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Dos critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária

Dos critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária

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A prerrogativa da prévia e justa indenização, acrescida dos juros compensatórios e moratórios, encontra fundamento de cunho constitucional aos proprietários que tiveram seus bens afetados ao interesse público.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. ASPECTOS GERAIS DA DESAPROPRIAÇÃO E DO DIREITO DE PROPRIEDADE. 2.1. Evolução do Direito de Propriedade nas Constituições, até o Advento da Carta Federal de 1988. 2.2. A Propriedade e sua Função Social. 2.3. Evolução da Desapropriação no Direito Brasileiro. 2.4. Pressupostos ou Requisitos da Desapropriação. 3. DO PROCEDIMENTO JUDICIAL DE DESAPROPRIAÇÃO. 3.1. Da Declaração Expropriatória por Interesse Social, das normas aplicáveis à Desapropriação para Fins de Reforma Agrária e sua obediência ao Contraditório Especial de Rito Sumário. 3.2. Dos Requisitos da Petição Inicial e da Competência para o Processo e Julgamento da Ação de Desapropriação. 3.3. Citação do Expropriando no Processo Judicial Expropriatório. 3.4. Possibilidades de Desapropriação Amigável e Conciliação. 3.5. Da Perícia no Processo de Desapropriação. 3.6. A Contestação do Expropriado e os pontos sobre as quais ela pode versar. 3.7. Da Sentença, dos Recursos cabíveis e do Duplo Grau de Jurisdição. 4. DOS CRITÉRIOS DA INDENIZAÇÃO E DA APLICABILIDADE DOS JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS NA DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. 4.1. Indenização Prévia. 4.2 Indenização Justa. 4.3 Da Correção Monetária. 4.4. Da Aplicação do Juros Compensatórios e Moratórios nas Indenizações, e quando os mesmos começam a incidir. 4.5 São devidos os juros compensatórios, em conseqüência de desapropriação de terra improdutiva, que não esteja cumprindo a sua função social? 4.6. Da Aplicabilidade dos Juros Compensatórios e dos juros Moratórios nos Honorários Advocatícios. 4.7. Das Formas de Pagamento de Indenizações para fins de Reforma Agrária – Uso das TDA´s nas indenizações. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


No presente trabalho, serão abordados os critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária, relacionada com o princípio elencado na nova ordem constitucional que prevê o pagamento de justa e prévia indenização ao proprietário ou possuidor expropriado pelo Poder Público. Tal prerrogativa da prévia e justa indenização, acrescida dos juros compensatórios e moratórios, encontra fundamento de cunho constitucional aos proprietários que tiveram seus bens afetados ao interesse público, e, em razão disso, terão transferido sua titularidade em nome do interesse público, sendo justo ressarci-los dos prejuízos decorrentes da perda da posse do bem, os frutos civis a que os mesmos teriam direito futuramente, bem como o ressarcimento pelo atraso no pagamento do justo preço da indenização. Assim, busca-se nesse trabalho, através de um estudo da doutrina, das leis e da jurisprudência, mostrar os aspectos que envolvem a reparação do dano patrimonial sofrido pelo expropriado que não cumpre a função social da propriedade, estabelecendo em nossa ordem jurídica uma nova definição de atuação estatal, deixando o Estado de se caracterizar como meramente individualista e passando a contemplar formas mais solidárias em seu atuar. É a passagem do Estado-particular para o Estado-social. Antes, porém, para melhor entendermos tal dinâmica indenizatória, falaremos da evolução da desapropriação e da propriedade e sua função social, e do seu procedimento judicial.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata dos critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária, prevista art. 184 da Constituição Federal, definida como o procedimento estatal iniciado pela União e destinado a substituir, compulsoriamente, o direito de propriedade de imóveis rurais improdutivos de grande extensão ou titularizados por proprietários de outros imóveis rurais, por uma indenização prévia, justa e em títulos da dívida agrária.

O poder expropriatório do Estado, fruto de sua soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território, é tipicamente um ato de império, uma vez que se reveste de coercibilidade, submetendo o expropriado ao seu fiel cumprimento. Esse mesmo poder estatal ampara-se no princípio do interesse público, que exige ações rápidas e eficazes do administrador público, tomando-se em consideração as necessidades coletivas.

Esta espécie não se confunde com a desapropriação ordinária, porque seu fundamento é a inobservância da função social rural, porque os bens que atinge são, exclusivamente, imóveis rurais improdutivos de grande extensão, porque é diversa a indenização que enseja (títulos da dívida pública, com ressalva do valor das benfeitorias úteis e necessárias) e, finalmente, porque a competência para decretá-la é restrita à União Federal. Os requisitos para o atendimento à função social dos imóveis rurais estão elencados no art. 186 da Constituição Federal.

Quanto à indenização, deve ser prévia, ou seja, anterior à perda da propriedade, e justa, isto é, suficiente a manter indene o patrimônio financeiro do expropriado, bem como deve ser acrescida dos juros compensatórios e moratórios, que encontram fundamento no fato dos proprietários que tiveram seus bens afetados ao interesse público, e em razão disso terão transferido sua titularidade em nome do interesse público, sendo justo ressarci-los dos prejuízos decorrentes da perda da posse do bem, os frutos civis a que os mesmo teriam direito futuramente, bem como o ressarcimento pelo atraso no pagamento do justo preço da indenização. O pagamento será feito em títulos da dívida agrária, sendo feito em dinheiro quanto ao valor das benfeitorias úteis e necessárias (Art. 184, § 1º), e em títulos quanto ao valor da terra e das benfeitorias voluptuárias (Art. 184, caput).

Quanto ao procedimento, é o da LC 76/93, alterado pela LC 88/96, que é o "procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação", conforme Art. 184, § 3º, da Constituição Federal.

Para a melhor compreensão das questões ora levantadas, tomou-se por prioritário o cuidado em estabelecer, tanto quanto possível, uma seqüência lógica e progressiva do conteúdo a ser explanado. Destarte, para delinear com precisão o que a doutrina e a jurisprudência convencionaram sobre tema do presente trabalho, faz-se de imprescindível importância compreender a evolução de vários institutos jurídicos correlatos ao tema. Portanto, antes de adentrar no tema propriamente dito, faz-se curial a análise do direito de propriedade e a desapropriação e o seu procedimento judicial.


2. ASPECTOS GERAIS DA DESAPROPRIAÇÃO E DO DIREITO DE PROPRIEDADE

2.1 Evolução do Direito de Propriedade nas Constituições, até o advento da Carta Federal de 88

A primeira Constituição brasileira, datada de 1824, no período do Brasil Império, consagrou em seu artigo 179, item 22, o direito à propriedade privada, quando garantiu o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Contudo, previu a mesma que lei estabeleceria que o Poder Público, em caso de utilidade pública, deveria usar e empregar como lhe convier a propriedade, usufruindo dela, sendo, em contrapartida, o cidadão previamente indenizado do valor dela, estabelecendo também, que a lei marcaria os casos com que teria lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.

Com a primeira Constituição republicana, vigente a partir de 1891, a matéria manteve a essência da Constituição de 1824, estabelecendo em seu artigo 72, parágrafo 17, dispondo que, salvo nos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia, o direito de propriedade manter-se-á em toda a sua plenitude.

Entretanto, posteriormente, com a edição da Constituição de 1934, que buscou a inspiração na Carta Federal Alemã da Constituição de Weimar, algo de totalmente novo surgiu no direito brasileiro. A partir de então, constitucionalmente, a propriedade privada passaria a ser condicionada ao cumprimento de sua função social, como se percebe da leitura do seu artigo 113, item 17, dispondo que "o direito de propriedade, não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar".

Contudo, como bem lembra Hélio Roberto Nóvoa da Costa [1]:

"A análise acurada deste dispositivo revela que o constituinte teria compreendido a questão social, contudo, superficialmente. Ao corroborar a tese liberal do direito de propriedade, que para Locke era "o mais sagrado dos direitos", o constituinte teria assimilado algo da doutrina da Igreja, notadamente o ensinamento da Encíclica Rerum Novarum, na qual Leão XIII expressava a necessidade de condicionar a propriedade à função social".

Vale salientar que a Carta Política de 1934, cuja feitura foi provocada pela Revolução Constitucionalista de 1932, após o movimento revolucionário de 1930, que alçou Getúlio Vargas ao poder, teve vida curta. Com efeito, em 1937, Vargas implanta o chamado Estado Novo e impõe ao País uma nova Constituição, de nítida inspiração na sua congênere polonesa de 1935, o que lhe valeu a alcunha de Polaca. Conseqüentemente, face à abrupta interrupção gerada pela mudança política da "Era Vargas", a Constituição de 1937 não repisou o tratamento dado ao tema pela Constituição anterior assegurando em seu artigo 122, item 14, que dispunha que estaria o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia".

Mais uma vez válida a lição do professor Hélio Roberto Nóvoa da Costa2:

"Eivada de vícios, a Constituição de 1937, cognominada a Polaca, laconicamente garantiu o direito de propriedade (art. 122, nº 14), subtraindo o condicionamento do exercício do mesmo no interesse social ou coletivo, mantendo, contudo, a desapropriação por interesse ou utilidade pública".

Regida pelos ventos da alternância que se fizeram presentes em quase toda a história constitucional brasileira, a Constituição de 1946, sucessora, portanto, da Constituição de 1937, regida pelo espírito da redemocratização resultante do final da Segunda Guerra Mundial, tratou de restaurar a necessidade do cumprimento da função social da propriedade, incluindo-a no seu artigo 147, entre os princípios regentes da ordem econômica e social, dispondo que estaria condicionado o uso da propriedade ao bem-estar social, podendo a lei com a observância do disposto no art. 141, par. 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos, garantindo em suma o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

Esclarece Hely Lopes Meirelles3 que

"bem-estar social é o bem-comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias. Nele se incluem as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados; são as necessidades vitais da comunidade, dos grupos, das classes que compõem a sociedade".

Destaque-se que a Emenda Constitucional n.º 10, de 09.11.64, acrescentou parágrafos ao artigo 147, objetivando possibilitar à União a promoção de desapropriação de imóveis rurais "para os fins previstos neste artigo".Mantendo a mesma disposição estabelecida por sua antecessora, a Constituição de 1967 contemplou a função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica e social,

"todavia, com o fito de realização da justiça social e em substituição ao vago condicionamento do uso da mesma ao bem-estar social previsto nas constituições predecessoras, estabeleceu (art. 157, inciso III) que um dos princípios para este fim é a função social da propriedade, consagrada anteriormente pelo ESTATUTO DA TERRA (art. 2º, § 1º). Esta, nada mais é que o direito e dever resultante do embate filosófico e jurídico entre o princípio liberal do laissez faire, laissez passer e o da intervenção do Estado oriundo da posição da Igreja, tornada pública primeiramente pela Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII".4

Por fim, há de se ressaltar que o direito à propriedade privada restou garantido na referida Carta Constitucional em seu artigo 150, parágrafo 22, com ressalva nos casos de desapropriação. Tal entendimento foi também acolhido pela Emenda 1/69, em seu artigo 153, parágrafo 22, ratificando o princípio da função social da propriedade como forma de realização do desenvolvimento nacional e da justiça social, a da competência exclusiva da União para limitar as zonas prioritárias para a reforma agrária, a exclusividade dos latifundiários em serem indenizados em títulos especiais da divida pública e a delegação de atribuições para a desapropriação de imóveis rurais.

2.2 A Propriedade e sua Função Social

A propriedade configura-se como sendo o direito real mais amplo, congregando, dessa feita, os poderes de usar, gozar, e dispor da coisa, de forma absoluta, exclusiva e perpétua, bem como o de perseguí-la nas mãos de quem quer que injustamente a detenha, e cujo desmembramento implica a constituição de direitos reais parciais, tendo sido com base neste verdadeiro dogma a forma como a propriedade foi vista durante anos. Contudo, evoluiu do sentido individual para o social, visto que antes, "propriedade" e "individual" andavam lado a lado, conjuntamente identificando-se e com o correr dos tempos, a "propriedade" perdeu seu traço individualista e se torna "social".

A propriedade, relação de direito privado, mediante a qual uma coisa, pertencente a uma pessoa, estava, antes, sujeita totalmente à vontade desta, em tudo que não fosse proibido pelo direito público e pela concorrência de direito alheio. Era, então, o senhorio geral e independente da pessoa sobre a coisa, para fins de direito, reconhecido pelos limites estabelecidos pelo direito. Com a evolução dos tempos, hoje a propriedade deixa de ser o direito subjetivo do indivíduo e passa a ser a função social do detentor dos capitais mobiliários e imobiliários.

Assevera José Carlos de Moraes Salles5:

"Na Idade Média, o direito de propriedade era encarado, também, sob o aspecto de sua função social. Com efeito deve a propriedade representar um elemento de ordem e a paz social, prestando-se à organização e ao rendimento da produção. (...). Por outro lado, no direito medieval, havida a terra como sinal de poder e riqueza, só a propriedade imóvel tinha valor, era a propriedade por excelência, sendo a propriedade móvel relegada a um plano secundário, (...)".

Antigamente bem diversa era essa situação, posto que a propriedade, eixo em torno do qual girava o direito das coisas, caracterizava-se pelo seu feitio nitidamente individualista. Tratava-se então de relação jurídica privada e individual, de caráter sagrado e absoluto. Gradativamente, porém, modificou-se esse concepção egoística e individualista, que logo se tornou obsoleta, graças às tendências fundamentais da civilização atual, que reconheceu e proclamou, o predomínio do interesse público sobre o privado.

Note-se que, enquanto a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", de 1789, proclamava ser a propriedade "direito inviolável e sagrado", o Código de Napoleão, de 1804, pretendendo ser individualista, consagrou, como princípio a legitimidade da limitação do Estado sobre a propriedade ao definir esse instituto, no art. 544, como "o direito de gozar e de dispor das coisas de modo absoluto, contando que isso não se torne uso proibido pelas leis e pelos regulamentos". Dessa feita, foi-se condicionando cada vez mais o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social, permanecendo o princípio e alargando o seu alcance, prevalecendo hoje o princípio da função social da propriedade, limitando assim o uso e gozo absoluto pelo dono da propriedade.

Desse modo, o direito de propriedade, outrora absoluto, está sujeito aos nossos dias, a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público ou social, e também no próprio interesse privado, de sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia deu lugar à concepção bastante diversa, de conteúdo social, mas do âmbito do direito público. Apregoa José Afonso da Silva que "a função social da propriedade diz respeito à estrutura dela mesma, e não a um mero sistema de sua limitação". Conclui afirmando que este último diz respeito "ao exercício do direito, ao proprietário; aquela (a função social da propriedade), à estrutura do direito mesmo, à propriedade". Lembra ainda José Afonso da Silva6, que "bastava a disposição contida no inciso XXIII, do artigo 5.º, da Carta Magna, para que toda a forma de propriedade fosse intrinsecamente permeada ao princípio constitucional da função social da propriedade ".

Como bem assevera Artur Vidigal de Oliveira7:

"O bem-estar da sociedade, em especial do indivíduo como membro ativo e participante, passou a ser missão primordial do poder público, fazendo com que a propriedade perdesse seu marcante caráter de direito subjetivo individual para ser considerada sob o prisma de função social, bem da coletividade".

Assim, se o proprietário, negligencia o bem que lhe pertence, abandonando-o, inaproveitando-o, conservando-o improdutivo, não explorando-o, explorando abaixo de suas reais possibilidades, ocorre a hipótese de intervenção estatal na propriedade, medinate a desapropriação, que, retirando a propriedade do dominus negligente, a transfere para quem possa dar-lhe a destinação social prevista, ou seja "a Administração pelo Estado intervém no sentido de transferir a propriedade e a posse a quem melhor se utilize em benefício do bem comum ou em razão do interesse social".8

2.3 Evolução da Desapropriação no Direito Brasileiro

A Constituição Imperial (1824), garantia o direito de propriedade em toda a sua plenitude, ressalvada a hipótese do bem público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, quando então haveria prévia indenização. Entretanto, a Constituição de 1824 deixou à lei ordinária a definição dos casos de desapropriação, o que foi feito pela Lei n.º 422, de 1826. Referida lei especificou as situações de necessidade e utilidade pública, "mantidas em todas as Constituições posteriores e definidas pelo artigo 590 do Código Civil".

A seu turno, a Constituição de 1934 garantiu o direito de propriedade, conquanto não exercido contra o interesse social ou coletivo. Observam-se duas particularidades ínsitas nessa Carta: a exclusão da expressão "em toda a sua plenitude" contida nos textos das suas duas antecessoras e a exigência expressa de indenização justa (artigo 113, item 17).Contudo, com a Constituição de 1937, em seu artigo 122, item 14, a expressão "justa" restou excluída. Em 21.06.1941, com a edição do Decreto-lei n.º 3.365, ocorreu a unificação das expressões "utilidade pública" e "necessidade pública", referidas no artigo 590 do Código Civil e na própria Constituição, em utilidade pública.

Com a Constituição Federal de 1946, no que pertine à indenização proveniente de desapropriação, esta passou a ser exigida, simultaneamente, de modo prévio, justo e em dinheiro. Com respaldo no contexto político vivido à época, seu artigo 147 previa a justa distribuição da propriedade em consonância com a idéia de supremacia do interesse social. Com a Constituição de 1946 formalizou-se a denominada desapropriação por interesse social sob a inspiração do princípio da função social da propriedade, ainda que em seu texto não se encontrasse tal nomenclatura. Como bem assevera Maria Sylvia Zanella Di Pietro9,

"pela Emenda Constitucional n.o 10, de 9-11-64, foi instituída outra modalidade de desapropriação por interesse social, que visava especificamente a reforma agrária, permitindo-se que a indenização fosse feita em títulos da dívida pública quando se tratasse de latifúndio como tal definidos em lei, excetuadas as benfeitorias úteis e necessárias, que seriam pagas em dinheiro".

Nesse mesmo entendimento, Hélio Roberto Nóvoa da Costa10:

"Marco no estudo do Direito Agrário, a Emenda Constitucional nº 10 reconheceu oficialmente a autonomia da disciplina (art. 1º). Desde então, o novel ramo do direito, incluído na alínea a, inciso XV, do art. 5º do texto constitucional, disciplinou as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra".

A despeito dessa evolução na função social da terra, o Ato Institucional n.º 9, de 25.04.69, veio dispensar o pagamento da indenização, passando nesta mesma o Decreto-lei n.º. 554 a disciplinar a desapropriação para reforma agrária. A Constituição Federal de 1969 manteve as mesmas hipóteses de desapropriação, às quais a atual Constituição de 1988 acrescentou nova modalidade (artigo 182, parágrafo 4.º, inciso III) em que o pagamento da indenização também pode ser feito em títulos da dívida pública. Registre-se que, além da hipótese acima, que retrata uma especial forma de desapropriação por interesse social, há no texto da Lei Maior a previsão de desapropriação sem indenização, o que, segundo alguns autores, corresponde a verdadeiro confisco, incidente sobre áreas onde se cultivem plantas psicotrópicas legalmente proibidas (artigo 243, caput.), sem prejuízo das outras sanções previstas em lei.

2.4 Pressupostos ou Requisitos da Desapropriação

Os pressupostos da desapropriação, ou requisitos como alguns preferem chamar, estão expressamente indicados na Constituição, quais sejam: a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social.

De acordo com o insigne Miguel Seabra Fagundes11,

"seria, a rigor, desnecessário desdobrar em três as causas justificativas do direito de expropriar, pois o conceito de utilidade pública é em si tão amplo, que a menção apenas dessa causa bastaria a autorizar a incorporação ao patrimônio estatal da propriedade privada, tanto quando fôsse útil fazê-lo, como quando tal se afigurasse necessário ou de interesse social".

Ora, então a utilidade não implicaria, obrigatoriamente, numa necessidade ou num interesse social, em strictu sensu, sendo contudo obrigatoriamente de utilidade pública, o procedimento que venha a ser de necessidade pública ou de interesse social.

A diferenciação entre utilidade e necessidade pública, que anteriormente se fazia entre esses dois conceitos, não apresenta atualmente relevância jurídica, posto que o Decreto-lei n.º 3.365/41 não se refere às hipóteses de necessidade pública previstas no Código Civil (art. 590, § 1.º), definindo no seu art. 5.º tanto as hipóteses de utilidade pública, quanto as de necessidade pública previstas na legislação civil mencionada, sob a denominação única de utilidade pública.

Vale ressaltar, que os casos de necessidade e utilidade pública previsto no art. 5.º acima referenciado são expressamente taxativos, e esse tem sido o entendimento de boa parte da doutrina, não podendo dessa feita a lei estadual ou municipal de alguma forma ampliar o seu conceito, tampouco nem a autoridade expropriante promover a desapropriação para fins diversos aos estabelecidos no Decreto-lei 3.365/41, sob pena de nulidade da expropriação.

A necessidade pública é caracterizada quando a Administração está diante de um problema inadiável e que demanda como solução indispensável a incorporação do bem particular ao domínio do Estado. Já a por utilidade pública quando a aquisição de certo bem é oportuna e vantajosa ao interesse coletivo, e por fim haverá o interesse social, quando este tem por fito solucionar problemas de cunho social.

Através de desapropriação apoiada no interesse social, o Estado pretende dar à propriedade privada, seja urbana ou rural, um melhor aproveitamento, atenuando, finalisticamente, as desigualdades presentes na sociedade. Com base no interesse social, as expropriações buscam atender o plano de habitações populares ou de distribuição de terras, à monopolização de indústrias ou nacionalização de empresas quando relacionadas com a política econômico-trabalhista do governo, etc.

Assim, a definição de quais sejam os casos de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social não fica a critério da Administração Pública, já que, como bem se percebe, as hipóteses vêm taxativamente expressadas em Lei. Sendo assim, faz-se indispensável indicar no ato expropriatório o dispositivo legal em que se enquadra a situação observada no caso concreto, não bastando a mera menção genérica de um dos três fundamentos. Tal exigência é totalmente procedente e do interesse do expropriado. De acordo com a hipótese enquadrada no ato expropriatório, serão diversas as circunstâncias a serem verificadas, dentre elas, as referentes à competência, à caducidade, aos beneficiários e à indenização.


3. DO PROCEDIMENTO JUDICIAL DE DESAPROPRIAÇÃO

3.1. Da Declaração Expropriatória por Interesse Social, das Normas Aplicáveis à Desapropriação para Fins de Reforma Agrária e sua obediência ao Contraditório Especial de Rito Sumário

A princípio, cabe esclarecer que a competência para legislar sobre desapropriação é atribuída exclusivamente à União, conforme expressa previsão contida na Carta Magna em seu artigo 22, inciso II.

Tal competência abarca tanto o mister de estabelecer os casos em que aquele tem lugar, como o seu procedimento judicial ou administrativo. Contudo, é de se destacar que a referida competência atribuída constitucionalmente à União, embora privativa e, sendo asism, passível de delegação para os Estados-membros mediante Lei Complementar, não é válida para o caso específico da desapropriação para fins de reforma agrária de que trata o art. 184 de CF/88, vez que no art. 185, I e II, e parágrafo único faz referência à lei que é exclusiva da União

Já quanto aos aspectos inerentes ao procedimento judicial da medida não cabe margem alguma de ação ao legislador estadual, haja vista que o mesmo deve ser regido por lei complementar federal, conforme dispõe o art. 184, §3º da CF/88, não se podendo falar numa espécie em condomínio legislativo entre União e Estados-membros.

Dessa feita, quando se tratar de desapropriação por interesse social, esta deve ser subdividida de acordo com o seu fim. Assim, quando a desapropriação for por interesse social para fins de reforma agrária caberá única exclusivamente à União expropriar o bem imovel, e se for para promover a utilização adequada de imóveis urbanos caberá apenas aos Municípios. Nos demais casos de desapropriação por interesse social caberá à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e aos Territórios.

Em valiosa lição, Celso Ribeiro Bastos12, nos diz que:

"Há inequívoca atribuição à União para enfeixar em suas mãos a resolução dos problemas sociais agrários, sobretudo pela dimensão nacional que normalmente o assunto adquire com enormes repercussões no clima econômico, social e político do país. Estados e Municípios não podem realizar reforma agrária nem mesmo com fundamento na desapropriação já tradicional por interesse social mediante pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro".

Assim, a competência para a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária foi delegada em favor do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, pelo art. 2°, do Decreto-lei 1.110/70, a qual tal sistemática guarda concordância com o disposto no art. 2°, caput, da LC 76/96 dispondo que "a desapropriação de que trata esta Lei Complementar é de competência privativa da União e será precedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária".

Vale ressaltar, para efetivação da declaração de interesse social para fins de reforma agrária precedem algumas providências de cunho administrativo, visando identificar os imóveis que não estejam cumprindo a sua função social, que serão feitas mediante vistoria no imóvel. Tal vistoria foi estabelecida pelo art. 2°, §2°, da lei 8.629/93, cuja parte final do texto indica a necessidade de prévia notificação ao senhor do bem a ser inspecionado, a fim de que este possa invocar a qualidade produtiva do imóvel.

Ultimada a vistoria com a conclusão de que determinado imóvel rural a despeito de não vir cumprindo com a sua função social, na se enquadra em nenhuma das exceções que o ordenamento jurídico traça à desapropriação, como as pequenas glebas rurais, como conseqüência virá a lume a competente declaração de interesse social, a ser exarada pelo Presidente da República, que deverá, descrever de forma minimalista o imóvel sobre o qual recairá a medida, os dispositivos legais e constitucionais que a autorizam, e principalmente o fim que a motiva, posto que a ausência, no ato declaratório, de qualquer menção à finalidade pública a ser satisfeita pela expropriação é capaz de nulificar o decerto da Administração Pública que o deliberou.

Por oportuno, tal declaração não tem o condão de subtrair do expropriado a propriedade, e, sim, criar para expropriante o direito subjetivo de no prazo de dois anos para promover a desapropriação conforme preceitua o art. 3º da LC 76/96: "A ação de desapropriação deverá ser proposta dentro do prazo de dois anos, contado da publicação do decreto declaratório".

Uma das conseqüências desse ato declaratório de interesse social é autorizar os agentes do expropriante a penetrarem no imóvel expropriado, a fim de determinar sua exata extensão com escopo indenizatório, com a avaliação e verificação dos limites, podendo se necessário, usar de força policial para efetivação da mesma.

Essa conduta declaratória de interesse público encerra a primeira fase do procedimento expropriatório, através do qual a pessoa constitucional, que é a União, reconhece o interesse público na obtenção de determinado rural, integrante do patrimônio de terceiro, no escopo de que entidade, destinada à reorganização fundiária, repasse-o a terceiro, para satisfazer a função social colimada na nossa Carta Política de 88.

Por último, pode ocorrer que após a expedição do ato declaratório de interesse social o Poder Público não mais se interesse pela afetação do bem ao seu patrimônio, dessa forma poderá deixar apenas dar-se a caducidade do decreto pela passagem do tempo, revogá-lo, por ser o mesmo inconveniente ou inoportuno, ou proceder a sua anulação, quando eivado de vício ou ilegalidade.

A Carta Política de 88 prevê ainda em seu art. 184, que o processo de desapropriação para fins de reforma agrária observará procedimento sumário, resguardando o contraditório e a ampla defesa, estabelecido em lei complementar, qual seja, a LC 76/93 alterada parcialmente pela posterior LC 88/96. Vale ressaltar, que a LC 76/93 admite em seu art. 22 dispõe que "aplica-se subsidiariamente ao procedimento de que trata esta Lei Complementar, no que for compatível, o Código de Processo Civil", ressalvando-se, contudo, que tal prescrição não afasta a incidência que, no silêncio da LC 76/93 deve possuir o Decreto-lei n° 3.365/41 que é a Lei Geral de Desapropriações, tendência antes reconhecida pelo extinto Decreto-lei 554/69.

Por oportuno, até a entrada em vigor da LC 76/93, estava em vigor o Decreto-lei 554/69, que estabelecia o procedimento de desapropriação para fins de reforma agrária, porém não foi o mesmo recepcionado pela Carta federal de 88 em face de sua incompatibilidade material, pois determinava em seus art. 6° e 7° o procedimento para transcrição initio litis no Registro de Imóveis, que faz a União adquirir a propriedade do imóvel desapropriado, e para completar em seu art. 10 estabelecia que "contestada a ação, a causa seguirá o rito ordinário", sendo pois totalmente incompatível verticalmente com a nova ordem constitucional, já que a aquisição da propriedade initio litis é incompatível materialmente com a garantia constitucional, agora existente, da prévia indenização, ou seja, só possibilita a aquisição da propriedade pela União depois de paga a indenização em títulos da dívida agrária, bem como que o procedimento contraditório expresso no art. 184, §3° da CF/88 é o contraditório especial de rito sumário para esse procedimento e não o rito ordinário.

3.2- Dos Requisitos da Petição Inicial e da Competência para o Processo e Julgamento da Ação de Desapropriação

Na petição inaugural da demanda expropriatória, deve o expropriante atentar-se para os requisitos contidos no art. 282, I a VII do CPC, dentre os quais o juiz ou tribunal a que é dirigida; os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; o fato e os fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir e fundamentos jurídicos do pedido); o pedido, com as suas especificações; o valor da causa; as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados e o requerimento para a citação do réu. Vale ressaltar, que sem tais requisitos a mesma pode ser considerada inepta.

Além dos requisitos contidos no art. 282 do CPC, a petição inicial deve também ter os cuidados especiais indicados na LC 76/93 em seu art. 5°, como oferta do preço e instruí-la com os documentos necessários à efetivação, como texto do decreto declaratório de interesse social para fins de reforma agrária, publicado no Diário Oficial da União, certidões atualizadas de domínio e de ônus real do imóvel, enre otros contidos no citado artigo.

Por oportuno, após despachar a exordial, o magistrado deve, por expressa previsão legal, de plano ou no máximo em quarenta e oito horas, mandar imitir o autor na posse do imóvel a ser expropriado, procedimento esse diverso do contido na norma anterior, qual seja o Decreto-Lei 554/69, que em seu art. 7°, que dispunha assim:

"Art.7° De plano, ou no máximo em quarenta e oito horas, o juiz deferirá a inicial, declarando efetuado o pagamento do preço e determinando a expedição, dentro de vinte e quaro horas dos competentes mandados, em nome do expropriante" (grifos nossos)

Salienta-se que, por não haver mais possibilidade de perda provisória da propriedade, a transcrição do título como meio translativo do domínio, não pode mais ser ordenada em tal fase inicial do procedimento expropriatório, porquanto não solvida por completo a indenização cabível. Tal disciplina normativa tinha sua razão de ser à época de sua feitura na vigência da Constituição de 1969, em que vivíamos um período de exceção em nossa, por não haver na mesma a previsão de pagamento prévio.

Um dos pressupostos processuais a serem preservados na ação expropriatória é o inerente à competência para o seu processo e julgamento. Para a descoberta do juiz competente, seguem-se os princípios dispostos no CPC, utilizado subsidiariamente ao procedimento de desapropriação para fins de reforma agrária.

Inicialmente, tem-se que estabelecer a competência de jurisdição em que a justiça competente para processar e julgar tal procedimento é definida em razão da qualidade das pessoas ou ratione materiae, visto que a própria Constituição da República define quais as causas civis que tocam à Justiça Federal, regra esta que deflui do art. 109, I da CF/88, maior fonte para determinação da competência, que expressamente prescreve competir "aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho".

Assim, depois de intentada a lide pela União ou INCRA, autarquia Federal, a competência será da Justiça Federal para processar a julgar a expropriação para fins de reforma agrária. Depois vem à baila a competência originária, em nosso direito atribui o processo de desapropriação, sem ressalva, aos juízes monocráticos para sua apreciação, cabendo apenas aos tribunais a apreciação em grau recursal.

Já no tocante à competência de foro, incide a máxima latina forum rei sitae por se tratar de autêntica ação imobiliária, isto é "nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa" (art. 95), tocando o conhecimento do feito aos juízes federais com jurisdição no Estado onde estiver situado o bem desapropriado. Dessa feita, a criação de novas comarcas ou varas federais no interior não altera a competência territorial face ao princípio adotado em nosso direito do perpetuatio jurisdictionis disposto no art. 87 do CPC, e se houver na comarca ou seção judiciária, mais de uma vara, a competência de juízo dar-se-á por distribuição.

A partir de então, irrelevantes são as modificações do estado de fato ou de direito que venham a ocorrer, salvo quando suprimem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia. Adota nosso código, portanto, o princípio da perpetuatio jurisdictionis, que é norma determinadora da inalterabilidade da competência objetiva, a qual, uma vez firmada, deve prevalecer durante todo o curso do processo.

3.3 Citação do Expropriando no Processo Judicial Expropriatório

A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender, sendo tal ato indispensável para a validade do processo.

Segundo Humberto Theodoro Jr.13, "sem a citação do réu, não se aperfeiçoa a relação processual e torna-se inútil e inoperante a sentença", ressalvando ainda que "tão importante é a citação, como elemento instaurador do indispensável contraditório no processo, que sem ela todo procedimento se contamina de irreparável nulidade".

Como não poderia deixar de ser o legislador atribuiu grande importância à citação na ação judicial de expropriação, a fim de que forme relação jurídica incensurável entre o expropriante e o expropriado.

Como bem assevera Cretella Jr.14, a citação é "instituto assecuratório do direito de defesa, inscreve-se a citação com conseqüência direta do princípio natural de que ninguém deve ser julgado sem ser ouvido".

A citação do expropriando será feita será feita na pessoa do proprietário do bem ou do seu representante legal, sendo usado subsidiariamente o disposto no art. 12 do CPC, conforme preceitua art.7°, caput da LC 76/93. Assim, o proprietário do bem é tem o legítimo interesse em contestar a ação.

O art.12 do CPC assim dispõe:

"Art. 12 Serão representados em juízo, ativa e passivamente:

I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores;

II - o Município, por seu Prefeito ou procurador;"

(...)

Por oportuno, vale perfilhar alguns casos diferenciados de citação, expressos na LC 76/93, art.7°, s/s, nas hipóteses de enfiteuse e aforamento que deverá ser chamado ao feito o senhorio, exceto quando este for a União, ou em caso do espólio, em que a citação recairá a pessoa do inventariante, sendo que na falta deste a diligência se materializará na pessoa do cônjuge, supértite, herdeiro ou legatário que detiver a o bem expropriado

No que tange a modalidade observada na citação, o art. 8° da LC 76/93 inovou, facultando a citação pela via postal do expropriado, caso haja requerimento do expropriante. Nesta hipótese, observar-se-á o art. 223 do CPC, em que "Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou chefe da secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz, expressamente consignada em seu inteiro teor a advertência a que se refere o Art. 285, segunda parte, comunicando, ainda, o prazo para a resposta e o juízo e cartório, com o respectivo endereço." No mais, observam-se, quanto aos destinatários da citação, as disposições do art. 16 do Decreto Lei nº 3.365/41 e art. 12, I a IX, e 215 caput, do CPC.

Poderá ainda também ocorrer a citação por precatória quando o expropriado estiver domiciliado ou residente fora do território da jurisdição do magistrado em local certo e sabido. Caso contrário a citação será por edital quando o expropriado for desconhecido, ou estiver em lugar incerto e não sabido, em local inacessível

Dessa feita, entende a melhor doutrina que estaria nessas condições o citando em local ignorado, e sem conhecimento do seu paradeiro. Local incerto é aquele relativamente não sabido, já o local inacessível é aquele em que se acha uma pessoa que não pode receber qualquer instrumento de citação.

Daí, para utilização da citação por edital faz-se necessário que dois oficiais de juízo atestem por meio de certificado a veracidade dos fatos, de que o réu está em lugar incerto não sabido ou inacessível depois de todas as diligências para encontrá-lo e de haver obtido dados seguros nesse particular.

3.4 Possibilidades de Desapropriação Amigável e Conciliação

Pode acontecer em determinados casos, previstos em lei, que a desapropriação se efetive mediante mútuo acordo das partes o que pode ocorrer extra ou intra-autos. O Decreto-lei 3.365/41, que é a norma geral de desapropriação, é aplicável também no caso do procedimento da LC 76/96, estabelece em seu art. 10 que "a desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente dentro de 5 (cinco) anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. Neste caso, somente decorrido 1 (um) ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração."

Trata-se aqui de uma desapropriação extra-judicial, ou seja, negócio que se aperfeiçoa como um negócio de compra e venda, ou seja, é como uma desapropriação regida por instrumento particular, não sendo, pois, necessário ser submetido à homologação judicial.

Deve, portanto, a União previamente certificar-se da regularidade dominial do imóvel a ser expropriado, bem como ter para tanto dotação orçamentária e disponibilidade financeira para o solvimento da mesma, além, é claro, de obter a concordância do expropriado.

Da mesma forma, se caso o expropriado não concorde com o preço, mas em juízo chegue num consenso manifestando concordância quanto ao preço oferecido, o juiz homologará por sentença, tal decisão, no despacho saneador. Respalda tal postura o art. 10 da LC 76/96, que dispõe "havendo acordo sobre o preço, este será homologado por sentença". E, nesse mesmo sentido, o art. 22 do Decreto-lei 3.365/41 diz que "havendo concordância sobre o preço, o juiz o homologará por sentença no despacho saneador", salientado que não serão usados, para o pagamento da prévia e justa indenização, os precatórios, pois o Poder Público já dispunha de dotação orçamentária e disponibilidade financeira para o desenvolvimento da mesma.

Dessa forma, no sentido de permitir uma composição amigável do litígio expropriatório e abreviar o rito de fixação de indenização a LC 88/93, que veio modificar a LC 76/93, introduziu a figura da audiência de conciliação. Tal procedimento se fará nos dez primeiros dias seguintes à citação, de acordo com a leitura do art.6° da LC 76/93, não devendo constituir fato capaz de acarretar a nulidade do acordo entre as partes a não-observância desse período de tempo por dificuldades na movimentação do aparato judiciário.

"Art.6° (...)

§3º. No curso da ação poderá o juiz designar, com o objetivo de fixar a prévia e justa indenização, audiência de conciliação, que será realizada no dez primeiros dias a contar da citação, e na qual deverão estar presentes o autor, o réu e o Ministério Público. As partes ou seus representantes legais serão intimados via postal"

A possibilidade de realização de audiência de conciliação é, pois, resultado de alteração introduzida pela Lei Complementar nº 88/96, implementada com aplicação prática para tornar menos oneroso o processo expropriatório.

A redação do parágrafo acima deixa a desejar, porquanto a expressão "poderá" é incabível. Faculta ao juiz realizar a audiência de conciliação, deixando de torná-la obrigatória o que significaria maiores possibilidades de encerramento da demanda, podendo, assim, tornar mais barato o processo de desapropriação, pois é sabido o fato de ações se arrastarem por décadas e proporcionarem milionárias indenizações em razão dos juros compensatórios e outros consectários;

Sobre o assunto em comento, assevera Leandro Paulsen15 que:

"Inobstante a palavra poderá leve ao entendimento de que não é obrigatória a designação de audiência de conciliação, tenho que a sua realização será a regra, somente podendo o Juiz dispensá-la à luz de elementos que indiquem ser inútil no caso concreto".

A possibilidade de conciliação ainda é vista por parte da doutrina como uma possibilidade de desafogar o Poder Judiciário, tendo-se em mente que a negociação extrajudicial é comprovadamente a melhor forma de se efetivar a reforma agrária democrática, como dispõe Renata Furtado16:

"(...) é inconcebível que, diante da crise do Poder Judiciário, se insista em levar 100% da matéria agrária aos ilustres magistrados, quando se poderia priorizar as conciliações em câmaras dentro do próprio Poder Executivo, onde equipes técnicas profissionais e treinadas proporiam acordos e insistiriam em tal tentativa, evitando-se as delongas judiciais, que comprovadamente elevam o valor da terra nua em padrões por vezes irreais, em razão dos acréscimos advindos dos juros de mora e compensatórios (além dos consectários legais). (...) Adequando-se tal procedimento ante a realidade brasileira e mundial, priorizando a conciliação e somente indo ao Poder Judiciário se esgotadas as medidas de solução extrajudicial de conflito. Poder-se-ia, ainda, solicitar a digna presença do Ministério Público Federal, como mediador, nas causas de maior divergência ideológica e de valores – prática esta que vem sendo bastante satisfatória no resguardo do interesse público".

Dessa feita, adequando-se ao espírito da brevidade a que se propôs os legislador, as modificações feitas dão uma certa celeridade ao procedimento, como no o disposto no § 3º, art. 6°, exigindo que deverão estar presentes o autor, o réu e o Ministério Público Federal, sendo os mesmos intimados via postal, salvo quanto ao último.

Iniciada a audiência, o juiz ouvirá as partes e depois o Ministério Público Federal, propondo a conciliação, que se for aceita ocasionará a lavratura do termo próprio, com a respectiva assinatura dos seus respectivos representantes legais. Contudo, a quitação imediata somente se dará em relação à terra nua, posto que, no tocante às benfeitorias úteis e necessárias deve ser feito por via de precatório, como dispõe o art. 100 da CF/88.

3.5 Da Perícia no Processo de Desapropriação

Os fatos litigiosos nem sempre são de forma simples permitindo de plano sua integral revelação pelo juiz, que, então, se vale dos profissionais especializados para suprir a sua carência de conhecimentos técnicos para a apuração destes fatos.

A perícia tem por objetivo revelar, por meio de regras técnicas, a prova dos fatos da causa. É a interpretação técnica da prova, razão pela qual exige conhecimento especializado. E segundo o art. 420 do Código de Processo Civil, a perícia consiste em exame, vistoria ou avaliação, com a finalidade de valorar as coisas, fatos e dados, objetiva e concretamente. Exige-se do perito, portanto, não apenas que seja idôneo mas também que tenha competência na matéria.

Recebida a contestação, magistrado, caso haja impugnação a pontos determinados do laudo de vistoria administrativa, a que se refere o art. 5°, IV, da LC 76/93, determinará a realização de prova pericial, conforme dispõe Art. 9º da LC 76/93. Ressalta-se, que o supra artigo da LC 76/96 alterou a regra firmada nas ações de desapropriação, consoante a qual a revelia do expropriado não induziria o efeito do art. 319 do CPC, de modo que, mesmo não tendo contestado o valor da oferta, caberia de ofício ao magistrado designar a perícia técnica, com o fim de resguardar o direito constitucional da justa indenização. Inclusive, foi esse entendimento sumulado pelo antigo TFR, hoje STJ, no sentido de que "na ação expropriatória, a revelia do expropriado não implica em aceitação do valor da oferta e, por isso, não autoriza a dispensa da avaliação" (Súmula 118).

Atualmente, a disciplina legislativa que trata do tema tornou inaplicável este entendimento sumular. Dessa feita, a prova pericial somente será designada para esclarecer os pontos impugnados na contestação sobre o laudo de vitória administrativa acompanhante da inicial, ou seja, caso não ocorra a impugnação desnecessária será a produção de prova técnica, nada impedindo, contudo, que o magistrado determine-o, a fim de se evitar fraude.

Impugnadas as conclusões do laudo administrativo, caberá ao juiz exarar despacho adotar as seguintes providências, como a nomeação do perito de sua confiança, o qual deverá possuir os conhecimentos técnicos para proceder à avaliação do bem; formular.os quesitos necessários; determinar a intimação do perito e dos assistentes para, no prazo de 5 (cinco) dias, prestarem o compromisso de praxe, bem como das partes para em dez dias, apresentarem os quesitos que julgarem esclarecedores. Dessa feita, a perícia deverá estar concluída em intervalo de tempo fixado judicialmente, não excedente a sessenta dias contados a partir do compromisso, conforme leitura do art. 9°, §2°, da LC 76/96., ressalvando que se houver motivo justo, poderá o juiz deferir, por uma vez, prorrogação, com base no art. 432 do CPC.:

Outra questão diferenciada entre o procedimento ordinário e o de desapropriação com base na LC 76/96 é quanto aos honorários e despesas judiciais, já que no processo de expropriação normalmente a nomeação do perito recai sobre terceiros estranhos ao quadro do Judiciário, não incidindo, assim, a norma constante do art. 27 do CPC que dispõe que "as despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido", competindo, então, ao expropriante adiantar no prazo assinado o valor dos respectivos honorários, quer tenha a prova técnica sido requerida pelo magistrado ex offcio, quer tenha sido requerida pelo expropriado.

O magistrado poderá, ainda, determinará que seja feita nova perícia, seguindo o mesmo procedimento adotado anteriormente, quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida, sendo necessário corrigir falhas ou omissões do laudo, e após a conclusão dos trabalhos periciais de modo satisfatório, o juiz irá proferir a sentença desde logo. Contudo, se o mesmo entender necessário a produção de prova oral, ouvida de testemunhas ou esclarecimentos técnicos, etc., poderá designar audiência de instrução e julgamento, seguindo quanto ao procedimento o disposto no art. 450 ao 457 do CPC.

Questão bastante controversa é se as perícias, nas desapropriações para reforma agrária, podem ser efetuadas por engenheiros civis. Alguns autores entendem que o engenheiro não está habilitado a proceder às avaliações rurais. Nesse entendimento, faz-se necessário trazer à baila lição de Lúcio Flávio Camargo Bastos17, in verbis:

(...) o Engenheiro-Civil, entre outros profissionais, não reúne a qualificação técnica necessária para a avaliação de imóveis rurais, isto é, para realizar perícia relativa à engenharia rural. Com efeito, em conformidade com o ordenamento jurídico do país, o engenheiro civil não está habilitado a proceder a avaliações rurais, cujas matérias não constam de seu currículo de graduação, da mesma forma que o engenheiro agrônomo não está qualificado para efetuar avaliações relativas à engenharia civil ".

O CPC, cujos dispositivos aplicam-se subsidiariamente ao procedimento regulado pela LC 76/93, dispõe em seu art. 145, §1° que "os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão competente", exigindo-se, então, do juiz, que atente para a natureza dos fatos a provar, pois sua comprovação e elucidação podem depender de especiais conhecimentos técnicos ou científicos do profissional que vai fazer a perícia. Dessa feita, se o Juiz não pode se substituir o órgão de classe competente, reconhecendo a habilitação técnica do perito designado, conferindo especialidade a quem o conselho profissional competente, amparado na lei, não reconhece, nem mesmo sob o argumento da confiança, a não ser em ação própria. Esta, evidentemente, só poderá ser alegada dentre os profissionais com registro reconhecido para a especialidade.

Assim é porque, há perícias, e é o que comumente ocorre, demandam especiais conhecimentos e se inserem dentro da matéria privativa de profissionais qualificados e legalmente habilitados, da qual se insere o presente caso.

Por oportuno, o art. 13 da Lei 5.194/66 estabelece exclusividade para os estudos, plantas, projetos, laudos e qualquer outro trabalho do engenheiro, arquiteto ou engenheiro - agrônomo, conforme o caso, diante da habilitação específica de cada um deles, sendo esta última, condição de validade jurídica do mesmo. Dessa feita, as perícias nas desapropriações para reforma agrária devem ser feitas por engenheiros agrônomos, tendo em conta as disposições contidas no §3º do art. 12 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que prescreve que "o Laudo de Avaliação será subscrito por engenheiro agrônomo com registro de Anotação de Responsabilidade Técnica - ART respondendo o subscritor, civil, penal e administrativamente, pela superavaliação comprovada ou fraude na identificação das informações".

3.6 A Contestação do Expropriado e os pontos sobre as quais ela pode versar

Após efetuada validamente a citação, o expropriado tem o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar resposta, conforme leitura do art. 9º da LC 76/93. Vale ressaltar, que se o réu for pessoa política, autárquica ou fundacional, aplica-se o disposto no art. 188 do CPC, devendo o prazo ser computado em quádruplo.

Considerado o fim do processo judicial de desapropriação, que é o de fixar o preço da compensação pecuniária devida ao particular, vê-se que a matéria de defesa deverá guardar nexo com o montante da indenização ou com os vícios do processo, como caducidade ou falta de competência, podendo todas as matérias do art. 301 do CPC serem articuladas em sua contestação. Vale ressaltar, que é durante a fase da contestação que o expropriado poderá alegar o seu direito de extensão, ou seja, a de que a desapropriação alcance por inteiro o imóvel, se a parte restante não for suficiente para a continuidade da utilização de exploração econômica que lhe é própria ou reduzida a superfície inferior à da pequena propriedade rural, conforme prescreve o art. 4° da LC 76/93.

Questão polêmica é a possibilidade do Judiciário sindicar a ocorrência do interesse público ensejador da expropriação para fins de reforma agrária nos próprios autos da desapropriação ou se deve ser feita em ação diversa. Ora, tal discussão tem sua solução na própria disciplina legislativa da matéria, visto o art. 9° da LC 76/93 ser peremptório ao afirmar se encontrar "excluída a apreciação quanto ao interesse social declarado."

Nesse mesmo sentido, o art. 9° do Decreto-lei 3.365/41 dispondo que "ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública", bem como, também, no seu art. 20,do mesmo dispositivo, dispondo que "a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta". Assim, se o expropriado quiser impugnar a existência de utilidade pública ou do interesse social, deverá fazê-lo através de ajuizamento de outra demanda, não podendo servir-se da oportunidade para defesa no processo de desapropriação.

Dessa feita, tem-se admitido o mandado de segurança quando visar à argüição de incompetência do expropriante ou de ilegalidade demonstrável de plano. Na maioria das vezes, faz-se necessário uma maior investigação probatória, sendo assim, indispensável a opção pelo uso do procedimento ordinário. Contudo, deve-se ressalvar que uma vez incorporado os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, conquanto reconhecida a nulidade da desapropriação, sendo que qualquer ação resolver-se-á em perdas e danos, conforme leitura do art. 35 do Decreto-lei 3.365/41.

3.7 Da Sentença, dos Recursos cabíveis e do Duplo Grau de Jurisdição

Num prazo não superior a quinze dias, a contar da conclusão da perícia, será realizada a audiência de instrução e julgamento. Assim, após encerrados os debates orais, o juiz passará a julgar a causa fixando a indenização, mas, se o magistrado não se sentir habilitado a julgar em audiência, poderá fazê-lo nos trinta dias subseqüentes. Deverá, na mesma ocasião, expor os motivos que o fizeram agir assim, podendo servir-se dos laudos periciais, pesquisa mercadológica ou outros meios objetivos de convicção para emanar sua decisão.

O magistrado deve se valer de alguns critérios e aspectos para a busca do quantum devido da maneira mais justa possível, como a localização do imóvel, a sua vocação agrícola, dimensão, área ocupada, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias, devendo discriminar o valor da terra nua, o das benfeitorias e as demais rubricas integrantes da indenização, sendo a natureza jurídica desse provimento judicial é um misto de declaratória e constitutiva, visto que a primeira advém da enunciação do preço justo, enquanto que segunda por condicionar a perda da propriedade.

Por oportuno, conforme dispõe os art. 6° da LC 76/93, que foi acrescido pela Lei Complementar nº 88/96, cumulado com o art. 10, caput do mesmo dispositivo, é considerado como sentença, por também extinguir o processo, a homologação sobre a concordância do preço manifestada pelo expropriado

Contra a sentença, poderá o sucumbente interpor recurso que será recebido nos dois efeitos, o devolutivo e o suspensivo, em sendo a União, quando o valor ofertado for superior ao da oferta. No caso do expropriado, se a decisão for desfavorável, poderá o mesmo interpor recurso, contudo o mesmo só será recebido no efeito devolutivo. Ademais, tendo a sentença fixado o valor da indenização numa margem superior a 50% (cinqüenta por cento) do valor ofertado, ensejará automaticamente o duplo grau de jurisdição, conforme se depreende da leitura do art. 13, § 1º da LC 76/96.

Vale salientar ainda, que a sentença que põe termo à fase cognitiva da desapropriação faz coisa julgada formal e material, restando intangível a questão de direito acerca da justa indenização, só podendo ser alterada por ação rescisória nas formas e nos modos elencados no art 485 do CPC.


4. DOS CRITÉRIOS DA INDENIZAÇÃO E DA APLICABILIDADE DOS JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS NA DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA

4.1 Indenização Prévia

A Constituição Cidadã, de 5 de outubro de 1988, rompendo com a orientação consagrada na constituição anterior, condicionou o procedimento de desapropriação, por interesse social para fins reforma agrária ao solvimento de prévia indenização.

Pode-se, assim, conceituar como indenização prévia aquela cujo pagamento precede à perda da propriedade. Dessa feita, questão controvertida é a hipótese disposta no art. 17 da LC 76/96, ostentando que:

"Art. 17 Efetuado ou não o levantamento, ainda que parcial, da indenização ou do depósito judicial, será expedido em favor do expropriante,n prazo de quarenta e oito horas, mandado translativo do domínio para o cartório do Registro de Imóveis competente, sob a forma e para lei os efeitos da lei de Registros Públicos".

Ora, tal dispositivo é suscetível de certas limitações quanto a sua operatividade, posto que vai de total ao que dispõe o art. 184 da CF/88, que exige a anterioridade compensatória frente à supressão da propriedade, e que se resume ao pagamento antes da perda da propriedade.

Ressalta-se, que era justamente por permitir a transcrição definitiva da propriedade somente com o depósito da oferta que o art. 7° do DL554/69, cuja validade repousava no art 161, caput CF/69, não fora reputado pela jurisprudência como recepcionada pela constituição vigente. Nesse sentido, o Min. Moreira Alves afirmou que:

"O Decreto-lei 554/69 é, sem sombra de dúvida incompatível materialmente com o novo texto constitucional. De feito, o procedimento nele estabelecido é radicalmente incompatível com o exigido pela atual constituição. Nos arts. 6° e 7° o procedimento para transcrição initio litis no Registro de Imóveis, que faz a União adquirir a propriedade do imóvel desapropriado, e para completar em seu art. 10 estabelece que "contestada a ação, a causa seguirá o rito ordinário". Ora, a aquisição da propriedade initio litis é incompatível materialmente com a garantia constitucional, agora existente, da prévia indenização, ou seja, só possibilita a aquisição da propriedade pela União depois de paga a indenização em títulos da dívida agrária. Ademais, o procedimento contraditório bem como contrasta também com o expresso no art. 184, §3° da CF/88 que elege o contraditório especial de rito sumário para esse procedimento e não o rito ordinário"18

Dessa feita, robustecendo o esse entendimento do STF que tem se posicionado absolutamente contrário à transcrição imobiliária antes do pagamento da devida indenização, colhe-se, por exemplo, no caso das desapropriações por utilidade pública de imóveis residenciais, urbanos, de imissão provisória na posse somente com depósito da oferta, ressalvando que somente há ofensa à exigência constitucional da prévia indenização se a medida judicial se referir à imissão definitiva e a transcrição imobiliária. O mesmo STF em julgado de decisão unânime, no voto do Min. Ilmar Galvão, assim se manifestou:

"Como a constituição diz que a desapropriação se faz mediante o pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro (art. 5o., XXIV), o recorrente sustenta que, para imitir-se provisoriamente na posse do imóvel residencial urbano, o Poder Público deve depositar o valor apurado em avaliação prévia, e não apenas a metade, de vez que o art. 3° do DL 1.075/70 estabelece critério injusto e incompatível com a carta. Assim, não hesito em manter a orientação que esta corte já manifestou a respeito da matéria" 19

Assim, só permanece intocável o art. 17, caput da LC 76/93, quando ocorre o pagamento da indenização cabível, sendo lícito, haja ou não o seu levantamento, a efetivação, perante o registro imobiliário competente, da aquisição do bem pelo expropriante.

Por oportuno, quanto ao enunciado depósito judicial, a providência contida no referido artigo apenas albergará legitimidade nas hipóteses em que, no prazo legal o expropriado não manifesta nenhum desacordo com relação preço oferecido.Pendendo discordância sobre o valor da indenização, somente ao depois do seu acertamento, bem como da sua quitação, é que se poderá ordenar a transcrição do título em favor da administração. Interpretação adversa não resistirá ao crivo de fiscalização de sua constitucionalidade.

4.2 Indenização Justa

Por justa indenização pode-se definir a que deixe o expropriado indene, sem dano, devendo, portanto, corresponder ao efetivo valor do bem, acrescido dos prejuízos ocasionados com a desapropriação, ou seja, fazendo entrar no patrimônio do desapropriado um valor equivalente ao do bem de que foi despojado.

"A indenização justa é a que possibilita ao expropriado repor o seu patrimônio, perdido pela desapropriação, sem nenhum prejuízo. O expropriado nada perde, nada ganha. O patrimônio do proprietário não pode sofrer desfalque. Desse modo, a indenização deve ser integral ou mais próxima possível do valor do dano causado".20

Além do que, constitui a justa indenização em uma garantia assegurada ao expropriado, pela nossa ordem constitucional vigente. Por oportuno, deve se valer o juiz, em princípio, dos laudos periciais para delimitar a quantia ser paga ao expropriado, preferindo, na hipótese de dúvida, o do perito oficial, serventuário de justiça, portador da presunção de eqüidistância do interesses das partes.

Caberá ao magistrado, via de conseqüência, não olvidar outros meios de conhecimento além do laudo pericial, por exemplo, como a pesquisa de mercado, pois "para bem avaliar o imóvel, é necessário que se pesquise a cotação do preço dos imóveis na região, mediante corretores de imóveis. Deve-se procurar o valor de marcado".21

Assim, cabe salientar ser inconstitucional a imposição, via legal ou por ato administrativo, de qualquer limite máximo estipulado para a justa indenização. O STF já havia outrora se posicionado quanto a inconstitucionalidade do art. 11 do famigerado Decreto-lei 554/69.22

4.3 Da Correção Monetária

Nas desapropriações, o valor pago nas indenizações, devera ser, logicamente, contemporâneo ao da avaliação, daí que se entre a data da realização da perícia de avaliação e data o pagamento ocorrer desvalorização da indenização devido à inflação, esta deverá ser corrigida monetariamente.

Dessa feita, no cômputo geral das indenizações, deve compreender também a correção monetária, que será computada a contar a partir da data do laudo pericial, devendo, pois, incidir sobre todas parcelas devidas.

Nesse posicionamento, o STF e o antigo TFR deram a seguinte interpretação ao assunto através das Súmulas n.º 561 e 75, respectivamente:

"Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se a atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez."

"Na desapropriação, a correção monetária prevsita no §2°, do art. 26, do DL n° 3.365, de 1941, incide a partir da data do laudo de avaliação, observando-se a lei 5.5670, de 1971".

Após a lei 6899/81 consolidou-se o entendimento de não mais ser necessário aguardarem ano após a avaliação para que restasse propiciada a incidência da atualização monetária. Daí, a consolidação desse entendimento veio a influenciar a elaboração legislativa, como se infere do art. 12, § 2º, LC 76/93, ao explicitar que "o valor da indenização corresponderá ao valor apurado na data da perícia, ou ao consignado pelo juiz, corrigido monetariamente até a data de seu efetivo pagamento".

"No procedimento expropriatório, após a edição da lei 6.899/81, que revogou o art. 26, § 2º, do Dl. 3.365/41, tornou–se devida a correção monetária da indenização devida ao expropriado desde a data do laudo até o pagamento, eliminada a exigência de que, entre a primeira e a da sentença, haja decorrido tempo superior a um ano" 23

Assim, é lícito ao expropriado requerer, ainda que mais de uma vez, conforme leitura da referida súmula 561-STF, a atualização monetária a fim de preservar a restituição do integral do valor atingido pela desapropriação, quando se distanciar-se a data do cálculo do dia demarcado ao pagamento da indenização, pois do contrário, a compensação se despirá do seu caráter de justiça, tornando-se com o passar do tempo iníqua e irrisória. Tal entendimento, também foi acatada pelo STJ face a Súmula 67,dispondo que "na desapropriação cabe a atualização monetária, ainda que por mais de uma vez, independentemente do decurso de prazo superior a um ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização".

4.4 Da Aplicação do Juros Compensatórios e Moratórios nas Indenizações, e quando os mesmos começam a incidir.

Os juros são conceituados pelo artigo 60 do Código Civil como frutos do capital, sendo deste acessórios. É um fruto civil, que pode ter origem no rendimento do capital, na inexecução da obrigação na data aprazada, no uso do dinheiro, na perda da propriedade ou posse ou ainda nos riscos presentes em determinada situação ou operação. Agrupam-se em duas espécies: a) moratórios e b) compensatórios.

Em regra, a compensação devida ao expropriado engloba os juros compensatórios, destinados a ressarci-lo dos prejuízos decorrentes da perda da posse do bem. Esses juros representam um aluguel pelo uso da propriedade, nada mais justo já que o expropriado fica privado de utilizar seu imóvel durante longos anos, seja locando, ou dispondo do mesmo como melhor lhe aprouver.

Nas palavras de Carlos Alberto Dabus Maluf24, "os juros compensatórios representam os frutos civis, evitando-se assim o locupletamento ilícito ou enriquecimento sem justa causa em favor do expropriante".

Os cálculos de tais juros são feitos no percentual anuais de 12%, tendo como dies a quo a data da imissão provisória da posse realizado pelo expropriante, e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel, conforme posição do STF na Súmula 618 do STF, in verbis:

"Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano".

Esse critério também foi aceito pelo STJ, que na Sumula 69, dispõe que:

"Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel".

Tal entendimento superou definitivamente a sugestão proposta pela súmula 345 do STF, a qual já tinha sido abandonada em pronunciamentos recentes, bem como pelo TFR na Súmula 164, que assim dispunham:

"Na chamada desapropriação indireta, os juros compensatórios são devidos a partir da perícia, desde que tenha atribuído valor atual ao imóvel"

"O gozo dos benefícios fiscais dos artigos 13 e 14, da Lei 4.239-63, até o advento do DL 1.958-77, não se restringia aos rendimentos industriais ou agrícolas do empreendimento"

A despeito do entendimento pretoriano, foi editada a MP 2.027-43/2000, que em seu art. 1° altera o Decreto-Lei 3.365/41, introduzindo o art. 15-A, para reduzir a 6% (seis por cento) o percentual ânuo dos juros compensatórios.

Dessa feita, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados – OAB no uso das suas atribuições elencadas na Carta Política de 88, ajuizou a ADInMC 2.332-DF, rel. Min. Moreira Alves, 5.9.2001 (ADIN-2332), visando resguardar a ordem constitucional vigente e ao princípio da prévia e justa indenização.

Daí, tendo o Pretório Excelso se ancorado no entendimento de que a elaboração da Súmula 618 – STF resultara de exegese louvada na franquia constitucional da prévia e justa indenização, julgou inconstitucional o art. 1° da MP 2.027-43/2000 (atualmente MP. 2.183-56/01), na parte onde altera a LGD, inserindo-lhe o art. 15-A, para reduzir a 6% o percentual anual dos juros compensatórios a serem pagos. Na assentada, ficaram vencidos os Ministros Moreira Alves, relator, Ellen Gracie, Nelson Jobim e Celso de Mello, os quais sustentaram que a criação jurisprudencial firmada no Verbete 618 surgiu em decorrência de circunstâncias econômicas, pelo que não há empecilho para que novos percentuais sejam instituídos por medida provisória, possuidora de força de lei.25

"A nosso sentir, fora de um pensamento corporativista e dos casos isolados, é de uma clareza meridiana que as indenizações nas ações expropriatórias quando julgadas apresentam valores exorbitantes, pois o judiciário, amiúde, decide com base nos laudos de seus peritos, desprezando as provas do expropriante, os quais apresentam avaliações que duplicam, triplicam e até quintuplicam as avaliações procedidas pelo INCRA, com inobservância aos preços de mercado na forma preconizada do art. 12 da Lei nº 8.629/93, com a nova dada pela MP nº 1.577-97.

Os nossos juízes têm desprezado a aplicabilidade da MP nº 1.577/97. Se devidos juros compensatórios, este não deverão ultrapassar 6% ao ano e somente sobre a diferença entre o preço ofertado em Juízo e o valor da condenação já que esta também é a interpretação óbvia da súmula 164 do STF, sob pena, ainda, de contrariar o Código Civil, art. 1.063, se ultrapassado esse limite, que preconiza: "Serão também e seis por cento ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada";

Dessa feita, em hipótese alguma podemos concordar com o pagamento de juros compensatórios à base de 12%, juros moratórios, correção monetária e ainda a famigerada cobertura florística, visto que assim o era devido as circunstâncias econômicas à época, pelo que não há empecilho para que novos percentuais sejam instituídos por medida provisória, possuidora de força de lei"26

Doutra parte, a tese aceita foi a de que:

"os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário e que os mesmos não serão devidos quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero -, por aparente ofensa ao princípio da prévia e justa indenização, tendo em conta a jurisprudência do STF no sentido de que os juros compensatórios são devidos, independentemente de o imóvel desapropriado produzir, ou não, renda, devendo por fim remunerar o capital que o expropriado deixou de receber desde a perda da posse" 27

Já quanto aos juros moratórios, estes são devidos face ao ressarcimento pelo atraso no pagamento do justo preço da indenização, sendo devidos à taxa de 6% (seis por cento) ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença (artigo 1.062 do Código Civil). Não se tem apregoado diferenças entre os casos de desapropriação direta e indireta. Assim, dispõe a Súmula n.º 70 do Superior Tribunal de Justiça:

"Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença".

Nesse sentido também, justificando a determinação pretoriana, Min. Rafael Mayer assim dispôs:

"Os juros moratórios contam-se a partir do trânsito em julgado da sentença, posto que poderá a moeda sofrer abalos em sua credibilidade, em seu valor, perdendo assim a sua força dentro do processo de circulação de mercadorias e serviços. Significa dizer que a moeda não mais representa a sua grandeza econômica original lastreada, fato este de graves conseqüências econômicas. Daí a necessidade de corrigí-la monetariamente"28

No mesmo julgado, colhe-se a seguinte lição do Ministro Otávio Gallotti

"Verifico, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário n. º 90.656, consolidou-se a orientação de que, nas ações expropriatórias, ‘os juros moratórios à taxa de 6% fluem desde o trânsito em julgado da sentença final e são devidos pelo atraso no pagamento da indenização’, como expressa a ementa do acórdão (RTJ 99/708). São inúmeros os julgados que perfilharam esse entendimento (R.E. 92.733, 93.765, 94.186, 95.969 e 96.418)".29

Por fim, vale salientar que pela demora no pagamento do preço da desapropriação não cabe indenização complementar alem dos juros, conforme entendimento da Súmula 416 – STF.

"Pela demora no pagamento do preço da desapropriação não cabe indenização complementar além dos juros".

Assim, fica vedada a possibilidade de cumulação, como pleiteiam alguns, dos juros compensatórios com lucros cessantes, visto que o primeiro já tem a natureza desejada de ressarcir o expropriante dos frutos que poderiam advir do seu bem desapropriado pelo Poder Público.

4.5 São devidos os juros compensatórios, em conseqüência de desapropriação de terra improdutiva, que não esteja cumprindo a sua função social?

No plano da desapropriação para fins de reforma, esse ensinamento avulta de importância. Visando a ordem jurídica sancionar o proprietário omisso em legar ao imóvel rural sua destinação social, não haveria razão de beneficiá–lo com lucros cessantes pela tal somente potencialidade de, a qualquer tempo, poder usufruir suas utilidades.

Os juros compensatórios, a princípio, não são juros, como se pode depreender da etimologia da palavra, e sim uma verba rotulada de juros, um ressarcimento pela perda propriedade.

Encontrando-se o bem abandonado, descabida a condenação do expropriante aos juros compensatórios, posto que se o imóvel não produz nenhuma renda, o que é que irá se compensar ou ressarcir?

Ora, "pagam-se juros pelo que se deixou de ganhar, e não pelo que, porventura, poderia vir a ganhar com a venda do imóvel".30

Necessária então, a prova de que a propriedade era explorada economicamente, ou que estava o expropriado prestes a fazê-lo antes do decreto presidencial, como no caso de terreno abandonado, que proprietário terá de comprovar o interesse contemporâneo à expropriação, em utiliza-lo como, por exemplo, ao protocolar junto à prefeitura projeto de construção de casa ou edifício mercantil.

Nesse entendimento, Fernando da Costa Tourinho Neto31 assim dispôs:

"A expropriada não realizou no imóvel qualquer beneficiamento. Como dito pelo M.M Juiz a quo, ´não chegou a construir uma única tapera´. (grifo nosso) Os juros compensatórios são para compensar o que o desapropriado deixou de lucrar.. Se a desapropriada não explorava o imóvel, não se pode dizer que deixou de ganhar alguma coisa. Logo, não são devidos juros compensatórios.

Tenha-se ainda, que os juros compensatórios são resultado de uma criação jurisprudencial. Não há lei que os obrigue a pagá-los quando não há prejuízo a ser compensado.

Tais juros, quando, realmente, tiverem a natureza compensatória, devem, evidentemente, ser pagos desde a antecipada imissão de posse – Súmula 164 do STF e Súmula 64 do STJ. Na desapropriação, pela mesma lógica, os juros compensatórios são devido desde a ocupação – Súmula 69 do STJ"

No mesmo diapasão, o mesmo Min. José Delgado 32 deliberou que:

"Os juros compensatórios são devidos como forma de completar o valor da indenização, aproximando-o do conceito de ser ''justo'', por determinação constitucional, e nessa hipótese de desapropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária, de imóvel rural que não cumpre sua função social, não auferindo produtividade, não pode o expropriado que em nada explorava sua propriedade, ser agraciado com o percentual de compensação aludido, substitutivo que é dos chamados lucros cessantes. Assim entendo, que os juros compensatórios somente são devidos quando restar demonstrado que a exploração econômica foi obstada pelos efeitos da declaração expropriatória. Pois não são indenizáveis meras hipóteses ou remotas potencialidades de uso e gozo"

Contudo, tal questão não é pacífica, visto que alguns dos nossos tribunais, em julgados recentes, não têm aceitado esse entendimento ressaltando o cabimento de juros compensatórios, mesmo em tratando de terras improdutiva, havendo julgados que põe em destaque o fundamento da rubrica na simples perda da posse, direta ou indireta, em vez da invocação da teoria dos lucros cessantes, bem como no salientar que à condição da improdutividade a constituição já impõe o gravame da indenização em TDA´s.33

Temos ainda também, o Ag do Resp 296.431-SP que deliberou que os juros compensatórios não incidem quando o proprietário não comprova que vinha auferindo renda com o imóvel expropriado, não havendo, portanto, prejuízo a ser reparado justificador de tais juros34.

O STF pondo fim ao acirrado debate, pronunciou nos autos da ADInMC 2.332-Df, de que os juros compensatórios não podem fazer as vezes de lucros cessantes, e sim de remunerar o capital que o expropriado deixou de receber desde a perda da posse do bem, assim:

" O §1o. do art. 15-A, introduzido ao Decreto-lei 3.365 pela MP2027, ao pretender limita restringir a percepção de juros, vinculando-a á renda do imóvel desapropriado, acabou por ofender o direito de prorpiedade eo direito de recebimento pelo expropriado da justa indenização.

O art. 15-A está a fulminar garantias constitucionais importantes, quais sejam, o direito de propriedade e o direito à justa indenização expropriatória, e que poderia vir a prejudicar milhares de expropriados por atos do Poder Público, visto que perceberão indenizações inferiores àquelas a que teriam direito.

Daí o que se deve ser compensado é a perda da propriedade, do valor que ela representa em si, e que poderia até mesmo ser transformado em dinheiro pelo proprietário por meio de venda, não fosse a expropriação, e não a efetiva utilização da mesma, sendo, portanto inconstitucional qualquer tentativa de suprimi-la sob pena de ofensa ao princípio da justa indenização. Tendo inclusive essa eg. Corte em outros julgados, que os juros compensatórios, cuja existência, repita-se, decorre da necessidade de se dar ao expropriado a justa indenização que a lei fundamental lhe garante, sendo os mesmos devidos não para compensar a a perda da renda do bem, e sim para compensar a própria perda do bem sem recebimento do justo preço. 35

Assim, ressalta-se ainda o posicionamento correto de tal julgado ao afirmar que tendo por correta a menção a qualquer tipo de desapropriação, esteja ou não a coisa sendo objeto de exploração lucrativa, devendo a sua base de cálculo corresponder à diferença entre o valor fixado na sentença e 80% (oitenta por cento) da oferta, que é o percentual que pode de logo ser liberado ao expropriado.

4.6 Da Aplicabilidade dos Juros Compensatórios e Moratórios nos Honorários Advocatícios

Na fixação dos honorários advocatícios, é adotada a regra contida no art. 19 da LC 76/96, que é claro em dizer que os mesmos serão encargos devidos pelo sucumbente. Desse modo, caso o valor da indenização seja superior ao da oferta, o expropriante deverá pagar honorários advocatícios em prol do expropriado, calculados sobre o valor da diferença, isso se este for representado por profissional habilitado, ressaltando que tal dispositivo não incidirá se houve revelia, exceto se houve a nomeação de curador à lide.

Nesse sentido, a Súmula 141 do STJ que assim dispõe:

"Os honorários de advogado em desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, corrigidas monetariamente".

Vale ressaltar, que na base cálculo dos honorários do advogado, incluem-se os juros compensatórios e moratórios, da mesma maneira para a aferição da diferença, indenização e oferta devem ser corrigidas monetariamente, conforme entendimento as Súmulas 131 do STJ e 617 do STJ, respectivamente, in verbis:

"Nas ações de desapropriação incluem-se no cálculo de verba advocatícia as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas".

"A base de cálculo dos honorários de advogado em desapropriação é a diferença entre a oferta e a indenização, corrigidas ambas monetariamente".

A MP 2.183-56/01 modificou ainda o § 1.º, do artigo 27, da LGD, dispondo que a alíquota dos honorários advocatícios haverá de mediar entre meio a 5% (cinco por cento), descabendo ultrapassar a quantia de R$ 151.000,00. Contudo, o STF na ADInMC 2.332-DF considerou fora da razoabilidade tal preceito.

Vale ainda, por último, transcrever a Súmula 69 do antigo TFR, in verbis:

"Incube ao expropriante pagar o salário do assistente técnico do expropriado".

Dessa feita, vale salientar que também será do sucumbente a despesa judicial relacionada com o perito nomeado pelo juiz, bem como quanto ao ônus de remunerar o assistente técnico do expropriado.

4.7 Das Formas de Pagamento de Indenizações para fins de Reforma Agrária – Uso das TDA´s nas indenizações

O pagamento da indenização pela desapropriação para fins de reforma agrária se dá de duas formas, quais sejam, por meio das TDA´s, no caso da terra nua, e cabendo-lhe receber em dinheiro apenas quando se tratar de benfeitorias úteis e necessárias, conforme leitura do disposto no art. 14 da LC 76/93:

"Art. 14 - O valor da indenização, estabelecido por sentença, deverá ser depositado pelo expropriante à ordem do juízo, em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais e, em Títulos da Dívida Agrária, para a terra nua".

A Carta Magna de 88 e as leis posteriores que disciplinam a matéria vedam o pagamento em dinheiro dos latifúndios, sendo, pois, o adimplemento por TDA´s imposição legal inderrogável ao crivo do Poder Público. Dessa feita, "o pagamento de benfeitorias é um direito assegurado ao expropriado que, sponte própria, pode usá-lo, para transigir no caso de uma eventual composição amigável. Assim, a lei proíbe que se indenizem terras integrantes do imóvel improdutivo em dinheiro, mas não proíbe que se pague todo o valor da indenização, inclusive benfeitorias, e Títulos da Dívida Agrária"36.

A lei n° 8.629/93, que veio regulamentar o art. 184, caput da CF/88, estabeleceu nos seus art. 5°, §3° que os Títulos da Dívida Agrária, encouraçados com cláusula assecuratória de preservação de seu real valor, serão resgatáveis a partir do segundo ano de sua emissão, em percentuais proporcionais aos seus prazos de remição, observado o seguinte: I - do segundo ao quinto ano, quando emitidos para indenização de imóveis com área inferior a 40 (quarenta) módulos fiscais; II - do segundo ao décimo ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área acima de 40 (quarenta) até 70 (setenta) módulos fiscais; III - do segundo ao décimo quinto ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área acima de 70 (setenta) até 150 (cento e cinqüenta) módulos fiscais; IV - do segundo ao vigésimo ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área superior a 150 (cento e cinqüenta) módulos fiscais.

Verificando-se o valor da indenização acima da oferta, o art. 14 da LC 76/93 estabelece que tal valor, fixado em sentença, deverá ser consignado pelo expropriante à ordem do juízo em dinheiro para as benfeitorias úteis e necessárias e em títulos da dívida agrária para a terra nua. Seguindo-o, art. 15 do mesmo dispositivo afirma que o juiz intimará o expropriante para, no prazo de 15 dias, fazer a competente consignação.

Tais dispositivos supra, foram impugnados na Adin 1.187-1-DF, promovida pelo Procurador-Geral da República, sendo, em sede de liminar, suspensa, até decisão final da ação, a expressão em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais, contidas no art.14, e, quanto ao art. 15, conferir a interpretação de que a diferença a que se refere o dispositivo diz respeito apenas aos Títulos da Dívida Agrária, visto que os débitos em dinheiro da Fazenda Pública têm sua quitação condicionada à expedição de precatórios, conforme dispõe o art. 100 da CF/88.

Nesse sentido tem-se a opinião do Min. Ilmar Galvão37:

"Diante da realidade do ente expropriante ser condenado no julgamento final, não raro, que se dá, anos depois ao pagamento de uma contemplação acrescida dos juros compensatórios e moratórios e monetariamente corrigida, não se precisa ser versado em direito financeiro, nem em técnicas de execução de despesa, pública, para ver que o pronto desembolso, pelo expropriante, somente pode ter objeto o depósito da indenização, a ser feito com a inicial, pelo singelo motivo que, somente nessa parte é ele passível de ter o respectivo valor conhecido, empenhado e posto à disposição do Juízo, à conta de verba orçamentária específica consiginada ao órgão ou ente expropriante e em face de recursos disponíveis. O mesmo não se dá, obviamente com a parte complementar da indenização fixada na decisão final da ação expropriatória já que indefinida antes do trânsito em julgado da sentença na apenas no que concerne ao quantum e ao quando, mas também ao quid e, ao próprio na debeatur, razão pela qual não pode ser objeto de previsão orçamentária regular, que há de ter por objeto uma determinada quantia, em dinheiro, referida a determinado exercício financeiro.

Se assim é, surpreender o ente público com a exigência de pagamento de despesa desprovida da necessária cobertura orçamentária vale pela exigência de algo impossível. O processo de precatório é o caminho que tem sido indicado pelas constituições brasileiras, para obviar-se o problema da execuções judiciais contra a fazenda, sendo tal sistema único e absoluto, não admitindo alternativa, tão pouco exceção para os pagamentos devidos pela Fazenda em virtude de sentença judiciária proferida nas ações expropriatórias.

Assim, considero inconstitucional as expressões do art. 14 da LC 76/93 ‘em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias’, inclusive culturas e pastagens artificiais".

Contudo, em sentido oposto o Min. Rel. Maurício Corrêa38, que acertadamente previu que se assim procedessem, suspendendo a eficácia dos dispositivos supras, seriam retirados os comandos de todo o ordenamento relativo ao que a sentença viesse a autorizar.

"O art. 14 da LC 76/93 estabelece que tal valor, fixado em sentença, deverá ser consignado pelo expropriante à ordem do juízo em dinheiro para as benfeitorias úteis e necessárias e em títulos da dívida agrária para a terra nua. Seguindo-o, art. 15 do mesmo dispositivo afirma que o juiz intimará o expropriante para, no prazo de 15 dias, fazer a competente consignação.

Se esta corte suspender a eficácia destes dois dispositivos e deixar a norma do art. 16, permanecerá no texto uma regra que em face dos outros dois dispositivos, produzirá um verdadeiro buraco negro, permanecendo um texto indefinido, assistemático e imponderável. Seria como se tirasse o motor do veículo e deixasse a carcaça".

Dessa feita, o valor da indenização estabelecido por sentença em processo de desapropriação para fins de reforma agrária deverá ser depositado pelo expropriante em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais, contraria o sistema de pagamento das condenações judiciais, pela Fazenda Pública, determinado pela Constituição Federal no art. 100 e parágrafos.

Daí, os arts. 15 e 16 da referida lei complementar, por sua vez, referem-se, exclusivamente, às indenizações a serem pagas em títulos da dívida agrária, posto não estar esse meio de pagamento englobado no sistema de precatórios. Recurso extraordinário conhecido e provido, para declarar a inconstitucionalidade da expressão em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais e,, contida no art. 14 da Lei Complementar nº 76/93. 39

Quanto aos TDA´s poderá falar em intimação do expropriante para realizar o depósito da diferença, respeitando-se o limite anual do art. 184, 4°, da CF/88.

Art. 184 (...)

§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.

Frisa-se, que o mero envio ao Presidente da Corte ad quem, do instrumento requisitório, no que concerne à parcela em dinheiro da indenização, não implica no cumprimento da exigência da prévia compensação ao expropriado, e sim a fim de possibilitar a imissão definitiva na posse e a transcrição imobiliária, ao contrário do que requer o art. 17 da LC 76/96, com o depósito da quantia devidamente corrigida.

Vale ressaltar, o disposto no art. 29 da LGD que dispõe que uma vez efetuado o pagamento ou a consignação, expedir-se-á em favor do expropriante o competente mandado de imissão definitiva, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no registro de imóveis.

Frisa-se ainda, que por força do art. 184 da CF/88, a entrega das TDA´s é considerada pro soluto e não pro solvendo, visto que depositada a quantidade exigida de tais títulos, operou-se a quitação da terra nua, tendo ao expropriado que esperar o prazo de duas décadas a partir do segundo ano de sua emissão para convertê-los em pecúnia, não sendo o Poder Público responsável pelo deságio ocasionado pela sua negociação antecipada.

Questão controversa na doutrina e em nossos tribunais a respeito do tema é se o pagamento da indenização da desapropriação para fins de reforma agrária por meio de títulos da dívida agrária fere ou não princípio constitucional da prévia indenização. 40

Nesse sentido, José Carlos de Morais Salles41 se posicionou no sentido de que tal pagamento vai de encontro ao princípio erigido na nossa Carta Política de 88, visto que:

"(...) não se pode ter como prévia uma indenização que será satisfeita com títulos da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos. (...) Ainda que se compreenda o intuito do legislador constituinte no sentido de possibilitar o pagamento de indenização, relativa à desapropriação para fins de reforma agrária, mediante entrega de títulos da dívida agrária ao expropriado, por ser praticamente impossível realizar-se tal reforma, indenizando-se o desapropriado em dinheiro, não há dúvida, entretanto, de que o pagamento dessa natureza não pode ser dito como prévio". (SALLES, 1995, p.782).

Frisa-se citar ainda, que cabe ao expropriante adiantar as despesas com publicação de editais, para conhecimento de terceiros, nos casos de levantamento do preço, previstos no artigo 34 da chamada Lei das Desapropriações.

Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.

Dessa feita, após depositada a indenização, esta poderá ser desde logo levantada pelo expropriado, podendo ainda fazer o levantamento de até 80% (oitenta por cento) do depósito para fins de imissão de posse, antes mesmo da indenização final. Tais levantamentos ficarão condicionados à comprovação da propriedade ou posse e da quitação tributária relativa ao bem expropriado, cujo termo final é a data da imissão da posse, publicando-os edital para conhecimento de terceiros.

Vale ressaltar ainda, uma questão que, embora controversa, guarda certa relevância, se seria lícito ao Procurador do INCRA transacionar em juízo o valor da indenização devida em patamar além da paga indenizacional ofertada, sem estar o mesmo maculando o interesse da coletividade?

Como bem assevera José Osterno Campos de Araújo:

"Atenderá, pois, ao interesse público ou interesse primário, o Procurador do INCRA que, pondo à margem interesse secundário ou interesse privado da autarquia, consistente na economia para seus cofres, pugne, sempre e sempre, pelo patenteamento, em todo e qualquer feito expropriatório, para fim de reforma agrária, da justa indenização, seja ratificando valor do laudo de vistoria e avaliação, originador da oferta inicial, seja cobrando a minoração da paga, por vício de superavaliação, seja, ainda, e por fim, acordando em sua majoração no patamar necessário ao atingimento do devido preço constitucional. O interesse secundário ou privado da autarquia deve ser, de conseguinte, relegado a feitos em que pertinente a sua tutela" (ARAÚJO, 2001, p. 36).

Ora, ab initio, a paga a indenizacional deve ser paga a quem de direito, que no caso é o proprietário, desde que atendidos, obviamente, eventuais interesses de posseiros, benfeitorias, dos detentores de direitos reais sobre o imóvel, sendo-lhes destinado a respectiva paga indenizacional, devendo o procurador do INCRA atuar no procedimento expropriatório visando sempre o interesse público, e assim agirá, prestigiando-o, quando ao mesmo tempo que propor a justa indenização, conseguir arredando juízos de conveniência e economia para os cofres da autarquia que representa, ou aumentando o valor da oferta quando esta for muito baixa, para que Administração não crie por uma de suas autarquias sério problema social com o confisco parcial de imóveis rurais, cujas indenizações não se tenham subsumido na inarredável moldura constitucional da justa indenização.

Pagando-se, dessa feita, pela terra expropriada, o justo preço, o qual, por deter assento constitucional (artigo 5º, inciso XXIV), deve corresponder real e efetivamente ao valor do bem expropriado, deixando o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é aquela que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exima de qualquer detrimento., sendo, então, perfeitamente viável a tese de que pode sempre que precisar homenagear o interesse público, o representante judicial do INCRA, acordar em audiência ou por meio de petição, antes ou após a implementação de perícia judicial em patamar além da oferta inicial, tudo com supedâneo maior no princípio constitucional da justa indenização.


5. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como escopo central analisar a questão da indenização paga ao expropriado acrescido dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária, prevista art. 184 da Constituição Federal, analisando as suas peculiaridades e dicotomias.

Trata-se de um estudo científico sobre a paga indenizacional devida ao expropriado, ventilando seus principais aspectos, desde o início da declaração de interesse social, passando pelas fases judiciais, até o efetivo pagamento.

Adotando-se como premissa a idéia de que ditas "construções" humanas advieram das mais diferentes etapas "evolutivas", muitas das quais anteriores às instituições democráticas e ao próprio Estado de Direito, embora por ele certamente modificadas, objetivou-se trazer à colação elementos que servissem de subsídio à melhor difusão das informações pertinentes ao tema central.

Necessário se faz nessa oportunidade expor algumas conclusões tiradas no decorrer do trabalho em relação ao tema analisado:

1) A Constituição Federal de 1988 cunhou definitivamente na nossa ordem jurídica uma nova definição de atuação estatal. O Estado deixou de se caracterizar como meramente individualista e passou a contemplar formas mais solidárias em seu atuar. É a passagem do Estado-particular para o Estado-social, cujo ponto culminante, dentre outros, está no direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) e suas respectivas limitações impostas pela própria ordem constitucional, como a exigência de atendimento à sua função social (CF, art. 5º, XXIII) e o poder expropriatório da Administração Pública (CF, art. 5º, XXIV). Ademais, a desapropriação surge, nesse contexto, como corolário do preceito constitucional de que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, XXIII). Inexiste, pois, desapropriação desvinculada do conceito de "função social da propriedade", ainda que se trate da hipótese do artigo 243 da Constituição Federal, que, em caráter sancionatório, impõe "confisco" ao imóvel destinado ao cultivo ilegal de plantas psicotrópicas.

2) A posição do administrado em face de um decreto expropriatório que atinge o seu direito de propriedade é bastante peculiar, pois atende o expropriado a um interesse público (prover uma necessidade ou utilidade coletiva), sujeita-se ao poder soberano do Estado (poder de desapropriar) e, em contrapartida, tem o direito de se ver indenizado, para a compra de outro imóvel, restabelecendo-se, assim, a dignidade de sua condição de proprietário. Fica formado, finalmente, o equilíbrio entre dois interesses colidentes: o do expropriante (interesse público) e o do expropriado (interesse privado).

3) A desapropriação é um procedimento administrativo, que se compõe de duas fases: na primeira, chamada declaratória, o Poder Público descreve o bem objeto da expropriação, a necessidade ou utilidade pública, ou ainda o interesse social (pressupostos da desapropriação) e o fim a que se destina o bem; na segunda, denominada executória, o Poder Público promove a expropriação, submetendo o expropriado à sua força coercitiva, independentemente de mandato judicial. Até aqui, o Poder Público pode apenas penetrar no imóvel, isto é, seus agentes podem adentrar no local para realizar avaliações, medições, elaborar projetos etc.

4) Tal declaração não tem o condão de subtrair do expropriado a propriedade, e, sim, criar para expropriante o direito subjetivo de no prazo de dois anos para promover a desapropriação

5) Quanto ao procedimento judicial: 5.1) A desapropriação para fins de reforma agrária é de competência privativa da União e será precedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária, sendo que tal competência que ora se cuida foi delegada em favor do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; 5.2) O processo de desapropriação para fins de reforma agrária observará procedimento especial de rito sumário; 5.3) A justa e prévia indenização é requisito à imissão provisória na posse, como manda o artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal; 5.4) A citação do expropriando será feita será feita na pessoa do proprietário do bem ou do seu representante legal, podendo ser feita ainda pela via postal e por edital; 5.5) Pode haver uma composição amigável do litígio expropriatório, abreviando o rito de fixação de indenização na audiência de conciliação, caso haja acordo sobre o preço entre as partes; 5.6) Na ação expropriatória, a revelia do expropriado não implica em aceitação do valor da oferta e, por isso, não autoriza a dispensa da avaliação do bem, e será subscrito por engenheiro agrônomo com registro de Anotação de Responsabilidade Técnica - ART respondendo o subscritor, civil, penal e administrativamente, pela superavaliação; 5.7) A defesa do expropriado deverá guardar nexo com o montante da indenização ou com os vícios do processo, como caducidade ou falta de competência, sendo vedado a possibilidade do Judiciário sindicar a ocorrência do interesse social do decreto expropriatório;

6) Quanto à ação de indenização por desapropriação para fins de reforma agrária conclui-se que: 6.1) O procedimento de desapropriação, por interesse social para fins reforma agrária, é condicionado ao solvimento de prévia indenização de acordo com a nova ordem constitucional, rompendo com a orientação consagrada na constituição anterior sendo vedado à transcrição imobiliária antes do pagamento da devida indenização; 6.2) A indenização deve retratar integralmente os prejuízos impostos ao proprietário vitimado, compondo-se, conforme o caso específico: o valor real do bem e suas eventuais rendas; os danos emergentes e os lucros cessantes; a correção monetária; os juros moratórios e compensatórios; custas e despesas judiciais; honorários advocatícios e periciais; 6.3) A indenização não é devida apenas nos casos de apossamento físico do bem privado, mas em qualquer situação em que haja efetiva diminuição no seu conteúdo econômico; 6.4) O valor pago nas indenizações, devera ser, logicamente, contemporâneo ao da avaliação, desde a data da realização da perícia de avaliação e data o pagamento, evitando que ocorra desvalorização da indenização devido à inflação, tendo então que ser esta corrigida monetariamente.; 6.5) A indenização devida ao expropriado engloba os juros compensatórios, destinados a ressarci-lo dos prejuízos decorrentes da perda da posse do bem, ou seja, representam os frutos civis, evitando-se assim o locupletamento ilícito ou enriquecimento sem justa causa em favor do expropriante sendo devidos à ordem de 12% ao ano, sendo admitidos até na desapropriação de terra improdutiva, que não esteja cumprindo a sua função social, embora haja opiniões divergentes na jurisprudência; 6.6) Já os juros moratórios são devidos face ao ressarcimento pelo atraso no pagamento do justo preço da indenização, sendo devidos à taxa de 6% ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença; 6.7) É aceita pela doutrina e jurisprudência a cumulatividade dos juros compensatórios e moratórios, perfazendo 18% ao ano; 6.7) O pagamento da indenização pela desapropriação para fins de reforma agrária se dá de duas formas, quais sejam, por meio das TDA´s, no caso da terra nua, e cabendo-lhe receber em dinheiro apenas quando se tratar de benfeitorias úteis e necessárias, admitindo-se também quanto a estas o pagamento via TDA´s, embora não seja pacífica tão questão; 6.8) Pode, e deve, o representante judicial do INCRA acordar em audiência ou por meio de petição, antes ou após a implementação de perícia judicial, em patamar além da oferta inicial, sempre que precisar homenagear o interesse público, tudo com o supedâneo maior da justa indenização.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ARAÚJO, José Osterno Campos de. Acordo Judicial em Ação de Desapropriação. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 17, n. 16, p. 35-42, 2º Semestre/2001

2. BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988.

3. BASTOS, Lúcio Flávio Camargo. Perícia na Desapropriação Agrária. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 17, n. 15, p. 7-12, 1º Semestre/2001

4. BORGES, Marcos Afonso. O Processo de Desapropriação para Fins de Reforma Agrária. in LARANJEIRA, Raymundo (Org.). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: LTr Editora Ltda., 1999.

5. COSTA, Hélio Roberto Nóvoa. Abordagem Constitucional da Reforma Agrária. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 16, n. 14, p.25-34, 2º Semestre/2000.

6. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários às Leis de Desapropriação: Constituição de 1988 e Leis Ordinárias. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1992.

7. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 12. ed. – São Paulo: Atlas, 2000.

8. FAGUNDES, Miguel Seabra. Da Desapropriação no Direito Brasileiro. São Paulo: LTr, 1994.

9. FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Desapropriação. São Paulo: Saraiva, 1996

10. FURTADO, Renata. A Conciliação na Desapropriação. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 17, n. 15, p. 29-36, 1º Semestre/2001

11. MALUF, Carlos Alberto Dabus. Teria e Prática da Desapropriação. São Paulo: Editora Saraiva, 1995.

12.MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. rev., São Paulo: Malheiros, 1998.

13. OLIVEIRA, Artur Vidigal de. O Estado tem de exigir o cumprimento da função social do Imóvel Rural para implementar a Democracia e fortalecer a Cidadania. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 16, n. 14, p.35-49, 2º Semestre/2000.

14. PAULSEN, Leandro (org.). Desapropriação e Reforma Agrária. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1997.

15. SALLES, José Carlos de Morais. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

16. SILVA, Agnaldo Jurandyr. Serventia dos Títulos da Dívida Agrária. in LARANJEIRA, Raymundo (Org.). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: LTr Editora Ltda., 1999.

17. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed., São Paulo: Malheiros, 1994.

18. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001.

19. TOURINHO NETO, Fernando da Costa. A Indenização nas Desapropriações Rurais. in LARANJEIRA, Raymundo (Org.). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: LTr Editora Ltda., 1999.


Notas

1 COSTA, Hélio Roberto Nóvoa. Abordagem Constitucional da Reforma Agrária. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 16, n. 14, 2º Semestre/2000. p. 29

2 COSTA, Hélio Roberto Nóvoa. Ob. cit., p. 29

3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. rev., São Paulo: Malheiros, 1998. p. 500

4 COSTA, Hélio Roberto Nóvoa. Ob. cit., p. 31

5 SALLES, José Carlos de Morais. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 77

6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed., São Paulo: Malheiros, 1994. p. 254.

7 OLIVEIRA, Artur Vidigal de. O Estado tem de exigir o cumprimento da função social do Imóvel Rural para implementar a Democracia e fortalecer a Cidadania. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 16, n. 14, 2º Semestre/2000. p. 36

8 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Desapropriação. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 7

9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. – 12. ed. – São Paulo: Atlas, 2000. p. 151

10 COSTA, Hélio Roberto Nóvoa. Ob. cit., p. 30

11 FAGUNDES, Miguel Seabra. Da Desapropriação no Direito Brasileiro. São Paulo: LTr, 1994. p. 2

12 BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 251

13 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 227

14 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários às Leis de Desapropriação: Constituição de 1988 e Leis Ordinárias. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 306

15 PAULSEN, Leandro (org.). Desapropriação e Reforma Agrária. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1997. p.163

16 FURTADO, Renata. A Conciliação na Desapropriação. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 17, n. 15, 1º Semestre/2001. p. 31

17 BASTOS, Lúcio Flávio Camargo. Perícia na Desapropriação Agrária. Revista do Direito Agrário, Brasília, a. 17, n. 15, 1º Semestre/2001. p. 8

18 STF, Pleno, mv, MS n° 20.960 - DF (DJU 07.04.95) Min. Rel. Sepúlveda Pertence DJU 07.04.95

19 STF, Pleno. un. RE 141.795-SP, DJU de 29.09.1995, relatado pelo Min. Ilmar Galvão

20 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. A Indenização nas Desapropriações Rurais. in LARANJEIRA, Raymundo (Org.). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: LTr Editora Ltda., 1999. p.771

21 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Ob. cit. p.769

22 RE 99.849 PE Rel. Min. Moreira Alves DJU 12/05/95

23 RE n° 114139 – SP, Rel Min. Sepúlveda Pertence Tribunal Pleno - DJU 01-06-01) Voto do Ministro Relator

24 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Teria e Prática da Desapropriação. São Paulo: Editora Saraiva, 1995. p. 171

25 Informativo STF nº. 240 Brasília, 03 a 07 de setembro de 2001

26 ADInMC 2.332-DF, Rel. Min. Moreira Alves, 5.9.2001 (ADIN-2332) Voto do Ministros Moreira Alves

27 ADInMC 2.332-DF, Rel. Min. Moreira Alves, 5.9.2001 (ADIN-2332) Voto do Ministros Moreira Alves

28 RE n.º 106.594-0-SP, Rel. Ministro Rafael Mayer (DJU. 26.11.85 – DJU 19.12.85)

29 RE n.º 106.594-0-SP, Rel. Ministro Rafael Mayer (DJU. 26.11.85 – DJU 19.12.85)

30 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. A Indenização nas Desapropriações Rurais. in LARANJEIRA, Raymundo (Org.). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: LTr Editora Ltda., 1999. p. 775

31 AC 96.01.01124-2/MA (DJ 26.11.96)

32 REsp 228481-MA (DJU 13.10.98)

33 Nesse sentido REsp 313479 / PA, DJU:18/02/2002, RESP 108896-SP (RSTJ 114/59, LEXSTJ 117/164, RESP 51240-SP, RESP 70637-RJ, AGA 323873-RJ)

34 Nesse sentido (RESP 23432-SP (RSTJ 72/394), RESP 23198-PR, RESP 13702-SP, ERESP 100588-SP, RESP 186784-AC, RESP 252722-SP, EDRESP 240119-CE)

35 ADInMC 2.332-DF, rel. Min. Moreira Alves, 5.9.2001 (ADI-2332)

36 SILVA, Agnaldo Jurandyr. Serventia dos Títulos da Dívida Agrária. in LARANJEIRA, Raymundo (Org.). Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: LTr Editora Ltda., 1999. p. 783

37 ADin 1187 MC/DF Rel. Min. Ilmar Galvao DJU-16-02-96

38 ADin 1187 MC/DF Rel. Min. Ilmar Galvao DJU-16-02-96

39 RE 247.866-1 – CE, Rel. Min. Ilmar Galvão DJU 24-11-00

40 STJ. RESP 208998/SP, DJU 01/07/1999 Min. Rel. Hélio Mosimann

41 SALLES, José Carlos de Morais. Ob. cit., p. 782



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Elthon Baier. Dos critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 395, 6 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5548. Acesso em: 28 mar. 2024.