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Ocupações em escolas públicas e o Estatuto da Criança e do Adolescente

Ocupações em escolas públicas e o Estatuto da Criança e do Adolescente

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O pleno exercício do direito à educação dos demais alunos e a proibição da hospedagem de menores desacompanhados dos pais são aspectos que não podem ser desprezados nas ocupações de escolas públicas.

RESUMO: O artigo faz um breve estudo sobre o fenômeno da ocupação de escolas públicas, sobretudo em escolas estaduais e municipais, que por lei se dedicam ao ensino fundamental e médio e, em sua esmagadora maioria, são frequentadas por crianças e adolescentes carentes. Trata-se pesquisa bibliográfica, de cunho exploratório, com o fim de conhecer mais o tema.

As ocupações têm sido justificadas como sendo manifestação do exercício da cidadania e da liberdade de protesto dos alunos. No entanto, o artigo alerta sobre o risco de lesão a normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. A primeira é a que garante o pleno Direito à Educação. Não se pode esquecer que no Brasil muitas crianças fazem importantes refeições do seu dia na escola; que a escola representa alternativa para que adolescentes não estejam expostos ao uso ou tráfico de drogas; que escola é um local apropriado e idôneo para guardar as crianças enquanto os pais trabalham; que a frequência na escola é requisito para o recebimento de benefícios sociais; que o Brasil gasta fortunas para facilitar o acesso e a permanência de alunos na escola.

Portanto, paralisar uma escola significar impor um sacrifício a quem mais necessita dela – alunos pobres. A segunda norma do Estatuto da Criança e do Adolescente que pode ter sido gravemente descumprida é que proíbe que menores de idade sejam hospedados desacompanhadas dos pais. O risco de lesão, violência, abuso e exposição à toda sorte de males, aumenta exponencialmente para crianças e adolescentes desacompanhados dos seus responsáveis. O direito ao protesto não pode atingir ou ferir prerrogativas de crianças e adolescentes, os quais receberam da Constituição Federal a prioridade absoluta para receber assistência e proteção.

PALAVRAS-CHAVE: Ocupações de Escolas. Direito de Protesto. Direito à Educação. Hospedagem de Crianças e Adolescentes.


INTRODUÇÃO

O Brasil instaurado pela Constituição Federal de 1988 prima pela participação popular nas decisões políticas. As pessoas não podem mais ser impedidas de criticar, sugerir, reclamar, pedir e revoltar-se contra o que não consideram correto na sociedade e no Estado. Por isso foram garantidos os direitos de petição, direito de associação, direito de reunião, direito à informação, plebiscito, referendo, iniciativa popular, o direito de greve entre outros.

Esses direitos de participação se estendem, na forma da lei, às pessoas menores de dezoito anos. É o que deixa claro o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, ao conferir aos mesmos os direitos de opinião, expressão, participação na vida familiar e comunitária e participação na vida política na forma da lei (art. 16), além da preservação de sua autonomia, valores, ideias e crenças (art. 17). Assim, a militância social e o protagonismo juvenil devem ser sempre incentivados.

As ocupações de escolas públicas têm sido justificadas no direito de cidadania e participação social dos jovens, e causaram relativo alvoroço em 2016, por isso é provável que tal modalidade de protesto seja utilizada novamente. Diante disso, é necessário que a sociedade procure entender melhor o movimento, coloque sobre a mesa as bases legais que de alguma forma possam influenciar em sua realização e, por fim, tente comparar ganhos e sacrifícios advindos do movimento.

Este trabalho discute dois aspectos das ocupações enfocando:

  • Riscos ao Direito à Educação. “Educação” no Brasil é conceito abrangente, inclui uma série de outros benefícios que são concretizados através da presença do aluno na escola, fato que é impedido quando esta se encontra ocupada e sem aulas;
  • Riscos à integridade física e moral da criança e do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a hospedagem de pessoas menores de 18 anos desacompanhadas dos pais.

Este trabalho não julga o mérito das ocupações, mas enfrenta dois problemas advindos de seu exercício, que atingem diretamente alunos ocupantes e não ocupantes.

Direito de criança e do adolescente configura um valor resguardado pela Constituição Federal e por várias leis. Sua flexibilização somente deveria ser admitida por razões poderosas. O normal é o contrário: sacrificar outros interesses para proteger a criança e o adolescente. Esta certeza jurídica e social é que justifica o presente debate.


O DIREITO À EDUCAÇÃO EM RISCO

O direito à educação é um direito social e integra a categoria dos direitos humanos. Pertence à segunda geração dos direitos fundamentais, configurando uma prestação a ser fornecida pelo Estado aos cidadãos com o intuito de lhes propiciar uma vida com mais qualidade.

O Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais adotado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, incorporado à ordem jurídica brasileira através do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992, determina em seu Artigo 13 que os Estados Partes do Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Esta deverá ser obrigatória e acessível, além de gratuita.

A Constituição Federal de 1988 determina que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade (art. 205). Mais à frente, a Constituição determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à educação, ao lado de outros direitos essenciais como a vida, a saúde, a alimentação entre outros (art. 227).

A Lei nº 8.069/90 (ECA) determina que a criança e o adolescente têm direito à educação visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando a eles igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 53). O Estatuto aduz que é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o ensino fundamental, obrigatório e gratuito (art. 54).

Importantes comandos expressos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente estão no §3º do art. 54, ao dizer que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, e no §4º do mesmo artigo, ao dizer que o não oferecimento do ensino público obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

Durante a Sessão 70ª de sua Assembleia Geral, as Nações Unidas traçaram novas metas a fim de criar um futuro sustentável para todos, colocando a educação como o instrumento principal desse processo. É o que se observa nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)[2]. Os objetivos nada mais são do que conclusões a respeito da importância da educação para o indivíduo e para a sociedade, como por exemplo:

  • A educação é crucial para tirar pessoas da pobreza;
  • A educação tem o papel fundamental de ajudar as pessoas a adotar métodos de cultivo mais sustentáveis e a entender mais sobre nutrição;
  • A educação pode fazer diferença fundamental em uma série de questões relativas à saúde, incluindo mortalidade precoce, saúde reprodutiva, propagação de doenças, estilos de vida saudáveis e bem-estar;
  • A educação de mulheres e meninas é particularmente importante para alcançar a alfabetização básica, melhorar habilidades e competências participativas e melhorar as oportunidades de vida;
  • A educação e a formação aumentam as habilidades e a capacidade de usar recursos naturais de forma mais sustentável e podem promover a higiene;
  • Programas educacionais, principalmente não formais e informais, podem promover melhor conservação de energia e a adoção de fontes de energia renovável;
  • Existe uma relação direta entre áreas como vitalidade econômica, empreendedorismo, habilidades para o mercado de trabalho e nível educacional;
  • A educação é imprescindível para desenvolver as habilidades necessárias para construir uma infraestrutura mais resiliente e uma industrialização mais sustentável;
  • Quando acessível de forma igualitária, a educação promove comprovada diferença nas desigualdades sociais e econômicas;
  • A educação pode oferecer às pessoas habilidades para participar da criação e da manutenção de cidades mais sustentáveis, assim como para ter resiliência em situações de desastres;
  • A educação pode fazer diferença fundamental nos padrões de produção (por exemplo, em relação à economia circular) e no entendimento do consumidor sobre bens produzidos de forma mais sustentável, assim como sobre a prevenção do desperdício;
  • A educação é essencial para a compreensão massiva dos impactos das mudanças climáticas e para a adaptação e a mitigação, principalmente em âmbito local;
  • A educação é importante para desenvolver a conscientização sobre o ambiente marinho e construir um consenso proativo em relação a seu uso sustentável e com sabedoria;
  • A educação e a formação aumentam as habilidades e a capacidade de apoiar meios de subsistência saudáveis e de conservar os recursos naturais e a biodiversidade, principalmente em ambientes ameaçados;
  • O aprendizado social é essencial para facilitar e garantir sociedades participativas, inclusivas e justas, bem como a coerência social;
  • O aprendizado ao longo da vida constrói capacidades para entender e promover políticas e práticas para o desenvolvimento sustentável.

Isso mostra a importância da educação na vida das pessoas e na construção de uma sociedade melhor.

Toda essa construção demonstra a necessidade de se questionar a viabilidade social de impedir o acesso à escola. É preciso colocar na balança o Direito de Protestar e o Direito de Estudar.

O acesso à escola pública foi uma grande conquista da democracia brasileira. O conhecimento é um bem inestimável, essencial e estratégico para a vida de cada pessoa. O conhecimento prepara o indivíduo para assumir suas responsabilidades familiares, para assumir funções no mercado de trabalho, para assumir funções na política, para promover o bom funcionamento do serviço público, enfim, o conhecimento é um instrumento de transformação individual e coletiva.

Muitos esforços são empreendidos para garantir o acesso e a permanência dos alunos na escola. Ainda que o Brasil esteja longe do ideal, os índices de analfabetismo e evasão tiveram significativa melhora graças a um conjunto de esforços dos governos federal, estaduais e municipais, no sentido de facilitar o acesso dos alunos e sua permanência na escola. Uma série de políticas públicas realizadas ao longo dos anos contribui nesse sentido, algumas merecendo ser destacadas como programas de transporte e alimentação escolar.

Para que as pessoas, sobretudo crianças e adolescentes, possam se locomover até à escola a fim de usufruírem do direito à educação, o Estado empreende grande esforço, empenhando volume considerável de recursos em todo o País, seja adquirindo veículos, seja celebrando contratos com empresas privadas para o transporte dos alunos, seja subsidiando passagens no transporte público coletivo a fim de garantir a gratuidade para estudantes, seja conferindo auxílio financeiro diretamente aos alunos como acontece em muitas instituições federais e em programas como o PRONATEC.

O acesso à escola pública e gratuita deve sempre ser levado muito a sério. A maioria dos brasileiros e, certamente os ocupantes de escolas públicas, não fazem ideia do quanto é investido anualmente para garantir o acesso de alunos carentes à escola. Por meio do programa Caminho da Escola, o Ministério da Educação atua para disponibilizar linhas de crédito especial para que estados e municípios adquiram ônibus, miniônibus, micro-ônibus e embarcações novas, e por meio do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) é oferecida assistência financeira em caráter suplementar aos estados, Distrito Federal e municípios, para garantir o acesso e permanência nos estabelecimentos escolares dos alunos do ensino fundamental público residentes em área rural que utilizem transporte escolar. O Quadro 1 apresenta informações do Portal do FNDE que mostram os recursos destinados a garantir o acesso à escola por meio desses dois programas[3]:

Ano

Previsão Orçamentária

Execução Financeira

Municípios

Alunos Beneficiados

2014

594.000.000,00

580.717.121,63

5.296

4.547.690

2013

582.000.000,00

581.399.889,47

5.198

4.420.264

2012

630.000.000,00

591.216.004,75

5.122

4.507.241

Quadro 1 – Dados Estatísticos

Fonte: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

Na prática, a conduta dos alunos, professores e simpatizantes que ocupam as instituições públicas de ensino, interrompe esse esforço para garantir o acesso à educação pública, prejudica a já dificultosa execução dos recursos públicos entre outros prejuízos. Aqui estão sendo mencionados apenas dois programas federais, porém, as ocupações prejudicam, também, os esforços dos estados e dos já sofridos municípios brasileiros.

Além do transporte, outras ações e esforços são empreendidos para permitir o acesso e favorecer a permanência de alunos na escola – como é o caso da alimentação. Esta é uma das principais ações. Pertinente mencionar a existência do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o qual atende alunos de toda a educação básica matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com o poder público), por meio da transferência de recursos financeiros.[4]

Os repasses financeiros para o PNAE no período de 2013/2015 foram:

  • 2015 – R$ 3.759.789.067,20;
  • 2014 – R$ 3.693.569.094,96;
  • 2013 – R$ 3.539.020.589,40.

Esse fortalecimento da política de alimentação escolar tem exercido um papel importante na vida das pessoas mais carentes. Os programas de alimentação escolar, juntamente com outros programas nas áreas de saúde e assistência social, têm conseguido diminuir os índices de desnutrição entre as crianças brasileiras. Na publicação “Saúde Brasil 2009”[5], o Ministério da Saúde demonstrou que a desnutrição aguda de crianças menores de 5 anos de idade no período compreendido entre 1974 e 2006, recurou 90%, passando de 18,4% para 1,8%.

Impedir o acesso e a permanência de um aluno à escola pública, para muitos desses alunos significa privá-los da principal refeição do dia. Isso sem falar que muitos alunos fazem mais de uma refeição na escola. A escola se tornou sim uma aliada direta no combate à fome.

Quem milita na defesa da criança e do adolescente reconhece que a escola pertence à rede de proteção dos mesmos. Quando está na escola a criança deixa de estar submetida a uma série de riscos como a violência física, violência psicológica, uso de drogas, más companhias, trabalho infantil, abandono, entre outros riscos. Criança na escola significa que, pelo menos naquele período, ela terá alimentação, proteção, desenvolvimento moral e intelectual, convivência comunitária, respeito à sua dignidade e tantas outras prerrogativas. Esta é a realidade.

Impedir o acesso e a permanência de uma criança em sua escola é retorná-la à situação de risco social.

As escolas públicas são frequentadas, em sua esmagadora maioria, por alunos oriundos das classes economicamente menos favorecidas, afinal, as pessoas com um pouco mais de recursos financeiros matriculam seus filhos em escolas particulares por razões que vão desde os recursos pedagógicos até a segurança. Infelizmente, a realidade já escancarou que o aluno da rede privada tem maiores chances de ingressar nas melhores universidades tanto públicas quanto privadas. Isto não é uma crítica, é apenas um fato.[6]

Assim, impossível não considerar que ocupar uma escola pública estadual ou municipal, atinge mortalmente direito de pessoas carentes, pessoas que não dispõe de outros recursos de aprendizagem, senão aqueles disponibilizados pelas escolas ocupadas.


A HOSPEDAGEM DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DESACOMPANHADOS DOS PAIS

A sociedade precisa se debruçar mais sobre a legalidade da estadia de crianças e adolescentes em prédios diversos de sua residência desacompanhados dos pais.

A regra, a lógica e o bom senso ensinam de modo claro que o filho deve estar onde estiverem seus pais, ou estes devem assegurar que os filhos estejam protegidos em sua integridade física, moral e psicológica onde quer que se encontrem.

Ainda que esta norma seja óbvia e natural, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe dispositivo expresso sobre a questão:

Art. 82. É proibida a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsável.

Não se trata apenas de um local, mas sim de uma atividade – hospedar, dar abrigo. E a atividade deve assim ser considerada não apenas pelo aspecto formal, mas principalmente pelo aspecto fático.

Este artigo da lei tem como objeto de tutela a plena integridade de crianças e adolescentes. Todos os aspectos, bem como todos os direitos de crianças e adolescentes ficam em iminente risco quando se encontram fora da proteção dos pais, que são os principais e primeiros responsáveis por garantir segurança dos filhos.

Um edifício destinado a atividades de estudo pode não ser adequado para receber pessoas em pernoite, ainda mais em se tratando de pessoas menores de 18 anos. Existe sim a liberdade das pessoas dormirem em qualquer lugar ou ficarem acordadas, ignorando saúde, segurança, conforto, alimentação etc, porém, nem todas as pessoas podem dispor de seus direitos. Afinal, se os direitos da personalidade são irrenunciáveis pelas pessoas maiores e capazes, quanto mais o são por parte de crianças e adolescentes.

A vulnerabilidade de crianças e adolescentes é inerente à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 6º, ECA). Sua incapacidade para o exercício pessoal dos atos da vida civil está expressamente prevista no Código Civil (arts. 3º e 4º). Tudo isso, aliado ao art. 82 do ECA, deixa claro que um adolescente não pode escolher por si a exposição ao risco, ele deve ser representado ou assistido pelos pais.

Um local de hospedagem tenta remontar as condições de habitabilidade do lar, oferecendo utilidades para a higiene, alimentação, descanso e proteção das pessoas enquanto estiverem fora de sua residência. Os pais são obrigados por lei a garantir que seus filhos estejam em local que ofereça tais condições.

O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe expressamente a hospedagem de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou não autorizados por estes, com o fim precípuo de protege-los integralmente: sua vida, integridade física, psicológica, moral, alimentação, higiene, segurança e sua dignidade.

Os riscos a que estão submetidas crianças e adolescentes distantes ou fora do alcance dos pais são imensuráveis.

O art. 82 do Estatuto da Criança e do Adolescente possui, no mínimo, uma dúplice direção de comando:

  1. Os pais não podem deixar seus filhos sozinhos. Os pais têm a obrigação legal de manter seus filhos junto de si, ou sendo necessário o distanciamento, os pais têm o dever legal de colocar os filhos aos cuidados de um indivíduo maior, capaz e idôneo. Dessa forma, os pais ou o responsável protegem diretamente a integridade dos filhos ou confiam tal tarefa expressamente a alguém da sua confiança. Os pais respondem, inclusive, se a escolha do cuidador for mal feita ou se este cuidador for negligente;
  2. Os responsáveis por hotel, motel, pensão, estabelecimento congênere ou qualquer outro local onde estiverem pernoitando crianças ou adolescentes, devem exigir a presença dos pais ou de alguém expressamente autorizado por eles. Desobedecer a esta regra é colocar em risco crianças e adolescentes.

Isso significa que os pais deveriam estar junto de seus filhos durante as ocupações nas escolas.

Aliás, se os filhos não estão estudando ou realizando atividades provenientes do calendário escolar ou previstas nos planos pedagógicos das instituições de ensino, sua permanência nos edifícios desacompanhados dos pais ou desacompanhados de adulto autorizado pelos pais, deve ser questionada em qualquer horário do dia ou da noite.

Os responsáveis pelos prédios públicos devem cumprir o previsto no art. 82 do ECA para não colocar em risco a vida, a saúde, a alimentação, a segurança, a integridade física, psicológica e moral de crianças e adolescentes. Não se pode cair na ilusão de achar que a regra é somente para gerente de hotel. Ninguém pode hospedar menores desacompanhados ou não autorizados pelos pais.

O que se percebe nas ocupações de escolas públicas são adolescentes por conta uns dos outros.

É preciso cuidado por parte dos pais e dos responsáveis por estas escolas para que não lhes seja imputado qualquer mal que venha a acontecer com seus filhos ou alunos que estejam ocupando escolas.

O Código Penal prevê:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

A legislação brasileira imputa o crime a quem lhe deu causa e a quem contribuiu para a ocorrência do resultado criminoso. Assim, toda e qualquer contribuição para a ocorrência do resultado é considerada sua causa.

O Código Penal segue prevendo no mesmo art. 13:

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Este Parágrafo 2º do art. 13 do Código Penal trata de uma omissão criminosa. O delito não teria ocorrido caso a pessoa responsável agisse como dela se espera.

Deixar de alimentar o filho ou esquecer o medicamento em determinado horário são condutas que, apesar de reprováveis, podem não configurar algum crime, ou na pior das hipóteses, implicariam no cometimento de um crime muito específico relacionado à saúde. No entanto, se a omissão com a alimentação ou com o medicamento, causarem diretamente ou contribuírem para a morte do filho, os genitores poderão responder pelo crime de homicídio. Afinal, sua omissão contribuiu para o resultado.

Assim, de acordo com o que dispõe o art. 13, §2º, do Código Penal, se alguém (os pais ou o responsável por uma escola) devia ou podia agir para evitar o resultado e não o fez, deverá responder pelo crime. O dispositivo legal é muito claro ao determinar que tem o dever legal de agir quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.

Quem fizer mal a uma criança ou adolescente dentro ou fora de uma escola por meio de agressão física, agressão verbal, entrega de drogas ilícitas, corrupção de menores, deverá responder pelo crime. Não há dúvida. Porém, será que o fato de deixar uma criança ou adolescente desacompanhado em um prédio com pessoas desconhecidas não pode favorecer a ocorrência de um mal, uma lesão, uma violação?

Assim, se a omissão dos pais contribuir para que o filho sofra alguma lesão à direito, deverão estes pais ser responsabilizados[7].

A Autoridade Policial, o Ministério Público, o Conselheiro Tutelar, o Juiz da Infância e Juventude, ao tomarem conhecimento de alguma violação contra criança ou adolescente dentro dessas escolas ocupadas, deverão verificar se a conduta dos pais poderia ter evitado a lesão à direito do filho.

Ainda que não seja um hotel, um motel ou uma pensão, a escola não pode hospedar ou permitir que se hospedem crianças e adolescentes desacompanhados dos pais. Aliás, nem acompanhados, visto que esta não é a finalidade do imóvel, salvo em casos de necessidade como a calamidade pública (terremoto, enchente).

Tudo o que se disse a respeito dos genitores, deverá ser questionado em relação à conduta do responsável pelo prédio onde funciona a escola ocupada, seja o Diretor, seja o Secretário de Educação, seja o Prefeito, seja o Governador.

Sabendo da presença de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais, o agente público poderá ser responsabilizado caso sua omissão contribua, favoreça ou simplesmente permita que sejam violados direitos de pessoas menores. Defender-se afirmando respeitar a liberdade de expressão de crianças e adolescentes não retira o dever de agir previsto em lei.

Todos os atos do agente público, ações ou omissões, nesta condição, são imputados ao Poder Público, segundo o que dispõe o art. 37, §6º, da Constituição Federal, e deverá ser levado à sério pela sociedade e pelas autoridades. O responsável pelo prédio público deve zelar pela realização dos fins da entidade que preside, dirige ou gerencia, utilizando os instrumentos que a lei ou a estrutura do Estado lhe conferem.[8]


CONCLUSÃO

Os assuntos utilizados para motivar uma ocupação de escola pública geralmente são do interesse público e precisam ser debatidos. Não se pode, em momento algum, afirmar que os alunos e simpatizantes que ocupam escolas públicas são desprovidos de razões. O que se tem visto é que a pauta de reivindicação dos ocupantes de escolas públicas tem sido a mesma de outros manifestantes fora das escolas. Não há a menor dúvida sobre a coerência em relação às razões do inconformismo.

Porém, não se pode olhar só para um aspecto da situação.

As ocupações de escolas públicas precisam ser analisadas sob múltiplos olhares. Dois pontos de vista são essenciais: o Direito de Propriedade e o Direito Administrativo. Isso porque em regra não se pode invadir ou ocupar imóvel alheio. E outra regra é o princípio da continuidade do serviço público.

No entanto, o debate que aqui é trazido se mostra tanto ou mais urgente do que os exemplos acima, afinal, a proteção integral da Criança e do Adolescente deve ser resguardada com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado, conforme determina o art. 227 da Constituição Federal de 1988. Esse foco não pode ser perdido, seja em casa, seja na rua, seja nas ações dos governantes, seja nas decisões judiciais, seja na escola.

O Brasil luta desde o descobrimento para proteger a integridade de crianças e adolescentes. No passado, filhos de escravos tinham status de coisa, de objeto, e por isso sofriam todo tipo de violação que se pode imaginar. Tais violações não feriam a lei. Mesmo sem a escravidão, crianças e adolescentes permaneceram vitimadas pela pobreza, pela falta de estrutura familiar e pelo descaso do Estado. Ao longo dos anos, estas situações colocaram crianças em situações de violência sexual e física, outras vezes as empurraram para o trabalho infantil, sem qualquer dignidade e expostas a abusos de toda sorte, outras vezes deixaram que elas crescessem desprovidas de qualquer proteção, sem estudo e por consequência, sem perspectiva.

Por isso, a sociedade precisa ter o cuidado de não sacrificar direitos e garantias de crianças e adolescentes sob o pretexto de estar exercendo o direito de protesto. Não se brinca e não se negocia com direito de crianças e adolescentes, principalmente carentes, que são os que mais gozam dos benefícios da escola pública.

O Brasil está distante do ideal, mas não se pode negar a existência de uma rede de proteção aos menores que tem a escola como importante instrumento, seja ministrando conteúdos pedagógicos, seja preparando para os desafios da vida profissional, seja garantindo parte da alimentação diária, seja garantindo a frequência necessária ao recebimento do auxílio financeiro advindo do Governo Federal, seja simplesmente permitindo que o aluno esteja protegido dos riscos da ociosidade existente fora de seus portões.

Uma forma de protesto, qualquer que seja, não deveria tirar isso de crianças e adolescentes. Não se mostra razoável sacrificar a integridade de pessoas menores para protestar. Os pais e as autoridades envolvidas na questão não podem se omitir.

O protesto não pode ser um fim em si mesmo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. D.O.U. - Seção 1 - 5/10/1988, Página 1.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 - Código Penal. D.O.U. – 31/12/1940, Página 2.391.

BRASIL. Lei nº 8.069 – Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. D.O.U – 13/7/1990, Página 13.563.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 14ª edição. São Paulo: Rideel, 2011.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo, SP: Saraiva, 2009.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral – arts. 1º a 120 do Código Penal. 23ª edição, São Paulo: Atlas, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27. ed. rev. e atual. São Paulo, SP: Atlas, 2011.


Notas

[2] UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Relatório de Monitoramento Global da Educação. 1ª Edição, Paris, França, 2016.

[3] BRASIL. FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Dados Estatísticos. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/transporte-escolar/transporte-escolar-dados-estatisticos Acesso em: 4 nov 2016.

[4] BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-escolar-apresentacao Acesso em: 7 nov 2016.

[5] BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2009 – Uma análise da situação de saúde e da agenda nacional e internacional de prioridades em saúde.  Brasília, 2010.

[6] O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), apesar de não ser o único, é um estratégico instrumento para aferir s situação de escolas e alunos do Brasil. Por mais que se critique ou justifique condições e dificuldades, o ENEM é o teste definitivo para a vida dos alunos. Ali muitos colocarão à prova sua chance de ingressar em uma nova etapa da vida. No ENEM de 2015, das 100 escolas com maior nota média, 97 são privadas (MORENO, Ana Carolina. http://g1.globo.com/educacao/noticia/das-100-escolas-com-maior-nota-media-no-enem-2015-97-sao-privadas.ghtml Acesso em: 3 nov 2016). No ENEM de 2014, entre as mil escolas com a melhor média aritmética, apenas 93 eram públicas (menos de 10%). Entre as 20 melhores não há sequer uma escola pública (MORENO, Ana Carolina, TENENTE, Luiza e LUIZ, Gabriel. http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/08/ranking-unico-de-escolas-no-enem-e-como-luta-ronda-x-minotauro-diz-inep.html Acesso em: 3 nov 2016).

[7] Código Penal: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

[8] Em protesto contra a PEC 55 (PEC 241/2016) estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) ocuparam o prédio da Reitoria. A Advocacia Geral da União ajuizou pedido de reintegração de posse. Em decisão publicada em 08/11/16, o juiz federal Dr. Aylton Bonomo Júnior determinou a desocupação em 48 horas, prevendo multa individual para quem a descumprir no valor de R$ 1 mil por dia. O juiz destacou a legitimidade do movimento, mas que os protestos são contra os responsáveis pela aprovação da PEC e não contra a instituição de ensino ou seus administradores. De certo que também não deveria ser direcionada contra os demais alunos. Afirma o Magistrado que “Não é justificável permitir a ocupação contínua e por prazo indeterminado de prédios administrativos da UFES [...] ensejando a interrupção total da prestação de serviços públicos essenciais, o que inviabiliza a própria atividade-fim da Universidade (ensino, pesquisa e extensão), a pretexto de protesto contra leis que prejudicariam a Educação, quando há outros locais para se levar a cabo o protesto, inclusive, no interior da própria UFES, desde que não interrompa ou embarace a prestação de serviço público. Em outras palavras: os danos causados são maiores que os benefícios trazidos”. A notícia é do Portal G1, encontrando-se disponível em http://g1.globo.com/espirito-santo/educacao/noticia/2016/11/justica-determina-desocupacao-de-predio-da-reitoria-da-ufes.html Acessada em: 15 nov 2016.


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