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A desvirtuação do papel da pena privativa de liberdade:crítica e revisão bibliográfica

A desvirtuação do papel da pena privativa de liberdade:crítica e revisão bibliográfica

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Debate sobre o verdadeiro papel da pena privativa de liberdade no ordenamento jurídico nacional, de acordo com a literatura atual.

INTRODUÇÃO

As prisões cautelares despertam no ordenamento jurídico pátrio importante debate sobre seus usos e limitações constitucionais. As referidas prisões se encontram no limiar entre um mecanismo para assegurar o devido processo legal e uma ferramenta de abuso do estado, caso utilizada em demasia.

Por esse motivo, essa é uma temática de grande importância para a esfera constitucional e para o contexto processual penal. No Brasil, a Constituição Federal prima pelos preceitos fundamentais de proteção à dignidade humana, no entanto, possui um Código de Processo Penal claramente influenciado pelo autoritarismo, tendo em vista que sua promulgação se deu durante a vigência da ditadura getulista, e mesmo tendo passado por reformas posteriormente, esse seu caráter ainda se faz notar.

Feitas estas considerações iniciais, o presente estudo objetiva discutir a desvirtuação da pena privativa de liberdade.

O estudo se justifica tendo em vista a necessidade de se atentar para os dispositivos constitucionais que primam pela proteção aos direitos fundamentais, juntamente com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. No entanto, concomitantemente, constata-se normas como a do art. 312 do Código de Processo Penal, que permite que seja decretada a prisão provisória para se “garantir a ordem pública”, expressão ampla e genérica que deixa lacunas para a discricionariedade do magistrado quando decide acerca do cabimento ou não de uma determinada prisão, viabilizando, por vezes, que esta prisão seja empregada arbitrariamente. Tal fato contraria normas básicas de princípios legais que possuem implicações também para os detentos, que muitas vezes têm suas vidas e integridades físicas ameaçadas enquanto sob a custódia precária do Estado, mesmo com o preparo adequado dos agentes de segurança.

Relevante também comentar sobre o contexto social em que as prisões cautelares encontram-se inseridas. A sociedade atual é propensa a valorizar mais os efeitos do crime, sem sequer se questionar sobre os efeitos do próprio sistema penal sobre a criminalidade. Ficam em maior evidência, os efeitos do crime e a ideia mais propagada de segurança pública está no desejo de neutralizar indivíduos considerados “perigosos”, ou seja, as classes que vivem à margem do sistema econômico, são também marginalizadas pelo sistema penal.

Para a realização do presente estudo, adota-se a metodologia da revisão literária sobre matérias atinentes à temática abordada.


2 O SISTEMA PUNITIVO NO BRASIL

A prisão, como nova modalidade de punir, teve início no final do século XVIII e início do século XIX, quando, em diferentes países da Europa e do mundo, o sistema judiciário passou por uma mudança teórica da lei penal, em que os antigos suplícios foram abandonados e criou-se a prisão como pena privativa da liberdade (FOUCAULT, 2009).

A prisão como pena da privação da liberdade surge em um momento histórico onde a liberdade é caracterizada como um dos bens mais precioso. Perder a liberdade é pagar um preço, desta forma todos recebem um castigo igualitário. Essa forma também permite quantificar a pena segundo o modelo industrial da época em que foi criada, há uma forma salário da prisão. Retirando o tempo do condenado, a prisão traduz que o delito cometido não prejudicou apenas uma pessoa e sim a sociedade inteira nos seus aspectos econômicos morais. Esta é a razão pela qual usa-se a expressão “pagar a dívida”, referindo-se ao tempo na prisão (FOUCAULT, 2009).

Desta feita, a insegurança e o medo que acometem as pessoas na atual sociedade do risco e que dão azo à instituição de um Estado penal e penitenciário, alimentam impulsos coletivos muitas vezes irracionais ainda vigentes no núcleo da lógica penitenciária. E não somente isso, fazem ainda com que o mecanimos das prisões não se libertem do ideário de vingança, que consubstancia-se em um tratamento penal hostil, através da qual buscam assegurar a estabilidade social e a expiação das frustrações da coletividade.

Após a reforma penal, as prisões não objetivam apenas excluir o criminoso do convívio social, mas, também incluí-lo num sistema de normalização, de fixá-lo a um aparelho disciplinador, formador e reformador. A prisão passa a ser uma máquina para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo.

Na prisão o governo pode dispor da liberdade da pessoa e do tempo do detento; a partir daí, concebe-se a potência da educação que não em um só dia, mas na sucessão dos dias e mesmo dos anos, pode regular para o homem o tempo da vigília e do sono, da atividade e do repouso, o número e a duração das refeições, a qualidade e a ração dos alimentos, a natureza e o produto do trabalho, o tempo da oração, o uso da palavra e, por assim dizer, até o pensamento, aquela educação que, nos simples e curtos trajetos do refeitório à oficina, da oficina a cela, regula os movimentos do corpo e até nos momentos de repouso determina o horário, aquela educação, em uma palavra, que se apodera do homem inteiro, de todas as faculdades físicas e morais que estão nele e do tempo em que ele mesmo está (FOCAULT, 2009, p.222).

Nesse sentido, controlar, vigiar, submeter à normalização, tem o objetivo de enquadrar o preso em regras estipuladas pelo regime interno, levar o criminoso a possuir um comportamento adequado que o bom preso ou presa deveria ter.

Segundo Aguirre (2009, p.57), “a ideia de recuperação do criminoso como principal objetivo da reforma foi de algum modo alterada pelo afã de transformar as prisões em instituições bem administradas” (AGUIRRE, 2009, p. 57).

No entanto, isto não tem ocorrido pois a cada dia que se passa, as prisões brasileiras ficam mais cheias, e o estado continua omisso e negligente quanto a isso, deixando o sistema carcerário chegar a um verdadeiro caos, como o que se vê nas guerras de facções por exemplo. Infelizmente as perspectivas não são boas.

Ao contrário do que se espera, o elevado número de presos no país, dificulta toda e qualquer tentativa de ressocialização, fato que, na ausência, acaba por implicar no aumento de índices alarmantes de regressões, conflitos entre os aprisionados, aumento da transmissão de doenças, além de problemas psicológicos que, por sua vez, tiram dos encarcerados a própria noção de cidadania e direitos.


3 A FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL

Em razão das carências do sistema prisional, o sistema penal não se efetiva como deveria. Age como um espectador, sem legitimidade para fazer valer normas que deveriam ser respeitadas incondicionalmente pelos reclusos. Este sistema não buscou a extinção do problema em suas raízes, mas apenas procedeu à sistematização de regras para reprimir suas condutas. Segundo Leal (2001, p.75):

A Lei de Execuções Penais procurou estabelecer de todas as formas possíveis a estruturação, a distribuição e o modo de execução de cada espécie de pena acolhida pelo ordenamento jurídico. Contudo, tais normas sequer foram atendidas e observadas quando da aplicação efetiva da execução da pena. Assim, foi estabelecida uma certa distância entre as contradições existentes entre estrutura prisional e os seus resultados concretos com os resultados que dela são esperados em decorrência de sua finalidade legalmente formalizada.

Ainda que tenha sido instituído um sistema penitenciário voltado a repressão do condenado, nem sempre esta é dirigida a ele. O delinquente não está mais se inibindo com a possibilidade de ser levado ao cárcere, tamanha é a falência do sistema atual.

Um dos fatores mais preocupantes é a superlotação dos presídios. Devido inaplicabilidade da Lei nº 7.210/84, que determina a classificação dos condenados de acordo com o grau de periculosidade de cada um, evidencia-se o desenfreado envio de detentos aleatoriamente às penitenciárias não considerando o disposto na norma política. Assim, as penitenciárias representam verdadeiros depósitos de seres humanos excluídos de uma sociedade que se julga absolutamente correta.

Segundo Rocha (2002), o principal problema reside no fato de o Estado não investir como deveria no sistema prisional. Não houve a projeção e o acompanhamento adequado do crescimento da população carcerária, que levaria à construção de estabelecimentos adequados a abrigar toda essa população delinquente.

O que se vê hoje são detentos amontoados em celas pequenas, sem as mínimas condições de salubridade, já que estes lugares na maioria das vezes são fétidos, com pouca luminosidade e ventilação. Há muito mais presos do que suporta a capacidade estrutural da prisão, e os detentos são obrigados a se revezar para conseguirem dormir; alguns presos precisam ser amarrados às celas para dar mais espaço aos demais. É o que discute (WATANABE, 2005, s.p):

[...] os internos ficam agressivos, posto que evidencia-se uma verdadeira ofensa à sua integridade física e moral por se verem em precárias condições de habitabilidade, o que aumenta a violência nas prisões, além do que, esta superlotação não ocorre de forma igualitária entre todos os detentos. Ela simplesmente atinge pobres, fracos ou menos influentes dentro da realidade carcerária (WATANABE, 2005, s.p).

3.1 As prisões processuais

As prisões processuais, também conhecidas como prisões provisórias são mecanismos que viabilizam restringir o estado original de liberdade do indivíduo, e devido a isso, só poderão ser decretadas em casos excepcionais, quando e enquanto se mostrarem absolutamente necessárias para assegurar o resultado útil da medida principal, isto é, o processo penal de conhecimento (DUCLERC, 2006).

Segundo o princípio da presunção da inocência, ninguém pode ser considerado culpado até que ocorra o trânsito em julgado da sentença condenatória, no entanto, uma prática muito utilizada no Brasil é a decretação da prisão preventiva, de uma forma banalizada em diversas situações. Sua decretação, na maioria das vezes, parece estar servindo mais para atender o clamor da sociedade por justiça do que pelas suas necessidades.

As prisões provisórias encontradas no ordenamento jurídico pátrio dividem-se em prisão em flagrante, temporária e a prisão preventiva. A prisão provisória, também conhecida como prisão sem pena, é caracterizada e possui essa denominação por ser decretada antes do trânsito em julgado da sentença, no curso da ação penal, ou até mesmo na fase de inquérito policial, como é o caso da prisão temporária (LOPES JR.; ROSA, 2015).

No entanto, na prática, o que acaba acontecendo é que as exigências do processo penal acabam colocando o investigado em uma situação similar à de condenado. Infelizmente as prisões processuais acabam sendo inseridas na dinâmica da urgência, promovendo a sensação ilusória de justiça instantânea frente à opinião pública.

3.1.1 Prisão em Flagrante

Primeiramente, cumpre destacar a origem da palavra “flagrante”, destacando o quanto exposto por Tourinho Filho (2010, p. 654):

Flagrante, do Latim flagrans, flagrantes (do verbo flagrare, queimar), significa ardente, que está em chamas, que arde, que está crepitando. Daí a expressão flagrante delito, para significar o delito no instante mesmo da sua perpetração. Prisão em flagrante delito é, assim a prisão daquele que é surpreendido no instante mesmo da consumação da infração penal.

E nas palavras de Távora e Alencar (2012, p. 560): “[...] uma medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino”.

Ainda, destacando indiretamente o fim a que se dedica referida prisão cautelar, continuam Távora e Alencar (2012, p.560): “permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos”.

Conforme se observa, o intuito maior de referida prisão é justamente “cessar imediatamente a infração”; de maneira que seria inviável esperar ordem escrita da autoridade judiciária competente, porquanto referida ordem demanda tempo, o que tornaria a medida ineficaz.

Elucidando o fundamento da medida cautelar em questão, Rangel (2009, p.683) diz que:

A prisão em flagrante tem como fundamentos: evitar a fuga do autor do fato; resguardar a sociedade, dando-lhe confiança na lei; servir de exemplo para aqueles que desafiam a ordem jurídica e acautelar as provas que, eventualmente, serão colhidas no curso do inquérito policial ou na instrução criminal, quer quanto à materialidade, quer quanto à autoria.

Portanto, além do fundamento de cessar a infração, também está o fundamento de resguardar as provas da infração, sejam elas quanto à materialidade, ou quanto à autoria da infração.

Nucci (2008 p. 587) reafirma esse entendimento, sendo que “[...] assegura-se, prontamente, a colheita de provas da materialidade e da autoria, o que também é salutar para a verdade real, almejada para o processo penal”.

Nestes termos, extrai-se que a prisão em flagrante possui dois fundamentos para sua existência, sendo o primeiro identificado como a cessação da infração, e o segundo como o resguardo das provas acerca da materialidade ou autoria do delito.

Com o fundamento da prisão já exposta, cumpre verificar o seu tratamento legal, bem como suas hipóteses de cabimento. Para tanto, observa-se a Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; [...] (BRASIL, 1988, s.p).

Em interpretação a referido dispositivo, retira-se primeiramente o quanto já exposto, quanto a desnecessidade que esta prisão seja oriunda de autoridade judiciária; para tanto, observa-se que o dispositivo se refere à prisão em flagrante delito ou ordem judiciária competente, tratando, portanto, de institutos diversos, de maneira que conclui-se que referida prisão não precisa ser emanada de algum órgão de jurisdição.

Mais além, ainda, referida prisão pode ser efetuada por qualquer do povo, conforme ensinamento de Nucci (2012, p.70):

A autorização constitucional para a concretização de uma prisão cautelar, sem ordem judicial, decorre da legítima defesa da sociedade em função da ocorrência delituosa. Não teria sentido algum, diante do gritante fato criminoso, aguardar-se qualquer providência da autoridade judicial, que, ademais, não seria encontrada tão rapidamente quanto demanda a situação.

Considerado todos terem legitimidade para efetuar esta prisão, necessário analisar quando a mesma é cabível, por esta razão extrai-se do Código de Processo Penal:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (BRASIL, 1941, s.p).

Neste ponto, percebe-se que a Lei enumerou três tipos diferentes de flagrante, o que chamado pela doutrina como flagrante próprio, flagrante impróprio, e flagrante presumido.

Considera-se flagrante próprio, portanto, segundo Távora e Roque (2012, p.417):

[...] ocorre quando a prisão é efetuada no momento em que a infração penal está sendo cometida (atos executório) ou quando acabou de sê-lo, é dizer, quando os atos executórios já findaram, mas o agente não se desvencilhou do locus delicti ou dos objetos que o vinculem ao fato (incisos I e II). São as situações que mais se aproximam da origem da palavra flagrante.

Assim, conforme visto, o flagrante próprio ocorre no momento em que está sendo executada a infração, ou seja, quanto o agente é pego no exato momento em que está cometendo os atos executórios, ou ainda, quando acaba de cometê-lo.

O flagrante próprio diz respeito ao inciso I e II, do Art. 302; sendo que quanto ao inciso III, trata-se da prisão em flagrante impróprio, esta que, conforme Mirabete (1999, p. 372): “[...] é equiparada a flagrância própria para o efeito da prisão, mas que dela se distingue porque, enquanto esta diz respeito ao próprio cometimento do crime, na sua evidência de atualidade, aquela se refere ao tempo e lugar próximos da infração”.

A diferença encontra-se, portanto, no momento em que o agente é flagrado, sendo que o flagrante próprio é ocorrido no cometimento da infração, enquanto o impróprio ocorre em perseguição “logo após” ter cometido a infração.

No que atine ao flagrante presumido, este está tratado no inciso IV, sendo que, segundo Távora e Roque (2012, p.418): “ocorre quando o agente é preso depois de cometer o delito, com instrumentos, armas, objetos e papéis que façam presumir ser ele o autor da infração penal (inciso IV)”. Ainda, não necessita de perseguição, nem do lapso temporal tão curto quanto do flagrante impróprio.

Sendo assim, estes são os casos previstos como prisão em flagrante, sendo que quanto às inovações trazidas pela Lei 12.403/11, as mesmas cuidam das formalidades do ato, em especial quanto ao artigo 310 do Código de Processo Penal, este que enumera as atitudes a serem tomadas pelo juiz ao receber um auto de prisão em flagrante:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I – relaxar a prisão ilegal; ou

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes no art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III – conceder liberdade provisória com ou sem fiança (BRASIL, 1941, s.p).

Portanto, observa-se que as atitudes a serem tomadas pelo juiz encontram-se taxativamente demarcadas, ressaltando a importância que contém o inciso II, no que atine às medidas cautelares diversas da prisão, estas que, contudo, serão tratadas oportunamente.

3.1.2 Prisão Temporária

A prisão temporária consiste em, segundo Távora e Alencar (2012, p. 593):

[...] prisão de natureza cautelar, com prazo preestabelecido de duração, cabível exclusivamente na fase do inquérito policial – ou de investigação preliminar equivalente, consoante art. 283, CPP, com redação dada pela Lei n.º 12.403/2011 -, objetivando o encarceramento em razão das infrações seletamente indicadas na legislação.

Conforme o narrado, somente é permitida a prisão temporária em infrações contidas em rol taxativo, conforme se verifica no inciso III, do art. 1º, da Lei 7.960/89:

Art. 1º. Caberá prisão temporária:

[...]

III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) Homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2º); b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986) (BRASIL, 1989, s.p).

Do referido dispositivo legal, extrai-se um requisito à decretação da prisão temporária, sendo que é necessário ter fundadas razões, de acordo com provas de autoria ou participação na infração.

No que atine aos demais requisitos, faz-se necessário serem observados os outros dois incisos do citado dispositivo:

Art. 1º. Caberá prisão temporária:

I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.

[...] (BRASIL, 1989, s.p).

Pelo quanto contido na Lei, surge uma dúvida quanto à necessidade de tais requisitos serem preenchidos alternativamente, ou cumulativamente.

A fim de sanar referido problema, toma-se o entendimento de Eugênio Pacelli Oliveira (2011, p.540) quanto à matéria: “a nosso juízo, o inc., II é absolutamente redundante, no ponto em que expressa uma das várias hipóteses enquadráveis no inc. I, no qual se afirma a necessidade da prisão temporária com fundamento na imprescindibilidade da investigação policial”.

Dessa forma, conclui-se que não necessitam estar presentes cumulativamente os requisitos dos três incisos, ou acaso exista entendimento dessa necessidade, em questões prática não surgem diferenças, de modo que, preenchidos os incisos III, e I, indiretamente ou diretamente, encontra-se preenchido também o inciso II do art. 1º, da Lei 7.960/89.

Outro ponto que merece ser ressaltado quanto à referida prisão, é o de que não necessita de alvará de soltura para que o indiciado seja colocado em liberdade, necessitando apenas que se esgote o tempo da prisão, conforme Lei 7.960/89:

Art. 2º. A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade: [...]

§ 7º Decorrido o prazo de cinco dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva (BRASIL, 1989, s.p).

Com a transcrição do art. 2º, acima se extrai também o período da prisão temporária, que é de 5 (cinco) dias, estendendo-se, mediante extrema e comprovada necessidade, por igual período. No entanto, uma única situação foge a essa regra, sendo que tal exceção encontra-se na Lei de Crimes hediondos, Lei 8.072/90:

art. 2º. Os crimes hediondos, a prática da tortura, o trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: [...]

§ 4º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos nesse artigo, terá prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (BRASIL, 1990, s.p).

Nestes termos, conclui-se que o prazo, em regra, para a prisão é temporária, admitindo a exceção quanto aos crimes hediondos e aos a estes equiparados, os quais terão prazo de 30 (trinta) dias; admitindo prorrogação por igual período, mediante extrema necessidade comprovada, em ambos os casos.

3.1.3 Prisão Preventiva

A prisão preventiva é uma medida de caráter cautelar que visa à proteção da eficácia processual, vem conjuntamente com a prisão em flagrante e a prisão temporária. Tem natureza excepcional, sendo teoricamente implantada apenas em último caso quando nenhuma medida menos gravosa lhe convier, por ser uma punição antecipada.

Para Ferrajoli (2007), a única necessidade processual que pode justificar uma coação é a não danificação ou perdas das provas antes do primeiro interrogatório, deste modo, permite que seja levado o acusado a juízo para defender-se sem que haja alteração das provas. Contudo deverá ocorrer apenas em crimes graves. “E esse é um custo que o sistema penal, se quiser salvaguardar sua razão de ser, deve estar disposto a pagar” (FERRAJOLI, 2007, p. 449).

Apesar de o autor salvaguardar esta hipótese, no ordenamento jurídico pátrio, o que mais se aproximaria seria a prisão temporária que tem como objetivo o aprisionamento na fase de investigação policial.

A aplicação legítima segundo o ordenamento jurídico brasileiro ocorrerá com a presença dos requisitos, quais sejam:

O primeiro a se verificar trata-se do fumus boni iuris ou para alguns doutrinadores fumus camissi delicti, representados pela prova de existência do crime e pelos indícios suficientes de autoria.

A prova de existência do crime reporta-se a comprovação da ocorrência do ilícito penal através de exame de corpo delito, documentos, provas e etc. Já os indícios suficientes de autoria, não serão provas concretas, mas sim meros indícios feitos por apontamentos. Não poderá aplicar o in dubio pro societate quando não existirem esses pressupostos.

Outro requisito a ser analisado será o periculum in mora ou periculum libertatis, constitui-se do perigo na demora do início do processo, sendo que se a medida não for adotada quando dada sentença final condenatória poderá esta ser completamente ineficaz. Bastará apenas uma delas para a existência do periculum in mora. São elas: garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal, garantia da aplicação da lei penal, garantia da ordem econômica (RANGEL, 2009, p.715).

A garantia da ordem pública servirá para resguardar a harmonia social, sendo que o indiciado solto poderá praticar novos delitos, ou seja, o impedirá de continuar a delinquir. O clamor popular, pela gravidade do crime cometido não poderá servir como medida autorizadora para aplicação da prisão preventiva, pois o Estado é quem deve garantir a integridade física e mental do indiciado.

No que tange à conveniência da instrução criminal, esta será autorizada a prisão preventiva do acusado quando este de algum modo interferir de maneira a prejudicar o andamento da instrução criminal. Terá a finalidade de assegurar um processo justo e livre de provas contaminadas.

A garantia de aplicação da lei penal só ocorrerá quando houver provas de que o acusado está se desfazendo de seus bens materiais para evitar o pagamento dos prejuízos causados pelo fato criminoso ou que haja a intenção de fuga do agente inviabilizando a sua submissão ao sistema judicial. A fuga não será aceita como elemento, quando não provada de forma cabal nos autos do processo.

Por fim, a garantia da ordem econômica permite a prisão do acusado que perturba o exercício de atividade econômica. Poderá ser decretada em casos previstos nas Leis nºs 8.137/91, 8.176/91, 8.078/90 e outras.

Para Capez (2012, p.331),

[...] o descumprimento da medida cautelar imposta também faz parte do periculum in mora, ou seja, quando descumprida uma medida cautelar prevista no artigo 319, o juiz poderá: decretar outra medida substituindo; cumular a medida ou em ultimo caso, decretar a prisão preventiva. Quando estas medidas não bastarem.

Quando verificado que o agente praticou um fato típico, porém sob uma excludente de ilicitude prevista no artigo 23 do Código Penal Brasileiro (estado de necessidade, em legitima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito) e com a relevante constatação de uma delas, não poderá ser aplicada a prisão preventiva, pois tem-se grande probabilidade de tornar-se depois de sentença penal um fato atípico. Para alguns doutrinadores, apesar de o artigo 314 da lei reformadora não mencionar a excludente de culpabilidade nem tanto as descriminantes putativas também recairiam como hipóteses.


CONCLUSÃO

A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) determina no artigo 1º que a execução da pena tem por objetivo efetivar a sentença e proporcionar condições para a harmônica integração social do apenado, isto é, castigar e promove a ressocialização do preso. Nesse sentido, a pena privativa de liberdade é trazida pelo discurso jurídico como necessária para a ressocialização do indivíduo.

Para tanto, a pena de prisão no Brasil tem por princípios balizadores os seguintes: o princípio da legalidade, que deve balizar toda a atividade do Estado; o princípio da dignidade humana, fundamentado no princípio da humanidade da pena, livre do tratamento cruel, desumano ou degradante, no tratamento digno e na preservação dos direitos fundamentais do indivíduo; o princípio da intranscendência, ou princípio da intransmissibilidade da pena, limitando a ação penal decorrente da prática de um fato ilícito apenas aos autores, coautores e partícipes; o princípio da proporcionalidade, determinando que a pena seja proporcional à gravidade da infração; o princípio da individualização da pena, coerentes com o injusto penal cometido, com a permissão da substituição de uma espécie de pena por outra bem como de sua progressão; o princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade, onde a pena deve ser aplicada e fielmente cumprida; o princípio da suficiência, com a quantificação da pena; princípio da coisa julgada ou vedação ao excesso em execução, percebendo-se ilegal a violação de liberdade do condenado acima do admitido na decisão condenatória, entre outros princípios.

Por fim, tem-se o princípio da reinserção social, decorrente da humanidade das penas, que consiste na reeducação do apenado bem como na sua reinserção na sociedade. Tem como pressupostos o apoio ao reintegrado na sua inserção no mundo exterior, quando o respectivo deixa a carceragem.Entretanto, no âmbito prático, percebe-se que a finalidade da pena no Direito Penal é retribucionista, ou seja, a punição pelo descumprimento de um valor moral, não produzindo a função de ressocialização do preso. Acrescente-se o fato de que existe o entendimento de que uma penalização mais severa deve ser atribuída ao agente que comete delitos com maior repercussão social ou que gerem maior clamor público. Tal conclusão deriva das funções retributiva e de prevenção geral da pena, as quais se fundem, respectivamente, na satisfação do sentimento de vingança coletivo e no caráter simbólico da prevenção ao cometimento de práticas delituosas similares, por outros integrantes da sociedade, em função do temor de serem apenados de forma igualmente grave.

Sobre a pena privativa e o cárcere no Brasil, observa-se que a grande massa carcerária se compõe de indivíduos pobres ou miseráveis. Assim, numa perspectiva mais acurada da realidade brasileira percebe-se que os integrantes da classe média, os ricos e os políticos, ao cometerem algum delito, conseguem um acesso a uma “face mais humana” da legislação.É fato que o Direito penal tem aumentado sua atuação, tendo em vista que a população carcerária brasileira é uma das maiores do mundo. Contudo, não se assiste a uma redução dos alarmantes índices de criminalidade. Na visão dos punitivistas tal fato demonstra que a legislação ainda é permissiva e deve se enrijecer no sentido de criar formas mais duras de punição. Assim, a maior preocupação da sociedade é com a violência urbana, pela proximidade de vítima e criminoso e também pela sua tangência. Sendo assim, para a sociedade em geral, o importante é que o indivíduo que comete um crime seja retirado do convívio social, enjaulado e esquecido para sempre, numa falsa sensação de segurança permanente.

Contrapondo-se ao denominado movimento ‘lei e ordem’, o qual defende maior expansividade do Direito Penal no sentido de corrigir condutas lesivas ao meio social, tem-se o pensamento de uma corrente do Direito Penal adepta do ‘Direito Penal Mínimo’, numa orientação na escolha, pelo legislador, dos bens jurídicos mais importantes e necessários para a harmonia social, excluindo da tutela penal condutas que perderam sua importância com a evolução social e que podem ser protegidas eficientemente por outros ramos do Direito. Tal pensamento decorre do princípio da insignificância que enseja não processar fatos menores, considerando que assim a Justiça ficará desafogada e também o Direito Penal terá sua atuação reduzida.

Contudo, pode-se perceber que, na verdade, a pena é um mal necessário, pois não se pode deixar de observar que, se o Poder Público a renunciasse, obrigando o prejudicado e a comunidade a aceitar a prática de condutas criminosas passivamente, teríamos um grande retrocesso social e, quem sabe, voltaríamos à vingança privada.Todavia, o caráter ressocializador da pena deve ser respeitado e tomado como principal papel em sua aplicação. Assim, o detido em unidade prisional deve estar garantido de dignidade, onde se prima por resgatar a sua autoestima e, doravante, prepara-lo para o convívio em sociedade.

A pena privativa de liberdade deve propiciar meios de amadurecimento do condenado e lançar meios de aproveitamento e incentivo profissional. Dessa forma, somente um projeto totalmente voltado a real recuperação do preso poderá proporcionar condições para que, uma vez cumprida a pena, esses possam ser ressocializados.

Para finalizar, cabe ressaltar que este trabalho se propôs a discutir sobre o atual objetivo das “penas privativas de liberdade”, bem como revisar tal instituto. Com isso podemos observar a distância entre a teoria, na letra fria da da lei, com a prática, dentro de uma cela superlotada.


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Autor

  • Thiago Velozo Trufini

    Formado em Física pela Universiade de Brasília (UnB). Mestre em Física também pela Universidade de Brasília. Pós Graduado (especialização) na área de ensino, pelo IBE. Atualmente Agente de Polícia do DF e com alguns cursos na área de Direito Penal e Segurança Pública.

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