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A hermenêutica jurídica na pós-modernidade: novos olhares hermenêuticos

A hermenêutica jurídica na pós-modernidade: novos olhares hermenêuticos

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O Estado de Direito Ambiental pretende o reconhecimento da existência de estruturas principiológicas fundamentais para sobreviver à crise ambiental. A sustentabilidade, seu marco axiológico, e o princípio da solidariedade intergeracional, são as principais delas.

Introdução.

O presente artigo toma por pressuposto o caráter hermenêutico do direito e tem por objetivo analisar os problemas ocasionados pela incompatibilidade entre o novo paradigma do Estado Brasileiro (construído sob a égide do Estado Democrático de Direito, a partir da promulgação da Constituição da República de 1988) e a racionalidade jurídica positivista, baseada no paradigma do conhecimento.

Nesse sentido, analisaremos a proposta de uma hermenêutica particular para o direito ambiental e veremos como a frustração das promessas da modernidade e a baixa efetividade dos direitos e garantias Constitucionais, contribuíram para a judicialização das relações sociais, cada vez mais complexas, o que findou por revelar a incapacidade do Poder Judiciário, pautado pelo paradigma do conhecimento no exercício de interpretar/aplicar o direito, em dar respostas eficazes à complexidade das relações sociais.

Veremos ainda quais as propostas dentro da teoria do direito e da hermenêutica para estes problemas.

Incialmente, é importante destacar como após a redemocratização, com o fim do regime militar, o Estado brasileiro já não era mais o mesmo, ou pelo menos, pretendia ser algo diferente. A transição democrática foi marcada pela institucionalização dos direitos humanos no país e pela inauguração de uma ordem jurídica principiológica, dirigente e compromissória, expressa pela Constituição de 1988 e as mudanças na ordem jurídica realizadas por meio dessa nova ordem constitucional indicaram uma verdadeira transformação do Estado.

No ínterim de promulgação da Constituição de 1988, a Assembleia Nacional Constituinte acabou correspondendo a muitos dos anseios sociais no plano nacional e internacional, razão pela qual a Constituição promulgada ficou conhecida como Constituição Cidadã, por conter numerosas e importantes novidades para o tratamento dos direitos humanos e das questões sociais e do meio ambiente.

Nesse sentido, Souza (2007, p.23) considera que a partir do texto constitucional de 1988 o Brasil teve a chance de constituir um sistema de Estado de Providência semelhante ao Estado de Bem-Estar Social implementado por países europeus, entretanto, a estrutura de interesses arraigada na política brasileira, associado a outros fatores, acabaram por gerar uma década marcada por crises, a década de 1990, conforme se verifica do trecho transcrito a seguir:

Esses direito insculpidos na Constituição de 1988 iniciaram-se no fim dos anos 70, início dos anos 80, quando de forma lenta e gradual, por pressão dos movimentos populares reformas de cunho desenvolvimentista, democrático e redistributivo passam a ser implementadas. As aras de habitação, saneamento básico, transporte público e saúde, por sua vez, entram em compasso de espera, enquanto a educação é marcada por sucessivos continuísmos e falta de vontade política para implementação das reformas contidas no Texto Constitucional.

Os anos 90 são marcados por intensa crise na esfera econômica e redirecionamento da pauta de exigências do Governo, que se volta para a política externa e passa a cumprir as regras do Consenso de Washington e internacional do FMI e do Banco Mundial, fazendo prevalecer o modelo neoliberal e, rompendo com qualquer traço do pacto keyneisiano, da política do pleno emprego ou do Estado Providência, adotado nos países do Norte. Na esfera política, o Brasil assiste o início da era Color e À reorganização das forças conservadoras.

Assim, uma série de direitos garantidos passam a ser revistos e, diante de um modelo internacional globalizante, a legislação trabalhista é a primeira a sofrer consequências com a intensa busca em suprimir os direitos trabalhistas em favor da flexibilização do mercado e a mudança do modelo do Estado Providência, que passa a ser visto como um ônus excessivo e gerador da crise fiscal que assola os países do Norte, e por via de consequência, os países do Sul devem redirecionar suas agendas para atender aos interesses de uma nova ordem que se instala (SOUZA, 2007, p. 20).

Outro fator importante é a implantação da agenda neoliberal, Souza (2007, p. 20) considera que no Brasil a globalização pega o país no contrapé, pois a então recente Constituição descreve uma série de direitos sociais que passam a ser lidos pela agenda neoliberal como assistencialismo, tendo em vista o ideal de Estado mínimo.

Pelo neoliberalismo, os direitos que a Constituição de 1988 acabara de assegurar passaram a ser encarados como privilégios com os quais o Estado não poderia se comprometer, principalmente diante da tônica da privatização dos serviços públicos e do ajuste fiscal.

Souza (2007, p.  21) considera ainda que a política brasileira, a partir da implantação do Plano Real, conseguiu ajustar a economia, entretanto emperrou o desenvolvimento social, aumentando a miséria e as desigualdades sociais.

Nesse período, o país se vê diante da frustração das promessas da modernidade, cujo ideal de desenvolvimento seria supostamente capaz de acabar com as mazelas sociais, trazendo um vida digna a todos.

Na prática, o que se viu e o que se vê é o agravamento dos problemas sociais e da desigualdade econômica. Assim, o Brasil passou a ter uma das mais belas constituições do mundo moderno e ao mesmo tempo um inevitável reconhecimento da baixa aplicabilidade dos direitos fundamentais recém garantidos na Constituição de 1988.

Essa crise paradoxal é, portanto, determinante para o reconhecimento da crise do paradigma do Estado, que acarretou um processo de “judicialização” das relações sociais e uma multiplicação de processos, a partir do momento em que as pessoas vislumbraram a possibilidade de exigir do Estado os direitos garantidos na ordem jurídica e não realizados na prática.

Diante dessa nova realidade, onde o processo passou a ser elemento fundamental na luta pela dignidade assegurada na Constituição, garantir a democracia dentro do processo, o acesso universal à justiça, principalmente daqueles que não possuem meios de arcar com as despesas do processo e garantir a eficácia do princípio do devido processo legal previsto, a partir de então, no art. 5º, inciso LIV, passaram a ser questões fundamentais no Estado brasileiro.


2. A crise paradigmática do Judiciário: Um “Caio” e milhares de “Tícios”.

Nesse contexto o princípio do devido processo legal trouxe ao ordenamento jurídico o necessário valor democrático no âmbito do processo, a partir dos princípios de direito processual, como o do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa, do desenvolvimento válido e regular do processo e de uma série de direitos subjetivos cujo objeto central é a garantia da justiça, com a igual participação das partes dentro do processo.

Restou consagrado, dentre outros direitos, o direito ao acesso a uma ordem jurídica justa, impondo ao juiz, no exercício da jurisdição, o dever de julgar, ainda que a lei seja omissa, conforme hoje prevê o art. 4º da LINDB, devendo buscar os fins sociais e as exigências do bem comum postas sobre a norma.

Outrossim, foi garantido o acesso à justiça por intermédio do processo, que é concebido como uma relação de direito que se estabelece entre as partes litigantes, e que tem como objetivo o bem da vida litigiosa e como ponto culminante a sentença, ato formal que declara ou constitui o direito pretendido ou ainda condena uma das partes, na forma da lei e que tem natureza jurídica de norma individualizada, conforme Didier (2012, p. 2):

Daí se dizer que a sentença é um ato jurídico que contém uma norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material.

Por isso, diante da importância do referido ato, tratou o legislador de revesti-lo das formalidades necessárias à imparcialidade do juiz, sendo uma dessas formalidades a fundamentação, conforme dispõe o art. 93, inc. IX, da Constituição Federal.

Dessa forma, além de um dever do magistrado, assim como os demais deveres previstos no art. 125 do CPC, a fundamentação da decisão passa a ser também um direito das partes, tendo em vista que constitui verdadeiro instrumento de limitação dos poderes do magistrado, que apesar de possuir liberdade na formação de seu convencimento sobre os fatos e a norma, está obrigado a declarar os motivos pelos quais acatou ou rejeitou as alegações do autor. Em outras palavras, deve descrever os meios racionais que o levaram à conclusão, afastando subjetividades e interferências indevidas sobre o processo e dando, em consequência, condições ao exercício do direito ao duplo grau de jurisdição.

Por isso, a decisão judicial que não possui motivação ou ratio decidendi, nos termos do art. 458, c. c. o art. 165, ambos do Código de Processo Civil, é considerada nula.

Entretanto, a construção dessa norma individualizada não é um ato mecânico ou um ato de simples silogismo, antes, consiste em processo complexo de interpretação e criação da norma para o caso concreto. Segundo Didier (2012, p. 2):

Para a formulação dessa norma jurídica individualizada, contudo, não basta que o juiz promova, pura e simplesmente, a aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto. Em virtude do chamado pós-positivismo que caracteriza o atual Estado constitucional, exige-se do juiz uma postura muito mais ativa, cumprindo-lhe compreender as particularidades do caso concreto e encontrar, na norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, bem assim com os direitos fundamentais.

Ocorre que essa tarefa, que nunca pôde ser considera como simples, tem gerado consequências cada vez mais relevantes, diante da incompatibilidade entre a maneira de raciocinar o direito e a complexidade das relações sociais e da reconhecida crise da pós-modernidade[2], principalmente nessa quadra da história, em que o Poder Judiciário e a Justiça Constitucional passaram a exercer papel determinante na consolidação da democracia, o que aprofunda a necessidade de compreender os efeitos diretos e transversos dos processos hermenêuticos levados a cabo pelo magistrado, assim também como os mecanismos associados à decisão.

Nesse sentido Silveira (1998, p. 12) considera que a pós-modernidade, com seu duplo processo de globalização e relativização dos valores, está a produzir uma sociedade que exige um direito mais flexível, capaz de regular as relações de propriedade, que tende a perder, por inteiro, o caráter absoluto da antiga propriedade.

A flexibilização do direito, como forma de acompanhar as relações sociais, parte também da necessidade de reformular a maneira de racionalizar e aplicar o direito. Nesse sentido, Streck (2009, p. 1- 3) considera que no Brasil Pós-Moderno, a consolidação no “senso comum jurídico” de um modelo teórico pautado pela hermenêutica clássica, pautada no paradigma da teoria do conhecimento, tem dificultado a realização da justiça material[3].

Para este autor (2009, p. 8), há uma crise na hermenêutica jurídica, oriunda da incompatibilidade paradigmática entre o novo constitucionalismo (compromissório, principiológico e dirigente) e a racionalidade jurídica tradicional brasileira, predominantemente positivista e fundada em uma hermenêutica baseada na teoria do conhecimento.

Isto ocorre, porque o direito, a dogmática e a hermenêutica jurídica no Brasil estão assentados sob um paradigma liberal-individualista-normativista, de maneira que Streck considera que não houve, no plano hermenêutico, a devida filtragem em face da emergência de um novo modo de produção do direito representado pelo estado democrático de Direito, o que provoca uma desfuncionalidade entre o Direito, que deve ser visto como um instrumento de transformação social, e as instituições encarregadas de aplicar a lei (STRECK, 1999, p. 31).

Nesse sentido, Streck considera que a atual forma com a qual compreendemos e aplicamos o direito não é capaz de corresponder às complexidades das relações sociais, cada vez mais transindividuais.

Em outras palavras, para o referido autor, a racionalidade jurídica no Brasil está engessada no modo de pensar as disputas interindividuais, famosas pelos exercícios tradicionais do ensino jurídico formulados sobre as disputas entre Caio e Tício e facilmente resolvidas pela hermenêutica tradicional e pelo paradigma da relação sujeito-cognoscente e objeto cognoscível.

O problema é que, segundo Streck (1999, p.34), quando se deparam com uma situação em que “Caio” e milhares de pessoas sem teto ou sem terra invadem/ocupam a propriedade de Tício, os juristas não conseguem se livrar da ótica forjada no modo liberal-individualista-normativista e não possuem outro modo de pensar os problemas de uma sociedade complexa na qual os conflitos têm natureza transindividual.

Na prática, muitos conflitos acabam sem decisões de mérito ou geram decisões com fundamentação que demonstram que o ato de julgar foi baseado em uma interpretação arbitrária do juiz, segundo suas próprias convicções e conforme aquilo que entende sobre a lei, ao arrepio do texto constitucional. 

Ora, temos aí outro grave problema na racionalidade jurídica atual, qual seja, a arbitrariedade a partir do excesso de subjetivismo no exercício de racionalizar o direito. Não se trata da discricionariedade do julgador na livre valoração da prova, mas na eleição arbitrária de métodos ou princípios interpretativos que finda por permitir decisões absolutamente díspares, mesmo em casos semelhantes.

Por isso, Streck aponta a hermenêutica filosófica, baseada na virada ontológica, como base promissora de uma nova hermenêutica para uma nova racionalidade jurídica, com grandes possibilidades de concretizar uma maior realização do direito, da justiça e das promessas da modernidade, a partir da realização de direitos constitucionalmente assegurados.

Ou seja, é preciso compreender que, nesta quadra da história, o direito assume um caráter hermenêutico, tendo como consequência um efetivo crescimento no grau de deslocamento do pólo de tensão entre os poderes do Estado em direção à jurisdição (constitucional) pela impossibilidade de o legislativo (a lei) poder antever todas as hipóteses de aplicação [...] cresce a necessidade de se colocar limites ao “poder hermenêutico” dos juízes (STRECK, 2009, p. 1).


3. A proposta de uma hermenêutica particular: A pré-compreensão dos elementos estruturantes do direito.

Diante dessa crise paradigmática, Germana Parente Neiva Belchior e José Rubens Morato Leite, autores que trabalham a questão ambiental na sociedade de risco, em obra valiosa trazida na bibliografia deste trabalho, reconhecem a incapacidade - daquilo que denominam pilares de sustentação da modernidade - em lidar com os desenvolvimentos da ciência, da sociedade e a falência da era moderna (marcada pelas incertezas científicas e pela crise ambiental). 

Belchior e Leite (2010, p. 293) elaboram então a proposta de novos pilares de sustentação, para buscar a transformação do Estado a partir de um modelo teórico capaz de solucionar a reconhecida crise.

Notadamente, a sociedade contemporânea produz riscos que podem ser controlados e outros que escapam ou neutralizam os mecanismos de controle típicos da sociedade industrial. A sociedade de risco revela-se, portanto, como um modelo teórico que marca a falência da modernidade, emergindo um período pós-moderno, na medida em que as ameaças produzidas ao longo da sociedade industrial começam a tomar forma. Os pilares da concepção moderna de civilização já não conseguem mais explicar os desenvolvimentos da ciência e da sociedade. Trata-se de uma crise de paradigma, uma crise da modernidade.

[...]

A crise ambiental e a sociedade de risco, portanto, demandam transformação no Estado e no Direito, que têm como objetivo principal manter a ordem social. É necessário um novo papel do Estado, na medida em que a intervenção estatal baseada na regulação sancionatória clássica não vem sendo suficiente como mecanismo de proteção ao meio ambiente.

Entretanto, Belchior e Leite (2010, p. 309) consideram que de nada adiantará que o Estado se refaça com objetivo de proteger o meio ambiente se não houverem mecanismos adequados para efetivar esses novos valores.

De nada adianta toda uma construção teórica em torno do Estado de Direito Ambiental, se não existirem mecanismos concretos de efetivação. É de se notar, aliás, que uma hermenêutica jurídica específica para lidar com as particularidades e com os desafios do novo paradigma estatal é apenas um desses instrumentos, mas que, se bem utilizado, pode ser fundamental para minimizar os impactos da crise ecológica em prol da sustentabilidade (BELCHIOR; LEITE 2010, p. 309)

[...]

Ao adotar o paradigma do Estado de Direito Ambiental, é necessário um novo modo de ver a ordem jurídica, com uma pré-compreensão diferenciada do intérprete, na medida em que a hermenêutica filosófica comprova que o sentido a ser captado da norma jurídica é inesgotável (BELCHIOR; LEITE 2010, p. 309).

Por isso, citados autores lançam a proposta de uma nova hermenêutica, uma hermenêutica particular para o direito ambiental.

Isto porque, para Belchior e Leite (2010, p. 293), a sociedade vive de forma irresponsável, ocultando riscos que não é capaz de gerir, por isso buscam a transformação do Estado a partir de novos pilares de sustentação e de uma hermenêutica que lhe seja correspondente, no afã de desenvolver um modelo teórico capaz de solucionar esta crise.

A crise ambiental e a sociedade de risco, portanto, demandam transformação no Estado e no Direito, que têm como objetivo principal manter a ordem social. É necessário um novo papel do Estado, na medida em que a intervenção estatal baseada na regulação sancionatória clássica não vem sendo suficiente como mecanismo de proteção ao meio ambiente.

Belchior e Leite (2010, p. 300) consideram, ainda, que Estado e Direito devem se adequar à nova realidade, a fim de responder à crise emergente. Por isso, consideram urgente a necessidade de se construir um Estado de Direito Ambiental a partir da reformulação dos pilares de sustentação do Estado e a adoção de princípios fundantes e estruturantes, contornos e metas para tentar minimizar os efeitos dos impactos negativos no meio ambiente.

Torna-se cada vez mais aparente a necessidade de reformulação dos pilares de sustentação do Estado, o que pressupõe inevitavelmente a adoção de um modelo de desenvolvimento apto para o estabelecimento de uma política fundamentada no uso sustentável dos recursos naturais.

Dessa forma, para Belchior e Leite (2010, p. 302) o Estado de Direito Ambiental é mais que uma construção teórica, é o reconhecimento de estruturas e princípios do direito ambiental, e pode ser compreendido como produto de novas reivindicações fundamentais do ser humano e particularizado pela ênfase que confere à proteção do meio ambiente. Importante notar que para os autores, o Estado Ambiental baseia-se na sustentabilidade e na solidariedade intergeracional, como marco jurídico-axiológico do Estado, que proporciona a proteção do meio ambiente, conforme trecho a seguir. .

Um dos pilares da noção de sustentabilidade é a solidariedade intergeracional. A preocupação com as gerações futuras “amplia temporalmente os braços” do Direito Ambiental (BENJAMIN, 2009, p. 59). Apesar da íntima ligação entre os termos, desenvolvimento sustentável não se confunde com sustentabilidade. Aquele é o meio para se alcançar o último. Ou seja, é preciso desvendar o caminho de uma forma de desenvolvimento ecologicamente correta para então se buscar a sustentabilidade nas suas mais variadas formas (BELCHIOR; LEITE, 2010, p. 296) (grifo nosso).

[...]

O princípio da solidariedade se revela como marco jurídicoconstitucional do Estado Ambiental, na medida em que demanda relacionamento entre as diversas gerações e as várias espécies de vida, o que torna a temática complexa. Como manifestação do referido princípio, destaca-se a sustentabilidade, valor captado de forma indutiva da crise ambiental e da sociedade de risco. Trata-se da finalidade do desenvolvimento sustentável, modelo pautado no tripé formado pelo desenvolvimento econômico, pela equidade social e pelo equilíbrio ambiental. Nesse sentido, a sustentabilidade é o marco axiológicoconstitucional que penetra em todos os ramos de conhecimento, inclusive nas ciências jurídicas (BELCHIOR; LEITE, 2010, p. 308) (grifo  nosso ).

Cabe frisar que o Estado de Direito Ambiental ainda possui outros princípios fundamentais ou estruturantes. Segundo Belchior e Leite (2010, p. 302):

Há princípios estruturantes do Estado de Direito Ambiental, como o da precaução, o da prevenção, o da responsabilização, do poluidor pagador, da participação, da cidadania, o princípio da democracia, o princípio da informação, o princípio da proibição do retrocesso ecológico e o princípio do mínimo existencial ecológico. No entanto, ao analisar todos esses princípios, percebe-se que a solidariedade acaba inserida, seja de forma transversal, seja direta, em todos os demais. Por conta disso é que o princípio da solidariedade é o fundamento teórico-jurídico do Estado de Direito Ambiental, ou seja, um dos princípios fundantes do novo paradigma estatal, o que não exclui, por conseguinte, os demais (BELCHIOR; LEITE, 2010, p. 305).

Noutros termos, para Belchior e Leite o Estado deve reconhecer a existência de estruturas sobre as quais o mesmo deve estar fundado para resistir a crise ambiental, são elas; a sustentabilidade, marco axiológico desse novo Estado,  o princípio da solidariedade intergeracional, e os princípios estruturantes do Estado ambiental, quais seja, máximas de interpretação voltadas aos objetivo do direito ambiental, a saber; os princípios da legitimidade, juridicidade e solidariedade e os princípios da precaução, prevenção, princípios da responsabilização e do poluidor-pagador, da democracia, da cidadania, da informação, da educação e da participação ambiental, além do princípio da proibição do retrocesso ecológico.

Diante de tais argumentos, Belchior e Leite (2010, p. 309) propõem uma nova hermenêutica baseada em uma pré-compreensão[4] dos princípios estruturantes do Estado Ambiental, considerando que de nada adiantará o Estado se refazer com objetivo de proteger o meio ambiente se não houverem mecanismos adequados para efetivar esses novos valores.

De nada adianta toda uma construção teórica em torno do Estado de Direito Ambiental, se não existirem mecanismos concretos de efetivação. É de se notar, aliás, que uma hermenêutica jurídica específica para lidar com as particularidades e com os desafios do novo paradigma estatal é apenas um desses instrumentos, mas que, se bem utilizado, pode ser fundamental para minimizar os impactos da crise ecológica em prol da sustentabilidade (BELCHIOR; LEITE 2010, p. 309) (grifo nosso).

[...]

Ao adotar o paradigma do Estado de Direito Ambiental, é necessário um novo modo de ver a ordem jurídica, com uma pré-compreensão diferenciada do intérprete, na medida em que a hermenêutica filosófica comprova que o sentido a ser captado da norma jurídica é inesgotável (BELCHIOR; LEITE 2010, p. 309) (grifo nosso).

Nessa linha, a Hermenêutica Jurídica Ambiental é proposta por meio de princípios de interpretação que objetivam a busca de soluções justas e constitucionalmente adequadas para a interpretação de normas ambientais, influenciados por uma nova pré-compreensão ambiental (BELCHIOR; LEITE 2010, p. 310).

Com isso, Belchior (2014) considera que, com bases nas premissas necessárias a uma nova pré-compreensão ambiental, resta evidente a necessidade, e até a emergência, de uma nova lente para ver a ordem jurídica.

Para referida autora é necessário uma hermenêutica que ofereça ao intérprete uma orientação dogmático-teórica e pragmática, para que se possa alcançar um meio ambiente sadio por meio da captação de um sentido que seja conveniente com as metas e os postulados do Estado de Direito Ambiental.

Belchior considera que a proposta de hermenêutica jurídica ambiental é feita com base em princípios de interpretação que objetivam a busca de soluções justas e constitucionalmente adequadas para a interpretação de normas ambientais, influenciadas pela nova pré-compreensão ambiental.

Importante esclarecer que, para Belchior (2014, p. 108), pré-compreensão é um momento anterior à compreensão do objeto, em que o sujeito participa do fenômeno da compreensão, antecipando o sentido que estará atribuindo. Outrossim, segundo Belchior (2014, p. 108) apud Lamego, representa a antecipação de sentido que se compreende, uma expectativa de sentido determinada pela relação do intérprete com a coisa.

Belchior (2014, p. 109), buscando exemplificar o lugar da pré-compressão, traz o exemplo sobre a leitura de um livro, asseverando que antes de iniciar a leitura, o intérprete/leitor, seguramente, já possui uma pré-compreensão formada pelas opiniões que ouvir acerca do texto, pelos preconceitos de vida etc. Assim, Belchior argumenta no sentido de construir a teoria de uma hermenêutica ambiental, baseada em uma pré-compreensão dos princípios e elementos estruturantes do Estado Ambiental.

Nesse sentido, podemos considerar que assim como uma pré-compreensão do Estado ambiental possibilitaria uma nova reflexão sobre problemas ambientais, uma pré-compreensão de outras áreas do direito também seria possível, apenas estendendo o raciocínio, razão pela qual, no tópico a seguir, analisaremos os pressupostos utilizados para construção desta hermenêutica particular do direito ambiental, a fim de averiguar se é possível utilizar-se dos mesmos pressupostos nas demais áreas do direito.


4. Considerações críticas sobre a teoria de uma hermenêutica ambiental: O problema da discricionariedade e a única resposta em direito.

Diante dessas postulações, a princípio, consideramos que uma hermenêutica particular ambiental é possível. Entretanto, não se pode ignorar as dificuldades teóricas inerentes a teoria de Belchior e Leite, razão pela qual o registro se faz necessário . A primeira delas situa-se no campo da dogmática hermenêutica, e trata da superação do paradigma sujeito-objeto, tendo em vista a expressão das lições heideggerianas e gadamerianas, e a segunda se refere ao campo da teoria do Direito, a saber, a fundamentação de Belchior e Leite a partir da Teoria da Argumentação e da Ponderação de Princípios, de Alexy, é deveras criticada por sua leniência com a subjetividade do intérprete.

Ora, o trecho transcrito a seguir, retirado da obra de Belchior, demonstra como a teoria de Belchior e Leite encontra fundamento na teoria do conhecimento, cuja principal característica é a separação entre sujeito-cognoscente e objeto-congnoscível:

Consoante outrora vista, na formação do conhecimento existem três elementos: o sujeito cognoscente, o objeto congnoscível e a atividade. Sujeito este que só pode ser o homem, único ser dotado de racionalidade, que realiza a conduta tendo como fator determinante o valor, a fim de atingir determinado objeto (BELCHIOR, 2014, p. 106).

Como resultado, Belchior conclui que não se pode esperar uma única resposta correta para o direito e que diante da multiplicidade de sentidos da norma o intérprete, para escolher a melhor interpretação, deve utilizar-se da pré-compreensão ambiental, mas ainda assim haverá espaços para subjetividade, conforme se verifica a seguir:

De todo modo, já fica claro que os princípios não têm como oferecer respostas únicas e exclusivas, haja vista que, como visto na hermenêutica filosófica, o sentido a ser captado da norma é inesgotável. Mesmo que o jurista utilize todos os princípios interpretativos, ainda assim haverá margem para subjetividade e arbitrariedade.

Não obstante, os prejuízos que podem advir do exercício subjetivo do direito, ainda há, na teoria de Belchior e Leite, evidentes dificuldade teóricas relacionadas a utilização do paradigma do conhecimento. Isto porque, considera-se superado o esquema sujeito-objeto, conforme Souza (2007, p. 29):

Na atualidade, não se pode aceitar passivamente as antinomia kantianas, que separam o ser dos fenômenos. O ser é englobante e se realiza através da história, portanto está nos fenômenos e apresenta uma característica dinâmica e não estática. O direito não pode, pois, ser examinado através de dogmas. O dogma deve se transformar em problema e, por isso, é necessário superar a mera utilização da lógica formal, examinando as normas e os conflitos à luz da dialética social. Somente através de um processo dialético é que o ser se expõe. Assim, o objetivo do direito é a libertação de todos os indivíduos, encerrando uma aposta no homem, com a busca de um bem-estar social.

Dessa forma, é necessário esclarecer se tal abordagem hermenêutica seria realizável diante das críticas pertinentes à discricionariedade das decisões obtidas por meio do paradigma da teoria do conhecimento, uma vez que se considera que a discricionariedade permitida em lei pode gerar desvio de motivação do ato jurídico mediante a subjetividade do julgador, a partir da multiplicação de princípios e teorias interpretativas, o que pode gerar verdadeira arbitrariedade.

Quanto a este particular consideramos correto o posicionamento Streck, diametralmente oposto à ideia de uma hermenêutica particular, e que combate amplamente os dois pressupostos utilizados por Belchior e Leite no desenvolvimento da teoria sobre uma hermenêutica particular, a saber: o paradigma epistemológico da teoria do conhecimento e a doutrina das várias respostas possíveis em direito, característica da Teoria da Argumentação e da Ponderação de Princípios de Alexy.

Isto porque a utilização do paradigma da teoria do conhecimento e da Teoria da Argumentação e da Ponderação de Princípios, de Alexy, revela compassívidade com o relativismo e a discricionariedade, conforme se verifica em Belchior (2014, p. 164).

Diante de uma colisão do direito ao meio ambiente com outro direito fundamental, em um primeiro momento, o intérprete deverá utilizar o princípio do sopesamento e da ponderação para tentar harmonizar os bens, os lavores e interesses envolvidos no caso concreto. Utilizar-se-á, por seguinte, a otimização sugerida por Alexy, no intuito de que referidos princípios sejam realizados na maior medida do possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas existente.

Nesse sentido, Alexy (1998, p.151), em apertada síntese, considera que não é possível chegar a uma única resposta correta em direito, no máximo, um intérprete dedicado poderia, segundo determinados métodos, chegar a uma resposta aproximada da correta, caso contrário necessitaria de tempo, informação e capacidades ilimitadas, além de clareza linguística e ausência de preconceitos.

La cuestión de la única respuesta correcta depende esencialmente de si el discurso práctico lleva a una única respuesta correcta para cada caso. Llevaría a ello si su aplicación garantizara siempre un consenso. Ya un simple esbozo muestra claramente que varias de sus exigencias, bajo condiciones reales, sólo se pueden cumplir de manera aproximada. Esto ya excluye un consenso para cada cuestión. Por tanto, una única respuesta correcta para cada caso sólo podría admitirse recurriendo a cinco idealizaciones, a saber: 1) tiempo ilimitado, 2) información ilimitada, 3) claridad lingüística conceptual ilimitada, 4) capacidad y disposición ilimitada para el cambio de roles y 5) carencia de prejuicios ilimitada.

Por outro lado, consideramos correta a tese da única resposta de Dworkin, que se utiliza do direito como integridade, onde os princípios e a coerência tem papel fundamental no exercício do direito livre de subjetivismo e arbitrariedades.

Isto porque, para Dworkin o direito é mais do que um conjunto de regras de onde é possível eleger uma dentre as várias decisões possíveis. Para Dworkin o direito é uma construção, onde adota-se a integridade como instrumento que visa à coerência de princípio de uma comunidade; que, em pese não exigir a manutenção de decisões do passado, deve considerá-las (GUEST, 2010, p. 61).

Nesse ponto, é de fundamental importância ressaltar como a teoria de Dworkin (2003, p. 274), oferece uma resposta ao problema da discricionariedade de considerar possível várias respostas, a partir do ideal de coerência do sistema com as decisões do passado. Para Dworkin a prática atual do direito deve manter uma coerência organizada e justificada com as decisões do passado para que se possa garantir um “futuro honrado”.

Os direitos e deveres que decorrem de decisões coletivas tomadas no passado e que, por esse motivo, permitem ou exigem a coerção – contêm não apenas o limitado conteúdo explícito dessas decisões, mas também, num sentido mais vasto, o sistema de princípios necessários a sua justificativa. A história é importante porque esse sistema de princípios deve justificar tanto o status quanto o conteúdo dessas decisões anteriores (DWORKIN, 2003, p. 274).

Assim, logo percebemos a importância que o autor dá ao precedente, ou seja, às decisões passadas, quando da interpretação do direito no caso concreto, sempre com fito na coerência ou integridade.

Para ilustrar esse exercício de reflexão em busca da coerência do sistema, Dworkin cria uma metáfora, que chama de “romance em cadeia” (GUEST, 2010, p. 52), em que considera que os juízes são autores e críticos do direito como se este fosse um romance que assumiram no meio da trama e que os mesmos possuem a obrigação de dar continuidade, cientes de que deverão acrescentar um capítulo e que, este capítulo, por sua vez, será acrescido adiante por um próximo juiz e autor.

Para Dworkin, esse exercício não é simples, tendo em vista que cada juiz deve considerar o que recebeu e assim criar o melhor romance possível como se fosse a obra de um só autor. Dworkin cria, então, a figura de Hércules, um juiz com capacidades sobre-humanas que o ajudará a desenvolver seus argumentos.

Ademais, no intento de desenvolver seus argumentos, Dworkin faz a distinção entre os easy cases e os hard cases; entre princípios e regras e entre argumentos de princípio e argumentos de política, sempre criticando o positivismo.

Dworkin crítica o positivismo por considerar que esta maneira de compreender o direito permite que, nos chamados casos difíceis, ou seja, nos casos em que o juiz se encontra diante de uma zona de penumbra sobre a correta interpretação, por não haver uma regra de direito “clara” anteriormente estabelecida, haveria a possibilidade de criar direitos que seriam aplicáveis às demandas vindouras.

Para Dworkin (2002, p. 136), o juiz, diante de casos difíceis, deve basear-se em argumentos de princípio (principle), uma vez que as decisões judiciais tornam efetivos os direitos políticos existentes.

Segundo Palombella (2005, p. 330), Dworkin entende que os juízes não devem argumentar com base em considerações de política do direito, ainda que tenham como objetivo o bem-estar coletivo; antes, devem buscar garantir a justiça e a moral das decisões por meio de argumentos de princípios, porque, por sua natureza, o argumento de princípio busca impedir a discricionariedade judicial, e oferecer uma justificativa para a decisão baseada na coerência do sistema. Nesse sentido:

Os argumentos de princípio são argumentos destinados a estabelecer um direito individual; os argumentos de política são argumentos destinados a estabelecer um objetivo coletivo. Os princípios são proposições que descrevem direitos; as políticas são proposições que descrevem objetivos, e qual a diferença? É difícil fornecer alguma definição que não incorra em petição de princípio. Parece natural dizer, por exemplo, que a liberdade de expressão é um direito e não um objetivo, pois os cidadãos têm direito e não um objetivo, pois os cidadãos têm direito a essa liberdade por uma questão de moralidade política, e que o aumento de produção de material bélico é um objetivo e não um direito, pois contribui para o bem estar coletivo, mas nenhum fabricante específico tem uma prerrogativa a um contrato governamental.

Isso, porém, não melhora nossa compreensão, pois o conceito de prerrogativa antes utiliza, do que explica o conceito de direito (DWORKIN, 2002, p. 142).

Por fim, para Dworkin (2002, p. 142-143), um direito político é objetivo político individualizado, como o direito à liberdade. Já uma meta coletiva é um objetivo não individuado, isto é, um estado de coisas cuja especificação não requer a concessão de nenhuma oportunidade particular, mas que estimulam trocas de benefícios no seio da sociedade com vistas à produção de um benefício geral.

Nesse sentido, Costa (2011; p. 98) considera fundamental observar, em Dworkin, essa distinção entre argumentos de princípio e de política, já que ele elege a comunidade de princípios como paradigma ou comunidade ideal, considerando que nela as pessoas estão fortemente ligadas pelo consenso voluntário em serem governadas por princípios comuns e não por regras criadas por um acordo político.

No trecho a seguir, Dworkin (2003, p. 254-255) expressa as características dessa comunidade ideal.

A política, para essas pessoas, é uma arena de debates sobre quais princípios a comunidade deve adotar como sistema, que concepção deve ter de justiça, equidade e justo processo legal e não a imagem diferente, apropriada a outros modelos, na qual cada pessoa tenta fazer valer suas convicções no mais vasto território de poder ou de regras possível. Os membros de uma sociedade de princípio admitem que seus direitos e deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares tomadas por suas instituições políticas, mas dependem, em termos mais gerais, do sistema de princípios que essas decisões pressupõem e endossam.

Assim, cada membro aceita que os outros têm direitos, e que ele tem deveres que decorrem desse sistema, ainda que estes nunca tenham sido formalmente identificados ou declarados.

Também não presume que esses outros direitos e deveres estejam condicionados à sua aprovação integral e sincera de tal sistema; essas obrigações decorrem do fato histórico de sua comunidade ter adotado esse sistema, que é então especial para ela, e não da presunção de que ele o teria escolhido se a opção tivesse sido inteiramente sua. Em resumo, cada um aceita a integridade política como um ideal político distinto, e trata a aceitação geral desse ideal, mesmo entre pessoas que de outra forma estariam em desacordo sobre a moral política, como um dos componentes da comunidade política (DWORKIN, 2003, p. 254-255).

Por esta razão, assim como Costa (2011, p. 98), consideramos possível traçar um paralelo entre a comunidade de princípios e a sociedade democrática de Direito, pluralista e regida pelo direito, na qual cada cidadão respeita os princípios vigentes na sua comunidade.

Outrossim, é fundamental perceber como Dworkin (2002, p. 60) pretender negar toda discricionariedade para o sistema de regras e princípios ao observar que tal sistema deve estabelecer princípios superiores uns aos outros, para que, em determinados casos, estes princípios possam ser obrigatoriamente aplicados, evitando-se, assim, que o juiz possa, de acordo com sua vontade, aplicar o princípio que bem entender, já que, caso esta última hipótese fosse válida, não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma. 

Existem padrões obrigatórios para os juízes, estruturados por princípios, que, em certas ocasiões, justificam a modificação da decisão judicial: Porém, não é qualquer princípio que pode ser invocado para justificar a mudança; caso contrário, nenhuma regra estaria a salvo. É preciso que existam alguns princípios com importância e outros sem importância e é preciso que existam alguns princípios mais importantes que outros.

Esse critério não pode depender das preferências pessoais do juiz, selecionadas em meio a um mar de padrões extrajurídicos respeitáveis, cada um deles podendo ser, em princípio, elegível. Se fosse assim, não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma. Já que, nesse caso, sempre poderíamos imaginar um juiz cujas preferências, selecionadas entre os padrões extrajurídicos, fossem tais que justificassem uma mudança ou reinterpretarão radical até mesmo da regra mais arraigada (DWORKIN, 2002, p. 60).

Dworkin (2002, p. 114) afirma também que os princípios servem de norte para interpretação do magistrado e que não estão disponíveis à escolha pessoal de cada juiz, mas que devem ser escolhidos após uma avaliação de todos os princípios possíveis de serem aplicados ao caso, determinando-se qual, dentre estes, será capaz de proporcionar, no caso concreto, uma decisão mais coerente com os valores da comunidade.

Ora, por certo este ponto é nevrálgico na teoria de Dworkin, e tem causado graves problemas, conforme aquilo que Streck (2005. p. 396) chama de panprincipiologismo. Entretanto, é papel da hermenêutica contribuir para que hajam mecanismos coerentes na escolha de princípios, haja vista que, a princípio, negar esta possibilidade hermenêutica seria um retorno ao positivismo jurídico e as hipóteses em que se considera que, caso o juiz não possua uma regra clara, estabelecida a priori por uma instituição, ele gozaria de um poder discricionário para decidir o caso de uma maneira ou de outra, o que deve ser rechaçado.

Segundo Costa (2011, p. 97), para Dworkin, pelo positivismo jurídico, o juiz legisla novos direitos e os aplica retroativamente, entretanto ele tem o dever de descobrir os direitos das partes e não de inventá-los, e para atingir esse objetivo, os intérpretes devem ir além da compreensão positivista do direito e da norma positivada, e utilizar-se dos princípios que o sistema dispõe de modo coerente.

Ora, para melhor compreendermos como funciona a interpretação em Dworkin, nos referimos a lição de Matos e Filho (2014 p. 10), segundo quem Dworkin nos ensina que a interpretação do juiz possui dois momentos ou dimensões, um contendo uma dimensão de ajuste e adequação (fit) e outro de justificação (justification).

Para Costa (2011, p. 100), a dimensão da adequação determina que não se pode adotar uma interpretação, ainda que pela sua complexidade, com diferentes leituras de personagem, trama e objetivos que essa interpretação descreve. Desse modo, não significa que cada segmento do texto deve ser compatível ao passado, sendo possível que algumas linhas ou tropos ou mesmo que alguns elementos não coincidam desde que não se deixe sem explicações partes estruturantes do texto.

Costa (2011, p. 100) considera ainda que a segunda dimensão da interpretação exige do intérprete o julgamento das possíveis interpretações e qual delas se ajustam melhor à obra em desenvolvimento, depois de observadas todas as perspectivas da questão. Desse modo, somente quando nenhuma das duas dimensões for desqualificada é que podemos mostrar o texto sob a sua melhor luz, o que permite uma integração mais interessante de estilo e conteúdo.

Por fim, por considerar que essa tarefa não é fácil, Dworkin utiliza a metáfora de um juiz imaginário, denominado de “Hércules”, que possui capacidades sobre-humanas e que aceita aplicar o direito com base na integridade e não em argumentos de política, por isso deverá avaliar as decisões e princípios do passado, a fim de construir o melhor argumento possível a justificar a sua decisão, ao lidar um grande número de casos, conforme se verifica do trecho a seguir:

Assim como, num romance em cadeia, a interpretação representa para cada intérprete um delicado equilíbrio entre diferentes tipos de atitudes literárias e artísticas, em direito é um delicado equilíbrio entre convicções políticas de diversos tipos; tanto no direito quanto na literatura, estas devem ser suficientemente afins, ainda que distintas, para permitirem um juízo geral que troque o sucesso de uma interpretação sobre um tipo de critério por seu fracasso sobre outro. Devo tentar expor essa complexa estrutura da interpretação jurídica, e para tanto utilizarei um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade (DWORKIN, 2003, p. 287).

[...]

Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules. Eu suponho que Hércules seja juiz de alguma jurisdição norte-americana representativa.

Considero que ele aceita as principais regras não controversas que constituem e regem o direito em sua jurisdição. Em outras palavras, ele aceita que as leis têm o poder geral de criar e extinguir direitos jurídicos, e que os juízes têm o dever geral de seguir as decisões anteriores de seu tribunal ou dos tribunais superiores cujo fundamento racional (rationale), como dizem os juristas, aplica-se ao caso em juízo (DWORKIN, 2002, p. 165).

Para Dworkin (2014, p. 287), podemos até discordar de um ponto de vista de Hércules, pois se você rejeitar esses pontos de vista distintos por considerá-los pobres enquanto interpretações construtivas da prática jurídica, não terá rejeitado o direito como integridade: pelo contrário, ter-se-á unido a sua causa.

Segundo Costa (2011, p. 101) e Guest (2010, p. 61), para Dworkin o precedente só influirá decisivamente na decisão de Hércules quando estiver embasada em argumentos de princípios que sejam capazes de lhes sustentar no sistema de princípios, sendo necessário considerar não apenas as normas exaradas nas decisões tomadas anteriormente, mas a forma com que elas foram tomadas, por quais autoridades e em quais circunstâncias

Outrossim, para Dworkin, as decisões do juízes devem se diferenciar de decisões políticas tendo em vista que não lhes é dado legislar, já que juízes estão em posição distinta dos legisladores:

O direito como integridade pressupõe, contudo, que os juízes se encontram em situação muito diversa daquela dos legisladores. Não se adapta à natureza de uma comunidade de princípio o fato de que um juiz tenha autoridade para responsabilizar por danos as pessoas que agem de modo que, como ele próprio admite, nenhum dever legal as proíbe de agir. Assim, quando os juízes elaboram regras de responsabilidade não reconhecidas anteriormente, não têm a liberdade que há pouco afirmei ser uma prerrogativa dos legisladores. Os juízes devem tomar suas decisões sobre o “common law” com base em princípios, não em política: devem apresentar argumentos que digam porque as partes realmente teriam direitos e deveres legais “novos” que eles na época em que essas partes agiram, ou em algum outro momento pertinente do passado (DWORKIN, 2003, p. 292-293).

Por fim, Segundo Costa (2011, p. 102) é preciso considerar como o juiz ideal de Dworkin, possui opiniões sobre a adequação que se irradiam a partir do caso que tem diante de si em uma série de círculos concêntricos. Isso revela a influência de Gadamer sobre Dowrkin, conforme se observa do trecho a seguir:

A interpretação é um projeto coletivo em que cada geração deve assumir o texto em uma constante fusão de horizontes de sentido. Dworkin bebe na fonte de Hans-Georg Gadamer (2005) ao falar dos círculos concêntricos de horizontes e o papel da tradição, isto por que: esse deslocar não é nem empatia de uma individualidade na outra, nem submissão do outro sob os próprios padrões, mas significa sempre uma ascensão a uma universalidade superior, que rebaixa tanto a particularidade própria como a do outro. O conceito de horizonte se torna aqui interessante, porque expressa essa visão superior mais ampla, que aquele que compreende deve ter.  Ganhar um horizonte quer dizer sempre aprender a ver mais além do próximo e do muito próximo, não para apartá-lo da vista, senão que precisamente para vê-lo melhor, integrando-o em um todo maior e em padrões mais corretos (COSTA 2011, p. 102).

No mesmo sentido, Matos e Filho (2014, p. 9) consideram que para Dworkin o intérprete não partiria de um vazio jurídico, ao contrário encontraria fundamentos (grounds) que permitiriam um juízo consoante com a responsabilidade política que possui, sendo, também, um entrave para a discricionariedade.

Ora, pelo que, diante do todo que até aqui foi exposto, sobre a teoria hermenêutica no direito e o conflito entre o paradigma da consciência e o paradigma da teoria do conhecimento, sobre a superação do esquema sujeito-objeto, nos apoiamos nas lições gadamerianas e na teoria de Dworkin sobre a única resposta certa em direito para oferecer uma conclusão aos desafios aqui encampados.

Cabe acrescentar que, nesse sentido, Streck considera que, diante da problemática do predomínio do esquema sujeito-objeto e do protagonismo do sujeito-intérprete, a busca pela resposta correta é uma necessidade e uma proposta apresentada por aquele autor diante da simbiose entre a teoria integrativa de Dworkin e a fenomenologia hermenêutica, e a hermenêutica filosófica (leia-se: com base nas lições de Gadamer) deve ser entendida como uma metáfora que deve ser pensada dentro de suas possibilidades.


5. Conclusões.

Por fim, concluímos considerando que, de fato, as lições de Streck vem contribuir para o raciocínio deste trabalho, ao considerar que a metáfora da resposta correta em direito seja compreendida e recebida não como uma realidade que se impõe, mas como um compromisso capaz de conformar o nosso objetivo em direito e nos auxiliar a atravessar o que chama de “estado de natureza hermenêutico” em uma referência direta à metáfora do contrato social de Hobbes. Nesse sentido, Streck (2005, p. 340) faz a seguinte declaração:

Penso que, de algum modo, é necessário enfrentarmos o “estado de natureza hermenêutico” em que se transformou o sistema jurídico. A “liberdade” na interpretação dos textos jurídicos proporcionada pelo império das correntes (teses, teorias) ainda airragadas/prisioneiras do esquema sujeito-objeto tem gerado esse “estado de natureza interpretativo”, representado por uma “guerra de todos os intérpretes contra todos os intérpretes”, como que repristinando a fragmentação detectada tão bem por Hobbes. Cada intérprete parte de um “grau zero” de sentido. Cada intérprete reina nos seus “domínios de sentido”, com seus próprios métodos, metáforas, metonímias, justificativas, etc. Os sentidos “lhe pertencem”, como se estes estivessem À sua disposição, em uma espécie de reedição da “relação de propriedade” (neo) feudal. Nessa “guerra” entre os intérpretes – afinal, cada um impera solipsisticamente nos seus “domínios de sentido” –, reside a morte do próprio sistema jurídico.

Ora, para Streck (2005, p. 339), metáforas são criadas por se considerar que elas serão capazes de melhor explicar determinados fenômenos. Nesse sentido, há que se considerar a capacidade de uma metáfora em ligar significantes e significados, ou seja, permitir, a partir de um fenômeno já conhecido, que outro seja entendido.

Na verdade, Streck (2005. p. 396) considera que, no direito brasileiro, os princípios foram desvirtuados em uma espécie de adaptação dworkiniana do positivismo jurídico e, ao invés de contribuir para superação do positivismo, passaram a ser considerados “mandados de otimização”, que acabaram por os transformá-los em regras, que são usadas indistintamente, dando azo ao que o autor chama de pamprincipiologismo.

Outrossim, para Streck (2005. p. 298), a hermenêutica (jurídica) é tida como integridade e antimetafísica, [...] por isso o autor lança mão sobre as teorias de Dworkin e Gadamer no afã de fulminar qualquer traço de solipsismo ou discricionariedade judicial, conforme já visto.

Nesse sentido, Streck (2005. p. 299) se utiliza do conceito de tradição de Gadamer e de integridade em Dworkin para asseverar a necessidade de consolidarmos uma tradição jurídica constitucionalmente forte, a fim de produzirmos interpretações mais autênticas e corretas do direito e considera que isso apenas é realizável a partir da compreensão da linguagem como condição de possibilidade da compreensão do ser no mundo.

Se em Gadamer essa questão está ligada à tradição e sua apropriação, no direito (Estado Democrático de Direito) essa tradição deve ser entendida como uma consolidação de um modelo de constitucionalismo que transforma – ou sustenta as transformações – das sociedades contemporâneas.

[...]

Daí que autenticidade da interpretação exurgirá da possibilidade de o jurista/intérprete apropriar-se deste compreendido. A apropriação do compreendido passa a ser a sua condição de possibilidade de poder fazer uma interpretação que supere o conteúdo reprodutor/reprodutivo e objetificante representado por esse habitus dogmaticus que é o sentido comum teórico dos juristas, que, efetivamente, representa aqui que se pode denominar de “tradição inautêntica do direito” [...].

Como consequência, falar a partir da pré-compreensão e dos pré-juizos (tradição) implica assumir que não há a primeira palavra e que há não grau zero de significação; isso implica igualmente entender que nos movemos em um mundo em que a linguagem é condição de possibilidade, e não algo à nossa disposição (nisso reside a ruptura com os paradigmas metafísicos clássico e moderno, fenomenologia que atravessa inexoravelmente o direito). Isso implica afirmar que as coisas (entes) só existem uma vez significadas e que nos compreendemos a partir de textos que significam coisas [...].

No plano da hermenêutica, a integridade equivale ao respeito à tradição (autêntica/legítima), circunstância que, no direito, assume especial especificidade: se queremos dizer algo sobre um texto ( que nunca é algo em abstrato, um mero conceito, uma pauta geral ou qualquer enunciado linguístico), temos que deixar que este nos diga algo (pense-se na jurisprudência, na doutrina, enfim, no modo de explicitação ôntico-proposicional das diversas manifestações do direito). E este texto estará dependente de um fundamento de validade, que é a Constituição, que é fruto de um “contrato” pelo qual, para usar as palavras de Ost, fizemos promessas a nós mesmos.

Em outras palavras, Streck busca explicar como o jurista/intérprete se “compreende na Constituição”, haja vista que para ele a Constituição é um ente, no sentido heideggeriano, com o qual o jurista dialoga para compreender o mundo, tendo em vista que ele se pauta pelas lições de Gadamer, para quem a compreensão do mundo só se realiza na linguagem.

Mas é preciso ter claro que, no plano da hermenêutica aqui desenvolvida, a Constituição não é um elemento objetivo, separado do intérprete, fora da circularidade hermenêutica; dela é impossível “deduzir” “outro” elemento “objetivado”, porque não é uma categoria ou uma hipótese a partir da qual se possa fazer “deduções”, e, ao mesmo tempo, embora sendo o ponto de partida (e chegada) do ordenamento, frustra essa pretensão de ser esse ponto, já que esse “começo” sempre se renova na forma de antecipação de sentido e na circularidade hermenêutica.

[...]

É por isso que a pré-compreensão acerca do que significa a Constituição, da função da justiça constitucional e da revolução copernicana ocorrida no constitucionalismo, torna-se condição de possibilidade para a configuração do lugar da co-originalidade, onde habita a estrutura prévia do compreender a partir da virtuosidade do círculo hermenêutico.

Por isso, Streck (2005, p. 302) considera que não existem normas infraconstitucionais “carentes” no sentido da Constituição, já que todas as normas são a partir do texto Constitucional; como consequência disso, uma baixa compreensão acerca do sentido da Constituição acarretará em uma baixa aplicação da mesma. Ademais, conforme já repetidamente mencionado, o referido autor considera insustentável uma teoria que ceda lugar a subjetivismos e relativismos.

Ademais, Streck (1999. p. 84, 381), ao criticar a Teoria da Argumentação de Alexy, lança mão sobre uma série de questionamentos no plano da hermenêutica filosófica, como a cisão entre aplicação e interpretação do direito e também na teoria do direito sobre quem escolhe os princípios que estarão em situação de colisão e se todo princípio deve ser cumprido em suas máximas possibilidades, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas emergentes da aplicação.

Streck considera que Alexy tenta “racionalizar” o processo de aplicação do direito a partir da teoria da ponderação dos princípios, que para Streck é verdadeira técnica de legitimação da decisão. Com isso, Streck considera que Alexy acaba contribuindo para o aprofundamento da discricionariedade da decisão judicial.

Para Streck (2005, p. 298), a hermenêutica é antirelativista e a discricionariedade não se dá bem com a democracia e considera que nos Estados de Direito, aquele que interpreta precisa, necessariamente, dar à comunidade política as razões de sua interpretação, e é justamente nesta finalidade que a hermenêutica jurídica opera sua razão de ser.

Percebe-se que o autor é rigorosamente contra qualquer teoria que possibilite o subjetivismo judicial e o chamado panprincipiologismo, no qual incluímos a teoria de Belchior e Leite, em razão de seus pressupostos epistemológicos serem contra qualquer tipo de criação de hermenêuticas próprias ou particulares, seja civil, agrária ou ambiental.

Em resumo, podemos concluir ressaltando que Belchior e Leite (2010; p. 309), apesar de afirmem se preocupar em evitar a discricionariedade no Estado Ambiental diante da vagueza dos conceitos ambientais e do caráter principiológico dos direitos fundamentais, conforme se observa do trecho a seguir, deve-se afastar os pressupostos filosóficos e hermenêuticos das lições daqueles em favor do pensamento de Dworkin sobre o conceito do direito como integridade e de Gadamer sobre a tradição.

A particularidade de uma hermenêutica ambiental se fortalece, ainda, pelo fato de a ordem jurídica ambiental ser dotada de conceitos vagos, confusos, amplos e indeterminados, além da intensa discricionariedade administrativa que é concedida ao Executivo. Destaca-se, ademais, que diante do caráter principiológico dos direitos fundamentais, é inevitável a constante colisão entre eles, como ocorre entre o direito ao meio ambiente e o direito à propriedade, o direito à liberdade, o direito à iniciativa privada, o direito ao desenvolvimento, o direito ao pleno emprego, etc., levando à necessidade de técnicas interpretativas adequadas. (Belchior; Leite, 2010; p. 309)

Ora, isto porque, em Dwokin, é possível negar toda discricionariedade para o sistema de regras e princípios ao observar que tal sistema deve estabelecer princípios superiores uns aos outros, para que, em determinados casos, estes princípios possam ser obrigatoriamente aplicados, evitando-se, assim, que o juiz possa, de acordo com sua vontade, aplicar o princípio que bem entender, já que, caso esta última hipótese fosse válida, não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma. 

Cabe observar que, ao contrário do que se observa no direito brasileiro, conforme registro de Streck (2005. p. 396) os princípios não estão disponíveis à escolha pessoal de cada juiz, mas que devem ser escolhidos após uma avaliação de todos os princípios possíveis de serem aplicados ao caso, determinando-se qual, dentre estes, será capaz de proporcionar, no caso concreto, uma decisão mais coerente com os valores da comunidade.

E esta avaliação apenas poderá ser eficaz a partir da internalização do conceito de tradição de Gadamer e de integridade em Dworkin, quando o jurista passar a ter a constituição como única possibilidade da compreensão do ser no mundo, ou seja, quando o jurista passar a compreender o ordenamento jurídico a partir da constituição.


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Notas

[2] A crise da sociedade é um consenso que vem ressoando cada vez mais forte sobre os diversos ramos da ciência, desde obras como “A sociedade de risco” de Beck em 1980, ou “O Ponto de Mutação” de Frijot Capra de 1982.

[3] Streck também observa como a multiplicação das mazelas sociais deixadas por um Estado omisso e o “enorme fosso” existente entre o Direito e a sociedade (retrato de uma incapacidade histórica da dogmática jurídica em lidar com a realidade social) asseveram esta crise.

[4] Para Belchior (2014, p. 126) essa nova pré-compreensão deve ainda considerar elementos essenciais do Estado Ambiental, a saber que: a) O conceito de bem ambiental é conglobante (pois envolve várias dimensões, quais sejam, natural, artificial, cultural e do trabalho); b) A ordem jurídico-ambiental é repleta de conceitos jurídicos vagos, obscuros e indeterminados, o que demanda sua delimitação e preenchimento pelo intérprete; c) O ordenamento jurídico brasileiro adotou a visão antropocentrista alargada e intergeracional do meio ambiente; d) A crise ambiental que ora se enfrenta fortalece a sociedade de risco; e) O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (que é difuso) é condição para a existência dos demais direitos, devendo ter um peso maior em relação aos demais no caso concreto; Ainda, outros elementos como h) O Estado de Direito Ambiental (que continua sendo um Estado Democrático de Direito) é um paradigma possível, com metas e objetivos a serem perseguidos. É construído por meio de um raciocínio jurídico dialético com predominância indutiva. Contém, ainda, um tripé axiológico fundamental: justiça (princípio da legitimidade), segurança jurídica (princípio da juridicidade) e sustentabilidade (princípio da solidariedade); i) Os fundamentos hermenêuticos comprovam que o sentido é filosoficamente inesgotável. Dentro do Direito que é um objeto cultural, o intérprete exerce importante papel ao preencher a moldura deôntica criada pelo legislador influenciado pela sua pré-compreensão e pela realidade social (apofânico) no momento de sua aplicação.


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OLIVEIRA, Neyilton da Costa. A hermenêutica jurídica na pós-modernidade: novos olhares hermenêuticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5045, 24 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55346. Acesso em: 28 mar. 2024.