de tê-los sob uma ótima estanque a suas previsões constitucionais. Confirme-se isto pelo fato que há direitos que mesmo estando inseridos nesse rol não são considerados direitos sociais (como direitos a prestações fáticas do art. 7º da CF/88), bem como dos que são sociais e não estão sob o manto desse título; diferente da Constituição Portuguesa, que elencou de forma bem mais organizada o título dos direitos sociais em Direitos e deveres economicos, sociais e culturais (arts. 58 e ss. da CRP/76). [54]

A Constituição brasileira também não trouxe uma distinção explicita quanto aos direitos de liberdade e os direitos sociais, apesar dessa bifurcação aberta dos direitos fundamentais estarem de uma maneira ou de outra em quase todas as Constituições feitas após a primeira grande guerra ou, de igual sorte, na legislação infraconstitucional de quase todos os países. [55] Tome por exemplo o artigo sétimo e seguintes, inseridos no capítulo II dos Direitos Sociais, que salvaguarda a respeito de direitos dos trabalhadores, mas que tanto podem elencar direitos de liberdade, como o de greve (Art. 9º da CF/88), ou direitos claramente sociais, como a garantia do salário (Art. 7º, VII, da CF/88); diferente da nação lusa que deixa essa separação às claras (com o título outro dos Direitos, liberdades e garantias nos artigos 17 e seguintes).

Sob essa perspectiva de secessão organizada e sistematizada entre direitos sociais e de liberdade é interessante tecer alguns comentários sob a ótica da doutrina portuguesa. Essa divisão certeira e pontual na Constituição Portuguesa se torna relevante no que tange aos Direitos, liberdades e garantias, porque não se transpõe em um simples esquema classificatório, mas sim um verdadeiro regime jurídico-constitucional especial que se caracteriza materialmente desta espécie de direitos fundamentais.

E não é só isso, essa distinção exata também serve de paradigma material a outros direitos semelhantes dispersos na Carta Magna lusitana, o que se atribui a estes uma força vinculativa e uma densidade aplicativa (ou aplicabilidade direta), no qual aponta a um reforço generalizado normativo destes preceitos se relacionando a outras normas constitucionais, o que inclui normas referentes a outros direitos jusfundamentais. [56]

Quanto aos Direitos e deveres economicos, sociais e culturais, essa partição constitucional vem a calhar, pois não se trata de uma divisão contraposta aos Direitos, liberdades e garantias mas apenas aos que possuem diferenças a estes, sujeitos a um regime geral de direitos fundamentais, que não se beneficiam do outrora indigitado regime especial dos direitos de liberdade, exceto se não constituírem direitos de natureza semelhantes a estes. Cabendo relembrar que muitos desses direitos sociais são a prestações, com a inclusão de alguns com natureza negativo-defensiva, trazendo esse esforço de sistematiza-los uma maior gama de direitos que os de liberdade, sem excluir a ótica que alguns direitos de caráter sociais sejam configurados como de natureza análoga aos de liberdade, mesmo apesar da divisão. [57]

Dessa maneira, se conclui que a cisão, como feita na Constituição Portuguesa, pode trazer certos benefícios a essas espécimes: tornando mais fácil analisar sua natureza e características idiossincráticas, simplesmente pelo fato de sua sistematicidade, sem excluir que sua aplicação também se transmuta em ser deveras mais certeira no que tange as questões constitucionais pelo qual se precisem utilizar tais direitos, sob o manto a que cada necessidade particular no caso concreto venha a requerer.


CAPÍTULO III

DA PROPORCIONALIDADE, DIVISÃO DE INTENÇÃO ENTRE PROIBIÇÃO DO EXCESSO E PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E A INFLUIÇÃO DESTE ÚLTIMO NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ENQUANTO DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para que se entenda a proibição da proteção deficiente, Untermassverbot no termo alemão, e sua precípua aplicação nos direitos sociais, primeiro é necessário esclarecer ao que toca a proporcionalidade, já que deste é de onde advém o princípio pelo qual é o ponto central deste estudo.  

O princípio da proporcionalidade tem se tornado ao longo do século vinte uma das mais avivadas ferramentas do Direito de forma geral, no qual perpassa diversos ramos da seara jurídica, seja no plano interno ou alienígena. Podendo tomar uma terminologia bastante oscilante [58], o mesmo decorre inquestionavelmente da própria sistemática de Estado de Direito, tanto é assim que é entendimento hodierno a não relevância quanto a sua fundamentação constitucional, quiçá sua normatização, dada a omnipresença e importância do mesmo [59].

Desenvolvida originalmente pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, a partir da década de 50, foi prontamente recebida com festejo pela doutrina daquele país. [60] Em Portugal, é considerado princípio estruturante da Constituição da República e foi positivado expressamente e implicitamente pelo Legislador constitucional [61] e ainda na legislação infraconstitucional. [62] Já no Brasil, o legislador constitucional originário não previu expressamente tal princípio [63], mas lembrou de o acrescer na legislação infraconstitucional. [64] Em sede de jurisdição internacional o princípio é vislumbrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, [65] Convenção Europeia de Direitos do Homem,[66] Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, [67] Convenção Interamericana [68] ou ainda na jurisprudência densificadora do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [69] e da Corte Interamericana de Direitos Humanos [70].

Quanto ao princípio, pode-se afirmar que a proporcionalidade, é a referência primordial do controle da atuação das autoridades públicas, assumindo precipuamente no âmbito da fronteira dos direitos fundamentais, o papel de principal instrumento de controle da atuação que restringe a liberdade individual e de chave sem a qual, amalgamada no recurso à metódica da ponderação de bens, não seria possível entender os problemas nos quais vem ai sendo colocados a tona [71].          

A utilização da proporcionalidade exsurge quando dois ou mais bens jurídicos pelos quais faltem à sua realização e sobre os quais, há ou não conflito, tenha de procurar o equilíbrio, a harmonização, a ponderação, a concordância prática. A avaliação a ser sopesada não se reduz a um mero âmbito cognoscitivo, mas sim, uma funcionalidade teleológica ou axiológica e não de qualquer funcionalidade lógica ou semântica, em que tudo se perfaz num decisum. [72]

Vem do entendimento que este é um mandamento constitucional que objetiva verificar a constitucionalidade de intervenções estatais a um direito fundamental, mediante a avaliação de sua licitude e da licitude dos fins pretendidos, da mesma forma a adequação e necessidade da intervenção para fomentar determinada finalidade, ou seja, configura-se um limite do poder limitador. [73] O que se pode traduzir com isto, é um significado geral de proibição de decisões das autoridades públicas que se revelem arbitrárias, excessivas e desarmônicas, que resultem desvantagens ou sacrifícios ululantes e injustificados para os destinatários daquele bem protegido. A proporcionalidade vem a acautelar, impreterivelmente, a essência ou conteúdo que identifica o Estado material de direito, a liberdade, autonomia, igualdade e justiça. [74]  Por exemplo, JORGE MIRANDA aduz que tal princípio, aplica-se, com mais ou menos adaptações aos direitos sociais, no conflito com direitos de liberdade (do direito à fruição cultural com a liberdade de propaganda eleitoral); na escolha da plena efetivação destes ou daqueles direitos em face da escassez de recursos, de exigências de sustentabilidade e de fatores institucionais envolventes da atuação do poder público; na escolha da maior ou menor efetivação dos direitos derivados a prestações ( entre prestação de saúde e prestações de ensino); na distribuição das prestações em razão das situações concretas das pessoas. [75]

Como se pode notar, a proporcionalidade (em sentido lato) se constitui uma verdadeiro superconceito (Oberbegriff), com uma latitude de amplitude bastante alargada, em que, sempre, é identificado com alguns subprincípios invocáveis a este. É um princípio geral que abrange diversas outras dimensões [76] como os elementos da adequação (dos meios ou idoneidade, conformidade – Geeignetheit), necessidade (indispensabilidade, exigibilidade ou meio menos restritivo – Erforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito (nacionalidade ou da justa medida – Verhaltnismassigkeit). [77]

O primeiro elemento da proporcionalidade, a adequação, é onde se pergunta se a medida adotada é adequada para fomentar a realização do objetivo perseguido? [78] Isso traduz-se na propositura pelo qual um meio adequado a sua prossecução, a intervenção ou a providência a ser adotada pela autoridade competente tem que ser correspondente e legítima ao que se pretende: uma medida se torna idônea quando é útil para que se busque tal ideário e o resultado a ser alcançado seja pelo menos visível e palpável, independente quaisquer que sejam a medida posta ou o fim buscado, emancipado dos méritos correspondentes.

A exigência dessa conformidade conjectura a investigação e a prova de que o ato emanado é apto para e conforme os fins justificados para sua adoção. É um verdadeiro controle da relação de adequação entre a medida e o fim, ou seja, se busca o respeito exclusivo a relação de causa-efeito entre meio e fim, é à propensão que um artifício dará para atingir um fito.

Para que se afira tal aptidão, não se deve olhar de forma minimalista, no sentido que o meio apenas realize de forma completa o fim visado, mas sim, considerando que se baste até uma aproximação, mesmo que de forma incompleta, ao fim procurado, o que se conclui que a medida restritiva só será invalidada por inidoneidade quando os efeitos venham a se revelar indiferentes, inócuos ou ate negativos, contrários à realização deste, por exemplo, como aqueles que atentem contra a dignidade da pessoa humana ou quaisquer direitos fundamentais inerentes ao homem (nos quais estarão naturalmente excluídos de serem utilizados).

No que toca ao controle feito pelos Poderes públicos quanto a idoneidade, JORGE REIS lembra que este é prévio, pelo qual incide sobre a prognose observada por tais autoridades responsáveis pela criação ou concretização desta restrição de direitos jusfundamentais, o que significa que para que se encontre a inconstitucionalidade pela falta de adequação, o responsável teria que ter previsto tal propensão no momento em que a decidiu e atuou sobre ela: a análise é totalmente prévia.  [79]

Ja na necessidade, a tônica é a qual o cidadão deva ter a menor desvantagem possível. O fim constitucionalmente legítimo para ser alcançado há de ser exigível ou indispensável, significando o mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir aquela busca.

Para se aferir a desnecessidade de uma agressão se voltam os olhos pela medidas restritivas em comparação, avaliados nos efeitos materiais, no qual o meio deve ser o mais poupado possível quanto a limitação dos direitos fundamentais; espaciais, apontando para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; temporais, na rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; e pessoais, se devendo a medida ser limitada à(s) pessoa(s) cujos interesses devam ser sacrificados. Dessa maneira, se se puder fazer a prova da existência de um meio alternativo menos restritivo agressivo que o utilizado, ou então, se a medida restritiva que embora seja legítima em comparação ao fim prosseguido, provoque efeitos mais restritivos da liberdade que as medidas atuais em aplicação, sem garantir, igualmente, um acréscimo sensível de eficácia na realização desse fim, tais meios que foram escolhidos, são excessivos, e consequentemente inconstitucionais por violação da proibição do excesso. [80]

No que toca a proporcionalidade em sentido estrito, trata-se essencialmente, de indagar acerca da proporção de uma relação entre dois termos ou entre duas grandezas e comparáveis, ou seja, visa-se apurar a harmonia na relação entre a importância pelo fito vislumbrado e a gravidade do sacrifício imposto. Uma medida dicotomicamente poderá ser adequada e necessária aquele caso, mas ao mesmo tempo pode afetar de forma desarrazoada, excessiva ou intolerável o direito posto em questão.

A justa medida tem tudo a ver com a ponderação de bens e aquelas ideias de pesar, sopesar, como em uma balança, ou as vantagens e desvantagens que possam ser vislumbrados em um determinado cenário de restrição, trazendo alguma semelhança com a análise econômica dos custos e benefícios, ônus e bônus de uma decisão. [81]

O que se pode perceber é que a proporcionalidade em seu sentido mais conhecido e tradicional resvala como uma verdadeira proibição do excesso [82] por parte do Estado, onde facilmente estão em causas violações por ação de direitos jusfundamentais, precipuamente, quando se põe a pleito uma dimensão negativa destes e os deveres de abstenção, ou mesmo daqueles deveres negativos defensivos nos quais se podem vislumbrar na dimensão positiva dos direitos fundamentais: quando se transgridam direitos de liberdade. [83]

Doravante, quando se cuidam de direitos fundamentais,  precipuamente sociais, pelo qual o âmbito de proteção se traduz mais especificamente em liberdades por assim dizer positivas, a exigirem do Estado um dever de atuação ativa, o princípio da proporcionalidade é melhor invocado na forma da proibição da insuficiência, tanto é assim que a doutrina moderna entende que a proporcionalidade não deve (e nem pode) se esgotar na proibição do excesso, como se podia pensar anteriormente, pois, bifurcando este ao outro lado da proibição deficiente, é possível vislumbrar facilmente sua aplicação aos direitos sociais, visto que vinculamos o Estado a um dever de proteção ampliada em face de dimensões que traduzam maiores densificações, principalmente no campo dessas prestações sociais. [84] 

Nesta senda, foi o Tribunal Constitucional Alemão, em uma série de julgados, que trouxe a tona o que tange a proibição da proteção deficiente. Sendo a partir dessas decisões, com o desenvolvimento da teoria dos deveres de proteção, que se constatou que a estruturação da proporcionalidade possuía um mandato de proteção constitucional por omissão, ação insuficiente ou ainda deficiente. [85] Disto escoando que apesar desses julgados percussores não abarcarem questões de direitos sociais per si (e sim de outras esferas do Direito, como a penal), se notou, como dito anteriormente, que sua aplicação fazia jus a ser um perfeito mecanismo de proteção dos direitos programáticos, senão vejamos. [86]

A proibição da proibição deficiente, apesar de não ter qualquer consagração expressa nem na Constituição Portuguesa ou Brasileira, também decorre infalivelmente a partir do Princípio do Estado de Direito Democrático [87] e pode se definir como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, cuja aplicação pode vislumbra-se quando um ato do Estado vulnera algum direito fundamental de proteção, seja por omissão, defeito ou insuficiência.

O dever de proteção se traduz em dizer se a autoridade pública está ou não obrigada a dar tutela jurídica a certo bem jusfundamental: a proibição da insuficiência diz se a guarita que realmente se concedeu corresponde ou não às exigências normativas constitucionais, ele encontra-se umbilicalmente ligado à proibição da deficiência, ambos são dependentes. Assim, não havendo tal dever que imponha uma atuação positiva de proteção estatal, ou seja, aquela obrigação de fazer a que esta interligada os direitos sociais, não se pode, posteriormente, se considerar que o Estado ao se omitir, ou até permanecer inerte, violou o princípio da proibição da insuficiência visto que,  em tese não estaria obrigado a agir (aqui se vislumbra um caso de mera inércia). [88] Essa é a justificativa primordial da utilização desse mecanismo aos direitos programáticos.

Isto se traduz em uma fasquia mínima que o Poder Legislativo tem de atingir através da modulação da ordem jurídica, sob a pecha de verter-se em uma inconstitucionalidade por omissão, que pode se bifurcar em uma inconstitucionalidade pura (se nada foi realmente feito) ou impura (se o status quo normativo por insuficiente ou escasso), mas possibilitando eventualmente ultrapassar, sem que se resultem necessariamente consequências negativas (sempre lembrando, é claro, da tal zona de conformação, citada anteriormente, em que o excesso, além da falta do mínimo, são igualmente fiscalizados  e reprimidos pela Justiça Constitucional). [89]

Tal vertente da proporcionalidade tem a mesma estrutra geral que a da proibição do excesso, com algumas idiossincrasias que a fazem ter uma feição especial no ordenamento jurídico. Com efeito, similarmente em um primeiro momento, também se é necessário verificar a idoneidade do meio a ser alcançado.  [90]

Há de haver uma violação ao cumprimento de uma obrigação de proteção jusfundamental social, quando a norma em análise e as medidas estatais sejam inidôneas ou defeituosas para alcançar o fim de tal tutoria obrigatória, ou quando fique muito aquém do obrigado, sem esquecer que aqui se inclui quando o poder Estatal permaneça totalmente inativo. A questão do meio-fim também encontra-se presente. O meio atacado é um fazer, e o problema encontra-se imbricado na insuficiência de seu defeito ou na omissão [91], já o fim é a promoção de um direito fundamental de prestação que pode similarmente coincidir com o fim público buscado pelo legislador. [92]

É de se notar, que na proibição do excesso, o meio foi visualizado desde o princípio, discutido, escolhido e estabelecido pelo legislador para alcançar certo fito, já aqui, na proibição da insuficiência, o meio pode ser indeterminado. Mas não é só isso, no que toca ao fim estatal, lá é determinado pelo legislador no caso do mandato de proibição por excesso, mas não necessariamente implica uma imposição constitucional, basta com que o fim não seja definitivamente proibido pela Carta Magna. Na proibição da deficiência, o mandato de proibição, por pelo menos um dos fins, se refere a realização de algum direito em sua função totalmente programática. É o direito fundamental do atingido que requer ser analisado com as características daquele caso em específico em concreto, ou seja, de acordo com o estado de coisas de insuficiente realização do direito que de pronto se alcançou através da omissão (ou ação insuficiente) atacada e o estado de coisas que se pretende perquirir através de uma ação suficiente (estado final). Quando o produto do exame do mandato de proibição por omissão esteja protegido de forma definitiva, então eis que surge uma obrigação estatal positiva fixada, que possibilite uma maior e menor realização do direito a prestação. [93]

Com isso, nesse ponto preliminar, ao analisar a idoneidade na proibição da proteção insuficiente, fica claro que uma omissão legislativa e até mesmo uma norma já posta no ordenamento jurídico que não proteja um direito social do sujeito de direito prestacional (no qual possui tal direito social como garantia intrínseca abalizada pela Constituição) vulnera as exigências de tal conformidade. Da mesma maneira, pode se concluir que é idonêa, a norma (ou até mesmo a abstenção) que favoreça a realização daquele fim que ela procurou alcançar. Em outros termos, é preciso que a carência de proteção desse direito fundamental faça nascer uma maior realização do fim constitucionalmente legitimo da mens legislatoris. [94]  Aqui já é possível vislumbrar, ao se analisar o primeiro elemento, a importância desse mecanismo na guarita dos direitos sociais, através da fiabilidade do meio.

O segundo passo, após verificação do item anterior, é saber, se existindo, entre duas ou mais medidas a serem adotadas (no qual estas sejam aptas e possíveis), alguma dessas possa garantir maior proteção e segurança ao direito jusfundamental perquirido, sem a qual a escolha da medida mais hábil, agrida um direito de outrem de forma mais pragmática (uma escolha melhor e de mesma afetação, ou de menor amplitude, a diversos direitos): há uma violação da necessidade (ou suficiência), no caso da proibição da deficiente, quando, nos termos mencionados, a autoridade Estatal escolha a medida que seja menos eficiente àquele direito prestacional.

Neste amplexo, é que entra a questão da escolha pelo meios alternativos e se eles estejam aptos à correta concretização dos direitos constitucionais. A regra do meio alternativo diz que se há meios alternativos, e sua implementação pode fomentar um fim, e se cada uma dessas medidas, ou alguma dessas, pelo menos, puder fazer-lo em igual ou parecida forma do que o meio estabelecido e sua implementação de tais meios alternativos restringem em menor, maior ou igual medidas os princípios jusfundamentais (ou outros constitucionais) que através do meio estabelecido, então a medida estatal não é proporcional em sentido amplo ou de certa forma está como a menos lesiva. [95] Se cuidando, desta maneira, em estabelecer quais das medidas postas à mesa, se mostra(m) a melhor indicada para a proteção daquele direito, ou seja, qual delas exala o maior índice de suficienticidade.    Trazendo esse contexto especificamente para os direitos sociais, a existência de um outro melhor meio, comprova que é possível desde o ponto de vista fático, uma maior e melhor realização do direito de prestação e que a restrição deste direito por omissão ou insuficiência é possível de se evitar. O fim estatal pode ou não coincidir com o fim de realização do direito programático. Nesse caso, os meios alternativos tem que fomentar esse fim de forma similar ao meio atacado. [96]

Já no caso de uma colisão de princípios com outros direitos, os meios alternativos se comparam com a omissão ou ação insuficiente atacada para ver se restringem em igual medida ou até menos os direitos fundamentais que estão em rota de colisão, esta última comparação coincide com esse segundo âmbito de análise. O meio atacado tido como apto e menos lesivo, no cotejo deste com o meio alternativo mais apto, surge da medida da restrição do direito social pela omissão ou ação insuficiente atacada no pro case. Sem obliterar que disso se possibilita determinar quais seriam as consequências jusfundamentais se continuar a ação omissiva ou insuficiente do Estado. [97] Ou seja, perpassado o item anterior sem qualquer irregularidade, ainda é fáctível analisar o melhor meio ou medida, entre várias, qual delas está mais inclinada a que se garanta a capacidade de proteção, o que apenas ratifica ainda mais a capacidade da proibição da insuficiência em influir nos direitos sociais, mas ainda há outra conjutura.

É o último passo depois da idoneidade e da escolha pelo melhor meio alternativo. Aqui procura-se saber se a aceitação por parte estatal que a efetivação do direito social em análise pode por em risco ou ameaçar outros bens igualmente protegidos pela Constituição, doravante que mesmo havendo o cuidado de ir ao encontro aos dois anteriores passos, a prova de primazia dos dois direitos envoltos na colisão (envolvendo dentre estes um direito social) irá respeitar a aplicação àquele que busca esse ideário. Trata de uma ponderação (ou exame de proporcionalidade em sentido estrito na proibição da deficiência) que se traduz na relação entre a intensidade da restrição do direito e os argumentos que falam a favor do peso e da importância do direito ou bem jurídico coletivo em abalroamento, mais rigorosamente, se a falta da realização desta garantia de prestação social é de maior importância que o peso dos princípios colisionantes. [98]

O que se traduz, aprioristicamente, quando a execução de algum direito social se faz em confronto e à expensa de outros valores constitucionais, sendo que mesmo que o meio indigitado seja eficaz ou suficiente a concretização desse direito, portanto menos gravoso a outro direito/princípio jusfundamental atacado, torna-se dubitável a sua razoabilidade, que se transpõe aqui na utilidade e justa adequação de se usar o meio que venha a favorecer o direito prestacional.

É também necessário se aviltar a um exame de ponderação total pelo operador, onde se colocam em uma espécie de ringue os argumentos  a favor e contrários dos dois princípios em estudo no case a ser verificado. Tais argumentos se reverberam no grau de intensidade da restrição do direito social, no peso e importância da realização do princípio colisionante e a relação entre ambos dirigidas por a aplicação da lei da ponderação (que em regra diz que quanto mais baixa seja a não satisfação de um direito de prestação positiva, tanto maior tem que ser a importância da satisfação de outro). [99] Nesse útlimo elemento da proibição da insuficiência (ou no exame da proporcionalidade em sentido estrito) é de se levar em conta, inclusive, a intensidade da não realização do direito em sua função de prestação causada pela deficiência ou omissão. Para isso há de se sopesar, como se impinge a não realização deste direito no plano de vida dos afetados de acordo com seus interesses e necessidades sociais. Dessa maneira, observa-se, em uma espécie de senso, se afetado pode pertencer a um grupo que possua desvantagens, discriminações e se as consequências  nocivas a seus direitos persistem na atualidade. [100]

Aqui calcula-se a limitação do direito social: podendo esta ser leve, se se aplicar a lei da ponderação em sua versão simples, ou intensiva, hiperintensiva ou extrema. Uma interferência leve ou insignificante, há de ser justificada, igualmente, por ao menos argumentos que provenham de outros direitos fundamentais, bens jurídicos coletivos constitucionais ou fins estatais que não estejam vedados expressamente pela Constituição. Já a interferência maior (no qual engloba a intensiva, hiperintensiva ou extrema), a força das contrarrazões hão de ser mais que proporcionais em uma interpretação progressiva da lei da ponderação (essa interpretação se traduz no fato que quanto mais se interfere na realização de um direito em sua função de prestação, deixando quase que sem possibilidade de realização, tanto maior será sua capacidade de resistência, ou seja, o peso e a força da razões que a pretendem justificar tal falta de realização devem aumentar de forma sobreporporcional, de maneira que qualquer interferência nesse âmbito possa ser justificada). [101]

Tal fórmula é de suma importância considerando as projeções de aplicação da insuficiência no contexto de práticas constitucionais transmutadas por um alto grau de exclusão social, onde boa parte da população não pode se ver satisfeitas em um mínimo nos seus direitos sociais previstos constitucionalmente e sua autonomia considerada similarmente como liberdade fática. Assim, há a aplicação desta regra em contextos de constantes exclusões sociais, onde as omissões ou ações estatais que sejam insuficientes afetem um mínimo existencial, no qual requer uma precisão da proporcionalidade em sentido estrito aplicada neste contexto. A não realização desse mínimo, ou sua total supressão está justificada nesses espectro de proibição da insuficiência resultando em uma clara inconstitucionalidade por omissão ou de ação insuficiente, e ainda defeituosa.[102]

Este passo pode se tornar o mais complexo de todos, pois leva em conta diversos pontos, inclusive o contexto social e prático daquele direito no bojo da situação. Assim, diante de todos esses dados, torna-se alvo que terá de ser diante da análise de cada caso concreto que se avaliará o insurgimento quanto aos estratagemas da proibição aqui exposta, o que confere, pois, uma importante instância de análise e respeito de desenvolvimentos da proporcionalidade em sua vertente da proibição da insuficiência no que toca aos direitos sociais.

Isto posto, a análise da proporcionalidade como proibição da deficiência, se infere no exame de três passos, assim como na proibição do excesso (mas com suas particularidades, principalmente na aplicação a direitos sociais), visto que qualquer desrespeito a um desses elementos estaria de certa forma minimizando a aplicação desses direitos programáticos, quais sejam a idoneidade do meio apresentado, os meios alternativos e a proporcionalidade em sentido estrito, como forma de ponderar frente a outros bens, justificando assim a não possibilidade de qualquer restrição de um direito social por ação insuficiente ou uma omissão do operador daquele direito, ou seja, o Estado. O respeito a esses três itens analisados, já nos responde quase de forma completa em como a proibição da insuficiência é de máxime importância a busca da efetivação (e proteção) dos direitos sociais.   

Esse diagnóstico reverbera ainda em responder por fim se aquele fito perquirido é inconstitucional por desrespeito a proibição da deficiência, o que sem dúvida alguma se concentra e descamba, afinal, num consectário nuclear essencial básico sob direitos programáticos e a proibição do déficit: que os níveis de proteção (portanto, as medidas estabelecidas pelo legislador) deveriam ser suficientes para assegurar um padrão mínimo (adequado e eficaz) de proteção constitucionalmente exigidos.[103]  

A busca de um mínimo vital se transmuta na certeza de um mínimo social ou minimum core em cada um dos direitos sociais que sejam postos por qualquer Constituição, resultado da associação com a dignidade da pessoa humana, se tornando, pois, um critério horizontal inafastável. Há uma violação deste metaprincípio (e assim consequentemente também violado a proibição da deficiência), quando tendo condições de evitar, mas não o faz, o Estado deixa que alguém seja involuntariamente alocado ou acondicionado numa situação de penúria material que não seja permitido condições mínimas de autodeterminação pessoal, o que se traduz, que qualquer que seja as circunstância estatais, um nível mínimo de facticidade hão de ser garantidas a cada um, no sentido de uma preservação daquelas condições de sobrevivência sem as quais o indivíduo seja incapaz de verdadeira de conduzir sua própria vida e dos que o cercam, como os seus dependentes, estes são os caracteres básicos e essenciais de qualquer Estado social de Direito. Um standart mínimo, assim sendo, seria determinado a partir de critérios de satisfação das necessidades e interesses precípuos de subsistência ou das exigências mínimas dessa dignidade, que advém como alternativa aos subterfúgios que fazem fixar a efetivação de direitos sociais numa lógica pura de proporcionalidade em proibição da deficiência. [104]

Aliás, JORGE REIS rememora que a busca de critérios para fixar uma fronteira caracterizadora de tal mínimo social não pode se limitar em uma sobrevivência digna pela qual garantia acabaria no conteúdo normativo dos direitos sociais, mas sim em todo um conjunto de tentativas teóricas que, mesmo que não o atribuem, bisam no âmbito dos direitos de liberdade na questão aludida sobre os critérios de se fixar a alcunhada garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, ou seja, o minimum core, como um núcleo que seja inatingível pelo legislador tanto quanto pela reserva do (financeiramente) possível, pelo qual se transmuta num âmago essencial de cada direito social, determinável sobretudo com apelo a uma ideia de razoabilidade, e consequentemente ao recurso da proibição do déficit, no sentido de que seria mais que justo se exigir razoavelmente do Estado e daquele limiar mínimo de realização inferior, pelo qual haveria tanto uma inconstitucionalidade por omissão, quanto as necessidades fáticas dos particulares, as suas situações de carência inerentes e subjetivas e a premência da realização dos direitos à prestação numa situação própria a ser analisada. [105]

Dessa maneira, é que se abre objetivamente, segundo o catedrático, a possibilidade de se amalgamar a dimensão da razoabilidade, na direção da proibição da insuficiência, seja como complemento, seja como outra opção de escolha lógica, meio de preservação ou promoção de um mínimo de prestação para aquém do qual existiria alguma violação inconstitucional das obrigações estatais de fazer ou realização dos direitos jusfundamentais. Haveria, assim, uma deficiência inconstitucional quando os possuidores desses direitos afetados pela omissão, quiçá da insuficiência, por fato dela, se vejam em uma situação totalmente desrazoável, no qual resulta na situação negativa ou desvantajosa, com que se leva em conta a situação dos titulares do direito, como resultado do cotejo com os efeitos pelos quais seriam gestados com uma outra atuação do estado de prestação objetivamente comportável no quadro de recursos e possibilidades deste. [106]

Neste sentido também é que se leva a cabo que os direitos sociais estão sujeitos a um cumprimento dos correlativos deveres da autoridade de proteção, o que desponta a uma reserva do politicamente adequado ou oportuno, que dá aos órgãos estatais uma prerrogativa de avaliação só ab-rogáveis e controláveis, pela Justiça Constitucional, quando há uma concepção suficientemente determinável de proteção devida que se retiram de normas fundamentais ou quando essa proteção (possivelmente) dada ficou inferior ao de um patamar mínimo da que se exija, ou quando exista uma lesão do direito fundamental desprotegida ou insuficientemente protegida pelo fato de o poder estatal em omissão ter violado a proibição da deficiência. [107]

O que nos leva a refletir, pois, além do papel já esposado do legislador nessa proteção da deficiência ou omissão, que seja incluído os outros poderes, como o Judiciário, possuindo o poder de controle seja através da fiscalização de constitucionalidade por ação ou omissão e do Executivo, adotando, criando, gerindo e executando programas, recursos e estratégias, como meios de cumprimentos em todo esse contexto de proteção e efetivação de direitos sociais, principalmente quando não se garanta um mínimo que faça oferecer uma correta consumação dessas garantias jusfundamentais.

Fica expressamente claro e inerente a estruturação da proibição da proteção insuficiente, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, em todo um contexto dogmático de efetivação de direitos sociais, seja pela sua estrutura que se assemelha a da proibição do excesso, seja pela consequência lógica de sua aplicação, que se traduz na questão do mínimo social, que está indubitavelmente interligada a dignidade da pessoa humana e da proposta de identificação da razoabilidade da situação objetiva em que a omissão ou a deficiência podem deixar aos potenciais usufrutuários desses direitos programáticos, em uma situação subjetiva dasarrazoável e intolerável à guizo de um consectário do Estado Social de Direito.


CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, fica fácil perceber a magnitude da proibição da proteção insuficiente, enquanto segundo viés da proporcionalidade, como um parâmetro jurídico da proteção e efetivação dos direitos sociais, de modo que com ele se reforça, inegavelmente, um mecanismo certeiro de resguarde da força normativa dos mandamentos Constitucionais, quanto a suas ordens programáticas e de máxima efetividade dos direitos jusfundamentais por ela juramentadas.

O princípio estruturante da proporcionalidade, como base estruturante do Estado de Direito, em seu vértice da proibição de insuficiência encontra sustentação no próprio âmago dos direitos sociais garantidos pela Constituição, na medida em que se torna um positivo mecanismo de proteção desses direitos, seja combatendo a inércia ou a omissão dos poderes públicos constituídos.

Mesmo com uma crise anunciada no hoje Estado Social, causado por diversos fatores da mundialização geracional, é papel de todos, precipuamente do Estado, o combate a apanágios sociais e a busca por uma justiça social totalmente equânime. E é nesse contexto dogmático que exsurge a proibição da insuficiência, como garantidor da proteção e efetivação dessa busca, notadamente dos direitos às prestações, que exigem, sempre uma atuação de fazer ativa de todos os envolvidos.

Dessa forma, ao fixar os direitos sociais e imbrica-los aos direitos de liberdade, como forma de criar um todo, e sopesar sua dimensão objetiva, que significa, sinteticamente, olhar esses direitos com uma visão ampla e comunitária, é que se vislumbra a máxima do dever de proteção, inclusive vindo de terceiros ou particulares, como mote basilar da proibição do déficit. Neste âmago, considerando a dimensão objetiva, incumbe aos poderes públicos, além de tal proteção, organizar o seu arcabouço legislativo, estruturar o Judiciário e executar políticas públicas nesse contexto programático.

Apesar de dificuldade de pacificação doutrinária no que toca a análise da proibição da deficiência ou da encruzilhada dogmática como alcunhou o professor Jorge Sampaio em sua doutrina, é certo que este princípio que advém da proporcionalidade, vem a ser um inovador doutrinário e jurisprudêncial para a proteção de direitos sociais.

Primeiro pela sua estruturação, que se transpõe na idoneidade do meio apresentado, ou seja quando, houver meios ao dispor da autoridade pública, nenhuma medida idônea para que se protejam os bens jurídicos à guarita pelo ordenamento constitucional for adotada, de maneira que este pemaneça inerte ou omisso; na suficiência ou necessidade do meio, quando se cuida de inquirir qual dessas medidas existentes seja a melhor para a proteção dos direitos sociais, e dentro várias escolhas, que faça pela mais adequada; e por fim quanto à uma ponderação de bens, onde se entra em análise os argumentos pró e contras, à luz do caso concreto, através do diagnostico circunstancial e específico, para que se ache a solução do problema, induzindo a uma primazia que seja condicionada a um dos direitos sociais, envoltos na colisão.           

E segundo por sua consequência de aplicação, que descamba em um respeito a um mínimo vital, em total sintonia com a dignidade da pessoa humana, em que não se veriqfique uma situação totalmente fora da razoabilidade, no qual resulte em um aspecto negativo ou desvantajoso aos titulares do direito.

Ex positis, o tema em estudo, desta maneira, possui várias nuances que o deixa de certa forma emaranhada a outras questões e sempre vai necessitar de uma análise e exame mais profundas para o seu completo entendimento. Nunca se quis aqui esgotar o tema de alguma forma, pois a dificuldade é inerente a este intento, principalmente pelo fato da matéria caminhar de forma tímida na doutrina da hermenêutica constitucional e na práxis jurídica. Porém o aqui investigado nos faz refletir ainda mais a respeito da temática, encaminhando-nos a um possível norte para que se entenda, mesmo que de forma perfunctória o princípio da proibição da insuficiência, sua importância e interligação à realização dos direitos sociais, bem como sua capacidade de ser umbilicalmente fixado como parte essencial do Estado de Direito.


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Notas

[1] NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa.  Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 14 e MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Constitucional – Estado e Constitucionalismo. Constituição. Direitos Fundamentais. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2016, v. 1, pp. 44-45.  

[2] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2015, T. IV, p. 25; NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., pp. 15-17 e MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Constitucional..., pp. 47 e 58.

[3] Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito..., idem e NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 18.

[4] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., pp. 21, 22 e 24; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 116-117; MIRANDA, Jorge. Manual de Direito... p. 30 e MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Constitucional..., pp. 64-66.

[5] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 27.

[6] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 30 e SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 119.

No que toca ao acréscimo da semântica Democrática e Social em Estado de Direito JORGE REIS NOVAIS leciona que isto não retira sua univocidade conceitual nem sua finalidade inerente, visto que, tal como o temos vindo a caracterizar, o Estado de Direito, da nossa época é, por definição, social e democrático, pelo que, em rigor, seria desnecessária, por pleonástica, a referida adjectivação. Todavia, a sua utilidade reside na transparência com que elucida as dimensões essenciais de uma compreensão actualizada do ideal de limitação jurídica do Estado com vista à garantia dos direitos fundamentais do cidadão. De facto, ela sugere imediatamente a confluência no mesmo princípio estruturante da ordem constitucional de três elementos que poderíamos sintetizar por: a segurança jurídica que resulta da protecção dos direitos fundamentais, a obrigação social de modelação da sociedade por parte do Estado e a autodeterminação democrática in Op. cit., p. 37.

[7] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., pp. 31-32.

[8] Cf. SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 120.

[9] Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito..., p. 37.

[10] NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 20-23.

[11] BOBBIO, Noberto. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 20.

[12] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Estruturantes..., pp. 33 e 34.

[13] JORGE MIRANDA nos ensina que a questão dos refugiados é algo tão atual que não pode deixar de ser rememorado. Para o catedrático o refugiado é alguém que procura escapar à perseguição ou à ameaça de perseguição política, étnica, religiosa, cultural, a uma calamidade natural ou tecnológica de grandes proporções, a uma crise alimentar sem paralelo, ou a qualquer outra ameaça à sua vida no país ou no lugar donde vem. Dessa maneira há uma obrigação no que toca ao país aonde chega ou aonde pretende chegar, com garantia de liberdade e segurança e com as prestações de bens sem as quais não sobreviveria. In MIRANDA, Jorge. Direito de Asilo e Refugiados na Ordem Jurídica Portuguesa. Lisboa: Universidade Católica Editora – série argumento, 2016, p. 9.

[14] Sob esse aspecto atual dos direitos fundamentais, há uma clara interligação entre o que se chama de direitos das gerações futuras e sustentabilidade, onde o professor JORGE MIRANDA infere que ao se olhar para as futuras gerações, este também é o olhar da sustentabilidade, sob diversos aspectos: ambiental; cultural, perante a globalização de esteriotipos que ameaçam as identidades locais; financeira dos serviços sociais, perante o envelhecimento das populações e a quebra da natalidade ou o crescimento exponencial em diversos locais do mundo; e ainda a laboral, perante as inovações tecnologicas constantes que ameaçam a estabilidade de empregos in MIRANDA, Jorge. Manual de Direito..., pp. 51-52.

[15] Cf. MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Constitucional..., p. 75.

[16] SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, proporcionalidade e direitos fundamentais : o direito penal entre proibição de excesso e de insuficiência. Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2005, V. 81, pp. 325-386.

[17] Idem.

[18] CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra: Almedina, 2012, pp. 138-139.

[19] MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de Direito Constitucional: Teoria da Constituição em tempo de Crise do Estado Social. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, T. 2, V.2, p. 451.

[20] Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito..., pp. 10-13.

[21] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., pp. 123-124.

JORGE MIRANDA reza ainda que nos direitos de liberdade, parte-se da ideia de que as pessoas, só por o serem, ou por terem certas qualidades ou por estarem em certas situações ou inseridas em certos grupos ou formações sociais, exigem respeito e proteção por parte do Estado e dos demais poderes. Nos direitos sociais, parte-se da verificação da existencia de situações de necessidade e de desigualdades de facto  - umas derivadas das condições físicas e mentais das proprias pessoas, outras derivadas de condicionalismos exógenos (economicos, sociais, geográficos, etc.) e da vontade de as vencer para estabelecer uma relação solidária entre todos os membros da mesma comunidade política. in MIRANDA, Jorge. Estado Social, crise económica e jurisdição constitucional. Coimbra: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. 55, nºs 1-2, 2014, p.  377.

[22] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 131.

[23] Quanto a outros direitos como o direito ao ambiente, desporto, lazer ou os direitos especiais de apoio às crianças, aos idosos aos portadores de deficiência, às famílias, o professor não os considera nesta obra, por entender que não existe entre eles um ponto de vista universalizável, a mesma associação material às necessidades vitais da pessoa e ao princípio da dignidade da pessoa humana, isso porque apresentam algumas características estruturais que complexificam a sua análise, pelo menos por agora. Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais..., pp. 40-41.

[24] DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2014, p. 53; ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais: introdução geral. Cascais: Princípia, 2011, p. 45 e MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 132.

[25] Cf. SILVA, José Afonso da. Op. cit., pp. 289-290;

DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo lembram que a expressão direitos sociais se justifica porque seu objetivo é a melhoria de vida de vastas categorias da população, mediante políticas públicas e medidas concretas de política social. Mas isso não os tornam direitos coletivos [...] in Op. cit., p 52.

[26] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., pp. 128, 131 e 132 e DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 50.

[27] MIRANDA, Jorge. Estado Social... p. 378.

[28] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 476-477 e DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. pp. 52-53.

[29] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Lisboa: Almedina, 2001, p. 111.

[30] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 144  e NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais..., p. 137.

[31] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais..., pp. 17 e 199.

[32] NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Os Direitos Sociais como Limites Materiais à revisão Constitucional. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, pp. 41-42

[33] Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 146.

[34] FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos Fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, pp. 41 e 45; SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 147.

JORGE REIS NOVAIS a respeito da tal dimensão objetiva dos direitos sociais lembra o que aqui foi mencionado de que resultam sempre para os poderes públicos deveres de respeito proteção e promoção, promoção está que há de ser levada num e noutro sentido, ou seja, no sentido da progressão da protecção, mas também da não diminuição da protecção já alcançada in NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais..., pp. 46 e 260.

[35] Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 379.

[36] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais..., p. 182.

[37] Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 147 e NOVAIS, Jorge Reis. Idem.

[38] Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 150.

[39] Para o tratadista alemão, formal é aquela objeção quando se fala na falta de justiciabilidade, determinabilidade e dependência do Poder Legislativo, já a objeção substancial dos direitos sociais é quando se afirmam que eles são incompatíveis – ou, ao menos colidem – com normas constitucionais materiais. In ALEXY, Robert. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 507.

[40] Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 481.

JORGE REIS lembra que apesar da doutrina aferir a reserva do possível apenas aos direitos sociais, o custo financeiro também pode ser vislumbrado nos direitos de liberdade, nos quais estariam em certos casos condicionados financeiramente e econômica, isto porque, em última análise, a monta encontra-se vinculada ao próprio funcionamento do Estado de Direito. In NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais..., pp. 99, 105 e ss.

[41] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais..., pp. 294-295.

[42] NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Op. cit., pp. 36-37 e SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na perspectiva Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 291.

ALEXY por exemplo cita o caso prático da questão do direito fundamental ao trabalho: qual o seu conteúdo? A escala de possíveis interpretações vai desde um direito utópico de todos a qualquer trabalho que se deseje, em qualquer lugar e em qualquer momento, até um direito compensatório a um auxílio-desemprego. Mas qual deve ser o valor desse auxílio? Os problemas dos outros direitos fundamentais sociais não são muito diferentes. Até mesmo no caso do direito fundamental social mais simples, o direito a um mínimo existencial a determinação de seu exato conteúdo suscita algumas dificuldades in  ALEXY, Robert. Op. cit., p. 507.

[43] Cf. NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Op. cit., p. 38.

[44] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Lisboa: Almedina, 2001, pp. 182, 373, 374; NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... p. 293, ALEXANDRINO, José Melo. Op. cit, pp. 45-46 e ALEXY, Robert. Op. cit, p. 508.

[45] VAZ, Manuel Afonso. Lei e Reserva da Lei: a causa da lei na Constituição Portuguesa de 1976. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1996, pp. 365, 373, 374.

[46] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., pp. 382-383.

[47] Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 153.

[48] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais..., pp. 59 e 243.

[49] Cf. DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 89.

Interessante citar a doutrina que trata de direitos fundamentais e direitos fundamentais de Claus-Wilhelm Canaris, para quem os direitos fundamentais devem ser aplicados a leis de direito privado como direito imediatamente vigente, de forma imediata, inclusive estas servindo para a concretização  de imperativos de tutela de direitos fundamentais e sua proteção in CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. cit., pp. 32, 34, 36, 129.

[50] ALEXANDRINO, José Melo. A Estruturação do Sistema de Direitos, Liberdades e Garantias na Constituição Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2006, v. II, pp. 81 e ss. e  ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais..., pp. 63 e ss.

[51] ALEXANDRINO apenas cita o caso da Constituição Portuguesa, mas de forma análoga, tal ideia pode ser aplicada ao caso brasileiro in ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais..., p. 32.

[52] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., pp. 239 e ss.

[53] Cf. NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Op. cit., pp. 47-48.

[54] ALEXANDRINO também relembra que relativamente aos direitos econômicos, sociais e culturais na CRP/76, o legislador afastou-se da tradição constitucional, que colocara sempre no universo dos direitos individuais um direito social mínimo, para preferir um catalogo desenvolvido de direitos e deveres economicos, sociais e culturais, embora o reconhecimento desse direito a um mínimo para uma existencia condigna tenha reaparecido no final do século XX, pela via da jurisprudencia do Tribunal Constitucional in ALEXANDRINO, José de Melo. A Estruturação do Sistema de Direitos..., pp 108, 567 ss. e 626 ss.

[55] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 192.

[56] Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 398.

[57] Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 403.

[58] JORGE REIS lembra que ao citar o princípio da proporcionalidade em um espectro de amplitude, o mesmo pode ser designado de proibição do excesso. Porém perfilho no bojo deste trabalho que a proibição do excesso se trata de uma consequência da proporcionalidade em sentido lato. In NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... pp. 161 e ss; VIRGILIO AFONSO DA SILVA entende a proporcionalidade não como um princípio, pois princípio seria uma norma que exige que alguma coisa seja realizada na maior medida do possível diante das condições fáticas e jurídicas do caso concreto, e, dessa forma, não atenderia a esse raciocínio; nem mesmo como máxima, no sentido da tradução direta do termo alemão, pois máxima além de não ser um termo muito utilizado na doutrina, passa a falsa impressão de ser uma mera recomendação, e não um dever, como é o caso da aplicação da proporcionalidade. Para o autor, esta tem a estrutura de regra, visto que impõe um dever definitivo: se for o caso de aplica-la, tal aplicação não esta sujeita a condicionantes fáticas e jurídicas do caso concreto ou seja, a aplicação, portanto, é feita no todo. Como regra, isto posto, a proporcionalidade estaria mais bem qualificada, mas lembrando que regra sob o prisma de tipo especial e não regra de conduta, nem regra de atribuição de competências. in SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 168-169.

Comungo do entendimento que a proporcionalidade deve ser alcunhada de princípio, pois além de se moldar as características gerais de princípio, esta acepção da palavra é a facilmente a mais utilizada, entendida e encontrada em todas as doutrinas pesquisadas para este relatório.

[59] Cf. NOVAIS, Jorge Reis, Idem; MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 354, MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit., p. 473 e CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., pp. 920-921.

[60] Cf. DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Op. cit, 176.

[61] Expressamente, no que tange dos requisitos a serem preenchidos pelas declarações e execução da excepcionalidade do estado de sítio e emergencia no artigo 19 .º, 2; como princípio fundamental que rege a atuação da Administração pública no artigo 226 º. E de forma implícita, nos artigos 18º, 2 e 3, 272º, 2 e 282º, 4.

[62] No artigo 5º, 2, do Código de Procedimento Administrativo, se colocou o princípio da proporcionalidade como forma limitadora de decisões da Administração Pública que de alguma maneira venham a afetar direitos subjetivos ou interesses que sejam assegurados por Lei aos particulares.

[63] Porém o artigo 5ª, LIV, da CF/88 consagra a legalidade e finalidade, que são princípios implícitos da proporcionalidade;

[64] Como no caso do novíssimo Código de Processo Civil, a Lei 13.105/2015, Art. 8o : Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência; ou ainda o art. 2º, da Lei 9784/99, - que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal – no qual ordena a obediência ao princípio da proporcionalidade como fundamento da boa atuação da Administração Pública.

[65] Artigo 52 º, 1: Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros.

[66] Artigo 18: As restrições feitas nos termos da presente Convenção aos referidos direitos e liberdades só podem ser aplicadas para os fins que foram previstas.

[67] Artigo 4.º 1: Em tempo de uma emergência pública que ameaça a existência da nação e cuja existência seja proclamada por um acto oficial, os Estados Partes no presente Pacto podem tomar, na estrita medida em que a situação o exigir, medidas que derroguem as obrigações previstas no presente Pacto, sob reserva de que essas medidas não sejam incompatíveis com outras obrigações que lhes impõe o direito internacional e que elas não envolvam uma discriminação fundada unicamente sobre a raça, a cor, o sexo, a língua, a religião ou a origem social.

[68] Artigo 29.  Normas de interpretação: Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

[69] Case SA030 (Sunday Times) ou 8734/79 (Sigurd Barthold c/ République Fédérale d’Allemagne).

[70] No caso Argüelles e Outros Vs. Argentina a Corte sentenciando a respeito de padrões da decretação de prisão preventiva a Corte definiu que estas sejam estritamente proporcionais, de tal forma que o sacrifício inerente à restrição do direito à liberdade não resulte exagerado ou desmedido frente às vantagens que se obtêm mediante tal restrição e o cumprimento da  finalidade perseguida e que a prisão preventiva encontra-se limitada, além disso, pelo princípio de proporcionalidade, em virtude do qual uma pessoa considerada inocente não deve receber igual ou pior tratamento que uma pessoa condenada.

[71] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... p. 161.

[72] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 354.

[73] Cf. DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Op. cit, pp. 177 e 188.

[74] Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit., p. 474; ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais..., p. 135.

[75] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 359.

[76] Cf. ALEXANDRINO, José Melo. Idem e Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... p. 162.

[77] JORGE REIS ainda acresce como elementos da proporcionalidade, em sua doutrina, o princípio da razoabilidade, que esta amalgamado a proporcionalidade em sentido estrito e corresponde a uma dimensão autonoma da garantia da proibição do excesso que não se esgota no sentido material daquela relação entre meio e fim. Esse novo sentido orienta-se para a razoabilidade da imposição, dever ou obrigação restritiva da liberdade na exclusiva perspectiva das suas consequencias na esfera pessoal daquele que é desvantajosamente afectado. [...] A razoabilidade assume, portanto, uma dimensão valorativa essencialmente referida à situação em que a medida em apreciação coloca pessoas individualmente consideradas e que é funcionalmente orientada à garantia da quantidade e qualidade de um espaço de liberdade individual remanescente que as intervenções restritivas num Estado de Direito podem observar; e o princípio da determinabilidade (na dimensão de proibição do excesso) pelo qual esta ligado a uma dimensão competencial à reserva de lei e ao princípio democrático e se traduz na exigencia de determinabilidade, clareza e suficiente densidade das normas legais e, particularmente, das normas restritivas, visto que, uma restrição de enunciado vago ou não precisamente determinado abre a possibilidade de intervenções restritivas que vão eventualmente para além do que é estritamente exigido pela salvaguarda dos bens dignos de protecção que justifica a restrição. [...] No princípio da determinabilidade a perspectiva do cidadão é decisiva já que possa conhecer o sentido e alcance da lei e, consequentemente, prever com progressiva probabilidade que tipo de intervenções restritivas a Administração levar a cabo e até onde ela pode ir. In NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... pp. 187, 189 e 191-193.

[78] Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 170

[79] Cf. MIRANDA, Jorge. Idem; NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... pp. 167-170; ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais..., p. 136 e CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., pp. 269-270.

[80] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... pp. 171-172 e CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p 270.

[81] Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit, p. 355; NOVAIS, Jorge Reis. Os Princípios Constitucionais... pp. 178-179; ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais..., p. 137 e CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 270.

[82] JORGE MIRANDA lembra que o excesso pode ser também de proteção, quando o Estado conceda a certa categoria de pessoas ou de situações uma proteção descabida, desproporcionada em face dos interesses constitucionalmente protegidos e que se traduza em verdadeiro privilégio em relação a outra ou outras categorias. Esse fenômeno esta aparentemente próximo da discriminação positiva, com a diferença de que esta é justificada, funda-se em fins assumidos pela Constituição e almeja alcançar uma igualdade de facto das pessoas, ao passo que o excesso de proteção, pelo contrário, agrava as desigualdades de direito e de facto e revela-se incoerente no plano global do sistema. Seria, por exemplo, quando o Estado apoia a concentração de empresas titulares de órgãos de comunicação social, em vez de a impedir; ou no caso de dar apoio às pequenas e médias empresas e às iniciativas e empresas geradoras de emprego e fomentadoras de exportações ou de substituição de importações, o estado favorecer empresas que não contribuíssem para esse objetivo; ou dar preferência aos grandes, e não aos pequenos e médios agricultores. In MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Constitucional... p. 303.

[83] SAMPAIO, Jorge Silva. O Controlo Jurisdicional das Políticas Públicas de Direitos Sociais. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 555.

[84] Cf. MIRANDA, Jorge. Idem.

No que toca a proibição do excesso e a proibição deficiente a doutrina apontou que existem quatro teses e orientações diferentes sobre o imbricamento dessas duas vertentes da proporcionalidade. A primeira é que existe uma congruência de resultados entre proibição do defeito e proibição do excesso, ou seja, o resultado alcançado, através da análise de um regime legal de protecção de direitos fundamentais, à luz do princípio da proibição do défice, não pode ser diferente daquele a que se chega por meio do exame desse mesmo regime em conformidade com o princípio da proibição do excesso. [...] As duas proibições confluem numa linha comum, não deixando ao legislador qualquer espaço significativo de movimentação. Já o segundo entendimento é que existe uma liberdade de conformação do legislador em uma espécie de corredor entre o mínimo, definido pela proibição do defeito, e um máximo, definido pela proibição do excesso, assim, o legislador pode optar por consagrar uma protecção superior ao mínimo que lhe é constitucionalmente imposto, mas o que já não pode é ultrapassar os limites que resultam da proibição do excesso. Esse é o posicionamento adotado pelo Tribunal Constitucional Português que já afirmou no acórdão 75/2010 que é no campo da valoração delimitado pela proibição do excesso  e pela contraposta proibição de insuficiência que o legislador tem de exercitar a sua competencia de modelação dos regimes jurídicos em matéria de direitos fundamentais. A terceira corrente é a da assimetria entre o conteúdo de garantia da proibição do défice, relativa aos deveres de proteção, e o conteúdo da garantia da proibição do excesso, referente aos direitos de defesa, o que faria negar a possibilidade de convergência estrutural e de resultados entre ambas. E por último entende-se que há um conglobamento das duas proibições resvalando no conteúdo de uma espécie de um super-princípio de proporcionalidade, dessa maneira, não haveria diferenciação entre estes. Sendo a partir deste último entendimento que reside uma objeção doutrinária no que toca em saber se há autonomia da proibição da insuficiência em relação exatamente à probição do excesso. O posicionamento perfilhado neste trabalho é pela segunda corrente doutrinária, entendendo ser esta a mais aceitável, pois é nesta que se infere o entendimento em não se deixar levar ao exagero do excesso, nem ao ponto de se omitir por completo (garantindo, assim, um dever de proteção ao menos básico), dando ao operador uma espécie de zona de conforto para garantir, efetivar e proteger direitos fundamentais. O que apenas ratifica, dessa maneira, ao que tange a autonomia da proibição da insuficiência em relação a proibição do excesso. Tanto é assim que, por exemplo, JORGE MIRANDA rememora que especificamente, a proibição do défice, em Portugal, pode ser observado em casos como, quando falte a devida proteção à vida ou à integridade física, o Estado não concede a devida proteção aos dados pessoais (art. 26, 2 e 35 da CRP), ou quando não assegura a realização pacífica de uma manifestação, evitando contramanifestações (art. 44, 2, da CRP), ou não estabelece garantias de pagamentos de salários (art. 59, 3 da CRP) e etc. In: SILVA, Jorge Pereira da. Interdição de Protecção Insuficiente, proporcionalidade e conteúdo essencial. Coimbra: Coimbra Editora. Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, v. II, Direito Constitucional e Justição Constitucional, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012, pp. 192-201 e MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional..., pp. 360-361. 

[85] Tratam dos processos BverfGE 88.203 (254, 257, 265, 262) e BVerfGE 98, 265 (355) de 1993 e 1998, respectivamente, em que na oportunidade a Suprema Corte germânica julgou a respeito da constitucionalidade de leis sob a questão penal do aborto gestacional e a proteção do direito à vida e à incolumidade física e liberdade da mulher gestante. Noutra decisão sobre a admissibilidade de uma ação de amparo sobre a constitucionalidade de norma que trata do limite da ingestão de álcool por motoristas (BVerfGE, 27.4.95, NJW, 1995, p. 2343). Num exame de admissibilidade formal de ações referidas de constitucionalidade de lei que regula a circulação de automóveis para a proteção da camada de ozônio (Elektrosmog, 17.02.1997, NJW 1997, 2509), o funcionamento de uma central de transformação elétrica  e a instalação de centrais transmissoras para o funcionamento de telefones celulares (emissão de ondas para funcionamento de telemóveis, 28.02.2002, NVwZ 2002, 1103) e no voto divergente em um caso que tratava da constitucionalidade de uma regulamentação do Estado Federativo da Baviera sobre medidas de segurança para réus condenados (votos divergentes dos Conselheiros BroB, Osterloh e Gerhard, BVerfGE 109, 190 – 245). Onde todas essas decisões tiveram em comum a justificação de que se o que afeta o direito fundamental é uma omissão ou uma ação estatal insuficiente ou defeituosa, devendo se examinar para determinar se houve respeito ao mandato de proibição por omissão, defeito ou ação insuficiente (Untermabverbot). In SCHWABE, Jurgen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Trad. de Beatriz Hennig et al. Montevideo: Fundação Konrad-Adenauer. 2005, pp. 273-294 e CLÉRICO, Laura. El examen de Proporcionalidad en el Derecho Constitucional. Argentina: Eudeba - Facultad de Derecho Universidad de Buenos Aires,  serie tesis, 2009, pp. 320-321. (tradução livre do espanhol).

[86] SARLET lembra que no que diz com a proibição de insuficiência, verifica-se a ausência (pelo menos ainda) de uma elaboração dogmática tão sofisticada e desenvolvida quanto a registrada no  âmbito do princípio da proporcionalidade compreendido como proibição de excesso, o que encontra sua explicação tanto no caráter mais recente da utilização – especialmente no plano jurisprudencial - da noção de proibição de insuficiência (que, em termos gerais e  evidentemente simplistas, pode ser encarada como um desdobramento da idéia de proporcionalidade tomada em sentido amplo), quanto pelas resistências encontradas em sede doutrinária, já que ainda elevado o grau de ceticismo em relação à construção teórica  da vedação de insuficiência. (sic) Mas apesar disso, é fácil reconhecer sua riqueza e amplitude de aplicação, por colocar em prática a defesa de direitos fundamentais enquanto obrigações de tutelas estatais, em um plano incomensurável dogmático de um Estado Social (Democrático) de Direito. In SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, proporcionalidade e direitos..., pp. 366-367 Já SAMPAIO lembra que a proibição da insuficiência  tem sido muito pouco trabalhada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, com exceção, em Portugal de REIS NOVAIS. In SAMPAIO, Jorge Silva. O Controlo Jurisdicional..., p. 579.

[87] Cf. SAMPAIO, Jorge Silva. O Controlo Jurisdicional..., p. 552.

[88] SAMPAIO, Jorge Silva. O dever de proteção policial de direitos, liberdades e garantias: do conceito material de polícia ao reconhecimento de direitos subjectivos públicos à actuação da polícia. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 146 e SAMPAIO, Jorge Silva. O Controlo Jurisdicional ...., p. 580.

[89] Cf. SILVA, Jorge Pereira da. Op. cit, p. 91; CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. cit, p. 120; CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 273 e PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005, p. 801. (tradução livre do espanhol)

[90] JORGE REIS NOVAIS apesar de defender a proibição da deficiência como meio de proteção e efetivação de direitos sociais, entende que as tentativas de constituir um princípio constitucional de proibição do défice simplesmente pelo reverso dos mesmo subprincípios que formam o princípio da proibição do excesso apresentam, uma grande fragilidade e inoperatividade.  Tendo a omissão como dogma nesse pensamento, o mesmo afirma que é no domínio do controlo directo da constitucionalidade da omissão de medidas destinadas a realizar os direitos fundamentais positivos, designadamente os direitos sociais, quando nos preocupamos, não em identificar o excesso, mas sim a insuficiência de prestação, que nos deveria servir o princípio da proibição do défice, de proibição da prestação insuficiente, que, seguramente, não nos ajudará na função se simplesmente for visto como o reverso da proibição do excesso. [...] Pois quando é que uma omissão de procura dessa descoberta (de cura de uma doença como a SIDA, por exemplo) é inconstitucional à luz da proibição do défice? Quando é que uma omissão de uma experimentação, de investigação, ou de ajuda financeira para uma e outra são inconstitucionais? A inconstitucionalidade só seria determinável se o Estado tivesse uma obrigação constitucional de fazer a investigação e fosse possível deduzir da norma constitucional o tipo de medida positiva exigível a cada momento. [...]  Diferentemente do princípio da proibição do excesso, que se foca, a juzante, no acto, o princípio da proibição do défice foca-se, portanto, a montante na Constituição, no comando constitucional, e não na omissão. Dessa maneira, o professor faz uma subdivisão da proibição da insuficiência em dois: no princípio de realização do mínimo e no princípio da razoabilidade.  In Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais..., pp. 298-301, 307.

Diante da leitura da obra alienígena produzida sobre o tema (principalmente da Professora argentina Laura Clérico, conforme se verá mais adiante), assim como pela jurisprudência ab ovo do Tribunal Constitucional Alemão, é de se comungar que realmente não se pode visualizar a proibição da deficiência como um mero reverso da medalha da proibição do excesso, mas sim, um meio termo, onde se garante um mínimo, e que não se fira este, com uma omissão ou deficiência. Por um lado possui características que por vezes se tornam semelhantes a esta, visto que as duas vertentes derivam da proporcionalidade, mas por outro também possui suas vicissitudes e particularidades, pelos quais permite proteger direitos fundamentais, da sua maneira e trejeito, como a jurisprudência e a doutrina tratou de molda-la. Sem obliterar, é claro, que a divisão do professor JORGE REIS da proibição da insuficiência no princípio de realização do mínimo e no princípio da razoabilidade não deixa de ser absolutamente importante, pois essas máximas estão contidas indubitavelmente na proibição do déficit, mas sendo o entendimento aqui, que estes não são subprincípios daquele, mas apenas decorrência lógica de sua aplicação.

[91] CLÉRICO leciona que a omissão nesse aspecto pode ser vislumbrada em vários prismas. Desde uma omissão pura, a uma omissão que haja sido discutida e reconhecida a obrigação estatal de fazer, mas que não foi atingida pela decisão positiva, ou ainda em uma omissão frente a qual seja reconhecida a obrigação estatal de fazer e se tenham estabelecidos os meios por os quais não tenha sido implementados.  In  CLÉRICO, Laura. Op. cit., p. 329

[92] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., pp. 327-329.

[93] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., pp. 328-332.

[94]  Cf. PULIDO, Carlos Bernal. pp. 803-804.

[95] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., pp. 341-342 e PULIDO, Carlos Bernal. p. 804.

[96] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., p. 346.

[97] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., p. 347.

[98] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., p. 360.

[99] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., pp. 360-361.

[100] Idem.

[101] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., pp. 362-363.

JORGE SILVA SAMPAIO entende não ser possível a ponderação na proibição da insuficiência.  Para o autor: [...] importa, contudo, não esquecer que a imposição destes deveres do Estado diferentemente do que acontece com o dever de abstenção, acarreta um distinto ónus de fundamentação e de legitimação. No fundo, está em causa a razão que obriga à distinção entre proibição da insuficiência e proibição do excesso: é que enquanto nas intervenções restritivas o ónus existe relativamente a uma única medida; nas omissões, pelo contrário, teria de recair sobre uma multiplicidade de medidas de proteção omitidas, ou, até mesmo, quanto à total ausência de actuação. De onde se extrai que, como referimos, a aplicação da proporcionalidade e da ponderação de bens no âmbito da proibição da insuficiência não parece ser aceitável. Segundo o professor, a atuação da proteção da deficiência se restringe a dois patamares, quais sejam, averiguar se o direito fundamental em causa impõe um dever de proteção ou promoção e caso se identifique a existência de um dever jurídico-constitucional, há que averiguar qual a forma de configurar tal proteção e/ou promoção. Desa maneira, o posicionamento perfilhado nesta exposição é que a ponderação pode ser usada na proibição da deficiência, principalmente em caso de conflito entre direitos, tal e qual aduzido na doutrina de CLERICO. Pensar a proibição da insuficiência, apenas nesses dois passos, seria negar que o objeto desse estudo não seria uma vertente da proporcionalidade e/ou uma espécie de faceta contrária da proibição do excesso. É aceitar ela sendo uma fatia completamente autônoma do mecanismo de proteção de direitos sociais, o que bem verdade não é. In SAMPAIO, Jorge Silva. O Controlo Jurisdicional..., pp. 581 e 582.

[102] Cf. CLÉRICO, Laura. Op. cit., pp. 365-366.

Interessante salientar que no caso das decisões de inconstitucionalidade a doutrina pesquisada cita inclusive como se deve produzir o conteúdo da sentença nestes casos, inferindo que esta deve ser mais ou menos indicativa, indo desde a declaração da inconstitucionalidade por omissão ou ação atacada, até a determinação da obrigação de fazer, para possibilitar o exercício do direito. Passando por uma solução intermediária, pelo qual se não se ordenar o conteúdo da ação que deva realizar o Estado, se indiquem os requisitos a se cumprir na seleção dos meios adequados até chegar a uma maneira em que não se determine apenas a obrigação de fazer, como também se decida a respeito da implementação do único meio possível que será mais fruível para a solução do caso constitucional em análise. In Op. cit., p. 366.

[103] Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, proporcionalidade e direitos... p. 362.

[104] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais... pp. 199, 203, 235, 308. 

KATHARINE YOUNG leciona que além da dignidade da pessoa humana, deve-se acrescer para se perquira o tal mínimo social a igualdade e a liberdade (que são intrinsicamente ligados ao princípio proporcionalidade): A  value-based  core goes   further  than  the  “basic  needs”  inquiry  by  emphasizing not what is strictly required for life, but rather what it means to be  human. There is, of course, a connection  between these teleological theories and those related to life, especially the most expansive conceptions of life,  which seek to imbue human life with a special  meaning  and give substance to the right to live as a human being. Nonetheless, I distinguish the value-based core by its more pointed emphasis on human dignity, equality, or freedom. This Section focuses on how human dignity, a value that arguably represents  the reigning ideology of  both human rights and liberal constitutionalism, substantiates the minimum core. In YOUNG. Katharine G. The minimum core of economic and social rights: a concept in search of content. Connecticut: Yale International Law Journal 33, 2008, p. 133.

[105] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais... pp. 200-201.

[106] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 220 e 311.

[107] Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 277.


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Informações sobre o texto

Trabalho final de conclusão da disciplina de Direitos Fundamentais, do Mestrado Científico com perfil em Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, orientada pelo Professor Doutor Jorge Miranda.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEO, Pedro. A proibição da proteção deficiente enquanto vertente do princípio da proporcionalidade e sua influição na proteção dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4967, 5 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55320. Acesso em: 18 abr. 2024.