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A atuação da Polícia Civil de São Paulo na prevenção especializada por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais

A atuação da Polícia Civil de São Paulo na prevenção especializada por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais

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A atuação do delegado de polícia na resolução de conflitos por intermédio de técnicas de conciliação pode ser entendida como adequada estratégia de policiamento, na medida em que efetivamente voltada para a prevenção de riscos, de perigos e de danos em seara criminal.

O direito impele à obrigação;  a polícia, à decência. O direito é ponderado e decisivo; a polícia é abrangente e coercitiva. 

O direito liga-se ao singular;  a polícia à coletividade.

(Goethe)

RESUMO: O presente trabalho teve por objetivo analisar a atuação da Polícia Civil de São Paulo por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais (NECRIMs), pois, na contemporaneidade, observa-se o Poder Judiciário com excessivo volume de trabalho e os NECRIMs auxiliam no processo de não judicialização dos conflitos decorrentes das infrações penais de menor potencial ofensivo. O delegado de polícia com atuação junto ao NECRIM pode lançar mão de diversos meios alternativos de solução de conflitos. Vale dizer, num contexto de tutela penal arrimada num sistema de direitos e garantias fundamentais, os órgãos públicos devem estimular a participação efetiva dos envolvidos nos referidos conflitos, orientando e apontando caminhos para a preservação das relações humanas. É possível afirmar que a pena criminal pode se mostrar desproporcional em relação às infrações penais de menor potencial ofensivo. Sendo assim, a busca pela autocomposição nestes casos pode significar acesso substancial à justiça em âmbito criminal, possibilitando efetivo atendimento dos interesses das vítimas, bem como tornando mais eficaz a atuação do poder público na prevenção criminal. Foram realizadas pesquisas sobre a disciplina jurídica e os fundamentos epistemológicos referentes à atividade de polícia judiciária, sobretudo quanto ao processo permanente de pacificação social através de meios autocompositivos. Pesquisou-se, igualmente, a forma pela qual os Núcleos Especiais Criminais viabilizam a materialização da celeridade da resposta do poder público aos conflitos levados à apreciação das autoridades policiais, bem como a forma pela qual é edificada a cultura de paz no âmbito destes órgãos, na medida em que são implementados procedimentos com observância da filosofia de Polícia Comunitária.

Palavras-chave: Conciliação. Delegado de polícia. Infrações penais. Meios alternativos. Polícia Judiciária.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO PREVENÇÃO CRIMINAL PRIMÁRIA. 2.1 Atividade de polícia no contexto da Justiça restaurativa. 3  PRÍNCIPIOS CONSTITUCIONAIS REGENTES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO QUE SE REFERE AOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS. 3.1  Princípio da dignidade da pessoa humana. 3.2  Princípio da pacificação social. 3.3  Princípio do acesso à justiça . 4  FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICO-CIENTÍFICA DA ATUAÇÃO DA    POLÍCIA CIVIL NA UTILIZAÇÃO DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS. 4.1  Atribuições da autoridade policial previstas na Lei nº 9.099/1995. 4.2  Análise interdisciplinar da Lei nº 12.830/2013 e dos fundamentos epistemológicos da atividade de polícia . 5  OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTOS DA ATIVIDADE DE POLÍCIA . 5.1  Negociação. 5.2  Conciliação . 5.3  Mediação. 5.4  Arbitragem. 6  O NÚCLEO ESPECIAL CRIMINAL COMO INSTRUMENTO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS PELA POLÍCIA CIVIL DE SÃO PAULO. 7  CONSIDERAÇÕES FINAIS.   REFERÊNCIAS.        


1  INTRODUÇÃO

Este trabalho caracteriza-se pela realização de uma pesquisa qualitativa acerca dos fundamentos epistemológicos e normativos legitimadores dos Núcleos Especiais Criminais – NECRIM, da Polícia Civil do Estado de São Paulo, enquanto órgão de Polícia Judiciária.

De se notar que referidos núcleos tem atribuições de polícia voltadas às infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme os termos do artigo 61 da Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Nestes órgãos de polícia, os serviços são desenvolvidos com o objetivo de redução da litigiosidade, possibilitando a preservação das relações interpessoais, contribuindo para a materialização de uma cultura de paz.

Cumpre observar, igualmente, que, para a realização de seus misteres, os servidores que atuam junto aos núcleos, sobretudo as autoridades policiais, podem lançar mão de medidas alternativas para resolução de conflitos criminais, como, v.g., a mediação. Desta forma, é possível afirmar que estas unidades de polícia desenvolvem seus trabalhos com observância das bases da justiça restaurativa.

Isto, frise-se, não constitui interferência nas atividades do Poder Judiciário e do Ministério Público, uma vez que todos os procedimentos realizados são submetidos à apreciação dos magistrados para fins de homologação, o que, vale observar, é feito com prévia manifestação do membro do Parquet.

Nos tempos atuais, o sistema de justiça criminal como tradicionalmente conhecido não oferece soluções satisfatórias para todos os delitos. Especificamente no que se refere às infrações de menor potencial lesivo, a utilização de métodos adequados de solução de conflitos possibilita que um elevado número de casos não se torne objeto de um processo criminal. Verificar-se-á de que forma esta atuação da Polícia Civil, por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais, pode ser entendida como sendo de prevenção especializada. 

 Deste modo, analisa-se em que medida os NECRIMs podem ser entendidos como órgãos de polícia incumbidos da viabilização de um atendimento mais célere às partes envolvidas em conflitos criminais, propiciando satisfação efetiva aos interesses das vítimas, bem como garantindo os direitos fundamentais dos autores destes ilícitos, em razão do trabalho desempenhado pelo delegado de polícia.  


2  MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO PREVENÇÃO CRIMINAL PRIMÁRIA

A ideia de prevenção criminal perpassa os âmbitos de atuação das instâncias de controle formal da criminalidade. A mediação entendida como instrumento de prevenção criminal primária “posiciona-se como técnica ou método de negociação que opera não somente no âmbito do sistema de justiça, mas também fora dele” (BECHARA, 2013, p. 47). É dizer que a prevenção criminal primária é materializada por intermédio de prestações sociais e intervenção comunitária com conscientização social (SHECAIRA, 2013, p. 53). O objetivo é interferir nas circunstâncias sociais criminógenas (PENTEADO FILHO, 2013a, p. 103), ou seja, o que gera o crime. Políticas públicas voltadas à educação, habitação, trabalho, urbanismo e segurança, atingindo a todos os cidadãos. Sobre isto, ensina Penteado Filho que

aqui desponta a inelutável necessidade de o Estado, de forma célere, implantar os direitos sociais progressiva e universalmente, atribuindo a fatores exógenos a etiologia delitiva; a prevenção primária liga-se à garantia de [...] qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo. (2013a, p. 103, grifo nosso).

A grande dificuldade é que não há vontade política, que é sempre direcionada a curto prazo.

Deste modo, é possível afirmar que, com relação aos conflitos criminais, a mediação pode ser entendida como mecanismo de implantação de referidos direitos, na medida em que, além de possivelmente encerrar o conflito, pode evitar sua instalação. Neste passo, o magistério do professor Bechara é no sentido de que

A mediação enquanto técnica soma-se a todas as demais técnicas típicas de determinadas funções, como juízes, promotores, delegados, policiais militares, professores, e que pode ou não acarretar consequências de natureza jurídica. O efeito jurídico não constitui o fim primário da mediação, mas sim um efeito secundário. O fim primário da mediação é a pacificação social na relação conflituosa, pouco importando a sua natureza, e seja quando encerra o conflito seja quando evita a ocorrência do próprio conflito. (2013, p. 47, grifo nosso).

No aspecto de evitar o surgimento do conflito, é de se observar um traço característico fundante de uma doutrina que se pretenda científica acerca das atividades de polícia. Vale dizer, na contemporaneidade, muito mais do que reagir às ocorrências, consubstancia papel fundamental da polícia a prevenção de perigos, que são anteriores aos riscos, que são anteriores aos danos. 

O professor português Manuel Monteiro Guedes Valente, edificando uma teoria sobre as atividades de polícia, afirma que

Uma polícia contemporânea ou pós-moderna procura evitar que condutas de pessoas singulares e/ou colectivas possam afectar interesses gerais ou colectivos e interesses singulares e individuais. A atividade jurídicoadministrativa e jurídico-criminal de uma polícia pós-moderna se deve basear em primeira linha na prevenção do perigo – que antecede a prevenção do risco e do dano. À polícia hodierna cabe-lhe evitar que o perigo possa surgir e gerar o risco e o posterior dano social. (2014, p. 53, grifo nosso).  

Este ensinamento se coaduna com a ideia de mediação como prevenção criminal primária na medida em que distingue nitidamente os dois resultados possíveis da atuação da polícia, quais sejam, os advindos da chamada atividade jurídico-criminal, corporificados, v.g., no indiciamento em inquérito policial, bem como os decorrentes da atividade jurídico-administrativa materializados, por exemplo, nos Termos de Composição Preliminar confeccionados pelos NECRIMs.

Sobre isso, Valente apregoa que 

A este esquema de acção da Polícia se enquadra na linha da designada de prevenção criminal stricto sensu. Para a doutrina dominante, a prevenção criminal stricto sensu – vulgo, investigação criminal – está integrada na prevenção criminal lato sensu: que compreende todos os actos materiais e jurídicos de Polícia destinados a prevenir o perigo e, quando este se verificar, a prevenir o dano e evitar que o mesmo provoque elevada lesividade social. (2010a , p. 17, grifo nosso).

No caso de se observar, no mundo fenomênico, a ocorrência do dano, é função da polícia promover também

estudos técnicos, operativos, sociológicos e jurídicos para que de futuro aquele perigo não se volte a verificar. Nesta perspectiva concorre a ideia basilar de que a polícia está ao serviço do povo e não ao serviço do Estado e dos poderosos e de que se apresenta como primeiro pilar na defesa e garantia efectiva dos direitos e liberdades dos cidadãos. (VALENTE, 2014, p. 54).

Ou seja, um trabalho de excelência realizado pela polícia, além de focalizar a implementação de medidas preventivas como a mediação, deve se debruçar sobre atos materiais outros que possam efetivamente atingir as causas dos conflitos, neutralizando o surgimento de perigos.

Neste contexto, cabe ao policial conhecer as ferramentas de que dispõe e lançar mão adequadamente destes recursos, pois 

Fundamental para a ideia de policiamento para solução de problemas, por exemplo, é a atividade de pensamento e análise necessários para entender o problema que está por trás dos incidentes para os quais a polícia é convocada. (MOORE, 2003, p. 137, grifo nosso).

Legitima a ideia de polícia científica a fala de Pascal Ide quando diz que

Se o método matemático é eficaz para criar modelos da física de partículas, ele o é bem menos quando se trata de discorrer sobre a liberdade ou sobre Deus. É um preconceito positivista continuar a afirmar que a ciência é sinônimo de método matemático e que a certeza da razão rima com quantificação e axiomatização. (2000, p. 2, grifo nosso).  

Deste modo, a mediação enquanto técnica que viabiliza a prevenção de conflitos criminais pode ser entendida como instrumento de proteção de direitos no Estado Democrático. E o respeito e proteção incondicional aos direitos humanos são entendidos por Manuel Monteiro Guedes Valente como categorias epistemológicas que arrimam atividades de polícia que se pretendam realizadas em bases científicas. (2010a, p. 18). O que, vale notar, não se confunde com a atuação da superintendência da polícia técnico-científica. Nestes termos,

Ao falarmos de cientificidade não nos estamos a prender à designada Polícia científica, ao CSI (Crime Sob Investigação), mas a outro quadrante e outro vector da cientificidade que não se esgota ou esgrime no quadro da designada Polícia científica, que desempenha o seu elevadíssimo papel e contributo na prossecução do Direito penal e, consequentemente, na reafirmação da norma jurídica criminal agredida pela conduta humana e na tutela dos bens jurídicos que são direitos humanos. Esta cientificidade da actuação policial implica uma Polícia que actue na construção de um equilíbrio entre a tutela de bens jurídicos e a defesa do delinquente face à força punitiva do Estado, cujo rosto visível se concretiza em cada elemento policial. (VALENTE, 2010a, p. 14, grifo nosso).

Assim, pode-se dizer que a mediação é ato material de polícia que previne conflitos criminais e ao mesmo tempo evita a estigmatização que recai sobre os autores de infrações penais.

Sobre práticas policiais relacionadas à prevenção, é pertinente a análise de Marcos Rolim quando diz que

Um novo modelo, proativo, de policiamento deve estar tão próximo e vinculado às comunidades quanto possível [...] A ideia central nesse caso é substancialmente diferente daquela direcionada para o número de prisões efetuadas ou a taxa de resolução de crimes. Ela parte do princípio de que um percentual muito significativo dos crimes [...] podem ser evitados.  E compartilha também o pressuposto de que uma intervenção racional das forças policiais, em parceria com entidades da sociedade civil, pode alterar várias das condições que são preditivas do crime e da violência. Por conta disso, o ponto central desse novo modelo deve ser a prevenção. (2006,  p. 65).

Este enfoque das atividades de polícia dá novo significado a este trabalho na medida em que o trabalho da polícia passaria a ser avaliado pelo mal que ela foi capaz de

evitar, ou seja, pelas ocorrências criminosas e violentas que ela soube impedir, e não pelos resultados alcançados diante do mal já praticado. Afirmá-lo assim pode parecer estranho em um contexto no qual nos acostumamos a pensar em “prevenção” no âmbito de políticas sociais e nunca no âmbito das tarefas específicas de policiamento. Parece evidente que políticas econômicas de caráter distributivo, diminuição das taxas de desemprego e melhorias em outros indicadores sociais são decisivas para um enfrentamento a longo prazo da criminalidade. O que não está suficientemente demonstrado, entretanto, é que a prevenção pode também ser realizada com sucesso e de maneira imediata através de estratégias corretas de policiamento. (ROLIM, 2006, p. 65, grifo nosso).

Neste contexto, é possível afirmar que a atuação dos Núcleos Especiais Criminais, através da utilização de métodos adequados de solução de conflitos, constitui estratégia correta de policiamento pelo fato de evitar a ocorrência, sobretudo, de crimes mais graves, uma vez que 

A mediação projeta-se para além do processo judicial, coloca-se num momento lógica e cronologicamente anterior, como intervenção primária do Estado no esforço de solucionar uma situação conflituosa, pouco importando a sua natureza. A sua importância é mantida de forma inalterada, mesmo quando se mostra idônea a solucionar somente parte dos problemas. (BECHARA, 2013, p. 51, grifo nosso).

De se observar, igualmente, que a Lei Complementar nº 207/1979 autoriza a prática de atos não exclusivos de Polícia Judiciária por parte das autoridades policiais, na medida em que dispõe, em seu artigo 3º, inciso I, que a prevenção especializada é também atribuição básica da Polícia Civil (TRAVASSOS, 2012,  p. 45). Desta forma, é possível concluir, então, que à Polícia Civil incumbe a prevenção criminal na medida em que esta pode ser entendida como consectário lógico dos estudos e pesquisas na área policial, sobretudo no que fica demonstrado em termos de proteção efetiva dos direitos fundamentais da pessoa humana. Vale dizer, no interior da doutrina dos direitos fundamentais, encontra-se o princípio de vedação ao retrocesso. Deste modo, a norma jurídica que comete à Polícia Civil atribuição de prevenção especializada deve ser reafirmada como valor, na medida em que é mais protetiva de direitos. Este trabalho preventivo é materializado, em alguma medida, através do emprego de métodos adequados de solução de conflitos pelas autoridades policiais no âmbito de atuação dos Núcleos Especiais Criminais.

Destarte, é possível afirmar que os Núcleos Especiais Criminais, na medida em que, por intermédio da mediação, corporificam a prevenção criminal em sentido amplo, consubstanciam condição de possibilidade para a materialização de uma atividade de polícia arrimada em bases que se pretendam científicas.

2.1  Atividade de polícia no contexto da Justiça restaurativa

A Justiça restaurativa nasce num contexto de descontentamento com os resultados obtidos pela atuação do Sistema de Justiça Criminal tradicional (ROLIM, 2006; BALDAN, 2013; ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014). Pode-se afirmar que a ineficácia do sistema justifica que se pense sobre a edificação de alternativas. Neste contexto, surge a ideia de Justiça restaurativa. Esta, conquanto comporte uma multiplicidade de conceituações (BALDAN, 2013), é estabelecida por Tony Marshall nos seguintes termos: “um processo pelo qual todas as partes envolvidas em determinada ofensa reúnem-se para resolver coletivamente como tratar das consequências da ofensa e de suas implicações futuras.” (MARSHALL, 1999 apud BALDAN, 2013, p. 37, grifo nosso).

Nestes termos, é possível afirmar que a Justiça restaurativa dispensa atenção a todas as pessoas que, de alguma forma, foram atingidas pela prática da infração penal, a saber, autores, vítimas e pessoas da comunidade, com o objetivo de que todos possam fruir a restauração. E o faz de modo prospectivo, viabilizando a continuidade das relações, indo além da função meramente punitiva. Permitimo-nos, neste ponto, recuperar o ensinamento do professor Doutor Édson Luís Baldan, para quem a 

“Justiça restaurativa” implica, necessariamente, em tratar de restauração. Restauração da vítima, do ofensor, do dano originado do delito, dos interesses comunitários reflexamente atingidos pela prática da infração penal. Restauração como preocupação com a construção de uma sociedade melhor no futuro e não, apenas, como punição de fatos pretéritos. (2013, p. 38).

Sobre o tema, a fala de Marcos Rolim enfatiza o aspecto relacional desta concepção, nos seguintes termos:

A justiça, então, enquanto estiver preocupada com as pessoas, deve voltar sua atenção para as relações entre elas. Esse ponto de partida permite desdobramentos inéditos e nos afastará da concepção individualista da agência humana e do próprio modelo de justiça evidenciado nas concepções punitivas. (2006, p. 248, grifo nosso).

Na esteira de Gill McIvor, Édson Luís Baldan assevera que, no âmbito do Sistema de Justiça Criminal, perspectivas reparativas e restaurativas denotam um gênero, do qual é espécie, dentre outras, a mediação vítima-autor. Neste modelo, é estimulada a participação efetiva do autor da infração penal para a busca da resolução do conflito por meio da atuação de mediadores capacitados, que viabilizam a comunicação entre as partes, buscando os motivos para o cometimento da infração para que o autor reflita sobre sua conduta e seus efeitos na esfera de direitos da vítima, possibilitando que se alcance uma solução consensual quanto ao que deva ser feito para reparar o dano (BALDAN, 2013, p. 38).

No entanto, isso exige que se reflita sobre a possibilidade de superação de uma cultura da judicialização dos conflitos, arraigada no imaginário social contemporâneo, dificultando a realizabilidade de um modelo onde à polícia seja conferida autonomia de atuação, num contexto onde, igualmente, se observa a exagerada intervenção do poder judiciário em questões que não exatamente se apresentam como adequadas soluções de cunho jurisdicional, ou, noutros termos, pode encontrar solução mais satisfatória numa prestação de serviço de natureza policial. Citando Alain Renault, Baldan aduz que

Questiona-se, hoje, a necessidade persistente de um “superpoder” sacralizado detentor do monopólio da resposta penal quando, argumenta Renault, poderiam ser conferidos poderes “a instâncias modestas para organizar o frente a frente que permita reconhecer o sofrimento ilegítimo suportado pela vítima, constatar a culpabilidade e delinear o espaço da pena.” (2004, p. 168-169 apud BALDAN, 2013, p. 40).

Isso não deve conduzir a uma prática de justiça que se desenvolva totalmente fora do sistema de justiça criminal. Vale dizer,

[...] há a necessidade de que a justiça restaurativa seja acompanhada pelo Estado, ainda que minimamente, para que se evite a violação de direitos fundamentais. Contudo, isso não significa dizer que a justiça restaurativa deva ficar subordinada ao sistema de justiça criminal e se tornar apenas mais uma forma alternativa de resolução de conflitos (a exemplo dos juizados especiais criminais) etiquetada como menos importante, e sem realmente proporcionar uma forma de resolução de conflitos que modifique as bases retributivas da justiça criminal. (ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 444). 

Em termos práticos, este acompanhamento pode ser realizado por unidades de polícia hierarquicamente superiores àquelas incumbidas de práticas restaurativas. 

Parafraseando o criminólogo Tim Newburn, Baldan afirma que a mediação traz vantagens, como redução da reincidência, maior possibilidade de satisfação às vítimas, participação de pessoas da comunidade que de alguma forma tenham interesse na solução do conflito e menor custo pelo fato de os procedimentos serem realizados “à margem das estruturas oficiais do sistema de justiça criminal” (2013, p. 40).

Pondera, também, sobre a posição dos críticos da Justiça restaurativa que afirmam se tornarem tênues as linhas que separam os ordenamentos jurídicos civil e penal, na medida em que são focalizados preponderantemente os interesses individuais da vítima em detrimento dos interesses da sociedade que, como um todo, é atingida pela prática da infração penal (ZEDNER, 1994, p. 419-55 apud BALDAN, 2013, p. 41), bem como o aspecto da predominância, no Ocidente, de uma visão onde a punição em decorrência de prática delitiva deve se prestar necessariamente a estigmatizar seu autor, cumprindo função de prevenção geral negativa, na medida em que o submete a uma situação de “vergonha” (BRAITHWAITE, 1989, apud BALDAN, 2013, p. 41-42).

Em contraponto a estas posições, Édson Luís Baldan afirma que, no moderno Estado Democrático de Direito, não é admissível a dor pela dor. A pena com caráter meramente retributivo não cumpre adequadamente funções preventivas na contemporaneidade. Nos seguintes termos, ensina que 

[...] cremos que apenas uma concepção patológica que encontra na aflição do outro (i.e., na cega retribuição) uma irracional saciedade e única finalidade plausível da sanção penal pode desconsiderar que esta é instrumento e não fim do Direito Penal num Estado Democrático de Direito, eis que a pena posta-se finalisticamente à consecução de um estado de convivência suficientemente pacífica para continuidade da (co)existência. (BALDAN, 2013, p. 42).

Vale dizer, para a construção de uma sociedade mais justa, faz-se necessária a consolidação e aperfeiçoamento de instrumentos adequados de solução de conflitos em matéria penal como oposição à cultura de punição. Sobre isto, uma vez mais o magistério do Professor Baldan:

[...] há de ser afrontado um não desprezível óbice à consolidação e ampliação do sistema de medidas penais e processuais alternativas – potencialmente condutoras à desjudicialização e descarcerização – inclusos os programas de justiça restaurativa: a cultura do punitivismo. (2013, p. 42).

Este quadro exige novos delineamentos no que se refere a objetivos, valores e intenções da polícia para que esta concretize uma atuação que se coadune com os novos desafios que se lhe apresentam (BALDAN, loc. cit.).

Roborando o que sejam caracteres que conferem cientificidade às atividades de polícia, Baldan afirma que

Não mais a segurança do Estado ou a ordem pública como fins imediatos e/ou únicos da atuação policial(esca). Agora a missão de busca da tutela de direitos fundamentais pela via menos aflitiva possível, numa confluência desejável entre os interesses do indivíduo e as exigências de segurança da comunidade. [...] Fala-se de uma intervenção possível que afaste as agências policiais definitivamente de uma matriz autoritária e fomente a fundação de um modelo verdadeiramente democrático e participativo, adotando, conforme a propositura de Sulocki (2007), um conceito de conflito como fenômeno natural ocorrente no seio de uma sociedade pluralista, com reorientação das Polícias para uma resolução consensual e civil dos conflitos, com rejeição e em preterição à lógica de guerra. (2013, p. 43).

Desta forma, observam-se ressignificados o conflito e a atuação do sistema de justiça criminal, sobretudo da polícia. No sistema punitivo tradicional, vítima e ofensor ficam piores (ROLIM, 2006, p. 247). Num modelo de justiça restaurativa, à polícia incumbe a adoção de estratégias de policiamento, especificamente a mediação, para que todos os envolvidos no conflito criminal possam ver satisfeitos seus legítimos interesses. A adoção deste modelo não exclui a possibilidade de o ofensor ser efetivamente punido (ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 444).

Destarte, o que não pode prevalecer no âmbito do sistema de justiça criminal e, especificamente, da polícia, é a lógica da dor pela dor. Deve ser edificada uma cultura policial de utilização de procedimentos restaurativos que permita a ampliação e expansão destes serviços.


3     PRÍNCIPIOS CONSTITUCIONAIS REGENTES DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO QUE SE REFERE AOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

No artigo 3°, inciso I da Constituição federal, encontra-se uma norma jurídica que estabelece princípios. O professor Dr. José Afonso da Silva intitula estes princípios como sendo relativos à organização da sociedade (2007, p. 94). Dentre eles, salientem-se os princípios de convivência justa e o princípio da solidariedade. Deste modo, é possível afirmar que os princípios expressam valores relevantes à sociedade.

Referidos valores devem conduzir o Estado e a sociedade civil a buscar resolver seus problemas de forma consensual. Pois, no Estado Democrático de Direito, a cidadania pode ser entendida também como convivência harmoniosa da comunidade. 

No que se refere à solução de conflitos, é possível afirmar que a utilização de métodos alternativos aumenta o acesso substancial à justiça, bem como amplia o respeito à dignidade da pessoa humana. Isso possibilita que se edifique uma cultura de paz.

3.1  Princípio da dignidade da pessoa humana

Desde Pico de La Mirandola até nossos dias, muito se escreveu sobre a dignidade da pessoa humana. Valor fundante do Estado Democrático de Direito, tem como base a liberdade e o respeito. Para uma maior compreensão deste princípio, recuperamos a fala dos professores Doutores Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida, que assim discorrem:

O ser humano é aquele que possui a liberdade, que tem a possibilidade de, ao menos teoricamente, determinar seu “dever ser”. É essa possibilidade que deve ser levada em conta, respeitada, considerada. A essência da dignidade do ser humano é o respeito mútuo a essa possibilidade de escolha. A especificidade do ser humano é sua liberdade. A dignidade a ele inerente consistirá no respeito a essa possibilidade de escolha. (2011, p. 562).

Na Constituição federal de 1988, a dignidade da pessoa humana é estabelecida no artigo 1°, inciso III, como fundamento do Estado Democrático de Direito. Toda atividade do poder público deve ter na dignidade da pessoa humana o seu limite intransponível. 

3.2  Princípio da pacificação social            

Na esteira de Raymond Aron, o filósofo italiano Norberto Bobbio define a chamada paz de satisfação como sendo aquela que é “o resultado da aceitação consciente, como só pode ser a paz instituída entre partes que não têm mais reivindicações recíprocas a apresentar.” (2003, p. 156, grifo nosso).

Bobbio ensina que os adeptos do pacifismo não preconizam que a paz seja condição suficiente para o exercício pleno da vida. No entanto, para os pacifistas, a guerra jamais pode ser entendida como alternativa. Fazendo alusão a Kant, o professor Norberto Bobbio afirma que “o valor supremo que uma bem ordenada convivência de indivíduos deveria realizar não é a paz, mas a liberdade. A paz é somente condição preliminar para a realização de uma livre convivência.” (2003,  p. 157).

Quando as partes não têm mais reivindicações recíprocas a apresentar, se observa um cenário de pacificação social. Este estado de coisas se atinge quando as partes envolvidas no conflito se ouvem. Vale dizer, participam efetivamente da busca de solução para os seus problemas. Isso aumenta a confiança, viabiliza ganhos mútuos e direciona o olhar dos envolvidos de maneira prospectiva.

No preâmbulo da Constituição federal, encontra-se a disciplina jurídica sobre a solução pacífica de conflitos na ordem interna. In verbis:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (grifo nosso).

No que se refere à atuação do Estado nas infrações penais de competência do Juizado Especial Criminal (JECRIM), atualmente se observa a prestação jurisdicional vinculada à vontade da vítima num elevado porcentual (PEDROSA, 2008, p. 1). Isso, em alguma medida, se relaciona à ideia de pacificação por conciliação. Este vocábulo aparece no texto constitucional com um significado que reorienta o ordenamento jurídico brasileiro no sentido de que, “para essas infrações menores, houvesse possibilidade de pacificação, sem a força de uma sentença de mérito” (PEDROSA, 2008, p. 1). E, para materializar essa prestação de serviço público, o delegado de polícia exerce papel fundamental na medida em que “toda a estrutura doutrinária criada para os Juizados Especiais Criminais prevê esta atuação na fase pré-processual pela Polícia Judiciária.” (BLAZECK, 2013, p. 168).

3.3  Princípio do acesso à justiça

Considerando o aspecto formal, é possível afirmar que o acesso à justiça se caracteriza pela possibilidade de as pessoas submeterem à apreciação do poder público os seus problemas. Este fenômeno é denominado justicialização. É dizer que muitas são as portas de entrada às instituições do sistema de justiça criminal. Todavia, isso não implica, necessariamente, atendimento efetivo das demandas das pessoas, pois o reduzido quadro de servidores, burocracia e atendimentos ineficazes, caracterizados pela falta de tratamento adequado ao conflito, comprometem o resultado dos serviços (SALES; DAMASCENO, 2013, p. 133).

No tocante às atividades de polícia judiciária, v.g., o volume excessivo de ocorrências que são formalizadas nos distritos policiais, exigindo providências, dificulta que se oferte à população uma adequada prestação de serviços. Necessária, então, a criação de espaços de diálogo para a implementação de mudanças no atendimento das pessoas envolvidas em conflitos. Juan Gómez, citado por Lilia Maia de Morais Sales e Maria Livia Moreira Damasceno, afirma:

Sou partidário de que se instalem nas delegacias do Corpo Nacional de Polícia, nos quartéis da Guarda Civil e nas repartições das polícias locais, casas de mediação, compostas por servidores policiais formados especificamente em matéria de mediação. Trata-se de evitar que toda atuação policial com conteúdo criminal seja automaticamente remetida ao juizado correspondente. Isto não tem sentido algum e contribui para a obstrução do poder judiciário, pois temos que nos debruçar sobre assuntos criminais muito complexos, que exigem todos os nossos esforços, e paralelamente, e mesmo simultaneamente, temos que nos dedicar a julgar brigas de vizinhos e outros assuntos similares. É como utilizar engenheiros para trocar tomadas ou trocar lâmpadas.[1] (Tradução de Bruno de Oliveira Favero).

Os Núcleos Especiais Criminais, por intermédio de servidores capacitados, desenvolvem conciliação e mediação apresentando soluções efetivas para as pessoas, pois, nestas unidades de polícia, elas são ouvidas em seus reais interesses por profissionais versados em técnicas como a escuta ativa. Neste aspecto, é possível afirmar, então, sobre o acesso substancial à justiça, consubstanciado no efetivo atendimento das pessoas envolvidas em conflitos, ofertando-lhes a possibilidade real de resolução para seus problemas. Ou seja, possibilidade de acesso à ordem jurídica justa. "Es como utilizar ingenieros para cambiar enchufes o cambiar bombillas.” (GÓMEZ, 2009, p. 115 apud SALES; DAMASCENO, 2013, p. 134, grifo nosso.)


4  FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICO-CIENTÍFICA DA ATUAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL NA UTILIZAÇÃO DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS  

No ordenamento jurídico brasileiro, ainda não se encontra uma legislação que abarque, em sua totalidade, os fundamentos da justiça restaurativa e a mediação realizada pela polícia, especificamente tratada neste trabalho. Isso limita a atuação do sistema de justiça criminal, sobretudo da polícia. Ocorre, no entanto, que, ao se analisar referidos fundamentos, chega-se à conclusão de que sua aplicação aos casos concretos pode viabilizar a justiça de modo mais efetivo, respeitando, verdadeira e incondicionalmente, os direitos fundamentais de todos os envolvidos em conflitos criminais. Vale dizer, se o sistema penal tradicional se apresenta como insuficiente para tratar dos crimes graves, ao mesmo tempo em que se mostra desproporcional para com infrações penais de menor potencial ofensivo (ROLIM, 2006, p. 233), o que devem fazer os operadores do direito, mormente os delegados de polícia, para que, nestes casos, consigam realmente prestar auxílio às partes para que encontrem a solução mais adequada?

Neste aspecto, analisaram-se as bases epistêmicas do direito, verificando-se como a legislação positivada, de algum modo, pode impedir a transformação social ou mesmo não acompanhá-la. Sobre isto, afirma Eduardo Novoa Monreal que

[...] enquanto a vida moderna apresenta, em nossos países, um curso extremamente rápido, determinado pelo progresso científico e tecnológico, pelo crescimento econômico e industrial, pelo influxo de novas concepções sociais e políticas, bem como por modificações culturais, o Direito tende a preservar formas que, em sua maior parte, se originam nos séculos XVIII e XIX, quando não no Direito da Antiga Roma, manifestando-se, assim, inteiramente, incapaz de adequar-se eficientemente às aspirações normativas da sociedade atual (1988, p. 10-11, grifo nosso).

Isso naturalmente impede que importantes conquistas teóricas no campo da resposta às infrações penais como, v.g., a Justiça restaurativa, sejam, em sua inteireza, manejadas pela polícia judiciária.

O que se observa neste quadro são as injustiças em potencial. E, como demonstrado neste trabalho, a composição civil, em seu sentido mais amplo possível, é que pode ofertar melhores resultados aos envolvidos em conflitos criminais, na medida em que são substancialmente mais justos no Estado Democrático de Direito.

De lege ferenda, conjecture-se sobre balizas que confiram equilíbrio e justeza ao fazer policial, especificamente no que se refere à utilização de meios adequados de solução de conflitos. É dizer que todos os envolvidos numa ofensa que atinja direitos terão oportunidade de percepção sensória com relação aos aspectos da justiça ou injustiça que estarão corporificados, v.g., num termo de composição preliminar. De se observar, então, os componentes estéticos relativos aos resultados dos trabalhos no que se refere, especificamente, à vítima e ofensor nas infrações de menor potencial ofensivo, bem como o caráter heurístico deste trabalho no que tange aos servidores policiais (CARNEIRO, 2002, p. 18). Neste passo, a fala da professora Maria Francisca Carneiro, analisando traços poéticos existentes não apenas nas artes, mas também nas ciências e nas composições do direito. 

In verbis:

[...] quantas vezes, não apenas no contexto da arte, mas também no texto da ciência e mais especificamente nas composições do direito percebemos, além da mera racionalidade, a presença de certos tipos de simetria e proporcionalidade refletindo, muitas vezes, uma possível beleza na formulação da justiça [...] Quer seja pela harmonia, ritmo e equilíbrio dos textos e das decisões; quer seja pelas proporções entre conteúdo, método e resultados formais; ou quer seja pelo virtuosismo idiossincrático das inovações pretorianas, não se pode negar a presença do belo em muitos atos da justiça [...] Se as diferentes escolas na história da arte refletem as respectivas concepções sociais da beleza, é bem de se ver que essa mesma estética pode estar, com efeito, no direito, sob os véus da lei, das formas, dos ritos e das decisões. (CARNEIRO, 2002, p. 19).

Desta forma, a inventividade e criatividade dos operadores do direito podem materializar a efetiva proteção de direitos num contexto legislativo que se mostra deficitário. Karl Larenz, aduzindo a uma discussão metodológica atual no campo da ciência do direito, refere-se, e.g., à jurisprudência dos interesses. Esta possui conteúdo reconhecidamente axiológico. O conhecimento dos casos concretos é que deve pautar as decisões onde são apreciados os interesses dos envolvidos (LARENZ, 1997, p. 163). A respeito do que seja este atuar valorativo dos encarregados da aplicação da lei, na esteira de Reinhold Zippelius e Nicolai Hartmann, Karl Larenz assim se pronuncia:

A bússola das valorações do juiz (ou dos agentes da Administração) vê-a Zippelius “no ethos jurídico dominante na comunidade”, nas concepções dominantes de justiça. O ethos jurídico dominante não consiste numa soma de processos ao nível da consciência, mas no conteúdo de consciência de uma multiplicidade de indivíduos; é “espírito objetivo”, no sentido da teoria dos estratos de Nicolai Hartmann. Fontes de conhecimento desse “ethos jurídico dominante” são, antes do mais, os artigos da Constituição relativos a direitos fundamentais, outras normas jurídicas, e ainda “proposições jurídicas fundamentais da atividade jurisprudencial e da

Administração, os usos do tráfego e as instituições da vida social”; um “uso tradicional”, mas apenas “quando constitui expressão da concepção valorativa dominante. (1997, p. 173, grifo nosso). 

Numa sociedade onde os valores sofrem mutações muito rapidamente, 

“o ethos jurídico dominante não dá resposta unívoca a muitas questões” (LARENZ, 1997, p. 174).

Isso torna extremamente desafiadora a atividade da qual promanam, v.g., as proposições jurídicas fundamentais da Administração, especificamente da polícia.

Conquanto este seja o quadro atualmente, existe um arcabouço normativo que confere esteio à atuação da Polícia Civil no manejo de meios adequados de solução de conflitos. É o que se pretende verificar.

4.1  Atribuições da autoridade policial previstas na Lei nº 9.099/1995

A Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, com alterações estabelecidas pela Lei nº 11.313, de 28 de junho de 2006, constitui a materialização da previsão constitucional do artigo 98, inciso I, que dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Conforme a doutrina, a lei vem com o objetivo de incentivar soluções alternativas ao processo onde se busca o acordo entre as partes (LIMA JUNIOR; AGOSTINI, 2013, p. 28). 

Os procedimentos previstos na lei são menos burocráticos, conferindo mais rapidez à prestação jurisdicional. Os princípios informadores são a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Com efeito, dispõem os artigos 2º e 62:

Art. 2° O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

[...]

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Sobre a possibilidade de o delegado de polícia atuar como conciliador e/ou mediador, existem duas posições. 

1ª Posição. Não podem exercer essas funções por falta de previsão legislativa, por falta de capacitação técnica em mediação de conflitos, pelo excessivo volume de trabalho atualmente sobrecarregando os servidores policiais, inclusive, as autoridades policiais, bem como em razão da incompatibilidade das atribuições do cargo de delegado de polícia com os misteres conciliatórios. (QUEIJO, 2013, p. 193203).

De se observar, por oportuno, que a professora Maria Elizabeth Queijo, conquanto demonstre cepticismo em relação à atuação do delegado de polícia no que se refere à mediação de conflitos criminais, destaca a importância dos projetos de lei (Projetos de Lei nº 5.117/2009 e 1.028/2011) que visam modificar a atual disciplina jurídica relativa às infrações penais de menor potencial ofensivo, estabelecendo atribuições conciliatórias aos delegados de polícia. Para esta autora, “a composição preliminar dos envolvidos, próxima ao fato, se bem realizada, pode realmente exercer a prevenção de delitos mais graves.” (QUEIJO, 2013, p. 196, grifo nosso).

No entanto, esta autora conclui que a solução de conflitos criminais por intermédio de métodos alternativos depende da existência de lei que regulamente o procedimento (QUEIJO, 2013, p. 203).

No mesmo sentido, entretanto, com argumentação jurídica diversa, a oposição do Ministério Público, que, por intermédio de sua Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica, se manifestou contrário à realização de composição preliminar de conflitos pelo delegado de polícia, em razão de referido procedimento ser ilegal. Pois, consoante disposição do artigo 74 da Lei nº 9.099/95, exige-se, para que o ato seja apto a produzir os efeitos jurídicos previstos na lei, a participação do membro do Ministério Público (BARROS FILHO, 2013, p. 207).

Estabelece o artigo 74, bem como o seu parágrafo único, que:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Isso embasa a conclusão de que não há, no ordenamento jurídico, previsão legal estabelecendo a obrigatoriedade da presença do promotor de justiça nas conciliações aludidas no artigo 60 da Lei dos Juizados Especiais Criminais, o que também refuta a ideia de as composições mediadas pelo delegado de polícia ferirem o princípio da legalidade (BARROS FILHO, 2013, p. 214).

2ª Posição. O professor Mário Leite de Barros Filho procede a uma minuciosa análise sobre a oposição do Ministério Público ao procedimento conciliatório realizado pela Polícia Civil, especificamente, pelos NECRIMs. Afirma ser equivocado tal entendimento pelo fato de o procedimento realizado nos NECRIMs sempre contar, obrigatoriamente, com a presença de um representante da OAB, o que garante a inviolabilidade de direitos fundamentais, bem como ser levado a efeito apenas nas infrações penais cuja ação penal seja publica condicionada à representação ou privada (BARROS FILHO, 2013, p. 211-212). Vale dizer, engloba um número considerável do que sejam as chamadas infrações penais de menor potencial ofensivo, desta maneira conceituadas no artigo 61 da Lei nº 9.099/95. In verbis:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Desta forma, não se realiza a conciliação nos NECRIMs quando o crime for de ação penal pública incondicionada (BARROS FILHO, op. cit., p. 212).

Destaca ainda este autor que os procedimentos conciliatórios sempre serão homologados pelo juiz, com prévia apreciação do membro do Ministério Público (BARROS FILHO, op. cit., p. 211).

Sobre o tema, o professor Barros Filho também ensina que

É importante registrar que o fundamento de validade da atribuição do delegado de polícia como conciliador de pequenos desentendimentos está no caput do art. 60, da Lei nº 9.099/1995. Sem dúvida, o mencionado dispositivo, ao permitir a conciliação de pequenos conflitos por pessoas que não integram o quadro do Poder Judiciário, criou a oportunidade de o delegado de polícia exercer atividade dessa natureza. (2013, p. 213, grifo do autor).

Igualmente, preconizando a possibilidade jurídica de o delegado de polícia atuar como mediador de conflitos, a disposição legal do caput do artigo 60 da Lei nº 9.099/1995 (BLAZECK, 2013, p. 169). Referido dispositivo estabelece que:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Analisando este entendimento, o magistério de Luiz Maurício Souza Blazeck, para quem

é possível inferir que o referido diploma legal, ao permitir a conciliação de pequenos conflitos por pessoas que não integram o quadro do poder judiciário, criou a oportunidade para que o delegado de polícia que atua na fase pré-processual assuma também o papel de conciliador nos crimes de menor potencial ofensivo que dependam de Representação Criminal ou do oferecimento de Requerimento específico, precursor da queixa-crime, para os crimes de Ação Penal Privada, formalizando o acordo em Termo de Composição Preliminar para instrumentalizar o Termo Circunstanciado. (2013, p. 169-170).

Este autor alude, igualmente, à disciplina jurídica autorizadora estabelecida em Resolução da Secretaria de Segurança Pública. Neste passo, afirma que

Isto encontra amparo na Resolução SSP nº 233, de 09 de setembro de 2009, a qual, em cumprimento aos princípios constitucionais da eficiência e da legalidade e, considerando que os órgãos policiais devem desempenhar suas funções com estrita obediência às atribuições rigidamente fixadas pelo art. 144 da Constituição Federal de 1988, regulamentou a elaboração do Termo Circunstanciado, previsto no art. 69, da Lei nº 9.099/95, exclusivamente pelo delegado de polícia. (BLAZECK, 2013, p. 170).

Cumpre salientar, também, que os procedimentos realizados nos NECRIMs vão ao encontro da política pública de tratamento adequado de conflitos, instituída por meio da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010 (CAPEZ; ARGACHOFF, 2013, p. 65). O Poder Judiciário atualmente lida com excessivo volume de trabalho, o que torna ainda mais moroso o trabalho de prestação jurisdicional, num contexto onde a sociedade clama por justiça feita de modo mais célere (Ibid., p. 64). 

Nos seguintes termos, o professor Barros Filho discorre sobre o apoio do Poder Judiciário ao projeto:

É relevante, ainda, consignar que a composição civil preliminar, formalizada no Núcleo Especial Criminal, conta com o apoio do Poder Judiciário, que tem declarado a extinção da punibilidade de autores de delitos de menor potencial ofensivo, com fundamento nos mencionados termos de conciliação. (2013, p. 212, grifo do autor).

É de se salientar, ainda, que a implementação dos Núcleos Especiais Criminais utiliza as estruturas já existentes na Polícia Civil de São Paulo, que diuturnamente está à disposição da coletividade para lhe ouvir em seus problemas. Isso credencia o delegado de polícia ao desempenho de funções conciliatórias, na medida em que seu trabalho constitui uma natural capacitação técnica para esses misteres (CAPEZ; ARGACHOFF, op. cit., p. 64).

Confirmando o entendimento de que o direito não pode limitar as transformações sociais, Capez e Argachoff afirmam que “O direito tem que deixar de ser visto como um sistema hermeticamente fechado, passando a buscar soluções alternativas de pacificação social” (2013, p. 65).

Dessarte, na medida em que constituem estratégia adequada de policiamento, voltados à prevenção especializada por meio da mediação de conflitos, os NECRIMs desempenham funções que denotam os anseios de uma atividade de polícia lastreada no interesse público, assegurando a todos o exercício de direitos, em consonância com sólida fundamentação teorética referente à atuação policial na contemporaneidade.

4.2    Análise interdisciplinar da Lei nº 12.830/2013 e dos fundamentos epistemológicos da atividade de polícia

A Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013, dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Para as finalidades deste trabalho monográfico, adotou-se a doutrina que reconhece a distinção entre funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais (SOUZA NETO, 2007; COSTA, 1999; FERREIRA, 2013; VALENTE, 2014; PEREIRA, 2015). Vale dizer, nesta, observa-se a chamada polícia investigativa. Naquelas, as atividades de polícia, que não a investigação criminal, realizadas com exclusividade no âmbito dos Estados pelas polícias civis[2]. Esta opção foi feita sobretudo pelo fato de apenas as infrações penais de menor potencial ofensivo de autoria conhecida serem encaminhadas para os núcleos especiais criminais.

Cumpre ressaltar preliminarmente alguns aspectos acerca da distinção entre o que sejam polícia judiciária e apuração de infrações penais. Vale dizer, conforme interpretação literal, tratam-se de entidades distintas.

Com efeito, estabelece o artigo 2º que “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado” (grifo nosso).

De se notar que o legislador ordinário acompanha o constituinte na distinção do que sejam, respectivamente, polícia judiciária e apuração de infrações penais.

Recupera-se, neste ponto, os dizeres do dispositivo constitucional:

Art. 144. [...].

[...]

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifo nosso).

Numa interpretação literal, se observa que funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais são entidades ontologicamente distintas. Neste sentido, embora em contexto diverso, também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. DIREITO PROCESSUAL PENAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA E NÃO COMPROVADA. INQUÉRITO POLICIAL. AÇÃO PENAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. INQUÉRITO POLICIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGALIDADE.

[...] função de polícia judiciária – qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário –, não se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre outras disposições, do preceituado no parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal, verbis: “§ 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” REsp 332.172-ES, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 24/05/2007. (grifo nosso).

Isso se estende, também, para a própria polícia civil. É dizer que o órgão polícia civil não pode ser confundido com polícia judiciária. Esta consiste num conjunto de funções desempenhadas, consoante previsão constitucional, no âmbito dos estados, pelos órgãos policiais civis. Isso não muda o fato de apenas as polícias civis dirigidas por delegados de carreira poderem exercer as funções de polícia judiciária, bem como de polícia investigativa (FERREIRA, 2013).

Esta distinção, que se depreende da leitura das normas, permite contextualizar as atividades de polícia desempenhadas pelos Núcleos Especiais Criminais.

Conquanto a lei estabeleça que as funções de polícia judiciária sejam de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado, cumpre destacar que este conteúdo não abarca em sua totalidade o que seja o mandato policial em decorrência do exercício de funções de polícia judiciária. Sobre o assunto, nos socorrem os trabalhos do professor Manuel Monteiro Guedes Valente. Este autor português escreve “para todas as polícias portuguesas, europeias e de países terceiros, em especial para os Países de Língua Oficial Portuguesa, para toda a comunidade científica e universitária, e, ainda, para a sociedade em geral” (VALENTE, 2014, p. 29, grifo nosso), com o objetivo de estabelecer parâmetros de cariz teorético às atividades de polícia entendidas como objeto de estudo de uma conjecturável ciência policial.

Sobre isto, afirma que

A Teoria Geral do Direito Policial deve ter por objeto de estudo toda a atividade jusinternacional, jusconstitucional, e jusordinária de polícia [de segurança, administrativa e criminal] de modo à criação de uma doutrina fundante de uma ciência juspolicial que se encontre e manifeste em toda e qualquer Polícia. (VALENTE, 2014, p. 26, grifo nosso).

Especificamente sobre a polícia judiciária, este autor afirma que

[...] a Lei Orgânica da Polícia Judiciária caracteriza-a como “corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça” [...], procurando afastar a PJ da vertente policial de ordem e tranquilidade pública e administrativa e denominando-a de auxiliar da administração da justiça, que lhe cumpre prosseguir desde logo na prevenção da criminalidade e não apenas na repressão. (Ibid., p. 56, grifo nosso). 

Vale frisar, enquanto auxiliar da administração da justiça, ao órgão de polícia incumbido de funções de polícia judiciária cabe, igualmente, a prevenção criminal.

De se notar que, em Portugal, diferentemente de São Paulo, a legislação denomina polícia judiciária o órgão responsável por essas funções.

No Brasil, são chamadas polícias civis os órgãos incumbidos de funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais.

A exceção é o estado do Mato Grosso do Sul, que denomina Polícia Judiciária Civil o órgão de polícia criminal com as aludidas atribuições, o que, no dizer de Daniel Barcelos Ferreira, constitui impropriedade técnica (FERREIRA, 2013).

Esta impropriedade apontada na doutrina se deve ao fato de a terminologia polícia judiciária comportar significados distintos. No Código de Processo Penal, artigo 4º, a expressão polícia judiciária é utilizada indicando o órgão, ou seja, faz referência ao aspecto subjetivo, ao sujeito polícia judiciária, no caso do Estado de São Paulo, a Polícia Civil (PEREIRA, 2015, p. 33). Já na Constituição federal (art. 144, § 1º, inciso IV e § 4º) a expressão é utilizada em seu aspecto objetivo, vale dizer, faz alusão à polícia judiciária enquanto atividade (PEREIRA, loc. cit.).

Especificamente no que se refere à distinção entre polícia judiciária e apuração de infrações penais, é de se observar o entendimento do professor Eliomar da Silva Pereira. No interior de uma classificação mais ampla, realizada por Denilson Feitosa, assim se pronuncia aquele mestre:

Denilson Feitosa (2008, p. 162 ss.) apresenta, de forma sucinta, uma outra classificação, que separa a polícia em administrativa (que tem por objeto limitações impostas a bens jurídicos); de segurança (destinada a manutenção da ordem jurídica com medidas preventivas); e judiciária (como polícia de apoio ao judiciário no cumprimento de suas ordens), distinguindo dessa a polícia de investigação, ou investigativa (ou polícia criminal, como preferimos, destinada à apuração de infrações penais e sua autoria). Esta, sem dúvida, parece ter sido uma distinção feita na Constituição Federal, ao tratar das atribuições da Polícia Federal, separando a função de polícia de investigação (art. 144, § 1º, inc. I) da função de polícia judiciária (inc. IV, do mesmo artigo e parágrafo), bem como ao incumbir às polícias civis “as funções de polícia judiciária [sendo uma delas, acreditamos, a desempenhada pelos delegados de polícia dos NECRIMs] e a apuração de infrações penais” (§ 4º) de forma especificadamente separada. (PEREIRA, 2015, p. 34, em destaque no original).

Para uma contextualização das atividades de polícia desempenhadas pela Polícia Civil de São Paulo por intermédio dos NECRIMs, faz-se pertinente analisar uma outra distinção, a saber, a existente entre polícia administrativa e polícia judiciária. Considerando-se a complexidade da realidade em que se efetiva o trabalho policial na sociedade contemporânea, o conteúdo semântico das bases conceituais destas atividades deve ser revisto. Nestes termos, o cientista policial Eliomar da Silva Pereira, analisando o tema, conclui que

conforme uma compreensão mais atual dessas polícias [polícia administrativa e polícia judiciária], observa-se que, de uma forma indireta, nem a polícia administrativa deixa de reprimir os ilícitos que visa prevenir, nem a polícia judiciária deixa de prevenir ilícitos que deve reprimir. [Neste caso a atuação dos NECRIMs materializa esta prevenção]. A distinção, hoje, parece estar mais na natureza do ilícito, de tal forma que, sendo este criminal (não meramente administrativo), cumpre à polícia judiciária agir, [e aqui vale observar que o autor utiliza a expressão polícia judiciária em seu sentido objetivo, qual seja, atividade de polícia], seja preventiva ou repressivamente. E nos casos em que, sendo o ilícito igualmente administrativo e criminal, ambas as polícias atuarão tanto preventiva quanto repressivamente. Assim, parece-nos que a melhor distinção entre polícia judiciária e polícia administrativa está nas implicações que a atividade tem para o sistema jurídico-penal, sendo assim uma tipologia em sentido objetivo, não representando expressões que designam órgãos (sentido subjetivo). (PEREIRA, 2015, p. 33). 

Como exemplos de órgãos é possível citar a Polícia Civil de São Paulo e a Polícia Federal do Brasil. Corporificam órgãos de polícia criminal. Vale dizer, trata-se dos sujeitos que, no mundo fenomênico, realizam as atividades de polícia.

O traço característico comum, conforme se observa numa análise científica da atividade de polícia, são as atribuições de prevenção criminal cometidas às polícias civis. No Estado Democrático de Direito, é pertinente notar que a polícia pode desempenhar estas funções valendo-se de métodos adequados de solução de conflitos, i.e., valer-se de procedimentos outros que constituem minúcias da discricionariedade da atividade de polícia para consecução de seus misteres. Sobre o tema, é esclarecedora a fala da professora Jacqueline Muniz:

É interessante observar que a conceituação de polícia traz consigo um resultado curioso no que diz respeito ao relacionamento entre a governança democrática e o alcance da ação policial, que contraria o senso comum. Ao contrário do que se imagina, o círculo virtuoso da polícia torna-se possível e factível à medida que avançam os processos de constituição, expansão e consolidação dos direitos civis, políticos e sociais. A garantia dos direitos constituídos e o reconhecimento de novos direitos, difusos ou emergentes, justificam, ampliam, adensam e atualizam regras de ação e procedimentos policiais adiante, simultaneamente ou na esteira de sua expressão legal. Ensejam espaços e formas de controle e participação social na administração do Estado, induzindo a transparência que propicia o aperfeiçoamento das práticas policiais. Essas dinâmicas de transformação social vivificam os contornos do mandato policial, levando a que surjam novas funções e atribuições para as polícias que, neste contexto, têm cada vez mais o que fazer e insumo para fazê-lo cada vez melhor. (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2014, p. 498, em destaque no original, grifo nosso).

Isso permite afirmar que os Núcleos Especiais Criminais da Polícia Civil de São Paulo, atuando na mediação de conflitos, conferem concreção à doutrina que apregoa a atualização de procedimentos policiais a despeito de uma exigível base legal, pois a referida atuação policial reafirma e protege direitos.

Ademais, a legalidade absoluta constitui um entrave às ações policiais sérias, na medida em que afasta um possível embasamento a um conceito de polícia ancorado em bases epistêmicas. De se analisar, quanto a isto, o pensamento de Manuel Monteiro Guedes Valente. In verbis:

A ciência policial deve emergir de um pensar epistémico de modo a promover um conhecimento racional, mas não subordinado ao primado da legalidade absoluta. A ciência policial, como ciência interdisciplinar da comunicabilidade humana e ciência intersubjectiva centrada em um conhecimento, implica que se centre no estudo da actividade de Polícia. Este estudo deve desenvolver-se com o fim de melhorar aquela actividade e de promover o bem-estar e a qualidade de vida a toda a comunidade através de um método e uma linguagem multidisciplinares, mas dotados de (alguma) autonomia de modo a concretizar convergência e integração científica em ininterrupta continuidade crítica e divergente. (VALENTE, 2010b, p. 83-84, grifo nosso).

Nestes termos, não é possível que a atividade de polícia, sobretudo a mediação de conflitos criminais, prescinda dos aportes teóricos da filosofia, da sociologia, da psicologia, da criminologia e, de algum modo, de todos os conhecimentos que legitimem sua atuação num contexto de reconhecimento por parte dos cidadãos, que observam o trabalho policial aumentando, igualmente, a qualidade de vida das pessoas.

Sobre a interdisciplinaridade, o professor Welder de Oliveira Almeida diz que esta

pode ser vislumbrada como o patamar em que a colaboração entre os díspares ramos do saber ou entre os campos heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações verdadeiras em sua essência, ou seja, resulte de uma peculiar e precisa reciprocidade nas trocas, de tal forma que, ao final do processo de combinação/interação/ligação, cada disciplina experimente maior enriquecimento. (2010, p. 134).

Aduz, também, seguindo Hector Ricardo Leis, sobre uma possível conceituação a partir de um viés brasileiro, dizendo que “o conceito estaria associado a uma cultura científica brasileira emergente, que privilegia as dimensões humanas e afetivas, expressando uma lógica subjetiva à procura do próprio ser.” (ALMEIDA, 2010, p. 134).

Estas ponderações vão ao encontro dos objetivos de uma atuação policial para os tempos atuais, sobretudo, no concernente à mediação de conflitos.

Este entendimento possibilita a apropriação de elementos de uma base conceitual acerca da polícia judiciária consubstanciados na ideia de atividade material e atividade funcional de polícia. Valente, na esteira de Karl Zbinden, propala a existência destas distintas atividades. Vale dizer, a funcionalidade de polícia judiciária afere-se da dinâmica real – exercício da função – e não da dinâmica orgânica e formal, sendo que esta garante a legitimidade daquela (VALENTE, 2011b, p. 49). Deste modo, é possível assertar que o substrato material[3] imanente às práticas policiais no contexto específico da mediação de conflitos criminais é legitimado, na medida em que há a previsão constitucional de uma polícia de segurança lato sensu, da qual faz parte, na ordem jurídica interna do Brasil, a saber, a polícia judiciária[4].

Desta feita, cumpre notar que não há fundamento para o receio de atividades que passem ao largo da lei, pois é de se observar, também, que é parte do mandato policial a responsabilização. Ou seja, sempre que uma norma for violada em detrimento de qualquer pessoa, existe a possibilidade de responsabilização nas esferas cível, administrativa (disciplinar) e criminal (VALENTE, 2014, p. 29).

Na esteira de Karl Popper, o professor Valente discorre sobre o falibilismo como sendo, também, uma possível categoria epistêmica da ciência policial. Vale dizer, mesmo arrimada em uma visão holística sobre os instrumentos viabilizadores de uma prestação de serviço de excelência, em algum momento podem ser observadas falhas. Isso permite constante refinamento das atividades de polícia, materializando a eficácia, eficiência e efetividade da prestação de serviços policiais, na medida em que se submete estes serviços a constantes avaliações de seus resultados, sempre propondo questionamentos às estratégias adotadas (VALENTE, 2010b, p. 83).

As funções de polícia judiciária ligadas à prevenção especializada por intermédio da mediação de conflitos são transversais e interdisciplinares.  Na sociedade atual, “a atividade de polícia como essência material que incorpora vários saberes – sociais, jurídicos, económicos, filosóficos, políticos – ganha dimensão de objeto científico” (VALENTE, 2011b, p. 47). Isso exige da atividade policial de mediação de conflitos criminais abertura ao diálogo existente entre os saberes, suporte de atuação na proteção e garantia de direitos, bem como consciência do falibilismo enquanto pressuposto epistemológico de uma atividade de polícia que se pretenda desenvolvida em bases científicas.

Só com este pensar epistémico ou conhecimento racional orientado pela legalidade e matrizes não absolutas da ciência – conscientes da falibilidade – se pode criar a ciência policial. (VALENTE, 2010b, p. 83-84).

Deste modo, não é desarrazoado pensar numa base transdisciplinar para as atividades de polícia na contemporaneidade. Pois, a partir das aludidas interações entre os saberes num contexto de superação do paradigma cartesiano da ciência, é possível pensar numa “etapa superior, que não se contentaria em atingir interações ou reciprocidades entre pesquisas realizadas, mas que situaria essas ligações no interior de um sistema total, sem fronteiras entre as disciplinas” (ALMEIDA, 2010,  p. 135), possibilitando uma atividade de polícia que seja realmente efetiva em face da complexidade de determinados problemas advindos dos conflitos humanos nos nossos tempos.

Estas funções naturalmente devem ser desempenhadas, utilizando terminologia do professor Manuel Monteiro Guedes Valente, em coadjuvação ao Poder Judiciário, especificamente com observância, por exemplo, dos princípios informadores da política pública de tratamento adequado de conflitos. No entanto, a Lei n° 12.830/2013 reconhece a doutrina que confere caráter jurídico à carreira de delegado de polícia. Vale dizer, confere instrumentos a esta autoridade que reforçam sua autonomia no desempenho de suas atribuições. Com efeito, dispõe o artigo 3º: “O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”, pois desempenham, no campo específico de sua atuação, atividade jurídica (CAPEZ; ARGACHOFF, 2013, p. 61).

No âmbito de São Paulo, é de se observar, sobre o tema, a disciplina jurídica instituída pela Constituição Estadual, modificada pela Emenda Constitucional n° 35, de 14 de março de 2012. A nova redação é a seguinte:

Artigo 140. [...]

[...]

§ 2º – No desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura de ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

§ 3º – Aos Delegados de Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária.

§ 4º – O ingresso na carreira de Delegado de Polícia dependerá de concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, dois anos de atividades jurídicas e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.

§ 5º – A exigência de tempo de atividade jurídica será dispensada para os que contarem com, no mínimo, dois anos de efetivo exercício em cargo de natureza policial civil, anteriormente à publicação do edital de concurso.

Analisando estes dispositivos, Casarini afirma que:  

Como se observa, a Constituição do Estado de São Paulo conferiu a independência funcional motivada às autoridades policiais, através da livre convicção nos atos de polícia judiciária, aprimorando a qualificação profissional exigida para o ingresso na carreira. (2012, p. 24).

A Lei Federal n° 12.830/2013 ratificou este olhar sobre o delegado de polícia, que já fora objeto de apreciação legislativa no estado de São Paulo, como se observa. 

Quando se discute sobre uma possível insuficiência legislativa no que se refere à atuação dos Núcleos Especiais Criminais, é interessante notar o disposto no parágrafo primeiro do artigo segundo da Lei nº 12.830/2013. In verbis:

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. (grifo nosso).

A regra jurídica, ao utilizar a expressão outro procedimento previsto em lei, faz menção às atividades de polícia voltadas às infrações de menor potencial ofensivo. O conteúdo desta norma pode ser combinado com a regra estabelecida no já citado artigo 3º, inciso I da Lei Complementar nº 207/1979. Deste modo, o delegado de polícia está legitimado para utilizar instrumentos adequados para as atividades de polícia judiciária, sejam elas preventivas ou repressivas. Vale dizer, no aspecto endógeno de sua atuação, a utilização, v.g., do chamado termo circunstanciado, evidenciando a polícia judiciária enquanto atividade material.  E, numa perspectiva exógena, a autonomia para lançar mão de procedimentos policiais como a mediação, materializando a polícia judiciária enquanto atividade funcional, sempre com o objetivo maior de supedâneo à efetiva justiça.

Uma vez mais colacionamos o magistério do professor Valente, para quem

A emergência da sociedade tardo-moderna desenvolve novos paradigmas de conceptualização de prevenção e repressão dos fenômenos criminógenos germinadores da insegurança real e, muito especial, da segurança cognitiva. Este axioma exige de todos os cidadãos, e em especial dos responsáveis policiais, um aprofundamento endógeno e exógeno do conhecimento dos fenómenos imprimidos pela queda das fronteiras físicas estaduais e o aparecimento de um Estado cada vez mais exógeno de dimensões físicas em permanente mutação: indetermináveis ou imaginárias. (VALENTE, 2011b, p. 49).

Isto reforça, de certo modo, a legitimidade da atuação dos NECRIMs. Estes, é de sublinhar, “retratam, no Brasil, total alinhamento com a filosofia da Polícia Comunitária. Polícia perto do povo, perto das pessoas necessitadas de apaziguamento, de conciliação” (GOMES, 2013, p. 147). Ou seja, num contexto de rupturas e desterritorialização, as atividades dos NECRIMs, na medida em que se voltam para a comunidade local, diminuem os efeitos destes fenômenos desafiadores observados na contemporaneidade.

Deste modo, caracteres de cientificidade conferem o necessário arrimo às atividades de polícia desempenhadas pelos NECRIMs, sobretudo no tocante à utilização de métodos adequados de solução de conflitos, possibilitando uma chave interpretativa da legislação para uma atuação consentânea com a realidade da sociedade da informação. 


5      OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTOS DA ATIVIDADE DE POLÍCIA

A pós-modernidade, enquanto expressão que designa os tempos atuais, caracteriza-se pela incerteza. Na descrita sociedade de risco de Ulrich Beck, vivemos o passado do futuro (VALENTE, 2011b, p. 50). Nestes tempos, a humanidade presencia a globalização com seus impactos positivos e negativos (MARZAGÃO JR., 2013, p. 95). Este fenômeno, inexoravelmente, traz implicações significativas para o surgimento de diferentes conflitos caracterizados, de algum modo, pelos 

reflexos da abertura dos mercados mundiais, que [...] não tem conseguido trazer os benefícios pregados pelos defensores de uma economia neoliberal, gerando uma sociedade consumista, individualista e, cada vez mais, distanciada dos ideais humanistas. (MARZAGÃO JR., 2013, p. 97).

Naturalmente, este cenário coloca novos desafios ao poder público. Fundamental, então, estabelecer em que medida a polícia pode, ou mesmo conseguirá empregar os métodos alternativos de solução de conflitos, pois as atividades de polícia judiciária e investigação criminal valem-se tradicionalmente de outros referenciais para a consecução de seus objetivos, como, por exemplo, a legislação processual penal[5]. Igualmente, a ideia de polícia liga-se à ideia de uso legítimo da força. Ou seja, no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, a utilização de meios adequados de solução de disputas é parte da evolução das atividades de polícia no sentido de esta se “desligar”, de alguma forma, de suas raízes. Sobre isto, ensina Egon Bittner que,

Em um sentido incipiente, todas as polícias têm sua origem ligada ao papel dos homens de armas como, de fato, ainda podemos observar refletido no termo gendarme [fr. lit. “gentes com armas”]. Com certeza, esse é o sentido que guia a autoconcepção de muitos policiais a respeito de sua ocupação. Atualmente, ao abandonar essa concepção [...], as polícias poderão seguir o caminho de desenvolvimento de todas as profissões que só ganham reconhecimento depois de se livrar das ligações com suas respectivas fontes de origem e, assim, adquirem nova confiança e legitimidade provenientes do público, ao associarem-se ao conhecimento científico. (BITTNER, 2003, p. 172).

Isto permitirá, naturalmente, o desenvolvimento de habilidades outras que lhe permitam atuar em consonância com as expectativas da vida na contemporaneidade.

Cumpre ressaltar, igualmente, que não é suficiente que a polícia apenas se instrumentalize com base nos conhecimentos científicos. Para uma atuação de excelência, é necessário que a polícia desenvolva princípios de atuação com base no pensamento sistêmico (VASCONCELLOS, 2005). Este é o novo paradigma da ciência que volta o olhar também para o sujeito do conhecimento. Como demonstrado, a pessoa humana e sua proteção constituem as razões do Estado Democrático de Direito. A atuação policial nos crimes de menor potencial ofensivo é o campo fértil para a realizabilidade deste modelo.

Ele é clarificado pelas colocações de Manuel Monteiro Guedes Valente. 

In verbis:

A criação e a produção contínua de conhecimento científico sobre a actuação policial são dois marcos decisivos para a consciencialização de que só teremos melhor polícia – com níveis de qualidade e excelência próprios de uma instituição do século XXI e adequados à fomentação de qualidade de vida e bem-estar – se a formação dessa polícia não se fundar tão só na aquisição de conhecimentos, de competências e capacidades, mas se essa trilogia cumulativa cerebral e motora for acompanhada, melhor, se for embebida pela ideia de sabedoria emergente de uma cultura e de um pensar comunicativo intersubjectivo do ser humano como ser frágil e ser que necessita ou que cria as necessidades de vivência harmoniosa comunitária. (VALENTE, 2011a, p. 97, grifo nosso).

Isso, sem descurar da preocupação de uma atividade de polícia que lance mão dos instrumentos e técnicas dos vários ramos do saber, como, por exemplo, a psicologia social, a neurolinguística, a semiótica, a comunicação e as linguagens, observando-se as interações destes saberes. Isto institui um novo paradigma de atuação policial, que é resumido por Welder de Oliveira Almeida da seguinte forma:

A despeito das oscilações conceituais, percebe-se, claramente, que a construção de uma nova Ciência Policial vem se dando a passos largos, quase sempre trilhados sob uma ótica interdisciplinar e, vez por outra, sob os augúrios de uma visão transdisciplinar, e não poderia ser diferente, posto que os saberes atrelados a essa nova ciência são dotados de complexidade, algo que demanda reflexões acerca da realidade globalizada em que se vive, bem assim algo que impende uma busca incessante por lastros teóricos e epistemológicos, que poderão contribuir para a consolidação e o avanço desse constructo. (ALMEIDA, 2010, p. 153, grifo nosso).

Neste aspecto, propugnando por uma nova concepção de polícia judiciária, assim se pronuncia o professor Ricardo Antonio Andreucci:

O paradigma que propomos, assim, visa dotar a polícia judiciária de mecanismos de eficaz solução e equacionamento dos denominados microconflitos sociais, precursores e desencadeantes de infrações penais, buscando, através da transformação do atuar sobre o mundo, o vetor de um policial inovador de uma era que se avizinha, buscando uma nova identidade profissional afinada com a complexidade da articulação social em constante evolução, permitindo que seus profissionais possam ocupar, com destaque, o lugar que merecidamente lhes cabe no arcabouço constitucional de um país democrático e progressista. (ANDREUCCI, 2013, p. 254-255, grifo nosso).

Especificamente sobre a importância do pensamento complexo para as atividades de polícia, Welder de Oliveira Almeida afirma que este

se apresenta como um pensamento animado por uma tensão permanente entre a aspiração a um saber não fragmentado, não parcelar, não estanque, não redutor, e o reconhecimento de seu estado de não acabamento e de sua incompletude. (2010, p. 143).

Neste contexto, se insere a ideia de uma polícia que previne riscos. Que efetivamente cuida das pessoas para que estas exerçam seus direitos de modo a serem felizes. Os métodos alternativos de solução de conflitos possibilitam isso na medida em que se vislumbra “a desconstrução dos conflitos e a edificação de uma nova relação interpessoal consensual na construção da solução.” (MARZAGÃO JR., 2013, p. 105.). Isso permite a construção de resultados com ganhos mútuos.  No processo tradicional, observa-se a lógica do ganha-perde (Ibid., p. 102-103). O modelo adversarial predominante nos processos judiciais inviabiliza, em muitos casos, a solução satisfatória do problema. Sobretudo, quando se considera que

o Poder Judiciário enfrenta uma demanda descomunal de ações, que se transformam em processos, os quais, muitas vezes, se arrastam anos a fio, sem a devida entrega oportuna da prestação jurisdicional. Há que se lembrar de Ruy Barbosa, ao afirmar que justiça tardia se equipara à injustiça. (PENTEADO FILHO, 2013, p. 234).

Saliente-se, todavia, que, em hipótese alguma, quer significar que os meios de resolução alternativa de disputas devem se sobrepor ou substituir a jurisdição (MARZAGÃO JR., 2013, p. 103).

O que a doutrina enfatiza é a maneira como a polícia e a sociedade de modo geral devem lidar com os conflitos. Vale transcrever sobre o tema a fala do professor Marzagão Jr.:

Tais meios para solução de conflitos são considerados alternativos, uma vez que não se prendem aos já consagrados (jurisdicionais), razão pela qual não perseguem tão somente a resolução dos conflitos, mas, sobretudo, a compreensão do desentendimento [o que, vale notar, vai ao encontro da ideia de compreensão do ser e de sua afetividade, imbricados num possível enfoque brasileiro da interdisciplinaridade], como forma de se prevenirem novas situações de mesma natureza. (2013, p. 103, grifo nosso).

E para compreender a raiz do conflito, são necessárias atitudes diferentes de todos os envolvidos no problema de modo a tornar exequível a mudança cultural, ou seja, a mudança para a pacificação social. O conflito, neste modelo, passa a ser entendido como oportunidade de mudança. (GIUDICE, 2013, p. 277).

Num contexto onde se observa a existência de diversos meios para se resolver os problemas, faz-se necessária a escolha certa sobre qual o meio que melhor atenderá as necessidades das pessoas. Pois, “mecanismos inadequados de solução de controvérsias são prejudiciais e potencialmente lesivos aos envolvidos e à própria sociedade, abrindo as portas, inclusive, para a produção da violência.” (Ibid., p. 278).

Conforme se observa na doutrina, são métodos alternativos de solução de conflitos a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem (Ibid., p. 279). Preliminarmente, é possível afirmar que a escolha adequada de um ou outro método relaciona-se à existência de vínculos subjetivos ou não entre os envolvidos (GIUDICE, loc. cit.). Vale dizer, numa ocorrência envolvendo partes que tiveram seus veículos automotores danificados em virtude de um acidente, o método adequado será a conciliação. Por outro lado, se laços afetivos unirem as partes, como, v.g., pessoas de uma mesma família que estão em conflito em razão de violência doméstica, a mediação se apresenta como sendo o método mais adequado.

De se notar, entretanto, que, num contexto onde se reconhece a complexidade de determinados conflitos, observar-se-á a adoção simultânea das técnicas específicas de cada um dos métodos. Deste modo, no âmbito dos Núcleos Especiais Criminais, o delegado de polícia conduz, possivelmente, uma seção de mediação negociada, onde, talvez, seja necessário o emprego de técnicas específicas da conciliação. Este quadro confirma a necessidade de uma ressignificação das atividades de polícia na atualidade sob uma perspectiva interdisciplinar, talvez transdisciplinar, no que se refere à mediação de conflitos como instrumento de prevenção especializada. É o que se passa a demonstrar.

5.1  Negociação

Enquanto método adequado de solução de conflitos, a negociação integrativa, ou abordagem, conforme os preceitos da escola de Harvard, segue a ideia de negócio jurídico. Vale dizer, trata de como conseguir fechar bons acordos caracterizados pela ausência de conflito (FISHER et al., 2005, p. 28).

Para se conhecer as bases conceituais acerca da negociação, faz-se mister conjecturar sobre duas partes em conflito. Ou seja, desentendimento por causa de um conflito. Neste caso, as próprias partes devem resolver. Não há interveniência de um terceiro (PENTEADO FILHO, 2013b, p. 234). O negociador defende um dos lados com argumentos e não com uma petição.

De se observar que o aspecto emocional deve estar sob controle, preponderando o aspecto racional (GIUDICE, 2013, p. 279). Numa negociação, não se pode reagir a provocações. Imaginando o cérebro humano, deve prevalecer o córtex. Como num jogo de xadrez ou dominó, deve ser utilizada estratégia. Isso implica saber qual é o objetivo e, fundamentalmente, qual é o melhor caminho para se alcançar o objetivo.

Há vários modos de defender interesses. Um deles é a negociação. Nesta, somos parciais. É dizer que o negociador defende um lado.

É traço característico dos métodos adequados de solução de conflitos o conhecimento das várias realidades. Com a negociação não é diferente. 

Pois proceder à repartição de benefícios entre moradores da Amazônia é uma coisa. A elaboração de um contrato de Tecnologia da Informação onde se estabelece o desenvolvimento de um software para uma instituição bancária é outra.

Cumpre notar, igualmente, que negociação é sinônimo de troca. Necessário que as partes adaptem suas abordagens, uns em relação aos outros. Fundamental a noção de alteridade no que se refere às bases conceituais acerca da negociação (FISHER et al., 2005, p. 37). Negociação é habilidade, portanto, requer treino.  Na base da abordagem Harvard, estão as noções de comunicação e

relacionamento, circundando interesses, opções e a legitimidade. É possível afirmar que sem comunicação não há negociação. Deste modo, a incumbência do negociador profissional é diminuir a distância entre intenção e impacto. Para isso, o bom negociador deve mais ouvir e menos falar. Deve construir pontes que facilitem a comunicação, tendo disposição para ouvir e compreender (FISHER et al., 2005, p. 51). Só a partir deste ponto dá para iniciar argumentação com finalidades persuasivas. 

Estas “pontes” facilitadoras da comunicação consistem, v.g., na iniciação de um diálogo onde são colocados conhecimentos e experiências comuns, interesses comuns ou compreendidos, valores comuns ou compreendidos. Vale dizer, persuasão relaciona-se à ação. O convencimento se relaciona à crença. Sobre esta temática, é pertinente a transcrição de uma passagem da obra de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, chamada Tratado da Argumentação. In verbis:

Para quem se preocupa com o resultado, persuadir é mais do que convencer [...] em contrapartida, para quem está preocupado com o caráter racional da adesão, convencer é mais do que persuadir. Aliás, ora essa característica racional da convicção depende dos meios utilizados, ora das faculdades às quais o orador se dirige. [...] Com muita frequência a persuasão será considerada uma transposição injustificada da demonstração. [...] Os critérios pelos quais se julga poder separar convicção e persuasão são sempre fundamentados numa decisão que pretende isolar de um conjunto – conjunto de procedimentos, conjunto de faculdades – certos elementos considerados racionais. Há que salientar que esse isolamento às vezes incide sobre os próprios raciocínios; por exemplo, mostrar-se-á que tal silogismo, mesmo ocasionando a convicção, não ocasionará a persuasão; mas falar assim desse silogismo significa isolá-lo de todo um contexto, significa supor que suas premissas existem no espírito independentemente do resto, significa transformá-las em verdades inabaláveis, intangíveis. (2002, p. 30, grifo nosso).

Ou seja, numa negociação, o que se pretende é que o outro oriente sua ação conforme o interesse daquele que estabelece tal ou qual opção (proposta). Isso é feito através do diálogo, e não necessariamente o conteúdo das argumentações postas encontra esteio numa possível racionalidade universal. Vale dizer, desde que viabilize o atendimento de interesses, uma ou outra parte deve ter liberdade para se valer de argumentos que demonstrem, v.g., que não tem razão. Isso não lhe retira, por exemplo, o direito de ver seus interesses atendidos. 

Para uma negociação ser considerada exitosa, é importante a noção de framing. Pois o jeito de apresentar a situação para persuadir o outro lado a ver as coisas da forma que queremos é importante regra do jogo. Relaciona-se à maneira como se apresenta uma ideia. O modo persuasivo preocupa-se com a “embalagem” para o argumento. Isso se torna fundamental na medida em que permite valorizar ou depreciar o objeto da negociação para justificar concessões ou influenciar percepções de valor.

Para exemplificar, lembremo-nos da conjunção adversativa “mas”.  O conhecido apagador universal. Deve ser substituído quando o contexto for o de aplicação efetiva dos métodos adequados de solução de conflitos.

Necessário, também, investir na relação, pois isso fortalece a confiança, facilitando um acordo. A melhor maneira de se investir na relação é marcar, quando possível, um encontro informal com o outro. Neste encontro, deve-se começar pelo que a pessoa vê. Isso possibilita distinguir posição de interesses. A negociação eminentemente objetiva a satisfação de interesses. Isso torna essencial esta diferenciação. Posição é o que nós demandamos. Para aumentarmos nossas chances, devemos inverter o iceberg. Assim, temos chance de entender os interesses e, só posteriormente, colocar as opções. Estas podem ser entendidas como todas as propostas possíveis que atendam aos interesses (FISHER et al., 2005, p. 59).

Por isso, melhor que o negociador posicional, que vai querer “enfiar” na cabeça do outro o seu interesse de qualquer jeito, é o negociador baseado em interesses, ou seja, aquele que analisa, que não se prende a propostas e sim a interesses.

Neste processo, torna-se necessário agregar legitimidade por intermédio de um critério objetivo ou critério persuasivo. Trata-se do critério usado para medir se um possível acordo é justo (Ibid., p. 103). Neste cenário, se colocam algumas questões, como: Qual é o critério que preferimos? Qual é o critério que eles podem aceitar? Nosso critério é persuasivo? Respondidas estas questões, passa-se à agir. Devemos persuadi-los a aceitar o nosso critério, estar abertos a argumentos racionais sem ceder a pressões. O resultado é que ninguém se sente “roubado”,  o tratamento é justo. Avalia-se tendo como parâmetro a troca. Deve-se perguntar: 

O que vou ter em troca?

Caso não ocorra o acordo, o que as partes vão fazer? Quais são as alternativas? Neste ponto, é de se observar qual é a melhor alternativa sem acordo (MASA). É fonte de persuasão, de poder e de decisão. Numa negociação, tem poder quem tem alternativa. Portanto, jamais se deve demonstrar que se precisa do acordo, o que é diferente de ter interesse. É preciso demonstrar que temos alternativas e não ceder a pressões (Ibid., p. 109).

No caso de ocorrência de acordo, fundamental são os compromissos assumidos. Vale dizer, o que as partes pretendem fazer no futuro. Neste caso, algumas questões se colocam: Que autoridade temos? Os compromissos têm credibilidade? Há incentivos para cumpri-los? Durante a negociação, deve-se evitar compromissos até ter ouvido e aprendido a formular compromissos em conjunto, esclarecendo situações de compromisso. O resultado é o alcance de compromissos bem planejados e realistas.

Destarte, a negociação, enquanto instrumento do delegado de polícia conciliador, permite não apenas que se chegue ao sim mas também que se avalie sobre a implementação do que foi estabelecido, mensurando sua exequibilidade com vistas à mudança efetiva da realidade.

5.2   Conciliação

A conciliação enquanto método adequado de solução de controvérsias caracteriza-se pela interveniência de um terceiro no processo decisório acerca do conflito. O Professor Doutor Nestor Sampaio Penteado Filho afirma que, na conciliação,

busca-se a realização de uma avença satisfatória para as partes, como forma de solução para a divergência havida, por intermédio da atuação de um terceiro identificado como conciliador. Ressalte-se que as partes não estão obrigadas a aceitar os termos conciliatórios da avença conduzida pelo conciliador. (2013b, p. 234-235).

Ou seja, é necessária adesão das partes que, sempre que quiserem, poderão abrir mão do procedimento. 

Importantes traços característicos da conciliação são salientados no magistério dos professores Adriano José Moreira de Melo e Vagner Bertoli: “A conciliação é o meio alternativo focado no acordo. Neste caso, o conciliador exerce ligeira hierarquia em relação às partes, emitindo opiniões, fazendo recomendações, advertindo-as [...]” (MELO; BERTOLI, 2015, p. 11, grifo nosso).

Na conciliação, em regra, não existe vínculo anterior entre as partes, razão pela qual os trabalhos conciliatórios são mais superficiais quanto ao tratamento do conflito, sempre tendo o acordo como o principal objetivo (GIUDICE, 2013, p. 280). 

Acerca da conciliação, o professor Luiz Mauricio Souza Blazeck afirma se tratar de “um processo comunicacional com objetivo precípuo de possibilitar o diálogo e recuperar a negociação, a fim de se chegar a um acordo sobre os interesses em questão” (BLAZECK, 2013. p. 165, grifo nosso). 

Na assertiva do Doutor Luiz Mauricio Souza Blazeck, são focalizados aspectos que evidenciam a possível transdisciplinaridade que subjaz à conciliação enquanto atividade de polícia. Assim, observa-se a necessidade de conhecimentos referentes à comunicação, à parte pedagógica, quando se pensa, v.g., nas orientações ofertadas às partes sobre aspectos da negociação, aos componentes psicológicos analisados quando as partes expõem seus interesses e, naturalmente, os fundamentos legais sobre os fatos que estão sendo discutidos, podendo ou não se tratar de infrações penais (SALES; DAMASCENO, 2013, p. 124).

De se notar, igualmente, a necessidade de o conciliador desenvolver determinadas habilidades técnicas para as atividades conciliatórias (BLAZECK, 2013, p. 167), sem esquecer-se de informar às partes o seu verdadeiro papel.  Ou seja, o conciliador não é um juiz, deve sempre respeitar as partes no sentido de a adesão ser espontânea, não pode submeter as pessoas a constrangimento e não pode forçar o acordo (BLAZECK, loc. cit.).

No âmbito dos NECRIMs, a equipe de policiais dirigida pelo delegado de polícia deve se conscientizar de que o procedimento visa reforçar a pacificação social onde haja prevalência do valor fundante do Estado Democrático de Direito, a saber, a dignidade da pessoa humana.

5.3   Mediação

A mediação é o método adequado quando se observa entre os mediandos a exacerbação dos sentimentos e a fragilização emocional em razão do conflito.

É comum as pessoas procurarem as Delegacias de Polícia muito fragilizadas, após terem seus interesses ou bens vulnerados, a ensejar uma contenda no contexto da criminalidade de menor potencial ofensivo, o que se dá pela falta de alguém que lhes confira escuta ativa ou por necessitar de apoio para resolver questões, muitas vezes contidas, já que essa população se ressente da dificuldade financeira para constituir patronos em defesa de suas demandas que, na maioria das vezes, possuem o condão de resultar em crimes mais graves, objetos de atuação repressiva estatal mais severa. (BLAZECK, 2013, p. 168, grifo nosso).

A fala do professor Blazeck ressalta a importância da escuta ativa enquanto técnica de mediação. Vale dizer, é fundamental que o delegado de polícia ouça as partes com o objetivo de identificar os reais interesses das pessoas para que se pense sobre a melhor maneira de facilitar o diálogo.

Cumpre ressaltar, também, que a mediação é o método mais adequado quando da existência de vínculos subjetivos entre as partes, sejam eles familiares, de trabalho ou de outra natureza (GIUDICE, 2013, p. 281).

Sobre os traços característicos da mediação, transcrevemos o magistério do professor Wagner Giudice:

a mediação representa, por excelência, um processo através do qual uma terceira pessoa atua para facilitar a comunicação entre as partes em divergência e encorajá-las a encontrarem uma solução, mas sem indicar qual solução seja essa. Na mediação, não existem adversários. Nela, os envolvidos são meros protagonistas separados por um ponto divergente qualquer e que, com o auxílio de um terceiro, que zelará pelo equilíbrio e pela manutenção do diálogo, buscarão identificar a origem do problema e desenvolverão, elas mesmas, opções e alternativas para alcançar o consenso. Não há vencedores ou perdedores: apenas vencedores. (2013, p. 282, grifo nosso).

Saliente-se, com isso, o papel preponderante das partes para a resolução do problema. Neste aspecto especificamente, é de se observar a noção de empoderamento. É dizer que, na mediação, é fundamental a participação efetiva das partes para se alcançar a solução, sendo também necessária a assunção de responsabilidades. Vale dizer, os contendores devem estar conscientes de seus direitos e deveres, decidir e arcar com as consequências das escolhas feitas (SALES; DAMASCENO, 2013, p. 136), extraindo desta experiência um aprendizado que lhes possibilite, no futuro, lidar melhor com os conflitos.

Neste contexto, o maior desafio para o mediador é interferir sem controlar, oferecer informação sem aconselhar, identificar opções sem conciliar, esclarecer escolhas sem julgar e cuidar da elaboração do acordo sem favorecer a nenhuma das partes (SCHABBEL, 2005, p. 19), garantindo que a mediação produza resultados para além de questões controvertidas em nível processual.

A mediação é uma oportunidade para as partes realmente se abrirem. Devem se sentir a vontade para manifestar todos os seus interesses. No Manual de Mediação Judicial, encontra-se:

Um conflito possui um escopo muito mais amplo do que simplesmente as questões juridicamente tuteladas sobre a qual as partes estão discutindo em juízo. Distingue-se, portanto, aquilo que é trazido pelas partes ao conhecimento do Poder Judiciário [para esta pesquisa pensemos nos NECRIMs] daquilo que efetivamente é interesse das partes. Lide processual é, em síntese, a descrição do conflito segundo os informes da petição inicial e da contestação apresentados em juízo. Analisando apenas os limites dela, na maioria das vezes não há satisfação dos verdadeiros interesses do jurisdicionado [Objetivo da mediação]. Em outras palavras, pode-se dizer que somente a resolução integral do conflito [lide sociológica] conduz à pacificação social; não basta resolver a lide processual – aquilo que foi trazido pelos advogados ao processo [especificamente no caso dos NECRIMs, seria atentar apenas para as questões jurídicas referentes ao conflito] – se os verdadeiros interesses que motivaram as partes a litigar não forem identificados e resolvidos. (AZEVEDO, 2013, p. 99, grifo nosso). 

Por isso,

É importante consignar que a prática da negociação, seja na forma de conciliação, seja na forma de mediação, só será definida dependendo da natureza do conflito, e o sucesso da intervenção dependerá da capacitação, da experiência de vida e do bom senso do mediador (BARALDI; FRAZÃO, 2013, p. 261), 

pois múltiplos são os contextos em que se pode verificar adequada a utilização de métodos alternativos, bem como múltiplas são as verdades que se podem observar no conflito, uma vez que, no interior de um paradigma científico considerado sistêmico, “a ‘realidade’ emerge das distinções feitas pelo observador.” (VASCONCELLOS, 2005, p. 5). Ou seja, deve ser conferida legitimidade para percepções diferentes acerca do mesmo fato, e compor a partir das diferenças.

Deste modo,

É necessário esclarecer que, embora haja formas diferentes de atuação do delegado de polícia como negociador/mediador/conciliador, na prática, essas técnicas de solução pacífica de conflitos interagem e se complementam, com a intenção de obter resultados positivos. (BARALDI; FRAZÃO, loc. cit.).

Impende, então, que a mediação seja uma reunião de negociação.  As pessoas precisam ser ouvidas. Esta audição deve possibilitar o alcance dos sentimentos das pessoas. Para ilustrarmos a importância da mediação e seu alcance, devemos lembrar, v.g., que, não é possível alguém buscar a delegacia de polícia ou o poder judiciário para conhecer a posição doutrinária do delegado de polícia ou do juiz de direito acerca de elucubrações existenciais, pois falta interesse de agir, se se pensa no direito processual civil, ou justa causa, se está-se a falar do processo penal. É de se observar, no entanto, a possibilidade de uma questão deste jaez consistir na principal causa do conflito. Razão pela qual o mediador deve atentamente permitir o diálogo sem interromper.

Em Direito Processual, é imprescindível haver correlação entre os pedidos e a sentença, pois o juiz não pode julgar além do pedido, fora do pedido ou julgar sem necessariamente apreciar uma pretensão eventualmente deduzida.

São limitações que não se coadunam com os escopos da mediação enquanto método adequado de solução de conflitos.

Na mediação, as partes decidem. Sendo assim, faz todo o sentido que o delegado de polícia mediador permita a análise de toda e qualquer questão que elas tenham vontade de externar. Cada item precisa ser discutido.

Registre-se, ainda, que cabe ao mediador manter o controle das pessoas,  não permitindo que ocorram acessos de fúria entre as partes (AZEVEDO, p. 130131).  

A decisão que dimana do Poder Judiciário põe fim ao conflito. A decisão que se obtém com a autocomposição técnica visa resolver da melhor maneira possível o conflito, possibilitando o acordo ou o aperfeiçoamento das relações humanas entre as partes.

5.4  Arbitragem

Embora também seja considerada um método de solução de conflitos, a arbitragem difere substancialmente dos demais, pois o terceiro escolhido pelas partes tem poderes decisórios acerca do conflito em favor de uma parte e, consequentemente, em prejuízo da outra (GIUDICE, 2013, p. 281).

A arbitragem somente pode ser utilizada quando o conflito versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. O árbitro escolhido pelas partes figura como juiz de fato e de direito, não estando sujeita à homologação judicial a sua decisão (Ibid., p. 282). 

A arbitragem possui regras próprias estabelecidas pela Lei nº 9.307, de 26 de setembro de 1996. O procedimento formal contido nesta norma jurídica, caso não seja rigorosamente seguido, acarreta nulidade conforme disposição do artigo 32 da Lei de Arbitragem.

É de se observar que a arbitragem se apresenta como método adequado de solução de conflitos, sobretudo para as relações jurídicas de direito privado, pois o procedimento é mais ágil se comparado ao processo judicial e, no atual estágio do capitalismo, é interesse das pessoas evitarem as procrastinações geralmente observadas nas demandas submetidas ao Poder Judiciário (GIUDICE, loc. cit.).

A arbitragem também se mostra como oportuna em razão de o procedimento arbitral ser mais discreto, o que evita exposição desnecessária em determinadas operações e negócios (GIUDICE, loc. cit.).

De se notar que a Lei nº 9.099/95 contém disposições sobre arbitragem aplicáveis ao Juizado Especial. In verbis:

Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei.

§ 1º O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução.

§ 2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos.

[...]

Art. 26. Ao término da instrução, ou nos cinco dias subsequentes, o árbitro apresentará o laudo ao Juiz togado para homologação por sentença irrecorrível.  

O parágrafo segundo do artigo 24 dispõe que o árbitro será escolhido dentre juízes leigos. A contrario sensu, se observa a proibição de magistrados exercerem a arbitragem. O que, vale salientar, reforça a ideia de arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos, funcionando como “concorrente jurisdicional” (CASARINI, 2012, p. 42).


6  O NÚCLEO ESPECIAL CRIMINAL COMO INSTRUMENTO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS PELA POLÍCIA CIVIL DE SÃO PAULO

Na esteira do Delegado de Polícia Dr. Clóves Rodrigues da Costa, o Dr. Licurgo Nunes Costa, Delegado de Polícia Diretor do DEINTER – 4 (Bauru), criou o Núcleo Especial Criminal. Trata-se de uma unidade de polícia especializada em Termos Circunstanciados (BLAZECK, 2013, p. 156). Fê-lo por meio da Portaria n° 06/DEINTER-4, de 15 de dezembro de 2009. Os principais motivos desta iniciativa foram minorar os efeitos na dificuldade de se aplicar a Lei n° 9.099/95, bem como ofertar à sociedade um serviço público mais adequado no que se refere às infrações penais de menor potencial ofensivo. (BLAZECK, loc. cit.) Vale dizer, mencionada iniciativa relaciona-se à conciliação realizada pelo delegado de polícia no que tange às referidas infrações penais.

Ressalte-se que a contribuição do Dr. Clóves Rodrigues da Costa advém da criação do Termo de Composição Preliminar. Esta autoridade policial realizava conciliações no âmbito da Delegacia Seccional de Polícia de Franca e do DEINTER3 – Ribeirão Preto (BLAZECK, loc. cit.).

Quando da criação do Núcleo Especial Criminal, o Dr. Licurgo Nunes Costa adotou o Termo de Composição Preliminar da lavra de sua Excelência o Dr. Clóves Rodrigues da Costa. Sobre esta peça de polícia judiciária, registre-se a fala do professor Blazeck:

O Termo de Composição Preliminar recebeu essa denominação, marcada por ampla aceitação no cenário jurídico, inspirada numa interpretação analógica e ao mesmo tempo “administrativamente extensiva” do Art. 72, da Lei 9.099/95, que estabelece a possibilidade de composição de danos entre as partes, como primeira fase da audiência preliminar. (2013, p. 157).

Consoante ensinamento de Luiz Maurício de Souza Blazeck:

O NECRIM é órgão especializado da Polícia Civil do Estado de São Paulo que, primando pela pacificação social, promove a adequada solução de conflitos de interesses, decorrentes de crimes de menor potencial ofensivo, que dependam de representação ou de oferecimento de queixa, através de autocomposição pré-processual, consubstanciada em Termos de Composição Preliminar (TCP), presidida pelo Delegado de Polícia, com a participação da OAB, apreciação do Ministério Público e homologação do Poder Judiciário. (2013, p. 157).

Fundamental a compreensão de que os trabalhos desenvolvidos pelo NECRIM tem natureza jurídica de prevenção especializada (BLAZECK, 2013, p. 157). Saliente-se, igualmente, que a Polícia Civil de São Paulo, ao atuar como “polícia pacificadora tem evitado grandes problemas sociais.” (MELO; BERTOLI, 2015, p. 12). 

O trabalho do NECRIM norteia-se pelos princípios da filosofia de Polícia Comunitária, “destacando-se como prática de Justiça Restaurativa” (BLAZECK, 2013, p. 157)

Neste trabalho acadêmico, analisaram-se os fundamentos epistemológicos que arrimam a atividade de polícia. No que se refere especificamente à atuação dos NECRIMs, é oportuno transcrevermos o magistério de Luiz Maurício de Souza Blazeck sobre aspectos práticos desta atividade, na medida em que se coaduna com os pressupostos jurídico-científicos aludidos. In verbis:

A atuação policial comunitária da polícia judiciária, através das composições preliminares presididas pelo Delegado de Polícia, possibilitará a redução do crescente volume de feitos dos cartórios das Delegacias de Polícia e dos Fóruns, contribuindo com a prevenção criminal, ao evitar reincidências e agravamento de conflitos anteriores. (BLAZECK, 2013, p. 158, grifo nosso).

A fala do professor Blazeck focaliza todos os aspectos de uma atividade de polícia interdisciplinar, possivelmente transdisciplinar, que materializa efetivamente os escopos de uma polícia contemporânea, quais sejam, a prevenção criminal voltada à pacificação social.

No mesmo sentido, afirma Vagner Bertoli que a atividade de polícia desenvolvida pelos NECRIMs

Concretamente, traz a pacificação social a todos os cidadãos que buscam o amparo do Estado e contribui com a diminuição dos feitos nas delegacias de polícia. Como desdobramento, colabora também para a desobstrução do Poder Judiciário, cada vez mais sobrecarregado de processos. (MELO; BERTOLI, 2015, p. 14). 

Saliente-se também que, no âmbito dos NECRIMs, o delegado de polícia pode, imediatamente após a ocorrência do fato, proceder à mediação ou intimar as partes para atendimento em momento posterior (MELO; BERTOLI, 2015, p. 12). 

Atualmente, existem mais de 35 NECRIMs instalados em diferentes cidades. Isto é uma demonstração de sintonia com a política pública de tratamento adequado de conflitos adotada pelo Conselho Nacional de Justiça. As estatísticas são inspiradoras na medida em que as conciliações frutíferas ultrapassam os 90% (MELO; BERTOLI, 2015, p. 12; BARALDI; FRAZÃO, 2013, p. 269). Esta realidade levou o jurista Luiz Flávio Gomes a proferir as seguintes palavras: “Que todas as polícias civis do Brasil se inspirem nesse exemplo de criatividade para o bem.” (GOMES, 2013, p. 150).


7  CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto da sociedade globalizada, caracterizada pelas incertezas dos tempos atuais, bem como por um modo de vida extremamente competitivo, surge o Núcleo Especial Criminal. Órgão da Polícia Civil de São Paulo responsável tecnicamente pela utilização de métodos adequados de solução de conflitos, máxime, a mediação. 

Nestes tempos, a judicialização de conflitos tem sido a regra, sendo inacreditável o número de processos judiciais tramitando nos Fóruns, não sendo muito diferente a realidade das Delegacias de Polícia. Isso conduz a demora excessiva na entrega da prestação jurisdicional e também para a impossibilidade de oferta de um serviço de excelência por parte da Polícia Civil.

A interpretação adequada da Lei n° 9.099/95 constitui o esteio para a atuação do Delegado de Polícia na mediação de conflitos. E a estrutura existente na Polícia Civil de São Paulo permite que estes serviços sejam ofertados à população com menor dispêndio financeiro, tornando eficiente a atuação do poder público. Este quadro permite que a polícia e, consequentemente, o Poder Judiciário atendam mais rapidamente a população. 

De se registrar, também, o advento da Lei nº 12.830/13 que reconheceu a doutrina que confere caráter jurídico à carreira de Delegado de Polícia. Esta autoridade, consoante disposição da lei, possui autonomia técnica no que se refere às atividades de polícia judiciária. Referida autonomia viabiliza que o Delegado de Polícia dirija os trabalhos de polícia judiciária atento à falibilidade da razão humana, enquanto pressuposto epistêmico da atividade de polícia. Naturalmente, delineia-se um contexto de prestação de serviço policial de excelência em atendimento às pessoas, sendo sempre possível reorientar os trabalhos na melhor direção teleologicamente pensada.

O Delegado de Polícia do NECRIM não desempenha atividade jurisdicional. Desempenha atividade policial interdisciplinar eminentemente jurídica. 

Conforme ficou demonstrado a utilização da conjunção aditiva entre as expressões polícia judiciária e apuração de infrações penais no parágrafo 4º do artigo 144 evidencia o intento legislativo de se referir, necessariamente, a duas entidades distintas, quais sejam, funções de polícia judiciária e investigação criminal. 

No Estado de São Paulo, vale ressaltar, ambas as atividades de polícia são atribuições da Polícia Civil. Esta pode ser entendida como a corporificação do órgão de polícia criminal que concretiza, por um lado, as atividades de polícia judiciária como, v.g., a mediação de conflitos, por outro, a polícia investigativa, esclarecendo a autoria dos delitos. 

Através da investigação criminal, a Polícia Civil atua preponderantemente na repressão. A esta atividade de polícia a doutrina denomina prevenção criminal em sentido estrito. A mediação de conflitos criminais, como demonstrado, consubstancia instrumento de prevenção especializada na medida em que evita o surgimento de infrações penais mais graves. Compõe, juntamente com outras formas de policiamento, o que a doutrina denomina prevenção criminal em sentido amplo.

A mediação de conflitos pode ser entendida como atividade de polícia judiciária, observando-se, também, outras características. Na medida em que auxilia o poder judiciário na distribuição de efetiva justiça e pacificação social, pois, reduz o volume de feitos nos cartórios das delegacias de polícia e, consequentemente, dos fóruns. Trata-se de atividade essencialmente distinta da investigação criminal, uma vez que o delegado de polícia mediador atua em conjunto com vítima e ofensor nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja pública condicionada ou privada, sendo conhecida a autoria delitiva. 

Na mediação de conflitos, o delegado de polícia utiliza as chamadas perguntas restaurativas, com o objetivo de levar as pessoas, geralmente num quadro de profunda dor emocional, a se manifestarem verbalmente sobre os seus reais interesses, necessidades e sentimentos, enformando uma prática policial eminentemente prospectiva. Vale dizer, com vistas ao não desfazimento de vínculos, verificando se é possível a continuidade das relações humanas afetadas pelo conflito, facilitando a comunicação das partes para que consensualmente alcancem um acordo justo.

Diferentemente, na investigação criminal, são utilizadas perguntas mais objetivas, o que, naturalmente, conduz a respostas mais sucintas, com enfoque predominante sobre circunstâncias fáticas da ofensa.

De se observar que estes traços distintivos acerca das funções de polícia judiciária desvelam a mudança paradigmática pela qual passa o conhecimento científico de maneira geral e, especificamente, os múltiplos conhecimentos que embasam as atividades de polícia. Noutros termos, o respeito incondicional à dignidade da pessoa humana legitima o atuar policial conferindo-lhe caracteres de cientificidade, pois o chamado pensamento sistêmico, enquanto novo paradigma da ciência, desloca o olhar do objeto voltando-o para o sujeito cognocente, considerado em sua subjetividade. 

A realidade é construída através do contato do homem com o mundo.  

Por isso, a existência de múltiplas verdades válidas, pois as pessoas são diferentes. No que se refere especificamente ao trabalho policial de mediação, percebe-se, então, a necessidade de se compor sempre levando em consideração as diferenças das pessoas humanas. 

Para isso, se torna fundamental reconhecer a necessidade de o trabalho policial se valer não apenas das ciências jurídicas como o direito penal, processual, administrativo ou constitucional mas, ainda no universo jurídico, também da teoria geral do direito policial, da filosofia do direito, e de todos os outros ramos do conhecimento humano, como a psicologia, a economia, a comunicação, a semiótica, a antropologia cultural, numa perspectiva de trabalho interdisciplinar, rumo a uma atuação, quiçá, transdisciplinar. 

A Polícia Civil sempre foi incansável defensora da lei. No entanto, como se observou, a legalidade deve sempre pautar a atividade de polícia na medida em que permite a consecução de serviços mais adequados. Isso refuta a ideia de legalidade absoluta.

A doutrina é robusta no sentido de se contrapor à oposição do Ministério Público ao trabalho desenvolvido pelos Núcleos Especiais Criminais, pois todo o procedimento conta com a participação do membro da ordem dos advogados do Brasil. Sempre o Termo de Conciliação Preliminar é remetido para o Poder Judiciário homologar após apreciação do Parquet. A conciliação só é feita se as partes aderirem livremente ao procedimento. São objeto de mediação pelo delegado de polícia dos NECRIMs apenas as infrações referentes a direitos disponíveis.      

Esta atuação permite que a Polícia Civil de São Paulo, por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais, oferte cada vez mais serviços públicos de excelência, buscando a harmonia social, mostrando para todos os envolvidos a necessidade de se buscar resolver problemas pacificamente. O delegado de polícia conciliador permite que as partes visualizem a necessidade de elas se separarem do problema.   Posteriormente, juntas, elas atacam as causas dos problemas, chegando a raiz do conflito. Isso as conduz a ganhos mútuos. Portanto, com auxílio do Delegado de Polícia as partes devem desestruturar o conflito e construir a solução.   

Num terceiro aspecto, faz-se mister lembrar que a mediação de conflitos é atividade de polícia que se desenvolve com observância da filosofia de Polícia Comunitária e dos princípios da Justiça Restaurativa. É dizer que o trabalho policial de mediação de conflitos criminais pode ser entendido como uma nova função de polícia que ressemantiza o mandato policial na contemporaneidade, pois contribui de maneira concreta para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, onde são reafirmados valores e exigidos novos direitos para as pessoas. Observe-se, igualmente, o fato de esta atividade de polícia diminuir a estigmatização dos autores das referidas infrações penais, se afirmando como contraponto à cultura do punitivismo, sem olvidar os direitos das vítimas às devidas reparações. 

A atuação do delegado de polícia na resolução de conflitos por intermédio de técnicas de conciliação pode ser entendida como adequada estratégia de policiamento, na medida em que efetivamente voltada para a prevenção de riscos, de perigos e de danos em seara criminal. Exige da autoridade policial constante aperfeiçoamento.

Saliente-se, igualmente, os resultados obtidos pelos trabalhos dos mais de 35  NECRIMs instalados no Estado de São Paulo. Ultrapassam 90% os procedimentos onde se observa o alcance do acordo entre as partes.

Lembre-se novamente Goethe, no aspecto em que as pessoas podem ter dificuldades para o cumprimento das regras estabelecedoras de obrigação. Será sempre possível que se socorra do direito, da lei e da jurisdição, sobretudo em casos singulares. Por outro lado, a polícia, por meio da utilização de métodos adequados de solução de conflitos impele à decência toda a coletividade, cumprindo, como se demonstrou, novas e importantes funções, com o objetivo de proteção das liberdades de todos, assegurando aumento da qualidade de vida das pessoas.


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______. A Epistemologia como fundamento da qualidade e excelência da actuação policial: a encruzilhada da pós-modernidade. Revista Brasileira de Ciências Policiais, Brasília, v. 2, n. 1, p. 95-101, Jan-Jun/2011a, ISSN: 2178-0013.

______. A Ciência Policial na Sociedade Tardo-Moderna como fundamento do Estado de Direito Democrático. Revista Brasileira de Ciências Policiais, Brasília, v. 2, n. 2, p. 47-63, Jul-Dez/2011b, ISSN: 2178-0013.

______. Teoria Geral do Direito Policial. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2014.

VASCONCELLOS, Maria José Esteves de.  Pensamento Sistêmico: Uma epistemologia científica para uma ciência novo-paradigmática. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS, 1., 2005, Ribeirão Preto. Despertando a consciência para a visão sistêmica: perspectivas para o século XXI. Ribeirão Preto: International Society for the Systems Sciences – ISSS e FEARP/USP de Ribeirão Preto, 2005. Disponível em: <http://legacy.unifacef.com.br/quartocbs/arquivos/14.pdf>. Acesso em: 08 maio 2015.

YAZBEK, Vania Curi. Mediação transformativa e justiça restaurativa. Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro: Editora Noos, ano XV, n. 28, Ago. 2007. 


ANEXO A – QUESTIONÁRIO

Entrevista com o Delegado de Polícia Titular do Núcleo Especial Criminal  da cidade de Avaré Dr. Vagner Bertoli

  • - De que forma as atividades dos Núcleos Especiais Criminais podem ser entendidas como sendo de prevenção especializada?

V.B. - Ao tratarmos com os crimes de pequeno potencial ofensivo, de forma imediata, fazemos a pacificação social, evitando assim que venham a desdobrar-se e ocorram crimes graves.

  • - A apuração de infrações penais realizada pela Polícia Civil, por meio de investigação criminal, vale-se, em apertada síntese, de perguntas objetivas. O quê?, Como? Onde? Quem? etc. Na doutrina de mediação de conflitos é ressaltada a importância dos chamados questionamentos circulares ou perguntas restaurativas, como, v.g., O que aconteceu? O que pensou? O que sentiu? Como te afetou? etc. Pois viabilizam que os envolvidos no conflito efetivamente falem sobre seus reais interesses e necessidades. De que modo os delegados de polícia estão lidando com esta mudança de modelo? Qual a importância destas distinções para as atividades práticas das autoridades policiais que atuam nos NECRIMs?

V.B. - O NECRIM age para pacificar os conflitos, evitando, assim, crimes maiores. Com a ação entre os envolvidos e o delegado de polícia, faz com que o cidadão sinta o seu problema sendo resolvido, gerando, assim, uma sensação de segurança, pois expôs suas razões e ouviu da outra parte, restaurando os fatos no nascedouro e resolvendo o conflito inicial.

  • - Em suas atividades, o delegado de polícia mediador/conciliador consegue ser imparcial? De que forma vítimas e ofensores são atendidos nos NECRIMs?

V.B. Temos que buscar a imparcialidade. As partes, ao chegarem ao NECRIM, falam dos seus conflitos individualmente e, após instalado o diálogo, passamos a mediar a melhor solução. 

  • - Quantos servidores atuam no NECRIM de Avaré? O senhor acredita que todos os servidores policiais titulares de cargo podem atuar nos NECRIMs, ou são necessários outros requisitos? 

V.B. Atua um delegado, uma carcereira ad hoc, um agente policial e dois estagiários. Entendo que cada um deve exercer suas funções definidas para que não cause conflito na conversa entre as partes e não se perca o objetivo.

  • - O que a Polícia Civil precisa fazer para expandir os NECRIMs para outras partes do Estado e até mesmo para a capital?

V.B. - Precisamos, de forma urgente, de uma ação de governo.


Notas

[1] Texto original:

“Soy partidário de instalar em lãs comisarías Del Cuerpo Nacional de Policía, em los cuarteles de la Guarda Civil y em los retenes de las policias locales, oficinas de mediación, servidas por funcionários policiales formados especificamente em materia de mediación. Se trata de evitar que toda actuación policial com contenido penal se remita automaticamente al juzgado correspondiente. Esto no tiene sentido alguno y contribuye al atasco judicial, pues tenemos que tramitar assuntos penales muy complejos, que exigem todos nuestros esfuerzos, y paralelamente y al mismo tempo tenemos que dedicarnos a juzgar peleas de vecinos y outros assuntos similares. 

[2] No âmbito da união, conforme disposição constitucional prevista no artigo 144, inciso IV, as funções de polícia judiciária são exercidas pela Polícia Federal.

[3] Frise-se, atividade funcional de polícia.

[4] Interpretação a contrario sensu do ensinamento do professor José Afonso da Silva, que afirma que o policiamento ostensivo voltado para a ordem pública denomina-se polícia de segurança em sentido estrito (SILVA, 2007, p. 778).

[5] Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, estabelece a disciplina jurídica do inquérito policial. 


Autor

  • Bruno de Oliveira Favero

    Especialista em Polícia Judiciária e Sistema de Justiça Criminal pela Academia de Polícia 'Dr. Coriolano Nogueira Cobra" São Paulo. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Osasco - UNIFIEO. Bacharel e Licenciado em Música pela Faculdade de Ciências de Osasco FAC FITO. Investigador de Polícia em São Paulo, desenvolve estudos sobre mediação de conflitos criminais como função de polícia judiciária e a práxis policial investigativa na contemporaneidade.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVERO, Bruno de Oliveira. A atuação da Polícia Civil de São Paulo na prevenção especializada por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4979, 17 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55519. Acesso em: 6 maio 2024.