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As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária

As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária

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SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS; 3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; 4. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA; 5. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS; 6. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

Um dos princípios basilares do Estado de Direito e o primeiro mandamento do contribuinte-cidadão está esculpido no inciso II, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, ao dispor que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Os juristas denominam o referido enunciado constitucional de "princípio da legalidade" e encontra-se reproduzido, também, no capítulo concernente ao Sistema Tributário Nacional, dispondo o inciso I do art. 150 da atual Carta Magna que os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não podem exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Percebe-se, portanto, que a lei no Direito Tributário assume uma importância ainda maior que noutras searas jurídicas. Em linhas gerais, só a lei pode disciplinar questões que girem em torno da criação e aumento de tributos. De fato, no ordenamento jurídico brasileiro os tributos só podem ser instituídos ou majorados com base em lei. Este postulado vale não só para os impostos, como para as taxas e contribuições, que, estabelecidos coercitivamente, também invadem a esfera patrimonial privada. Só à lei é dado criar ou aumentar tributos.

Entretanto, qual o exato significado e amplitude da palavra "lei"? As medidas provisórias coadunam-se com o real sentido de lei? Tal instituto emanado do Poder Executivo pode ser utilizado na criação ou na majoração de tributo?

Todos esses questionamentos são feitos pela doutrina, não se chegando, contudo, a um consenso. Questão de relevo que tem levado a doutrina a profundas discussões, é a que diz respeito à natureza jurídica das medidas provisórias. É que o texto constitucional conferiu às medidas provisórias, malgrado ser um ato oriundo do Poder Executivo, força de lei. É cediço que, diante do princípio da separação de poderes, quem tem originariamente competência para editar leis é o Poder Legislativo. Dessa forma, incitou-se a imaginação de vários doutrinadores, que explicitaram de forma majestosa as suas opiniões sobre o tema, embora quase todas divergentes, não se chegando a uma conclusão final. Vê-se que diversas são as opiniões dos doutrinadores. Para alguns, medida provisória é fato, gestão de negócios, eventualidade disciplinada pelo Direito; para outros, é lei, projeto de lei, ato administrativo, medida cautelar, ato político, etc.

A despeito do consignado, corrente majoritária da doutrina é unânime em dizer que a medida provisória não pode ser veículo normativo para instituir ou majorar tributo, diante do princípio da estrita legalidade tributária, visto que tal instituto não se conforma com o sentido restrito de lei. Noutros termos, a medida provisória não é ao mesmo tempo lei formal e material, não respeitando, por conseguinte, o princípio da legalidade em matéria tributária. Pode ser lei material, como entende o Excelso Pretório, mas nunca lei formal.

A presente explanação tem como principal objetivo, não obstante grande parte da doutrina afirmar o contrário, tentar demonstrar que as medidas provisórias podem ser consideradas a um só tempo lei formal e material, respeitando, em conseqüência, o princípio da estrita legalidade tributária. Portanto, o citado instituto poderia criar ou aumentar tributo.

Diante disso, para que fique claro o objeto específico do estudo em tela, serão abordados alguns temas importantes, como a influência da evolução do Estado de Direito e do princípio da separação dos poderes no surgimento de institutos utilizados como veículo normativo do Poder Executivo, a servir de exemplo a medida provisória. Tratar-se-á, também, do controvertido tema da natureza jurídica das medidas provisórias, adotando-se, todavia, uma posição particular e crítica. O termo "lei" será definido e classificado, para que, posteriormente, se conceitue o princípio da legalidade e um outro dele derivado, o princípio da reserva de lei formal. Será determinado, enfim, o significado do princípio da legalidade tributária.

Todos esses assuntos serão abordados para que fique perfeitamente claro e delineado que as medidas provisórias podem ser sim definidas como lei formal e material simultaneamente, respeitando, portanto, o princípio da estrita legalidade tributária e, em conseqüência, podendo instituir e majorar tributos.


2. NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS

A despeito da Teoria de MONTESQUIEU ter sido inicialmente interpretada de modo a estabelecer uma separação rígida das funções estatais, o princípio da separação dos poderes tem por escopo fazer com que os órgãos do Estado, conquanto independentes, trabalhem conjuntamente de maneira coordenada e harmônica, sempre para um único e mesmo fim, qual seja, os fins do próprio Estado de quem são simples instrumentos.

Os fins do Estado, contudo, não ficaram restritos às concepções originariamente formuladas pela doutrina liberal. Vale dizer: o Estado foi incorporando e assumindo novas tarefas, de tal modo que se agigantou.

O Estado de Direito, oriundo das revoluções burguesas de cunho liberal do final do século XVIII, nasceu com a precípua finalidade de garantir ao cidadão uma certa proteção contra os arbítrios do detentor do poder político. Assim, foram reconhecidos direitos individuais, que limitaram a esfera de atuação do Estado, porquanto ampliavam e garantiam a liberdade ou autonomia do particular, resguardando prerrogativas consideradas indispensáveis a cada pessoa humana.

Para tanto, ocorreu um fenômeno denominado pelos doutrinadores como Estado mínimo. É que, como bem acentua CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, a doutrina liberal conduziu à concretização de uma idéia limitada e juridicamente controlada de Estado. Um Estado, pois, responsável, em última análise, unicamente pela segurança das relações sociais e que para desempenhar tal finalidade, se limitava a produzir a lei, a executá-la, bem como a censurar a sua violação. [1]

De forma semelhante, CARLOS ARI SUNDFELD declara que o liberalismo, gerador do Estado de Direito, tinha seu modelo econômico calcado no absenteísmo estatal: era preciso que o Estado não interferisse nos negócios dos indivíduos, restringindo sua ação à garantia da ordem, da paz, da segurança. Em suma, queria-se um Estado mínimo, com reduzidas funções, sem interferência na vida econômica. [2]

À vista disso, percebe-se que as idéias liberais que deram origem ao Estado de Direito conduziram o aparato estatal a funções restritas, visto que pretendia-se ampliar a esfera de autonomia ou liberdade do indivíduo. Dessa forma, surgiu um Estado mínimo, ou seja, um Estado que apenas dava ao cidadão a segurança necessária para desempenhar suas atividades com liberdade.

De início, acreditou-se que esse modelo de atuação do Estado pudesse trazer desenvolvimento econômico e social. Entretanto, a história acabou por mostrar o contrário: a fragilidade da doutrina liberal. Deveras, se o mecanismo das relações sociais sempre permanecesse constante, traduzido no justo conceito de livre concorrência e de livre mercado, poder-se-ia acreditar com otimismo que esse sistema teria êxito.

No entanto, não demorou muito para que essas regras básicas de mercado fossem quebradas e, diante da radicalização do processo de acumulação de capital e do nascimento do poder econômico, o capitalismo concorrencial entrasse em crise, levando consigo toda a economia.

Em conseqüência, não restando alternativa ante a situação premente, fez-se necessária a ingerência do Estado não só na economia, como também em setores antes reservados aos particulares, tudo em prol do desenvolvimento da sociedade e da valorização dos indivíduos socialmente inferiorizados pela desleal e acirrada disputa liberal-capitalista.

Ensina CLÈMERSON MERLIN CLÈVE que o Estado mínimo, com reduzidas competências, vai assumindo mais e mais funções. O "Estado-árbitro" cede espaço para o "Estado de prestações". A própria idéia dos direitos fundamentais sofreu sensível deslocamento: em face do Poder Público, os cidadãos não dispõem, agora, apenas de direitos que possuam como contrapartida um dever de abstenção (prestações negativas do Estado). Eles adquiriram direitos que, para sua satisfação, exigem do Estado um dever de agir (obrigação de dar ou de fazer: prestações positivas do Estado). Aos direitos clássicos, individuais (liberdade de locomoção, propriedade, liberdade de expressão, ou de informação etc.) acrescentou-se uma segunda geração de direitos como os relativos à (proteção da) saúde, educação, ao trabalho, a uma existência digna, etc. [3]

Destarte, o Estado que antes adotava uma postura liberal não intervencionista, passou a exercer o novo papel de agente do desenvolvimento e da justiça social. A essa nova forma de se conceber o Estado, dá-se o nome de Estado social, que, ao invés de substituir, não só incorpora o Estado de Direito, como também dele depende para a consecução de seus objetivos.

Neste Estado, porém, enfatiza CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, uma coisa é certa. Quer aceite este ou aquele regime de governo (falamos especialmente do parlamentarismo ou do presidencialismo), a verdade é que cabe ao Executivo desempenhar a liderança política, bem assim como a ele, incontestavelmente, será atribuída boa parte das novas e recentes funções conquistadas pelo Estado. Daí o seu relativo predomínio, especialmente sobre o Legislativo. O autor acrescenta, ainda, que nesse sentido, cumpre aparelhar o Executivo, sim, para que ele possa, afinal, responder às crescentes e exigentes demandas sociais. [4]

Ademais, consoante os preceitos de LEON FREJDA SZKLAROWSKY, o Estado moderno não pode prescindir de certos instrumentos que lhe dêem agilidade bastante para a realização de atividades que não possam aguardar o desenlace moroso da via normal. As Constituições modernas dispõem de certos mecanismos que permitem ultrapassar as barreiras impostas pela rígida divisão de Poderes, que hoje não mais comporta a severa intangibilidade desses mesmos Poderes. [5]

Infere-se do exposto, portanto, que no Estado social contemporâneo, ante a enorme atribuição estatal e a rapidez com que precisam ser algumas atividades desempenhadas, dos três poderes, dada a sua importância governamental, o Executivo foi o que mais teve ampliada a sua atuação. E, diante disso, para prover com destreza todas as demandas ditas prementes, o Poder Executivo foi munido de instrumentos que, inicialmente, não fariam parte de seu campo funcional, ou, noutros termos, que ultrapassam as barreiras impostas pela separação dos Poderes.

No Brasil, seguindo a tendência das Constituições modernas de postura social, a Carta Magna de 1988 também estabeleceu um instituto para ser utilizado pelo Poder Executivo em momentos excepcionais, mais especificamente nos casos de relevância e urgência, quando a decisão, mais afim ao Governo, deve ser tomada de imediato, antecipando-se o ato normativo e deixando que as assembléias façam o posterior controle político, visto que são órgãos de tramitação legislativa mais morosa.

Dispõe, assim, o art. 62 da atual Constituição Federal brasileira, com nova redação dada pela Emenda Constitucional nº. 32, de 11 de setembro de 2001, sobre as medidas provisórias, que poderão ser adotadas pelo Presidente da República, em caso de relevância e urgência, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Questão de relevo que tem levado a doutrina a profundas discussões, é a que diz respeito à natureza jurídica de tal instituto. É que o texto constitucional conferiu à medida provisória, malgrado ser um ato oriundo do Poder Executivo, força de lei. É cediço que, diante do princípio da separação dos poderes, quem tem originariamente competência para editar leis é o Poder Legislativo. Dessa forma, incitou-se a imaginação de vários doutrinadores, que explicitaram de forma majestosa as suas idéias sobre o tema, embora quase todas divergentes, não se chegando a uma real conclusão.

Poder-se-ia, aqui, discorrer sobre as mais variadas opiniões. Contudo, não obstante existirem diversas manifestações doutrinárias, cada uma afirmando num sentido e com muita propriedade qual seja a natureza jurídica das medidas provisórias, adotar-se-á a posição de que elas são leis. E para sustentar tal assertiva, algumas fortes justificativas serão expostas, a começar pelo entendimento que o Supremo Tribunal Federal dá à matéria.

Com efeito, o Excelso Pretório, ao considerar a medida provisória uma lei em sentido material, admitiu contra ela a ação de inconstitucionalidade. Em outras palavras, nos termos consignados pelo STF, a medida provisória é um ato materialmente legislativo e, diante disso, está sujeita ao controle de constitucionalidade. [6]

Quem perfeitamente explica o porquê deste entendimento é BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS, ao declarar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade dirigida contra os arts. 7º e 9º da Lei nº. 8029, de 1990, considerando serem eles leis meramente formais, porque tem forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato. Têm por objeto atos administrativos concretos. Não se presta a ação de inconstitucionalidade ao controle de constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei. Na oportunidade, ficou decidido que a defesa de direito subjetivo, mesmo que o ato ofensor seja uma lei em sentido formal, não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. Esta ação é o meio pelo qual se procede, por intermédio do Poder Judiciário, ao controle de constitucionalidade das normas jurídicas in abstracto. Não se presta ela ao controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – as leis meramente formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato. O autor finaliza concluindo que se o Supremo Tribunal Federal admitiu a ação de inconstitucionalidade contra medida provisória, é porque a considerou uma lei em sentido material ou ato normativo geral, abstrato e impessoal. [7]

Destarte, a posição do STF é no sentido de que a medida provisória tem natureza de lei material. No entanto, procurar-se-á demonstrar que a medida provisória é lei tanto em sentido material como formal.

O sempre citado professor CLÈMERSON MERLIN CLÈVE também acredita que as medidas provisórias têm natureza de lei material e formal, usando a justificativa de que elas integram o processo legislativo em face de disposição expressa da Constituição Federal. Consoante o jurista, as medidas provisórias sãouma das espécies normativas primárias elencadas no art. 59 da Constituição Federal e todas as espécies ali elencadas são lei. Em nota de rodapé, ele acrescenta que, pelo que se depreende da leitura do art. 59 da Constituição Federal, o Constituinte se valeu do critério formal para definir o que é a lei. Levou em conta, então, não a origem do ato, nem a sua qualidade (impessoalidade, abstração), mas sim a sua força para inovar o ordenamento jurídico, criando direitos e obrigações. Lei, para o Constituinte, então, são todos os atos normativos primários. [8]

Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná, há a emenda, que consiste em lei constitucional; uma vez promulgada integra a Constituição como norma superprimária. Quanto às demais espécies normativas, todas são lei sob o ponto de vista formal. Algumas são lei material, orgânica e formalmente. Outras assumem apenas uma ou duas dessas características. Mas todas são lei em face do critério formal que orientou a opção do Constituinte. Não é verdade, pois, que a medida provisória, no sistema brasileiro, não seja lei no sentido técnico, como sustenta MARCO AURÉLIO GRECO. Não é lei no sentido orgânico ou subjetivo, mas é lei no sentido técnico-formal, sim, como igualmente o são as leis delegadas, as resoluções e os decretos-legislativos. O fato de as medidas provisórias serem publicadas como "Atos do Executivo" no Diário Oficial; o fato de elas submeterem-se a termo (salvo conversão); o fato de produzirem eficácia imediata, sem a intervenção do Legislativo; isso tudo não descaracteriza a natureza legislativa do instituto nem ofende o princípio da separação dos poderes. É que o conceito de lei, no mundo contemporâneo, vem sofrendo profundas alterações, daí porque é perfeitamente possível, juridicamente, aceitar-se um ato legislativo com período de eficácia e vigência programadas. Os atos legislativos, igualmente, no mundo contemporâneo mais e mais vão sendo produzidos pelo Executivo. Os países ocidentais aceitam perfeitamente esse fato. Por fim, não se pode justificar a natureza de um ato pelo lugar onde foi publicado (se na seção dos atos do Poder Executivo ou do Poder Legislativo do Diário Oficial). Porque no direito constitucional brasileiro as medidas provisórias possuem a natureza de lei, não podem ser atos administrativos (embora com força de lei) ou projetos de lei dotados de força de lei. [9]

Dois assuntos são de extrema importância para esclarecer e definir a natureza de lei material e formal das medidas provisórias. O primeiro deles é o concernente ao princípio da separação dos poderes, o outro diz respeito à formação do Estado Social de Direito. Com efeito, cabe deixar claro que não será redundante a repetição de alguns trechos até agora descritos, mas sim um modo de melhor explicar o tema a ser abordado.

Dessa forma, repetindo o que foi anteriormente dito, o princípio da separação dos poderes, a despeito da Teoria de Montesquieu ter sido inicialmente interpretada de modo a estabelecer uma separação rígida das funções estatais, tem por escopo fazer com que os órgãos do Estado, conquanto independentes, trabalhem conjuntamente de maneira coordenada e harmônica, sempre para um único e mesmo fim, qual seja, os fins do próprio Estado de quem são simples instrumentos.

Ressalta-se, outrossim, que, além dessa interdependência dos poderes, tal princípio sofreu uma evolução no sentido de permitir que o Executivo também tivesse atribuições que não seriam inicialmente suas, ou seja, o Executivo passou a legislar em determinadas situações, em virtude da transferência de atribuições que seriam inerentes ao Legislativo e que passaram a ser exercidas a qualquer título por Ele.

E foi com o advento do Estado Social que a evolução do princípio da separação dos poderes se intensificou. Ou seja, o Estado Social é o grande responsável pelo fato de um poder estatal transferir a outro a realização de sua tarefa específica, tudo isso em virtude da passagem de um Estado mínimo para um Estado que se agigantou.

Com o Estado Social, o Estado incorporou e assumiu novas tarefas, de maneira que coube ao Executivo desempenhar a liderança política, bem como a Ele foi atribuída boa parte das novas e recentes funções.

Destarte, ante a enorme atribuição estatal e a rapidez com que precisam ser algumas atividades desempenhadas, dos três poderes, dada a sua importância governamental, o Executivo foi o que mais teve ampliada a sua atuação. E, diante disso, para prover com destreza todas as demandas ditas prementes, o Poder Executivo foi munido de instrumentos que, inicialmente, não fariam parte de seu campo funcional, ou, noutros termos, que ultrapassam as barreiras impostas pela separação dos Poderes.

E, no Brasil, um dos instrumentos que o Executivo utiliza e que não pertence à sua função específica é a afamada medida provisória. Esta, consoante os ensinamentos de CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, é decorrente de uma atribuição constitucional sem delegação, que é o poder conferido, pelo Constituinte, ao Executivo para, diretamente, produzir ato normativo com ou sem força de lei. Acrescenta, ainda, que o mundo contemporâneo, além da delegação legislativa, passou a exigir que o Executivo pudesse, em certas circunstâncias, legislar diretamente sobre determinadas matérias. [10] Assim, atribui-se ao Executivo, em face de competência própria, a função de legislar, ou seja, produzir ato normativo com força de lei, denominado de Medida Provisória.

Por sua vez, CARLOS ROBERTO RAMOS preceitua que tal ato normativo decorre de um poder originário de legislar em situações excepcionais, legislação de urgência e necessidade, ao relatar que, no caso das medidas provisórias, o poder excepcional de legislar é posto pelo Poder Originário, aquele que é o poder fonte dos demais poderes. É poder próprio. É poder condicionado tão-somente às condições e limites impostos pela Constituição. Não é um poder geral como o tem o Parlamento, mas um poder que a própria Constituição condiciona aos casos extraordinários de urgência e necessidade, porém, dentro dessas circunstâncias, é um poder permanente e institucionalizado do qual o Governo pode fazer uso em qualquer momento, sem mais limites jurídicos que os derivados da Constituição. Ao instituir a Medida Provisória, o Poder Constituinte repartiu a competência, dotando o Governo de um poder próprio, mas excepcional, porque só é exercitável em casos de urgência. Ao contrário da delegação legislativa, é um poder contínuo, potencial, independe de pronunciamento legislativo para operar-se, atendo-se tão somente aos pressupostos constitucionais e aos princípios gerais do Direito. [11]

À vista disso, percebe-se que a medida provisória é um instrumento decorrente de um poder próprio de legislar, conferido pelo Constituinte ao Executivo, exercitável em qualquer momento, porquanto permanente e institucionalizado, embora condicionado aos limites impostos pela Constituição (relevância e urgência).

CARLOS ROBERTO RAMOS menciona que não é um poder geral como o tem o parlamento, mas é igualmente um poder próprio, ou seja, ao Executivo o Constituinte também estabeleceu competência própria para legislar, porém menos ampla, pois restrita somente aos casos de relevância e urgência.

Por conseguinte, diante da competência ou função própria que o Executivo possui de legislar, visto que ao instituir a medida provisória o Poder Constituinte repartiu a competência entre Ele e o Legislativo, fica claro que tal instrumento normativo é Lei Formal.

Para HUGO DE BRITO MACHADO, em sentido formal, lei é o ato jurídico produzido pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição. Diz-se que o ato tem a forma de lei. Foi feito por quem tem competência para fazê-lo, e na forma estabelecida para tanto, pela Constituição. [12]

Não se deixa dúvida, portanto, que a medida provisória pode ser considerada Lei, tanto em sentido material como em sentido formal. E é também Lei Formal, pois emanada de um poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição.


3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Consoante as judiciosas palavras de CARLOS ARI SUNDFELD, as pedras de toque do Estado de Direito, cuja falta faria desmoronar todo o edifício, são a supremacia da Constituição, a separação dos Poderes, a superioridade da lei e a garantia dos direitos individuais. [13]

O Estado de Direito, portanto, está assentado em quatro idéias basilares, sendo uma delas a superioridade da lei, expressa no Princípio da Legalidade. Este princípio, também denominado por PONTES DE MIRANDA de Princípio da Legalitariedade, surge, então, como uma das vigas mestras do ordenamento jurídico brasileiro, visto ser um Estado calcado na superioridade da lei.

O Princípio da Legalidade está preceituado no art. 5º II da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Destarte, a Carta Magna vigente consagra, em seu art. 5º, no título concernente aos direitos e garantias fundamentais, mais especificamente no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, o Princípio da Legalidade, de suma importância para qualquer sistema jurídico oriundo de um Estado de Direito e um dos pilares em que se apóia todo o ordenamento brasileiro.

Não obstante o princípio estar inserido no capítulo referente aos direitos individuais, a doutrina entende que se trata de uma garantia constitucional individual, ou simplesmente garantia individual. Para CELSO RIBEIRO BASTOS, no fundo, portanto, o Princípio da Legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei. [14]

A proposição "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", enunciado do Princípio da Legalidade, é centenária no direito brasileiro, tendo sido consagrada em todas as Leis Fundamentais, com exceção da de 1937, omissa a respeito (art. 72, § 1º, da Constituição de 1891; art. 113, inciso II, da Constituição de 1934; art. 141, § 2º da Constituição de 1946; art. 150, § 2º da Constituição de 1967; art. 153, § 2º da E. C. nº. 1, de 1969).

Para que melhor se compreenda o que denota tal princípio é curial, contudo, que se entenda o significado da expressão "em virtude de lei", que equivale a dizer que somente a lei é que pode obrigar a "fazer" ou a "deixar de fazer" alguma coisa. Porém, qual o sentido que o legislador constituinte quis dar ao termo "lei", ao preceituar o Princípio da Legalidade?

O termo lei, para MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, ainda na Constituição de 1946, era tomado na acepção de ato normativo, votado pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República (ou superado o veto deste por nova deliberação parlamentar), estabelecido, enfim, segundo um procedimento reservado, de tal modo que todo ato estabelecido por aquele canal e apenas os editados segundo esse caminho eram lei. A Constituição vigente, contudo, prevê diferentes modalidades de ato normativo (vide art. 59 da CF/88). Consoante o jurista, não é mais a lei, no direito pátrio, o único ato normativo primário. Outros há, como a medida provisória, que também derivam diretamente da Constituição. São atos, pois, que, tanto quanto a lei, em sua eficácia, aparecem no primeiro nível dos atos resultantes da Constituição. FERREIRA FILHO finaliza, dizendo que no texto em exame, lei não significa estritamente uma modalidade de ato normativo. Tem o sentido de gênero que abrange todos os atos normativos primários. Assim, atende ao Princípio da Legalidade, podendo comandar que se faça ou que não se faça alguma coisa, todo ato normativo, editado imediatamente com base em competência constitucional, incluído no chamado processo legislativo, dentro de seu âmbito próprio. [15]

ALEXANDRE DE MORAES expressa a mesma opinião, ao relatar que só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Ou, noutros termos, segundo o mesmo autor, pelo Princípio da Legalidade fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional. [16]

Corroborando o exposto, PINTO FERREIRA afirma ser a lei um ato normativo, entretanto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 59, sobre o processo legislativo, enumerou diversos atos normativos. Dessa forma, a lei não é o único ato normativo primário. Para o doutrinador, a lei tem o sentido de gênero que abrange todos os atos normativos primários. [17]

Por conseguinte, depreende-se do que foi até aqui consignado, que a regra de obrigatoriedade de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, definida como Princípio da Legalidade, considera "Lei" todos os atos normativos primários preceituados no art. 59 da Constituição Federal de 1988, que trata do processo legislativo. Em outras palavras, estará respeitando o Princípio da Legalidade todo comando normativo, que obriga alguém a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, expresso ou instrumentalizado por qualquer das espécies normativas preceituadas no art. 59 da atual Carta Magna brasileira. Enfim, o termo "Lei", declarado pelo Princípio da Legalidade, tem significação genérica, abrangendo todos os atos normativos primários compreendidos no processo legislativo (art. 59 da CF/88).

A palavra "lei", outrossim, pode ser conceituada segundo os critérios formal e material. Lei em sentido formal designa todo ato jurídico emanado pelo Poder Competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição. Por outro lado, a lei em sentido material pode ser definida como o ato jurídico normativo que contém uma regra de direito objetivo, é uma norma, um comando abstrato, geral e impessoal.

Como corolário de tal definição, classifica-se a lei em sentido amplo e restrito. Para que o comando normativo seja considerado lei em sentido restrito, é mister que se enquadre no conceito de lei formal e material simultaneamente. Ou seja, a lei em sentido restrito é o ato jurídico normativo que contém uma regra de direito objetivo, é uma norma, um comando abstrato, geral e impessoal, emanado pelo Poder Competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição.

Ao revés, para que o ato normativo seja considerado lei em sentido amplo, é necessário apenas que seja lei material ou lei formal. O Princípio da Legalidade contenta-se somente com a lei em sentido amplo, ou, noutros termos, para que o Princípio da Legalidade seja respeitado, torna-se suficiente que o ato jurídico seja emanado pelo Poder Competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição (Lei Formal), ou que o ato jurídico normativo contenha uma regra de direito objetivo, um comando abstrato, geral e impessoal (Lei Material). Ressalta-se, enfim, que tal explanação ajusta-se perfeitamente com o que foi anteriormente dito, isto é, o termo "Lei", declarado pelo Princípio da Legalidade, tem significação genérica, abrangendo todos os atos normativos primários elencados no art. 59 da Constituição Federal de 1988, que trata do processo legislativo.

Deriva do Princípio da Legalidade, contudo, um outro princípio também de enorme importância para o Direito, denominado pela doutrina de reserva legal ou reserva de lei formal. Este princípio nada mais é do que uma intensificação, exacerbação ou um aprofundamento do mesmo Princípio da Legalidade.

Segundo ALEXANDRE DE MORAES, o Princípio da Legalidade é de abrangência mais ampla do que o princípio da reserva legal. Por ele fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional. Por outro lado, encontra-se o princípio da reserva legal. Este opera de maneira mais restrita e diversa. Ele não é genérico e abstrato, mas concreto. Ele incide tão-somente sobre os campos materiais especificados pela Constituição. Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao Princípio da Legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei. [18]

Em outras palavras, pelo princípio da reserva legal, somente a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) poderá regulamentar algumas matérias indicadas expressamente pela Constituição. Difere, portanto, do Princípio da Legalidade, pois este exige apenas a lei em sentido amplo (ou quaisquer dos atos normativos primários elencados no art. 59 da CF/88) e para todos os comportamentos humanos.

Em suma, enquanto no princípio da reserva legal serão objeto de lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) somente alguns comportamentos humanos, apenas os especificados expressamente pela Constituição, no Princípio da Legalidade todos os comportamentos ficam sujeitos a lei em sentido amplo ou quaisquer dos atos normativos primários compreendidos no processo legislativo (art. 59 da CF/88). Devem respeitar o princípio da reserva legal, por exemplo, os comportamentos humanos que são preceituados em normas incriminadoras de Direito Penal, além das regras que criam ou aumentam tributos, como será visto posteriormente.

Destaca-se, ainda, que a Carta Magna vigente estabelece essa reserva de lei, de modo absoluto ou relativo. Destarte, ocorre a reserva absoluta de lei formal, quando a lei em sentido restrito há de ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela. Por outro lado, quando a Constituição Federal deixa claro que o que se requer é uma referência legal, uma previsão por parte da lei em sentido restrito, sem qualquer caráter de exaustão, há reserva relativa de lei formal. Neste caso, tudo a que o indivíduo está sujeito não há de estar minuciosamente descrito na lei em sentido restrito.

Sobre o consignado, JOSÉ AFONSO DA SILVA declara ser absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: "a lei regulará", "a lei disporá", "a lei criará", a lei poderá definir", etc. É relativa a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é em parte admissível a outra fonte diversa da lei, sob a condição de que esta indique as bases que aquela deva produzir-se validamente. Assim é quando a Constituição emprega fórmulas como as seguintes: "nos termos da lei", "no prazo da lei", "na forma da lei", "com base na lei", "nos limites da lei", "seguindo critérios da lei". [19]

No mesmo sentido, consoante ALEXANDRE DE MORAES, tem-se a reserva legal absoluta quando a norma constitucional exige para sua integral regulamentação a edição de lei formal. Por outro lado, tem-se a reserva legal relativa quando a Constituição Federal, apesar de exigir edição de lei formal, permite que esta fixe tão-somente parâmetros de atuação para o órgão administrativo, que poderá complementá-la por ato infralegal, sempre, porém, respeitados os limites ou requisitos estabelecidos pela legislação. [20]

Por derradeiro, é de se ressaltar, visto que será útil no capítulo seguinte, que o Principio da Legalidade em matéria tributária, consagrado no art. 150 I da atual Carta Magna, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal.


4. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Conforme o exposto no capítulo anterior, o art. 5º`, inciso II, da atual Carta Magna, estabelece um dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro. Ficou consignado, outrossim, que do Princípio da Legalidade flui um outro, também de grande valor para o Direito, denominado de princípio da reserva legal ou de reserva de lei formal.

Demonstrou-se, ademais, que a diferenciação entre ambos é qualificada pela abrangência. O Princípio da Legalidade, mais amplo, designa que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas compreendidas no processo legislativo constitucional (art. 59 da CF/88), ou seja, de uma lei em sentido amplo (lei material ou lei formal). Por outro lado, o princípio da reserva de lei formal, menos abrangente, indica que apenas a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) poderá regular algumas matérias indicadas expressamente pela Constituição.

Por fim, destacou-se que a Constituição em vigor estabelece essa reserva de lei, de forma absoluta ou relativa. Assim, quando a Lei Fundamental brasileira deixa claro que o que se requer é uma referência legal, uma previsão por parte da lei em sentido restrito, sem qualquer caráter de exaustão, há reserva relativa de lei formal. Em conseqüência, tudo a que o indivíduo está sujeito não há de estar minuciosamente descrito na lei em sentido restrito. Ao revés, quando a lei em sentido restrito há de ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela, ocorre a reserva absoluta de lei formal.

Não obstante o Princípio da Legalidade estar preceituado genericamente no referido dispositivo constitucional, pairando sobre todo o ordenamento jurídico brasileiro, no que concerne ao Direito Tributário a Carta Magna foi mais específica, consignando o princípio também no art. 150, inciso I, no capítulo referente ao sistema tributário nacional. Destarte, com tal atitude, o legislador constituinte deixou evidente o primordial prestígio do Princípio da Legalidade dentro da matéria tributária, porquanto não se contentou apenas com a norma genérica antes relatada.

O princípio da legalidade tributária, assente no art. 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dita que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". Fica claro, portanto, à vista do exposto, que se pretendeu enaltecer e dar uma maior especificidade ao Princípio da Legalidade dentro do sistema tributário nacional, haja vista que, com outras palavras, porém com a mesma retórica, os mesmos ditames foram preceituados no art. 5º, inciso II.

LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JÚNIOR, explicando a razão-de-ser do princípio específico da legalidade tributária, declara que o art. 5º, II da CF consagra o princípio genérico da legalidade, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Entretanto, tal princípio genérico é considerado por si só insuficiente para conferir ao contribuinte a garantia que decorre do princípio específico, exigindo, para cada instituição ou majoração de tributo, norma jurídica emanada pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição. [21]

Pelo princípio da legalidade tributária, por conseguinte, tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei. A Constituição é explícita. Tanto a criação como o aumento dependem de lei.

HUGO DE BRITO MACHADO entende, contudo, que para bem compreender o princípio da legalidade tributária, é importante ter presente o significado das palavras lei e criar. Aliás, dizer que só é válida a criação do tributo por lei nada significa se não se sabe o que é lei, e o que significa criar. [22]

À vista disso, confirmando o que foi dito no capítulo anterior, para o mencionado jurista, em sentido formal, lei é o ato jurídico produzido pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição. Diz-se que o ato tem a forma de lei. Foi feito por quem tem competência para fazê-lo, e na forma estabelecida para tanto, pela Constituição. Nem todos os atos dessa categoria, entretanto, são leis em sentido material. Por outro lado, em sentido material, lei é o ato jurídico normativo, vale dizer, que contém uma regra de direito objetivo, dotada de hipoteticidade. Em outras palavras, a lei, em sentido material, é uma prescrição jurídica hipotética, que não se reporta a um fato individualizado no tempo e no espaço, mas a um modelo, a um tipo. É uma norma. Nem sempre as leis em sentido material também são leis em sentido formal. Assim, a palavra lei tem um sentido amplo e outro restrito. Lei, em sentido amplo, é qualquer ato jurídico que se compreenda no conceito de lei em sentido formal ou em sentido material. Basta que seja lei formalmente, ou materialmente, para ser lei em sentido amplo. Já em sentido restrito só é lei aquela que o seja tanto em sentido formal como em sentido material. Segundo HUGO DE BRITO MACHADO, no Código Tributário Nacional, a palavra lei é utilizada em seu sentido restrito, significando regra jurídica de caráter geral e abstrato, emanada do Poder ao qual a Constituição atribuiu competência legislativa, com observância das regras constitucionais pertinentes à elaboração das leis. Só é lei, portanto, no sentido em que a palavra é empregada no CTN, a norma jurídica elaborada pelo Poder competente para legislar, nos termos da Constituição, observado o processo nesta estabelecido. [23]

Para HUGO DE BRITO MACHADO criar um tributo, no contexto do princípio da legalidade tributária, é estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago. Assim, a lei instituidora do tributo há de conter: (a) a descrição do fato tributável; (b) a definição da base de cálculo e da alíquota, ou outro critério a ser utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; (c) o critério para a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; (d) o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade. [24]

Logo, ante o apregoado, percebe-se claramente que a lei, para o CTN, não designa quaisquer dos atos normativos primários, mas sim somente aquele que se enquadra no sentido restrito de lei, ou seja, norma jurídica elaborada pelo Poder competente para legislar, nos termos da Constituição e observado o processo nela estabelecido. A referida lei, ademais, deve conter, para a criação do tributo, todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago.

Destarte, tendo em vista tais particularidades, o princípio da legalidade tributária é também conhecido por outras expressões: princípio da reserva legal; princípio da estrita legalidade; princípio da estrita legalidade tributária e princípio da reserva absoluta de lei formal.

Manifesta-se dessa forma CELSO RIBEIRO BASTOS, ao declarar que um dos princípios essenciais do estado moderno é o da legalidade da tributação – também conhecido por reserva de lei – que a doutrina considera como regra fundamental do direito público. O doutrinador continua, dizendo que a simples aplicação desse princípio leva à idéia de que ninguém seria obrigado a pagar tributo que não viesse antecedido de lei. Acontece, entretanto, que esse princípio é reforçado em matéria de tributação. Daí surgir o que os autores chamam de princípio da estrita legalidade. [25]

Também discorre sobre o assunto IVES GANDRA MARTINS, quando diz que a lei tributária deve preencher os requisitos da estrita legalidade, da tipicidade fechada e da reserva absoluta de lei formal. [26]

Tais expressões são utilizadas, enfim, por JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao relatar que o fenômeno tributário, como atividade estatal, obedece ao princípio da legalidade, mas não à simples legalidade genérica que rege todos os atos e atividades administrativas. Subordina-se a uma legalidade específica, que, em verdade, se traduz no princípio da reserva de lei. Esta legalidade específica constitui garantia constitucional do contribuinte, em forma de limitação ao poder de tributar que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I). O constitucionalista finaliza, afirmando que esse princípio da estrita legalidade tributária compõe-se de dois princípios que se complementam: o da reserva de lei e o da anterioridade de lei tributária. [27]

A despeito das diversas maneiras em que se enuncia o princípio da legalidade tributária, adotar-se-á a expressão "reserva absoluta de lei formal", diante de tudo o que foi expresso no capítulo concernente ao princípio genérico da legalidade. Dessa forma, repetindo as últimas linhas que encerraram o capítulo antecedente, o princípio da legalidade em matéria tributária, consagrado no art. 150, inciso I, da atual Carta Magna brasileira, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal.

Por conseguinte, a norma constitucional que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça", preceituada no art. 150 I da CF/88, manifesta-se como uma reserva absoluta de lei formal, decorrendo disso algumas conseqüências importantes.

Destarte, um tributo somente pode ser criado ou aumentado por meio de lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente), ou seja, apenas o ato jurídico normativo que contém uma regra de direito objetivo, um comando abstrato, geral e impessoal, emanado pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição, pode instituir ou majorar um tributo (princípio da reserva de lei formal). Ademais, esta lei em sentido restrito, que cria um tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago. Isto é, a referida lei deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela. Assim, a lei em sentido restrito, instituidora do tributo, deve conter a descrição do fato tributável; a definição da base de cálculo e da alíquota, ou outro critério a ser utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; o critério para a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade (princípio da reserva absoluta de lei formal).

LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JUNIOR corrobora a assertiva, ao consignar que algumas observações devem ser feitas a respeito do que dispõe o art. 150, I, quando exige lei prévia para a instituição ou majoração de tributo. Em primeiro lugar, referindo-se o dispositivo legal a tributo, nenhuma dúvida existe que o princípio da legalidade deve ser aplicado a todas as espécies do gênero, inclusive aos tributos que não existem autonomamente como espécies tributárias (empréstimos compulsórios e contribuições parafiscais). Em segundo lugar, o mesmo dispositivo menciona o termo lei e não legislação. Como se sabe, o CTN distingue esses dois termos, e essa distinção foi recepcionada pela Constituição.

Assim, a expressão legislação tributária "compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes" (CTN, art. 96). Em outras palavras, legislação tributária significa norma jurídica em sentido lato, não importando a sua origem. De outro lado, o CTN refere-se ao termo lei em seu sentido restrito de lei propriamente dita, lei formal, para significar a norma jurídica emanada do Poder competente para a função legislativa e que tenha observado todas as formalidades constitucionais. Todavia, lei em sentido restrito deve ser lei também em sentido material. ROSA JUNIOR acrescenta que, por outro lado, ALBERTO XAVIER afirma que o princípio da legalidade difere no Direito Administrativo e no Direito Tributário. Assim, no Direito Administrativo o princípio da legalidade contenta-se com uma simples reserva relativa, porque "a lei não tem que fornecer necessariamente o critério de decisão no caso concreto, que o legislador pode confiar à livre valoração do órgão de aplicação do direito – o administrador". Todavia, o Direito Tributário exige mais: reserva absoluta da lei. [28]

Igualmente confirmando o exposto, LUCIANO AMARO declara que quando se fala em reserva de lei para a disciplina do tributo, está-se a reclamar lei material e lei formal. A legalidade tributária não se contenta com a simples existência de comando abstrato, geral e impessoal (lei material), com base em que sejam valorados os fatos concretos. A segurança jurídica requer lei formal, ou seja, exige-se que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão titular de função legislativa (reserva de lei formal). Ademais, consoante o mencionado autor, é mister que a lei defina in abstrato todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e à quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente, determinar se "A" irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação. Os critérios que definirão se "A" deve ou não contribuir, ou que montante estará obrigado a recolher, devem figurar na lei e não no juízo de conveniência ou oportunidade do administrador público. Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei. A legalidade tributária implica, por conseguinte, não a simples preeminência da lei, mas a reserva absoluta de lei [29].

Ressalta-se, por derradeiro, que, da reserva absoluta de lei formal, surgiu um princípio específico do Direito Tributário, denominado pela doutrina de princípio da tipicidade. ALBERTO XAVIER explica que o princípio da tipicidade não é, ao contrário do que já uns sustentaram, um princípio autônomo do da legalidade: antes é a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei, ou seja, sempre que se encontra construído por estritas considerações de segurança jurídica. Segundo o autor, a técnica da tipicidade é, porém, a mais adequada à plena compreensão do próprio conteúdo de reserva absoluta e, portanto, dos limites que a lei impõe à vontade dos órgãos de aplicação do direito em matéria tributária. É precisamente pela análise da origem normativa dos tipos, do objeto da tipificação e dos caracteres da tipologia tributária, que resulta com nitidez o alcance da regra nullum tributum sine lege e que se poderá traçar com rigor o âmbito das matérias que, pelo princípio da legalidade, estão reservadas à lei e as que, eventualmente, estejam confiadas à vontade dos seus órgãos. [30]

Assim, consoante LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JUNIOR, segundo o princípio da tipicidade, na tributação não basta simplesmente exigir-se lei formal e material para a criação do tributo. Tudo isso não contenta ao moderno Estado de Direito no que concerne à proteção do contribuinte face ao poder impositivo do Estado. Há necessidade, ademais, que a lei que institua um tributo defina tipo fechado, cerrado, todos os elementos da obrigação tributária, de modo a não deixar espaço algum que possa ser preenchido pela Administração em razão da prestação tributária corresponder a uma atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3º CTN). Desse modo, a lei formal deve conter a hipótese de incidência sob todos os seus aspectos: objetivo, subjetivo, espacial, temporal e valorativo. [31]

Em suma, o que deve ser fixado do capítulo que finda, é que somente a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) pode instituir ou majorar um tributo. E que esta lei em sentido restrito, criadora do tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago, ou seja, deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela.


5. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS

No capítulo concernente à natureza jurídica das medidas provisórias, ficou comprovado que tal instituto constitucional, produzido pelo Poder Executivo, pode ser considerado lei formal e material simultaneamente, diante da competência ou função própria que o Executivo possui de legislar, visto que ao instituir a medida provisória o legislador constituinte repartiu a competência entre o referido Poder e o Legislativo.

Em seguida, no capítulo que trata do princípio genérico da legalidade, foi definido o sentido das expressões lei material e lei formal, classificando-se, posteriormente, a lei em sentido amplo (lei formal ou lei material) e em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente). À vista disso, ficou assente que a medida provisória, em virtude de ser ao mesmo tempo lei formal e material, pode ser entendida como uma lei em sentido restrito.

Ficou consignado, outrossim, que do Princípio da Legalidade deriva um outro, denominado de princípio da reserva legal ou da reserva de lei formal. Este nada mais é do que uma exacerbação ou um aprofundamento do mesmo Princípio da Legalidade, visto que pelo princípio da reserva de lei formal, somente a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) pode regular algumas matérias expressamente indicadas pela Constituição.

Destacou-se, ainda, que a Carta Magna vigente estabelece essa reserva de lei, de modo absoluto ou relativo. Destarte, ocorre a reserva absoluta de lei formal, quando a lei em sentido restrito há de ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela. Por outro lado, quando a Constituição Federal deixa claro que o que se requer é uma referência legal, uma previsão por parte da lei em sentido restrito, sem qualquer caráter de exaustão, há reserva relativa de lei formal. Neste caso, portanto, tudo a que o indivíduo está sujeito não há de estar minuciosamente descrito na lei em sentido restrito.

O capítulo anterior, finalmente, relatou que o princípio da legalidade tributária, consagrado no art. 150, inciso I, da atual Lei Fundamental brasileira, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal. Destarte, um tributo somente pode ser instituído ou majorado mediante lei em sentido restrito, ou seja, uma lei que seja a um só tempo formal e material (princípio da reserva de lei formal). Ademais, esta lei em sentido restrito, que cria um tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago, isto é, a referida lei deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela (princípio da reserva absoluta de lei formal). Diante disso, a norma constitucional que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça", é também denominada de princípio da estrita legalidade tributária.

Tudo o que foi até agora descrito teve por escopo um único fim, qual seja o de demonstrar que as medidas provisórias podem criar ou aumentar tributo, porquanto conformam-se perfeitamente ao conceito de lei em sentido restrito, respeitando, portanto, o princípio da legalidade em matéria tributária.

Noutros termos, a medida provisória, por ser lei formal e material simultaneamente, ajustando-se, então, ao que se entende por lei em sentido restrito, pode instituir ou majorar um tributo, visto que respeita ao princípio da estrita legalidade tributária. Este princípio, também denominado pela doutrina de reserva absoluta de lei formal, exige lei em sentido restrito para a criação ou majoração de um tributo e, diante da comprovação de que a medida provisória é ao mesmo tempo lei formal e material, fica claro, por conseguinte, que o referido instituto pode ser usado como veículo normativo em matéria tributária.

Ressalta-se, contudo, que tal concepção leva em conta apenas o respeito da medida provisória em relação ao princípio da legalidade tributária. A posição adotada não analisa outras situações descritas pela doutrina como impeditivas da utilização das medidas provisórias em Direito Tributário, como o desrespeito ao princípio da anterioridade e da não-surpresa, a segurança jurídica dos contribuintes, a crítica aos pressupostos da relevância e urgência, etc.

Por derradeiro, é mister destacar que o estudo em tela contraria corrente majoritária da doutrina, que não aceita a medida provisória como lei em sentido restrito e, em conseqüência, como ato normativo que acata o princípio da legalidade tributária. Assim, nada melhor do que ultimar a presente explanação citando algumas opiniões contrárias.

HUGO DE BRITO MACHADO cita os que sustentam não ser possível a criação de tributo por medida provisória em face do princípio da legalidade. Como só a lei pode instituir ou aumentar o tributo, e como medida provisória não é lei, não poderia ela, então, criar ou aumentar tributo. Assim também seria em matéria penal, em face do princípio segundo o qual não há crime sem que lei o defina, nem pena sem prévia cominação legal. [32]

LUCIANO AMARO não tem nenhuma simpatia pelas medidas provisórias e crê que a Constituição deveria afastá-las do campo do direito tributário. Segundo o autor, um dos argumentos contra sua utilização no campo dos tributos é o de que a Constituição exige lei para a criação de tributos, e, por isso, não admitiria a medida provisória, que não é lei. [33]

Entende LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JUNIOR que a medida provisória não pode ser veículo para criação ou majoração de tributos, em razão de a Constituição exigir para tais atos lei formal, em decorrência do princípio da legalidade tributária. [34]

No mesmo sentido encontra-se YOSHIAKI ICHIHARA, ao relatar que, cientifica e academicamente é sustentável a posição dos doutrinadores que defendem a imprestabilidade total das medidas provisórias como veículo implementador do princípio da legalidade tributária, para instituir, aumentar e reduzir tributos. [35]

Consoante MARCELO FIGUEIREDO, enfim, quando a Constituição Federal estabelece expressamente que determinado tema será versado em lei, fixa-se aí reserva absoluta ao legislador. Não pode ser veiculada por medida provisória, que, como dito, não é lei. [36]

Vê-se, portanto, diante das opiniões relatadas, que a medida provisória não possui muitos adeptos no que concerne ao Direito Tributário. A análise que finda, entretanto, a despeito de contrariar a doutrina majoritária, foi redigida com o intuito de demonstrar, tendo em vista todo o exposto, que a medida provisória pode ser considerada lei no seu sentido formal e material (lei em sentido restrito), respeitando, em conseqüência, o princípio da estrita legalidade tributária, podendo, portanto, instituir ou majorar tributos.


6. CONCLUSÃO

Certamente um dos pontos mais controvertidos da nova ordem constitucional brasileira, advinda da Constituição de 1988, é o referente à utilização da medida provisória, principalmente no que diz respeito à criação e aumento de tributos.

A medida provisória, conforme depreende-se da redação dada pelo art. 62 da atual Carta Magna, é um ato emanado do Poder Executivo, com força de lei, adotado nos casos de relevância e urgência. Fica claro, portanto, que a medida provisória é um ato produzido por um dos poderes estatais que, diante do princípio da separação dos poderes, inicialmente, não poderia exarar nenhum comando jurídico normativo impondo comportamentos forçados aos cidadãos.

Noutros termos, à primeira vista poder-se-ia dizer que o Executivo, em virtude do princípio descrito pela Teoria de Montesquieu, não teria competência ou função legislativa, porquanto esta pertenceria somente ao Poder Legislativo.

À vista disso, essa questão tem sido objeto de atenção e estudo por parte dos juristas brasileiros, não se chegando, contudo, a uma pacífica conclusão. E o tema relevante que tem levado a doutrina a debates infindáveis é o que concerne à natureza jurídica das medidas provisórias. É que, como foi visto, o texto constitucional conferiu à medida provisória, malgrado ser um ato oriundo do Poder Executivo, força de lei.

Em conseqüência, instigou-se magistralmente a criatividade da doutrina, que expressou diversas opiniões sobre o tema, embora quase todas divergentes, como, por exemplo, que a medida provisória seria fato, gestão de negócios, eventualidade disciplinada pelo Direito, lei, projeto de lei, ato administrativo, medida cautelar, ato político, etc.

Diante de tais idéias inconcludentes, o presente estudo objetivou mostrar uma posição analítica e crítica, porém passível de contestações, visto que contraria corrente majoritária da doutrina. E para que isso fosse possível, discorreu-se sobre alguns pontos importantes e intimamente conexos ao tema em questão.

Em suma, ficou demonstrado, utilizando-se de todo um contexto histórico-político e principiológico, que as medidas provisórias têm natureza jurídica de lei em sentido restrito, ou seja, a um só tempo lei formal e material, respeitando, por conseguinte, o princípio da estrita legalidade tributária. Em outras palavras, em virtude do exposto, é correto afirmar que tal instituto constitucional pode instituir ou majorar tributos.

Ressalta-se, entretanto, que tal posição exclui da apreciação outros aspectos que podem impedir a utilização das medidas provisórias em Direito Tributário, como o princípio da anterioridade e da não-surpresa, a segurança jurídica dos contribuintes, os pressupostos da relevância e urgência. O posicionamento adotado, enfim, refere-se somente à conformação das medidas provisórias ao principio da legalidade em matéria tributária.


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Notas

1 Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 33.

2 Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo : Malheiros, 1997, p. 54.

3 Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 34.

4 Ibid, p. 40 e 42.

5 Medidas Provisórias. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1991, p. 45.

6 ADI 295 MC / DF – Distrito Federal, relator o Ministro Marco Aurélio, publicado o acórdão no DJ, 22 de agosto de 1997, PP-38758, Ement vol-01879-01, PP-00001, julgamento de 22 de junho de 1990, Órgão Julgador Tribunal Pleno.

7 As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil. São Paulo : LTr, 1993, p. 314-315.

8 As Medidas Provisórias e a Constituição Federal/88. Curitiba : Juruá, 1991, p.47.

9 Ibid, p. 47-48.

10 Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 130.

11 Da Medida Provisória. Belo Horizonte : Del Rey, 1994, p. 33-34.

12 Curso de Direito Tributário. 19 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com as Leis Complementares ns. 104 e 105, de 10.1.2001. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 65.

13 Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo : Malheiros, 1997, p. 40.

14 Comentários à Constituição do Brasil : promulgada em 5 de outubro de 1988. v. 2. São Paulo : Saraiva, 1989, p. 23.

15 Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2. ed., atual. e reformulada. v. 1. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 29 e 30.

16 Direito Constitucional. 11. ed. atual. com a E. C. n º. 35/01. São Paulo : Atlas, 2002, p. 69-70.

17 Comentários à Constituição Brasileira. v. 1. São Paulo : Saraiva, 1989, p. 64.

18 Direito Constitucional. 11. ed. atual. Com a E.C. nº. 35/01. São Paulo : Atlas, 2002, p. 69-70.

19 Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n.27, de 21.3.2000). São Paulo : Malheiros, 2000, p. 426-427.

20 Direito Constitucional. 11. ed. atual. Com a E.C. nº. 35/01. São Paulo : Atlas, 2002, p. 70.

21 Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 275.

22 Curso de Direito Tributário. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 34.

23 Curso de Direito Tributário. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 61-62.

24 Ibid, p. 34.

25 Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4. ed., atual. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 107.

26 Comentários à Constituição do Brasil. v. 6. São Paulo : Saraiva, 1990, p. 146.

27 Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n.27, de 21.3.2000). São Paulo : Malheiros, 2000, p. 431 – 432.

28 Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 276-277.

29 Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 110 e 114.

30 Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1978, p. 69-70.

31 Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 280.

32 Curso de Direito Tributário. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 65.

33 Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva, 1997, p.166.

34 Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 172.

35 Princípio da Legalidade Tributária na Constituição de 1988. São Paulo : Atlas, 1995, p.106.

36 A Medida Provisória na Constituição. São Paulo : Atlas, 1991, p. 39.


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SPESSATO, Rodrigo. As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5542. Acesso em: 26 abr. 2024.