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A contemporaneidade da eficácia da função social do contrato

A contemporaneidade da eficácia da função social do contrato

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A evolução do direito contratual ajuda a compreender e investigar os conceitos fundamentais sobre a função social do contrato.

RESUMO:O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a evolução do direito contratual, bem como investigar os conceitos fundamentais sobre a função social do contrato. Neste contexto, com a inserção deste princípio na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002 há a necessidade de que todos os contratos se ajustem a essas novas exigências. A partir da função social do contrato as relações contratuais se tornam mais equânimes, pois o empenho do Estado com a função social se formaliza no reconhecimento de que o contrato não é mais direito absoluto e sim relativo, haja vista que se encontra limitado pela supremacia da ordem pública. Assim, se faz necessário demonstrar para a sociedade acadêmica o valor que deve ser dado ao referido princípio quando aplicado de maneira correta e os efeitos que dele decorrem. Ainda, demonstrando a necessidade de atualização em matéria contratual para que se colabore com o mundo jurídico ao trazer novas informações que possam ser úteis na revisão contratual pela contínua mudança em nosso ordenamento jurídico. Imagina-se que este princípio deveria ser mais cobrado para que os contratantes se obrigassem ao seu cumprimento. Supõe-se que pelo desrespeito a este princípio deve ser mais rigorosamente cobrada a função social e que dessa forma seus efeitos sejam amplamente conhecidos.

Palavras-chave: Princípio. Contrato. Função Social. Aplicabilidade.

ABSTRACT:This paper aims to discuss the evolution of contract law, as well as to investigate the fundamental concepts about the social function of the contract. In this context, with the insertion of this principle in the Federal Constitution of 1988 and in the Civil Code of 2002 there is a need for all contracts to adjust to these new requirements. From the social function of the contract, contractual relations become more equitable, since the State's commitment to the social function is formalized in the recognition that the contract is no longer an absolute right but relative, since it is limited by the supremacy of public order. Thus, it is necessary to demonstrate to academic society the value that should be given to the said principle when applied correctly and the effects that flow from it. Also, demonstrating the need to update in contractual matters so that it collaborates with the legal world by bringing new information that may be useful in the contractual revision by the continuous change in our legal system. It is thought that this principle should be more charged for contractors to enforce compliance. It is assumed that by disrespecting this principle the social function must be more rigorously charged and its effects are thus widely known.

Keywords: Principle. Contract agreement. Social role. Applicability.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O CONTRATO; 1.1 Origens e evolução histórica do direito dos contratos; 1.1.1 Contratos obrigatórios; 1.1.2 Contratos atípicos; 1.1.3 Contratos com conteúdo predeterminado; 1.2 Elementos do negócio jurídico; 1.2.1 Agente capaz; 1.2.2 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável; 1.2.3 Forma prescrita ou não defesa em lei; 1.2.4 Declaração de vontade; 2. PRINCÍPIOS NORTEADORES CONTRATUAIS; 2.1 Princípio da autonomia da vontade; 2.2 Princípio da pacta sunt servanda; 2.3 Princípio da relatividade; 2.4 Princípio da boa-fé; 2.5 Princípio da função social; 2.6 Efeitos dos princípios contratuais; 2.7 Princípio ou norma jurídica; 3. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO; 3.1 A contemporaneidade da aplicação da função social do contrato; CONSIDERAÇÕES FINAIS ; REFERÊNCIAS 


INTRODUÇÃO

A função social do contrato é de interesse da coletividade, pois quando se firma um contrato não pode se pensar apenas nos interesses das partes contratantes, mas na interação que há entre o objeto do contrato e as relações sociais.

A função social do contrato é um termo que não surgiu repentinamente, tendo uma longa história de evolução deste termo. Com a Constituição Federal de 1988 instituindo o Estado Democrático de Direito, que engloba cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, com especial destaque para a dignidade da pessoa humana - princípio este que abrange a aplicação da função social do contrato.

Com a aprovação do Código Civil de 2002 estipulou-se os elementos do negócio jurídico necessitando de um agente capaz; de um objeto lícito, possível, determinado ou determinável; de forma prescrita ou não defesa em lei; e da declaração de vontade livre e desimpedida, sendo estes os elementos necessários para formar um contrato válido.

Deste modo, o princípio abordado deve ser aplicado a todos os contratos, pois está expresso tanto na Constituição Federal como no Código Civil.

Este trabalho de conclusão de curso está divido em três capítulos, abordando inicialmente as noções gerais do contrato, sua origem chegando às teorias acerca da evolução contratual e os elementos necessários para a formação válida do negócio jurídico.

Em um segundo momento faz-se uma análise acerca dos princípios norteadores contratuais, insertos na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, que são utilizados na formação e na interpretação dos contratos, dirimindo eventuais transtornos.


1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O CONTRATO

Os contratos se originaram das necessidades humanas de trocas econômicas. O contrato, em seu sentido genérico, significa todo negócio jurídico formado pelo concurso de vontades.

O contrato é um negócio jurídico formado pela livre manifestação de duas ou mais pessoas com o intuito de produzir obrigações e gerar efeitos jurídicos. Na visão de Orlando Gomes (2010, p. 14):

O contrato é todo acordo de vontades destinado a constituir uma relação jurídica de natureza patrimonial e eficácia obrigacional.

O mecanismo de formação do contrato é composta de declarações emitidas com o mesmo objetivo ou propósito de ambos.  Para ser perfeito requer-se: a existência de duas declarações individualmente, devendo elas serem válidas, eficazes e ocorrer uma  coincidência de interesse entre ambas. Em seguida, acordo de vontades para a constituição e disciplina de uma relação jurídica de natureza patrimonial, e o fim do acordo pode ser a modificação ou extinção do vínculo.

Via de regra, existe três fases na formação dos contratos: as negociações preliminares, a proposta e a aceitação.

De acordo com Diniz apud Santiago (2008, p. 44), as negociações preliminares são as conversações prévias, a análise que os contratantes realizam antes de celebrar o contrato, sem qualquer vinculação jurídica.

Conforme Gomes apud Loureiro (2008, p. 184), oferta ou proposta “é a firme declaração receptícia de vontade dirigida à pessoa com a qual pretende alguém celebrar um contrato, ou ao público”. A proposta é a declaração de vontade veiculada de uma parte à outra, com a intenção de estabelecer um negócio entre elas; é a iniciativa de um dos contratantes para a conclusão do contrato.

A aceitação é a manifestação expressa - quando é exprimida por palavras orais ou escritas, gestos e sinais normalmente destinados à sua exteriorização - ou tácita - inferida de atos ou fatos que não comportem explicação, o silêncio em alguns casos - do destinatário da proposta, com a aderência em todas as cláusulas, deixando o contrato concluído.

Assim, a aceitação não precisa de uma manifestação de vontade, podendo se concretizar pelo comportamento do oblato, ou seja, pode ser definida como a intenção final do destinatário da oferta em concluir o contrato nas condições estabelecidas pelo ofertante.

1.1 Origens e evolução histórica do direito dos contratos

O contrato é um instrumento que foi criado para regular as operações econômicas pelo direito, surgido pelo pensamento jurídico como categoria autônoma. Ao longo dos anos, mesmo que sempre existindo as operações econômicas, o contrato só se transformou nessa categoria que conhecemos hoje através de uma ampla construção deste instituto jurídico.

Através da evolução histórica desse instituto percebe-se o grande progresso e adequação das operações econômicas. Conforme Loureiro (2008, p. 32):

Ao passo que o contrato era esparsamente utilizado nas sociedades antigas; após a Revolução Industrial e a multiplicação das trocas econômicas, o contrato se tornou um instrumento fundamental no funcionamento de todo o sistema econômico e de utilização diuturna nas relações sociais.

O contrato já era largamente utilizado na Antiguidade e na Idade Média, e com o advento da Revolução Industrial e da supremacia burguesa houve a grande sistematização do direito dos contratos, e ao mesmo tempo que ocorria a evolução contratual também se verificava o progresso da sociedade.

Assim, nota-se que o contrato passa a ser difundido como um mecanismo essencial ao funcionamento de todo o sistema econômico, sendo responsável também pelo crescimento da produção em massa.

1.1.1 Contratos obrigatórios

Nos contratos obrigatórios encontram-se óbices e/ou limitações no momento da contratação, justificado por ter presente uma obrigação de contratar. É o que ocorre quando se tem uma promessa negocial de contratar, na qual o Estado intervém, para que essa promessa venha a se realizar.

Diferentemente do que ocorre normalmente onde temos a resolução contratual que resulta em perdas e danos.

No caso dos serviços públicos manifesta-se a intervenção do Estado ao impor o dever de contratar, nos casos em que o ato constitutivo da concessão ou os regulamentos aplicáveis não lhes permitem recusar a celebração do contrato, sem especial causa justificativa. (BOITEUX, 2001, P. 23)

Em se tratando de serviços públicos, sua realização deve resultar de prévia licitação. Com o contrato já celebrado, o executante do serviço público não pode mais se recusar a realizá-lo, não haverá qualquer causa que possa justificar o não adimplemento contratual.

Os contratos obrigatórios são ditados, são simplesmente impostos por uma das partes, cabendo à outra parte apenas acatar as obrigações. Exemplo peculiar é o IPVA, seguro obrigatório sobre veículos, seguro de transporte de passageiros. Nestes contratos, sempre prevalecerá o interesse do Poder Público, assegurando assim o interesse coletivo.

1.1.2 Contratos atípicos

Em momento algum o Código Civil de 2002 limita os contratantes para realizarem apenas os contratos que nele estão tipificados, assim tem-se ampla liberdade para que as partes do negócio jurídico externem seus interesses e estes sejam regulados no contrato, independentemente de tipificação legal para sua validade.

Conforme o estabelecido no art. 424 do atual Código Civil, “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”. Dessa forma, atendendo-se às normas que estão estabelecidas no dispositivo pátrio, os contratantes poderão formar um contrato que não tem tipificação legal.

Dispõe Vasconcelos apud Boiteux (2001, p. 24), sobre os contratos atípicos que:

Para que um contrato seja tido como legalmente típico é necessário que se encontre na lei o modelo completo da disciplina típica do contrato; para que possa ser tido como socialmente típico, o contrato tem de ter, na prática ou nos usos, um modelo de disciplina que seja pelo menos tendencialmente completo.

Assim, no entendimento do referido doutrinador, o contrato precisa ter a forma de sua elaboração totalmente disciplinada na lei. Será atípico quando, na prática ou nos usos, não houver no código legal um modelo completo que regulamente todas as fases da elaboração do contrato.

Esses contratos inominados não possuem tipificação em nenhum modelo legal, sem previsão no Código Civil, no Código Comercial ou qualquer outra lei esparsa. Na realidade esses contratos nascem pela necessidade das partes na atividade comercial, pois seria impossível constar todos os modelos contratuais na lei. O que se faz necessário, é que não contrariem a lei, os bons costumes e os princípios gerais do direito.

1.1.3 Contratos com conteúdo predeterminado

Os contratos com conteúdo predeterminado ocorrem quando certo indivíduo pretende realizar vários negócios jurídicos, com o mesmo conteúdo, porém com uma quantia indeterminada de contrapartes. Assim, anteriormente à formação contratual, deverão ser reguladas as cláusulas que serão aplicáveis à totalidade de relações negociais.

Alguns exemplos deste tipo de contrato são os contratos obrigatórios, contratos por adesão e cláusulas gerais de contratação, que estão sendo utilizadas amplamente no período atual.

Segundo doutrina, verifica-se que:

Em todos esses casos fica reduzido o espaço reservado no direito do século dezenove para a liberdade contratual, levando alguns autores a questionar a própria permanência da idéia de liberdade contratual. (BOITEUX, 2001, P. 24)

Assim, tem-se a redução do poder de liberdade das partes contratantes de estipularem cláusulas ou de realizarem o contrato de acordo com sua preferência, ficando adstritos a aceitarem ou não a proposta.

Normalmente, esses contratos são configurados pelo monopólio de algum fornecedor, que elimina a concorrência para realizar o negócio jurídico. Essa modalidade contratual caracteriza-se por permitir que apenas uma das partes contratantes estipule previamente o conteúdo do contrato.

1.2 Elementos do negócio jurídico

Na classificação dos elementos são divididos em essenciais, naturais e acidentais. Estes são acrescidos no ato para modificar alguma de suas características naturais; os mais comuns são a condição, o termo e o encargo. Esses são as consequências que decorrem do próprio ato, sem necessidade de mencioná-lo; a exemplo são os vícios redibitórios e a evicção. Aqueles são os elementos que serão estudados neste tópico.

Conforme o artigo 104 do Código Civil são elementos essenciais para a validade do negócio jurídico: o agente capaz; o objeto lícito, possível, determinado ou determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei. Neste quadro, é importante inserir a vontade como elemento do negócio jurídico, ou ainda, a existência de declaração de vontade.

Os elementos essenciais do negócio jurídico são aqueles indispensáveis para sua constituição, eles caracterizam, qualificam e dão forma aos atos jurídicos.

1.2.1 Agente capaz

Agente capaz é a aptidão de determinada pessoa para a realização de atos jurídicos que gerarão obrigações sinalagmáticas, podendo esta pessoa responder por estes atos.

Conforme o doutrinador Venosa (2005, p. 403):

A capacidade é conceito, portanto, referente à idoneidade da pessoa para adquirir direitos ou contrair obrigações no universo negocial. Não é só isso, contudo. O conceito de capacidade estende-se a outros fatos e efeitos jurídicos, principalmente aos fatos ilícitos e à responsabilidade civil deles decorrentes.

A capacidade jurídica pertence, em regra, a todos os seres humanos, porém sob determinadas circunstâncias as pessoas naturais não possuem capacidade de exercício, por questões de idade, saúde física ou mental, dessa forma, são chamadas de incapazes.

Os agentes incapazes deverão ser representados, como regra geral, para o exercício dos atos da vida civil. Os absolutamente incapazes serão representados, instituto da representação, enquanto os relativamente incapazes serão assistidos, instituto da assistência.

Os atos praticados pelos absolutamente incapazes, sem seus representantes, serão sempre nulos, pois a lei não tutela a negligência do contratante que deveria ter se certificado da capacidade da outra parte, já os atos praticados pelos relativamente incapazes são anuláveis, podendo ser confirmados por seus representantes.

Conforme o artigo 5º, do Código Civil, também cessará a incapacidade para os menores:

Pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, por instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; pelo casamento; pelo exercício de emprego público efetivo; pela colação em curso de ensino superior; e pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Para a caracterização do ato válido, o Código Civil requer agente capaz. Este requisito deverá estar presente no momento do ato, pois a capacidade obtida posteriormente à concretização do ato não será suficiente para sanar a nulidade.

1.2.2 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável

Para que o negócio jurídico possa ser concretizado de maneira eficaz faz-se necessário, além do consentimento e a capacidade das partes, que o objeto seja lícito, ou ao menos que seja aceitável pelo ordenamento jurídico e pelos bons costumes.

Pode-se dividir o objeto em imediato, que são os efeitos jurídicos do negócio; e mediato, que aquilo sobre o que recaem os efeitos jurídicos.

Conforme artigo 104 do Código Civil, o objeto deve ser lícito - que não contrarie a lei ou aos bons costumes -, possível - o que estiver dentro das forças humanas -, e determinado no próprio ato ou pelo menos determinável em um momento subseqüente.

1.2.3 Forma prescrita ou não defesa em lei

A forma é o meio pelo qual se externa a manifestação da vontade nos negócios jurídicos, para que possam produzir efeitos jurídicos. Assim, devem seguir a forma prescrita em lei ou aquela que não seja proibida por esta.

A forma livre é a regra, sendo esta a manifestação do artigo 107 do Código Civil: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

O simples consentimento já obriga, sem a necessidade de observância de solenidades. Verifica-se que a exteriorização da vontade pode ocorrer pela escrita, ou verbalmente, ou ainda por gestos. Até mesmo o silêncio em alguns casos, pode criar o negócio jurídico.

De acordo com Venosa (2005, p. 405-406):

Em numerosos casos, a lei exige das partes, para a própria garantia dos negócios, forma especial. É o caso, por exemplo, da compra e venda de imóveis de valor superior a um mínimo legal, dos pactos antenupciais e das adoções, em que requer a escritura pública. Já outros atos não dependem de solenidade. Há contratos que têm forma absolutamente livre, enquanto para outros exige-se ao menos a forma escrita.

Os negócios jurídicos que necessitam de forma especial são ditos contratos formais ou solenes. A lei exige forma especial nos contratos que produzem consequências maiores no patrimônio das partes, como é o caso da compra e venda de imóveis com valor superior a trinta vezes o salário mínimo.

Com a forma especial, o legislador quis alertar os contratantes acerca das consequências de sua manifestação, para que assim possam tomar mais cuidado ao formar o contrato assumindo um consentimento esclarecido, devendo respeitar a forma escrita sob pena de nulidade do contrato.

1.2.4 Declaração de vontade

Sendo as partes titulares de seus direitos, estas sabem o que fazem por serem as mais indicadas a defenderem seus interesses, pelo menos em tese. É o que se espera de uma pessoa de capacidade média, por isso se considera o equilíbrio entre as partes, ou seja, o equilíbrio contratual.

Este é um dos elementos que deve estar presente em todos os contratos, pois ocorrendo um fato que gere o desequilíbrio contratual deve este fato ser imediatamente solucionado, tendo suas obrigações readequadas para não gerar muito prejuízo a uma das partes ou ainda ser resolvido o contrato para que se retorne ao equilíbrio encontrado no momento de sua celebração.

No contrato de adesão, não se observa a fase da negociação preliminar, fase esta em que as partes contratantes devem entrar em acordo sobre as cláusulas que terá o contrato. Dessa forma o aderente deve aceitar ou não a proposta elencada no contrato, estando sua expressão de vontade restrita justamente por não poder opinar acerca das cláusulas contidas no contrato por ele celebrado.

O artigo 423 do Código Civil de 2002 defende a parte hipossuficiente da relação contratual, qual seja o aderente, interpretando as normas do contrato que tiverem duplo sentido ou forem de difícil entendimento a favor deste último.

De acordo com Cimbali apud Branco (2006, p. 96):

O fundamento da obrigatoriedade do contrato é a vontade a serviço do organismo contrato. A vontade é importante para a formação do contrato. Se houver erro ou faltar vontade, não há contrato. É a lei que pela função social do contrato atribui efeitos a este, nascido pela união das vontades, que objetivadas resultam no contrato.

Com o entendimento do referido doutrinador, ocorrerá a obrigatoriedade do contrato a partir do momento em que as partes manifestarem sua livre vontade em aceitá-lo de maneira que não ocorra qualquer vício de vontade e assim possam nascer os efeitos legítimos do contrato.

De acordo com o artigo 478 do Código Civil de 2002, são requisitos para a resolução do contrato: a) contrato de execução continuada ou diferida; b) fato extraordinário e imprevisível; e, c) onerosidade excessiva para uma das partes e vantagem exacerbada para a outra parte. Se todas estas circunstâncias ocorrerem em determinado contrato se verificará o desequilíbrio contratual, podendo assim, a parte prejudicada pedir a resolução do contrato.

Para que a relação contratual volte à situação quo ante faz-se necessário que a parte prejudicada queira a revisão do contrato - também conhecida como teoria da imprevisão ou cláusula rebus sic stantibus -, direito este que com a interpretação do artigo 317 do Código Civil de 2002 permite ao juiz revisar o contrato adequando as prestações de maneira que se restabeleça o equilíbrio na relação contratual.


2. PRINCÍPIOS NORTEADORES CONTRATUAIS

2.1 Princípio da autonomia da vontade

A autonomia significa poder impor certas regras conforme sua conduta; é o princípio que confere aos indivíduos o poder de criar relações na órbita do direito, voltadas a satisfação de seus interesses. A priori, a vontade contratual somente sofre limitação diante de uma norma de ordem pública.

De acordo com Kant apud Santiago (2005, p. 29), “O princípio da autonomia é, pois, não escolher de outro modo mas sim, deste: que as máximas da escolha, no próprio querer, sejam ao mesmo tempo incluídas como lei universal.” A autonomia proporciona ao indivíduo o direito de escolher de acordo com sua conveniência, caracterizando sua escolha como um acordo entre os contratantes.

Este princípio abrange a liberdade de contratar - que é a liberdade da pessoa em celebrar ou não determinado contrato e ainda escolher qual será o outro contratante - e a liberdade contratual - que é a liberdade para estabelecer as cláusulas contratuais, inclusive celebrar contratos atípicos (SANTIAGO, 2005, p. 31).

A autonomia da vontade sofre “limitações nas idéias da ordem pública e de bons costumes” (SANTIAGO, 2005, p. 32), ou seja, deve prevalecer o objetivo da coletividade sobre os individuais e ainda que a população tenha consciência ética acerca da extensão de suas atitudes.

A expressão “limitações de ordem pública” significa que nenhum contrato pode ferir qualquer dispositivo constitucional gerando danos à população, forma o complexo de princípios e valores que organizam a formação política e econômica da sociedade.

Já os bons costumes, são regras morais, não escritas, aceitas pela sociedade, caracterizando o comportamento da população de modo a formar uma consciência ética com a observância destas.

2.2 Princípio da pacta sunt servanda

O princípio da obrigatoriedade dos contratos, que segue a máxima pacta sunt servanda, apregoa o cumprimento do contrato e faz lei entre as partes, ou seja, o pacto realizado entre as partes deve ter a execução total de seu conteúdo não havendo o rompimento do contrato.

Dessa forma, com o contrato concluído, ele deve permanecer imutável em suas disposições, não podendo ser modificado pela vontade unilateral de um dos contratantes nem mesmo pela interferência do Juiz. Se os requisitos exigidos na celebração do contrato forem alcançados estará se cumprindo o acordo celebrado e havendo a manutenção da relação jurídica.

Conforme Loureiro (2008, p. 71):

A doutrina da autonomia da vontade constitui o fundamento da força obrigatória dos contratos. O engajamento contratual é obra da vontade e as partes restam vinculadas porque a lei reconhece à vontade humana uma força criadora de direitos e obrigações. Sobre o plano jurídico, esse princípio traduz, por sua vez, o respeito à palavra dada e à segurança das transações.

Essa obrigatoriedade é a base do direito contratual; com o acordo de vontades o contrato torna-se irretratável. Os contratantes devem cumprir o contrato, sob pena de execução patrimonial, aplicando-se o princípio da força obrigatória dos contratos, fator que gera segurança para os negociantes.

No mesmo sentido, Venosa (2005, p. 407) sustenta que “ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz, como princípio, intervir nesse conteúdo.” Verifica-se com este princípio que as partes deverão cumprir o pactuado, pois o celebraram de comum acordo e só poderão resolvê-lo com o consentimento de ambos.

O princípio da obrigatoriedade é limitado pelo princípio da relatividade, pois o contrato obriga somente as partes, não se aplicando além deste limiar.

2.3 Princípio da relatividade

O princípio da relatividade não se aplica apenas às partes, mas também ao objeto. Tem-se como regra geral que o contrato só produzirá efeitos para aqueles que dele participam.

Este princípio determina que a vontade manifestada pelas duas partes contratantes só criará lei entre estas, não atingindo e nem prejudicando terceiros, exceto quando o contrato contenha uma terceira pessoa que deve participar do acordo e esta desavisada não concordar com o teor do contrato celebrado. (SANTIAGO, 2005, p. 39)

Nesse mesmo sentido se posiciona Venosa (2005, p. 407) ao dizer que os princípios gerais, às vezes, tem exceções à regra estendendo seus efeitos a terceiros, sendo o caso das estipulações em favor de terceiro (artigos 436 a 438 do Código Civil de 2002).

A aplicação deste princípio também não é absoluto, comportando certas exceções de acordo com a doutrina como é o caso da estipulação em favor de terceiros; o contrato por terceiro e o contrato com pessoa declarar.

Assim, pode-se dizer que o contrato não produz efeitos a terceiros, exceto nos casos previstos em lei. O “terceiro” deve ser considerado como estranho à relação contratual e aos efeitos pretendidos do negócio. Não se podendo olvidar que o contrato pode gerar reflexos indiretamente nessas terceiras pessoas.

2.4 Princípio da boa-fé

O princípio da boa-fé é dividido em boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. Aquela diz respeito à maneira de interpretação do contrato e esta se refere à lealdade, honestidade e confiança.

Segundo afirma Leal apud Santiago (2005, p. 62), a boa-fé subjetiva envolve “conteúdo psicológico, confundindo-se com o instituto da lealdade e fundamentada na própria consciência do indivíduo, o qual teria sua íntima e particular convicção, certa ou errada, acerca do Direito”. A boa-fé subjetiva está ligada ao campo da hermenêutica, o qual prevalecerá a intenção manifestada pela declaração de vontade sobre a linguagem literal.

O Código Civil de 1.916 já consagrava a boa-fé subjetiva, texto repetido no atual Código Civil que expressa em seu artigo 112: “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Acerca da boa-fé objetiva se posiciona Santiago (2005, p. 62):

Pelo princípio da boa-fé objetiva, as partes devem se auxiliar mutuamente tanto na celebração quanto na execução do contrato, comportando-se com lealdade, honestidade e confiança. Daí se conclui que a boa-fé objetiva tem uma função negativa, visando impedir a ocorrência de comportamentos desleais (obrigação de lealdade); bem como uma função positiva, objetivando promover a cooperação entre as partes (obrigação de cooperação).

Observa-se o esforço das partes com vistas a equilibrar a contratação, expressando-se com clareza e evitando que ocorra o enriquecimento sem causa de uma das partes.

Com a previsão da boa-fé no direito contratual, exige-se que os contratos de qualquer natureza devam ser escritos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis.

A redação dos contratos deve dispor de clareza e facilidade em sua compreensão, pois a redação obscura pode incutir a intenção de confundir ou enganar a parte contrária, e a redação com fontes pequenas caracteriza a má-fé, o que pode resultar na interpretação contratual de forma a favorecer a parte lesada.

2.5 Princípio da função social

O princípio da função social, mesmo presente desde 1.988 na Constituição Federal e em 2.002 no Código Civil brasileiro, é pouco conhecido e aplicado no direito pátrio, tendo pouca propagação no mundo jurídico.

Segundo Gama (2007, p. 01):

No direito brasileiro contemporâneo, há crescente desenvolvimento de estudos e pesquisas relacionadas à temática da função social no âmbito dos institutos jurídicos em geral, não escapando o Direito Civil de tal consideração. Fenômenos verificados no bojo da parte do sistema jurídico mais conhecido como Direito Privado, como a descodificação, a criação de microssistemas legislativos, a constitucionalização e a recodificação, apresentam significativa influência da idéia da função social no âmbito das situações jurídicas existenciais e patrimoniais.

Pode-se verificar que este princípio está se desenvolvendo a partir de pesquisas que confrontam o direito material ao caso concreto ocorrendo uma recodificação, ou seja, a interpretação dos casos conforme a lei positivada.

A modificação se passa com o antigo individualismo que dá lugar à nova concepção de contrato, dando preferência ao atendimento do interesse público sobre o privado, privilegiando a coletividade em detrimento do individual.

Conforme afirma Lôbo apud Santiago (2005, p. 78-79):

O princípio da função social determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentarem.

 Assim, em uma relação jurídica obrigacional que apresentar algum interesse social, este deve ser atendido e a partir dele o contrato deve ser realizado, sempre se levando em consideração o interesse coletivo.

Gama (2007, p. 03) afirma ainda que:

A doutrina da função social emerge como uma matriz filosófica apta a restringir o individualismo, presente nos principais institutos jurídicos, face os ditamos do interesse coletivo, a fim de conceder igualdade material aos sujeitos de direito.

Dessa forma, ocorre uma transição do individualismo para a sociabilidade, encontrando limites no poder de estipular cláusulas contratuais, onde os institutos jurídicos no Direito Civil derrubam a exacerbação do individualismo e propiciam o atendimento ao mínimo existencial da pessoa humana.

Este item será desenvolvido com mais importância no título três deste trabalho.

2.6 Efeitos dos princípios contratuais

Com a nova visão da teoria da relatividade dos efeitos do contrato não mais se espera a simples vinculação e a realização de certa prestação de serviço entre as partes, mas que esse contrato não gere efeitos danosos e injustos a terceiros, (SANTIAGO, 2005, p. 60).

Deve ser analisada tanto a função que o contrato exercerá, respeitando os limites impostos pela lei, ou seja, não prejudicando os interesses de terceiros, quanto a função que deve ter perante a coletividade, imperando o interesse público sobre o privado.

O princípio da boa-fé é um dos elementos básicos para a consecução do contrato. Ele é dividido em boa-fé objetiva, que se refere à lealdade entre os contratantes devendo haver a cooperação mútua para alcançar o resultado esperado por ambos; e, a boa-fé subjetiva que é a real manifestação de vontade, representando a aceitação do contrato por consenso das partes, como o próprio Código Civil de 2002 expressa no art. 112, dizendo que deve ser atendida mais a intenção do que o próprio texto escrito.

A partir do equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos se caracteriza uma sociedade mais justa, surgindo com a premissa da igualdade entre as partes e pronto atendimento à população o novo princípio da função social do contrato aparece pela primeira vez na Constituição de 1934, como afirma Santiago (2005, p. 72):

A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar do interesse social como condicionante da propriedade; a Constituição de 1946 previu a expropriação como sanção específica para o desrespeito a esse interesse social, a expropriação com base nesse interesse; e, a partir da Constituição de 1967, as Leis Fundamentais brasileiras passaram a utilizar expressamente o termo ‘função social’.

O artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal de 1988 determina que a propriedade atenderá a sua função social. Com isso, verifica-se que se estabelece a supremacia do interesse social sobre o privado, reforçando a idéia de que tanto na propriedade quanto nos contratos deve ser observado o caráter social, ou seja, que represente uma manifestação positiva para a sociedade e não somente para as partes contratantes.

A função social do contrato reforça o princípio da conservação dos contratos (DINIZ apud SANTIAGO, 2005, p. 83) Assim verifica-se que, quando a função social está presente nos contratos, estes poderão ser revisados para que haja o equilíbrio entre as partes, caso contrário poderiam ser resolvidos havendo a extinção do contrato, não se levando em conta o princípio da preservação da relação jurídica.

2.7 Princípio ou norma jurídica

O princípio da função social está regulado em lei, por isso deixou de ser princípio implícito para se tornar princípio explícito com a nova redação do Código Civil, a partir de então deve ser chamado de princípio explícito ou norma jurídica? E como se pode diferenciar o princípio de uma norma?

A norma jurídica no entendimento de Gusmão (2000, p. 79) é aquela que está positivada em um texto jurídico, seja nacional ou internacional, prescrevendo as condutas que devem servir de orientação para o aplicador da lei:

(...) é a proposição normativa inserida em uma fórmula jurídica (lei, regulamento, tratado internacional etc.), garantida pelo poder público (direito interno) ou pelas organizações internacionais (direito internacional). Proposição que pode disciplinar ações ou atos (regras de conduta), como pode prescrever tipos de organizações, impostos, de forma coercitiva, provida de sanção. Tem por objetivo principal a ordem e a paz social e internacional.

São os ordenamentos jurídicos que devem ser seguidos pela totalidade da população, os que estão escritos, seja o ordenamento que regula o comportamento das condutas que ferem a incolumidade física de outras pessoas, seja o ordenamento que regula questões atinentes às relações jurídicas, tendo uma pena em caso de seu descumprimento.

No entendimento de Diniz (2000, p. 273), a expressão ‘norma jurídica’:

É imperativa porque prescreve as condutas devidas e os comportamentos proibidos e, por outro lado, é autorizante, uma vez que permite ao lesado pela sua violação exigir o seu cumprimento, a reparação do dano causado ou ainda a reposição das coisas ao estado anterior.

Para a referida doutrinadora, a norma jurídica é aquela que expressa seu conteúdo proibitivo, punindo aqueles que não a acatarem, podendo ainda fazer com que a pessoa lesada seja restituída ou tenha seu bem transformado em seu estado quo ante.

E o vocábulo princípio* que Prata apud Santiago (2005, p. 85) define como fonte para interpretação judicial dos contratos, que têm, via de regra, sua função principal como fonte orientadora, porém não excluindo seu papel com aplicação direta.

(...) orientação que informa o conteúdo de um conjunto de normas jurídicas, que tem de ser tomado em consideração pelo intérprete, mas que pode, em alguns casos, ter direta aplicação. Os princípios extraem-se das fontes e dos preceitos através da construção científica e servem, por sua vez, de orientação ao legislador na definição de novos regimes.

Segundo o entendimento desta doutrinadora, os princípios servem, sobretudo, como um referencial para o aplicador do direito, para que possa se orientar na aplicação in concretu, mas também podem ter sua aplicação direta como exceção em alguns casos.

Conforme expõe Santiago (2005, p. 89), os princípios jurídicos a partir do momento em que se encontram positivados deixam de ter o status de princípios implícitos para se tornarem princípios explícitos ou ainda conforme alguns doutrinadores passam a ser considerados como norma jurídica.

Nery Junior apud Santiago (2005, p. 89) adota o seguinte posicionamento:

Uma vez incluídos no direito positivo, deixam de ser princípios gerais, passando a caracterizarem-se como cláusulas gerais, lembrando que as cláusulas gerais têm natureza jurídica de norma jurídica, fonte criadora de direitos e obrigações.

Dessa forma, fica o entendimento que se o princípio explícito passa a ser considerado como norma jurídica e esta tem aplicação cogente todos os contratos devem seguir o exposto no artigo 421 do Código Civil, que diz que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, ficando obrigado o exercício da função social em todos os contratos, podendo o juiz aplicar de ofício o referido neste artigo do Código Civil de 2002, a qualquer tempo e grau de jurisdição considerado.

Deve-se tomar o devido cuidado para que a função social não se alastre demasiadamente. Importante lembrar que deve existir um equilíbrio contratual de maneira que a função social não prejudique a função individual do contrato e por conseqüência resulte em prejuízo para a coletividade (SANTIAGO, 2005, p. 100).

Frente ao impasse de se cobrar a aplicação do princípio da função social como cláusula geral, deveria conter no bojo do artigo 421 punição para os contratantes que desrespeitassem tal norma, função esta que atualmente cabe ao juiz aplicar a lei ao caso concreto, julgando conforme a situação.

Por não ter uma posição definida perante a dicotomia “princípio” e “cláusula geral”, Gama (2007, p. 16) defende a orientação de que a função social deve ser considerada e interpretada como cláusula geral perante os contratos realizados na vigência de Código Civil de 2002.

A expressão função social deve ser tida como cláusula geral, permitindo ao jurista uma reflexão e construção de acordo com os valores éticos, econômicos e sociais. Não pode o intérprete e aplicador do direito se manter apático diante das transformações ocorridas no seio social, mormente quando esse comando é determinando pelo próprio legislador constituinte.

Ao considerar a função social do contrato como cláusula geral estará permitindo que todos os aplicadores e intérpretes da lei possam fazer uso de tal princípio, e assim, justifiquem suas decisões de maneira tal que não reste dúvidas sobre a necessidade do emprego deste princípio para a obtenção de um contrato que atenta às necessidades sociais.

Do mesmo modo, a função social passa a ter sua aplicação obrigatória, pois está positivada no direito civil prescrevendo as atitudes que devem ser seguidas e a possibilidade de exigência do seu cumprimento em caso de comportamento proibido e ainda a possibilidade de reparação dos danos sofridos.

Delgado apud Branco (2006, p. 157), explica o significado da cláusula geral do artigo 421 ao dizer que:

Serve, portanto, como norma para solução de casos concretos e para integração sistemática das normas gerais do direito contratual postas no Código Civil com as leis extravagantes que disciplinam os contratos, tendo papel de cânone hermenêutico.

O significado da cláusula geral tem a função de dirimir conflitos e como meio de integração do Código Civil junto com as demais leis esparsas, servindo como base para interpretação. Os princípios do Código Civil submetem todas as regras que disciplinam a liberdade contratual, por isso, o princípio da função social do contrato atinge todos os contratos, mesmo os que estão fora do Código.

A função social do contrato pode ser vista sob dois prismas, no sentido de finalidade social levando a concepção negativa de liberdade de contratar, que se configura quando o contrato cumpre o papel pelo qual foi criado sem causar prejuízos a terceiros; e no sentido estrito, corresponde à visão positiva da liberdade de contratar, não bastando o simples fato de não causar danos à sociedade, mas que produza benefícios para a coletividade.

A concepção negativa de liberdade de contratar é definida no artigo 421 do Código Civil de 2002, quando diz que a liberdade de contratar será exercida nos limites da função social e a concepção positiva, quando exprime que será exercida em razão da função social.

Com o entendimento de Azevedo apud Guimarães (2004) acerca da função social do contrato dentro da ordem social, verifica-se que:

(...) a idéia de função social do contrato está claramente determinada pela Constituição, o fixar como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro (...).

Com isso, se entende que por estar previsto no ordenamento pátrio deve ser respeitado tal princípio como norma jurídica, ensejando dessa forma a aplicação pelo magistrado em todos os contratos.

Dessa forma, a função social do contrato deve ser encarada como um princípio que ingressou no ordenamento jurídico, caracterizando assim a norma jurídica, a qual é utilizada e conhecida pelos aplicadores do direito como cláusula geral.


3. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Conceituando a função social se pode entender melhor seu papel significante nos contratos. De acordo com Bobbio apud Santiago (2005, p. 76), se traduz a função* como a “prestação continuada que um determinado órgão dá para a conservação e desenvolvimento, segundo um ritmo de nascimento, crescimento e morte, de todo o organismo, é dizer, do organismo considerado como um todo.” Ou seja, é a ligação que existe entre algo para a realização de um determinado acontecimento, este dependendo daquele.

No entendimento de De Plácido e Silva apud Santiago (2005, p. 76), a função é o direito ou dever de agir em que uma pessoa é incumbida por lei para assegurar a realização de uma missão. Dessa forma, é possuidor da função um funcionário público, pois age impelido no seu dever no qual foi-lhe atribuído através de uma lei.

Para Bonavides apud Santiago, o vocábulo social* é de grande imprecisão semântica, por isso não se conceitua precisamente, (2005, p. 76). Caracterizando-se assim, uma dificuldade para sua tradução por não ter um conceito exato.

Se acordo com o conceito de Hedemman apud Santiago (2005, p. 76), a palavra social significa “el punto de partida ideológico de la contraposición entre pobres y ricos o, como frecuentemente se dice en la literatura científica, entre los que tienen bienes y los desheredados”*. Assim, pode-se verificar que o verbete social tem a ver com a denominação da classe em que se encontra determinada pessoa, separando-as de acordo com seu status na sociedade.

É com a junção dos vocábulos função e social que se tem a função social, que Gorla apud Santiago (2005, p. 77) contribui para exemplificar o modelo de contrato que não atende a função social:

Un contrato que se dirija a realizar intereses fútiles, caprichosos, que no representen ningún interés para la sociedad o ninguna ‘utilidad social’, un contrato ‘socialmente fútil o improductivo’ no sería digno del reconocimiento jurídico, sino que sería jurídicamente indiferente.*

Com este posicionamento, pode-se verificar que, ao não atender os interesses sociais, da coletividade, o contrato deixa de ter sua função útil do mundo jurídico, não devendo, dessa forma, ter o reconhecimento jurídico.

Renner apud Branco (2006, p. 102) se posiciona de maneira contrária perante os caracteres da função social ao afirmar que:

A função social (...) é representada por todo o complexo de efeitos que um instituto jurídico exercita sobre a sociedade: ‘le funzioni particolari si fondono nell´única funzione sociale’*. (...) não é, portanto, um meio de realização do princípio da socialidade, mas o conjunto de funções econômicas que atingem a sociedade na sua complexidade.

Assim, não se entende que haverá a supremacia dos interesses sociais toda vez que houver colisão com os interesses individuais, mas a consideração que cada instituto jurídico exerce sua função social vinculado no modo de produção da sociedade, qual seja o modo capitalista. Verifica-se que é inerente aos institutos jurídicos sua capacidade de conter a função social, não necessariamente atendendo a dicotomia indivíduo/coletividade.

De acordo com o ponderamento de Comparato apud Godoy (2004, p. 111), com a união dos termos “função” e “social” se tem o propósito de garantir que os fins almejados no contrato não se reduzam à realização dos interesses individuais das partes.

(...) quando se fala em função, tem-se, em geral, a noção de um poder de dar destino determinado a um objeto ou a uma relação jurídica, de vinculá-los a certos objetivos; o que, acrescido do adjetivo ‘social’, significa dizer que esse objetivo ultrapassa o interesse do titular do direito – que, assim, passa a ter um poder-dever – para revelar-se como de interesse coletivo.

As partes contratantes devem fazer com que seu contrato beneficie a coletividade em si, atendendo o interesse comum e prevalecendo o que melhor acolher à pretensão pública. Não é permitido efetivarem apenas suas pretensões individuais colimadas, sendo consoante com a compreensão de Popp apud Godoy (2004, p. 115) ao se referir à função social do contrato como um mecanismo que intervém para que ocorra a diminuição da desigualdade e se possa ampliar a liberdade das partes contratantes.

No mesmo sentido se posiciona Cimbali apud Branco (2006, p. 90):

A função social serve para temperar o excesso de egoísmo existente entre as classes e para assegurar um maior grau de cultura e força para cada particular. Por isso o Estado ingere para garantir higiene, moralidade e educação dos operários, bem como modera a concorrência ilimitada do capital, impede os efeitos desastrosos do monopólio (...). Em resumo, o Estado tempera certas desigualdades para evitar conflitos que surgem do progresso da sociedade.

Pode-se verificar assim que, o instituto da função social surgiu como maneira de diminuir as desigualdades entre as classes e consequentemente aumentando a força dos indivíduos contratantes. Para evitar o prejuízo da parte mais fraca, aparece o Estado administrando os efeitos que a sociedade em desenvolvimento produz de maneira tal que ameniza as desigualdades e beneficia a justiça social.

Cimbali apud Branco (2006, p. 96) compreende a função social e o contrato de maneira integrada no mundo jurídico e ainda que a liberdade e a função social não precisam necessariamente ser contrárias, mas são elementos diferentes de um mesmo problema.

Em matéria de contratos, pode-se dizer que houve uma mudança na forma de sua elaboração, passando do Estado Liberal, individualista, para o Estado Social, que preza a igualdade social, desempenhando grande contribuição à nova visão do contrato e possibilitando uma outra interpretação do solidarismo social (GODOY, 2004, p. 126).

Com a evolução da forma de elaborar contratos, pode-se considerar que houve grande desenvolvimento nesta área em se tratando de sua interpretação, pois hodiernamente está mais voltada para a igualdade social.

A função social dos contratos não pode ser divorciada da concepção que norteou o processo legislativo. De fato a lei expõe mais que o legislador, porém para entender o Código Civil faz-se necessário analisar as idéias que nortearam a criação desta lei.

3.1 A contemporaneidade da aplicação da função social do contrato

Em análise doutrinária verifica-se que doutrinadores falam de maneira geral sobre o contrato, sua evolução, sobre princípios contratuais, elementos do negócio jurídico, porém desconhecem a finalidade e a aplicação da função social do contrato. Até dizem que tem como finalidade a distribuição de riquezas, mas acerca de sua aplicação prática não contemplam nada, não dão exemplos.

Na visão de Martins-Costa apud Godoy (2004, p. 156):

A operatividade da função social representa uma forma legislativa em que a concreção especificativa da norma não está já pré-constituída, devendo por isso ser construída pelo julgador, e cada novo julgamento, com auxílio dos precedentes e da doutrina.

Infere-se que para se ter exemplos que servirão de precedentes deve haver julgamentos em favor da aplicação da função social que serão embasados a partir da interpretação deste princípio.

Assim, rara é a doutrina que contempla qualquer exemplo de aplicação da função social do contrato, ensejando sua concretude.

Nesta seara, onde inexistem obras que exemplifiquem a aplicação deste princípio, faz-se necessário a análise de jurisprudências onde esta lacuna será preenchida e demonstrada como de fato está sendo utilizada nos julgamentos contemporâneos.

A priori, serão analisados alguns acórdãos do Superior Tribunal de Justiça. Verifica-se neste acórdão um dos efeitos deste princípio, que reitera os conceitos fornecidos pelos doutrinadores: “A função social do contrato veta seja o interesse público ferido pelo particular.”*

Julgamento que apenas corrobora com a doutrina examinada, onde prevalece o interesse público sobre o privado e o coletivo sobre o individual.

Outro acórdão do Superior Tribunal de Justiça prevalece que é imprescindível a análise dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato na decisão de controvérsia, ainda que se trate de questão de ordem pública.*

Exemplo encontrado em trecho de acórdão do referido Tribunal sobre a aplicação deste princípio:

RECURSO ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPUGNAÇÃO EXCLUSIVAMENTE AOS DISPOSITIVOS DE DIREITO MATERIAL. POSSIBILIDADE. FRACIONAMENTO DE HIPOTECA. ART. 1488 DO CC/02. APLICABILIDADE AOS CONTRATOS EM CURSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 2035 DO CC/02. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS.

O art. 1488 do CC/02, que regula a possibilidade de fracionamento de hipoteca, consubstancia uma das hipóteses de materialização do princípio da função social dos contratos, aplicando-se, portanto, imediatamente às relações jurídicas em curso, nos termos do art. 2035 do CC/02.*

O acórdão faz referência ao artigo 2.035, do Código Civil de 2.002, por se tratar de contrato realizado na vigência do Código Civil de 1.916, porém conforme aplicação deste artigo, o contrato tem seus efeitos regidos pelo atual Código Civil, devendo assim, respeitar o princípio da função social do contrato.

Mais um acórdão do Superior Tribunal de Justiça que diz respeito à aplicação da função social em contrato de prestação de serviços educacionais:

CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. MENSALIDADES ESCOLARES. MULTA MORATÓRIA DE 10% LIMITADA EM 2%. ART. 52, § 1º, DO CDC. APLICABILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. EQÜIDADE. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO.*

O contrato de prestação de serviços educacionais, conforme este acórdão, não pode ter multa moratória superior a 2%, fato que pela interpretação sistemática e teleológica ensejaria um desrespeito a função social do contrato. Pois este contrato deve exercer sua função social que é a prestação de serviços educacionais, beneficiando toda a coletividade, não dando prioridade ao lucro e nem querendo obter um enriquecimento demasiado neste contrato.

Analisam-se agora os acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que são em maior número e versam sobre outras circunstâncias.

Acórdão proferido com o provimento do recurso onde se requereu a revisão contratual no Sistema Financeiro de Habitação, garantindo a efetivação do direito constitucional à moradia:

Os contratos firmados no âmbito do sistema financeiro de habitação têm a função social de efetivar o direito constitucional à moradia. Inclusive, é neste intuito que as condições e encargos contratuais devem ser avençados de modo a permitir o atendimento deste fim. Sendo assim, quando verificada abusividade na cobrança de encargos, é de se permitir a revisão contratual para o fim de readequar o pacto ao seu fim maior.*

Fica evidenciada a concretude da função social do contrato neste acórdão, pois o contrato do Sistema Financeiro de Habitação tem o condão primordial de efetivar o direito à casa própria, direito este com amparo constitucional. Dessa forma, as parcelas do financiamento devem ser readequadas e os juros aplicados devem ser os simples.

 Acórdão que também versa sobre a questão do Sistema Financeiro de Habitação trata do abrandamento da obrigatoriedade contratual:

Os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva flexibilizam o princípio da obrigatoriedade dos contratos e permitem a revisão contratual, a qual já foi oportunizada em primeiro grau de jurisdição.*

Assim, mais um julgamento que prioriza a aplicação do princípio da função social do contrato para revisão contratual em financiamentos realizados para habitação, prevalecendo o direito à moradia sobre o lucro excessivo da outra parte do contrato.

Mais um julgamento que prioriza a observância da boa-fé objetiva e da função social do contrato:

A hodierna doutrina, bem como o atual ordenamento jurídico brasileiro, permitem a revisão dos contratos, já que mitigam o princípio do pacta sunt servanda, sendo que o Novo Código Civil prima pela observância da boa-fé e da função social do contrato, obliterando a observância cega do contratado.*

Verifica-se que o princípio do pacta sunt servanda tem sua mitigação face a aplicação dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, permitindo assim a revisão contratual.

Acórdão de ação revisional de contrato de cartão de crédito:

O princípio clássico da obrigatoriedade dos contratos, bem como os princípios da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, devido à evolução e à complexidade das relações contratuais que se estabelecem hodiernamente, passaram a ser interpretados em conjunto com os princípios modernos da equivalência material das partes, boa-fé objetiva e função social do contrato. Daí que possível e necessária a revisão e modificação do contrato quando nele presentes cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações e prestações desproporcionais para as partes contratantes, sem que se cogite de violação do princípio da pacta sunt servanda.*

É cabível a revisão do contrato quando este estabelece obrigações e prestações desproporcionais para os contratantes, o princípio da obrigatoriedade dos contratos não está sendo violado, mas apenas sofrendo uma limitação frente aos modernos princípios contratuais, quais sejam o da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

Ação de responsabilidade obrigacional de seguro habitacional, com contrato de adesão tem suas cláusulas contratuais com interpretação mais favorável ao consumidor:

1. Em todo o pacto de adesão como o contrato de seguro se lhe aplicam as regras constantes do Código de Defesa do Consumidor, que deve ser interpretado de forma mais favorável ao consumidor.

2. As cláusulas contratuais contraditórias devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, em consonância com a norma inscrita no artigo 47, do CDC. De modo que se faz necessário o reconhecimento da cobertura securitária por vícios de construção, uma vez que inserida na responsabilidade civil do construtor, mais benéfica aos aderentes e apta a cumprir a função social do contrato de seguro habitacional.

3. É de se reconhecer a abusividade da cláusula restritiva, porque desnatura o objeto do contrato de seguro (art. 51, inc. IV, e §1º, II), negando cobertura aos danos mais recorrentes nos imóveis financiados, em afronta à finalidade social do seguro habitacional nos casos de contratos celebrados no âmbito do SFH.*

Inegável é que celebrado o contrato de seguro habitacional e ocorrendo qualquer lesão ao patrimônio segurado, deve o seguro ser acionado e responsável pelo ressarcimento dos reparos, pois há de ser responsabilizado pela cobertura de danos mais recorrentes nos imóveis financiados, atendendo assim sua finalidade social.

Em ação revisional de contrato e encargos, no contrato de abertura de crédito em conta corrente foi limitado a cobrança dos juros à 12% ao ano, excluindo a capitalização e a cobrança de encargos sem previsão contratual:

(...) A VALIDADE DO CONTRATO NÃO IMPEDE A DISCUSSÃO ACERCA DA ABUSIVIDADE DE SUAS CLÁUSULAS. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA 'PACTA SUNT SERVANDA' EM RAZÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE ADESÃO E ONEROSIDADE EXCESSIVA. (...).*

Verifica-se a relativização do princípio da pacta sunt servanda, da doutrina clássica dos contratos, face o princípio da função social - da doutrina moderna dos contratos. Mesmo a obrigatoriedade dos contratos, que faz lei entre as partes, é mitigada quando o contratante é a parte mais fraca da relação, ocorrendo no presente caso com o contrato de adesão somado com a onerosidade excessiva.

Frente às inúmeras jurisprudências recentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que anseiam pela aplicação da função social do contrato, fica claro que este moderno princípio contratual está sendo respeitado e aplicado em praticamente todos os julgamentos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se que a formação do conceito de contrato conhecido hodiernamente foi construído ao longo da evolução do direito contratual, pois teve seu ápice de utilização com o advento da Revolução Industrial, ocorrendo ao mesmo tempo o progresso da sociedade.

Em 2002, ao nascer o atual Código Civil, houve a inserção de alguns elementos do negócio jurídico indispensáveis para a formação válida do contrato, quais sejam: o capacidade do agente, devendo este possuir idade mínima de 18 (dezoito) anos; o objeto do contrato deve ser passível de utilização e poder ser discriminado; não pode ter sua utilização defesa em lei, devendo ser lícito; e a declaração de vontade com o consentimento livre de celebrar o contrato concordando com as cláusulas estabelecidas.

Com a atualização da legislação nacional os princípios contratuais passaram a ser aplicados com maior veemência servindo de orientação para o aplicador do direito. Um desses princípios é a autonomia da vontade que dá aos contratantes o direito de criar as obrigações que serão por eles seguidas; o pacta sunt servanda regula que tudo o que está previsto no contrato deve ser respeitado e cumprido; com a relatividade os efeitos do contrato só aplicam às partes; e com a boa-fé o contrato deve ser celebrado com lealdade, honestidade e confiança.

Quanto à finalidade da função social do contrato, de acordo com a doutrina, se refere apenas a distribuição de riquezas, no entanto deve ocorrer de maneira proporcional e equânime para ambas as partes, pois de acordo com o artigo 421 do Código Civil, o liberdade contratual será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, o que vale dizer que a liberdade de estipulação das cláusulas contratuais ficam limitadas, não podendo desrespeitar a ordem pública e os princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé e da solidariedade.

Dessa forma, um dos efeitos da função social do contrato que está expresso no artigo 421, do Código Civil, é a limitação da liberdade contratual, que tem como base os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade que são fundamentos da Constituição Federal. Sendo assim, os contratos devem respeitar a função social, mas não é por isso que vão deixar de cumprir com sua função precípua, que é a distribuição de riquezas, que não beneficia só as partes, mas toda a coletividade.

A respeito de sua classificação, antes do Código Civil de 2002 era considerada como princípio constitucional, levando-se em conta a extensão interpretativa da função social da propriedade. Hodiernamente, como está inserta no artigo 421 do Código Civil, passa a ser considerada como norma jurídica ou ainda como cláusula geral, tendo sua aplicação obrigatória e ainda a possibilidade de reparação dos danos sofridos por sua não aplicação.

Pelas análises feitas em recentes jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná pode-se constatar que o princípio em estudo está sendo aplicado em praticamente todas as decisões em que é suscitado, verificando-se a importância do tema abordado e em contrapartida a falta de doutrina que viabilize sua utilização no meio jurídico.

Assim, é importante que se ampliem as pesquisas acadêmicas a respeito da função social do contrato visto que há pouca bibliografia sobre a aplicabilidade deste princípio constitucional, ou ainda, cláusula geral do Direito Civil.


REFERÊNCIAS

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Notas

* Do latim principiu, no dicionário eletrônico MICHAELIS quer dizer: 1 Ato de principiar. 2 Momento em que uma coisa tem origem; começo, início. 3 Ponto de partida. 4 Causa primária. 5 Fonte primária ou básica de matéria ou energia. 6 Filos Aquilo do qual alguma coisa procede na ordem do conhecimento ou da existência. 7 Característica determinante de alguma coisa. 11 Lei, doutrina ou acepção fundamental em que outras são baseadas ou de que outras são derivadas: Os princípios de uma ciência.

* Do latim functione, a palavra “função” no dicionário eletrônico MICHAELIS significa: 1 Ação natural e própria de qualquer coisa. 2 Atividade especial, serviço, encargo, cargo, emprego, missão. 3 Ação natural e característica de qualquer faculdade mental. 5 Finalidade. 6 Ato público a que concorre muita gente.

* Do latim sociale, no dicionário eletrônico MICHAELIS significa: 1 Pertencente ou relativo à sociedade. 2 Que diz respeito a uma sociedade. 3 Sociável. 4 Próprio dos sócios de uma sociedade. 5 Conveniente à sociedade ou próprio dela. 6 Relativo, pertencente, devotado ou apropriado ao intercurso ou às relações amigáveis ou por elas caracterizado: Função social. 7 Relativo ou pertencente à sociedade humana considerada como entidade dividida em classes graduadas, segundo a posição na escala convencional: Posição social, condição social, classe social. 8 Relativo à vida do homem em sociedade: Ciências sociais. 9 Sociol Relativo ou pertencente às manifestações provenientes das relações entre os seres humanos, inclusive aquelas que constituem o campo específico da Sociologia: Problemas sociais.

* Texto em espanhol no original. Tradução: “o ponto de partida ideológico da contraposição entre pobres e ricos ou, como frequentemente se diz na literatura científica, entre os que tem bens e aqueles que não tem herança.”

* Texto em espanhol no original. Tradução: “um contrato que se dirige a realizar interesses fúteis, caprichosos, que não representam nenhum interesse para a sociedade ou nenhuma utilidade social, um contrato socialmente fútil ou improdutivo não seria digno do reconhecimento jurídico, senão que seria juridicamente indiferente.”

* Texto em italiano no original. Tradução: “as funções particulares se fundiram na única função social.”

* STJ, REsp 1062589/RS. Recurso Especial. 2008/0114777-9. Relator Ministro João Otávio de Noronha (1123) Órgão Julgador T4 - Quarta Turma. Data do Julgamento: 24/03/2009. Data da Publicação/Fonte: DJe 06/04/2009. RSTJ vol. 215, p. 547.

* STJ, AgRg no Ag 669005/RJ. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. 2005/0049949-5. Relator Ministro Castro Filho (1119) Órgão Julgador T3 - Terceira Turma. Data do Julgamento: 16/02/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 10/04/2006 p. 178.

* STJ, REsp 691738/SC. Recurso Especial. 2004/0133627-7. Relatora Ministra Nancy Andrighi (1118) Órgão Julgador T3 - Terceira Turma. Data do Julgamento: 12/05/2005. Data da Publicação/Fonte: DJ 26/09/2005 p. 372.

* STJ, REsp 476649/SP. Recurso Especial. 2002/0135122-4. Relatora Ministra Nancy Andrighi (1118) Órgão Julgador T3 - Terceira Turma. Data do Julgamento: 20/11/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 25/02/2004. p. 169. REVFOR. vol. 375. p. 313. RSTJ vol. 183. p. 297.

* TJPR - 15ª Câm. Cív. - AC 0491604-7 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Hayton Lee Swain Filho - Unânime - J. 21.05.2008

* TJPR - 15ª Câm. Cív. – AC 0478081-6 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Des. Fábio Haick Dalla Vecchia – Unânime – J. 02.04.2008

* TJPR - 18ª Câm. Cív. – AC 0622605-1 – Ubiratã – Rel.: José Carlos Delacqua – Unânime - J. 11.11.2009

* TJPR - 15ª Câm. Cív. - AC 0623308-1 - Maringá - Rel.: Des. Hayton Lee Swain Filho - Unânime - J. 11.11.2009

* TJPR - 9ª Câm. Cív. - AC 0603614-8 - Londrina - Rel.: Desª. Rosana Amara Girardi Fachin - Unânime - J. 05.11.2009

* TJPR - 13ª Câm. Cív. - AC 0573052-7 - Londrina - Rel.: Desª Rosana Andriguetto de Carvalho - Unânime - J. 01.07.2009


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