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Importância do Direito Administrativo comparado

Importância do Direito Administrativo comparado

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É através da comparação de direitos que a doutrina rompe a barreira da fronteira, incorporando normas e aperfeiçoando métodos, sempre em busca de uma melhor definição de valores jurídicos.

I. DIREITO ADMINISTRATIVO COMPARADO

"La comparación es un simple instrumento de la comprensión. No hay efectivo conocimiento que no sea coparativo. Pero no hay efectiva comparación que no sea caracteriza por ser una de las más generosamente dotadas de voces gemelas en lengua castellana. El derecho que no comprende, no sabe ni aprende. Comprender, decía el poeta, es en último término, advertir lo bello de lo vulgar, y no lo vulgar de lo bello."

(Eduardo J. Couture, Discurso de apertura como decano de la Facultad de Derecho Comparado. Septiembre-Octobre 1954". Publicación del Centro de ESTÚDIOS de Derecho Comparado, Montevideo, 1955, p. 38).

O direito administrativo, como ramo autônomo, nasceu no início do século XIX, fruto das Revoluções, importando e incorporando princípios constitucionais como marco de atuação deste novo direito. Não resta dúvida nenhuma que, através dos princípios revolucionários, os países que marcharam sob o manto do direito e da democracia importaram estas idéias para o direito interno de suas nações, criando sociedades livres e justas, contra a opressão até então reinante, onde o mais forte era o verdugo do menos abastado.

Assim, pela necessidade de harmonização jurídica, que é objetivo comunitário, a corporação de direitos "é um rasgar de horizontes, o abrir de janelas sobre o mundo, num mundo que o jurista positivista, esclerosado e estatalista (xenófobo, também) julgava acabar na última página do seu Código Nacional." [1]

No presente caso, como o direito administrativo se desenvolveu tardiamente, [2] através de numerosos estudos despontados no início do século XX, onde se pode citar com precisão as laboriosas contribuições de Mayer, Jèze, Laferriére, Dicey, Zanobini, Hauriou e muitos outros, houve a necessidade de se importar as diversas teorias nascidas, que serviriam de esteio para o cenário nacional de cada país. Coube, assim, a comparação de princípios constitucionais, que desaguaram na "Carta das Liberdades", influenciando diretamente o direito administrativo, que aceitou a idéia de que a irresponsabilidade do Estado era coisa do passado, não podendo mais prosperar em um cenário liberal.

Todavia, é de se ressaltar que o direito comparado não é uma disciplina jurídica distinta, pois visa apenas o estudo dos diversos ordenamentos legais, com o fim de aprimorar e completar o direito pátrio de cada Estado, conduzindo à sua precisão na ordem jurídica. [3]

Nunca é demais trazer a ótica autorizada de José Cretella Júnior, [4] que, ao defender a importância do direito administrativo comparado, conclui:

"O direito comparado conduz a precisão na ordem jurídica e procura erguer a Jurisprudência a mesma altura das ciências exatas.

Evitando o particularismo local, a inexatidão, o aproximado, o mais ou menos, o direito administrativo comparado trabalha com o preciso e o exato, afastando a arquitetônica regional e procurando atingir os modelos universais, para captar os cânones categoriais da Jurisprudência.

Procurando fixar os constantes dos sistemas, uniformiza a terminologia, define os institutos, delineia os sistemas, elimina o supérfluo, procura recorrer, no primeiro momento, a fórmulas exatas do campo universal, flexionando-as, depois, ao particularismo específico de um dado sistema jurídico."

Compartilhamos em gênero, número e grau com as brilhantes colocações do Professor Cretella Júnior, que, através dos seus robustos posicionamentos, é um dos grandes colaboradores do aprimoramento do direito administrativo no cenário nacional.

Assim sendo, o direito administrativo comparado serve para que o jurista não fique restrito apenas ao direito nacional, pois o "erudito não pode ignorar os trabalhos dos estrangeiros sobre um objeto que é o seu..." [5]. É através da comparação de direitos que a doutrina rompe a barreira da fronteira, incorporando normas e aperfeiçoando métodos, sempre em busca de uma melhor definição de valores jurídicos. De igual modo, não se pode deixar de advertir que o estudo do direito comparado facilita uma melhor compreensão do direito nacional. [6]

Em suma, a primeira justificativa sobre a função do direito comparado é a necessidade da evolução, bastando verificar-se como a medicina, a astronomia, a química, a história, a teologia, a economia e todas as demais ciências ficariam obsoletas se não se unissem à evolução verificada no campo estrangeiro, assim como o direito, que cresce com a comparação entre o direito nacional e o sistema jurídico alienígena, nascendo, portanto, a mistura exata para o esgotamento e aprimoramento da matéria. [7] Para Carlos Maximiliano: [8]

"Todo ramo de conhecimentos se inicia pelo exame e fixação de fenômenos isolados, verificações parciais; na tendência unificadora dos princípios esparsos, na comunidade de representação e de representação e de raciocínio entre seus pensantes está o sinal da objetividade da concepção jurídica; e é na passagem do subjetivo para o objetivo que a idéia, o plano se convertem num sistema; é mediante a generalização que um ramo dos estudos especiais se eleva à categoria de verdadeira ciência."

Destarte, os trabalhos de pura doutrina, de teoria geral, de jurisprudência, ao serem confrontados com as teorias nacionais, servem de química perfeita para o total aperfeiçoamento da evolução do direito administrativo, que tem na comparação dos direitos a busca incessante do jurista para não tornar-se prisioneiro do seu próprio direito. [9]

Tem-se, portanto, que o direito comparado é a garantia de que o direito administrativo estará sempre em plena evolução, possibilitando tanto para o jurista, como para o estudioso, utilizar-se de instrumentos que são adotados pelas administrações nos variados sistemas existentes, e que podem ser adaptados e empregados pela Administração de cada país.

Não se pode, dessa forma, subestimar o estudo comparado do direito, devendo o direito estrangeiro ser dismistificado no intuito de se permitir o pleno conhecimento dos diversos sistemas, [10] onde, tentando captar as suas dimensões fundamentais e os seus traços unificadores e compreensivos, [11] se chegará ao resultado esperado, que é o de melhor conhecimento do direito.

Nesse contexto, resulta o estudo do direito administrativo comparado a busca dos seguintes requisitos: [12]

® Confronto dos sistemas administrativos.

® Aperfeiçoamento do estudo das instituições, descrevendo-as tais como elas são, sem ficar restrito na aparência legislativa formal.

® Investigação das razões históricas, políticas, econômicas e sociais que explicam a estrutura da instituição em cada país.

® Por fim, estabelecer a comparação entre os sistemas e extrair daí lição útil para aplicação no direito local.

Assim, o cientista do direito que se utiliza do método comparado deverá se utilizar do estudo do histórico e do meio social pesquisado, para se valer desta confrontação com o fim de incorporá-la, com a devida adaptação, ao direito pátrio. Por óbvio que os preceitos estranhos ou incompatíveis com a realidade de um país não poderão servir de parâmetro para uma ilustração, pois a diversidade dos conceitos dificultam a conjugação pretendida com o método da comparação.

A tarefa é árdua, porém gratificante, pois o pesquisador do direito rompe a barreira da fronteira, para trazer modernidade a um determinado segmento do direito, que até então poderia estar adormecido em berço esplêndido, sem, contudo, afrontar a ordem jurídica local, que através deste método resulta em exatidão dos princípios em que se assenta a pesquisa. [13]

Couture, [14] em Jornadas de Derecho Comparado, defendia que:

"La comprensión sucede al conocimento primario, pero procede al conocimento plenário. No podemos comprender sin conocer algo; pero no podremos nunca conocer todo sin haberlo comprendido en sus esencias. El derecho comparado es un instrumento de comprensión de los pueblos, porque el derecho es la historia escrita de un pueblo. Es posible que al lado de sus leyes, que son conducta prevista, se hayan desenvuelto otras conductas efectivamente vividas. Las sentencias de los jueces no siempre dicen lo que las leyes pronostican, ni toda la conducta de los cuidadanos se rige por las sentencias de los jueces. Pero; cuántas veces la leyes de um pueblo nos revelan sus estados de conciencia, sus anhelos y sus defallecimientos ! Por la misma razón por la cual conocer la ley no es comprender la ley, podemos admitir que conocer el derecho de un pueblo no significa comprender ese pueblo. Pero si algún día de nuestra vida podemos llegar a comprender las leyes de un pueblo, podemos tener cierta esperanza de llegar, con un poco más de esfuerzo, a comprender al pueblo mismo."

Por isso é que, mediante a comparação dos vários sistemas em que atuam normas administrativas, pode-se aperfeiçoar o campo de aplicação do direito local, que possui o alicerce deste instrumento para não ficar em compasso de espera. O professor Rafael Bielsa, [15] que foi um dos seguidores da comparação de direito público, ao citar Saleilles, sublinha:

"2. O direito comparado tem por objeto, enquanto é ciência auxiliar, servir ao desenvolvimento progressivo do direito nacional, oferecendo um fim positivo, seja pela evolução legislativa, seja pelas construções doutrinadas, seja pela interpretação jurisprudencial.

3. A medida em que pode ser admitida esta influência do direito comparado, em matéria de interpretação, depende de concepções aceitas como dominantes em matéria de interpretação jurídica e pode variar segundo os diferentes ramos do direito."

O cultor do direito administrativo comparado atualmente possui a facilidade de não precisar dominar algumas línguas do mundo ocidental (inglês, espanhol, francês, italiano, português e alemão), em razão de existirem traduções das obras clássicas e importantes, que de certa forma desinibem o jurisconsulto, pois através da sua língua, pode acessar o pensamento estrangeiro. Principalmente na língua espanhola, que não é difícil de se compreender, existem as mais variadas traduções que facilitam e permitem o acesso aos que não dominam o francês, o alemão, o italiano, o português. Infelizmente, por não ser tão comercial, nossas editoras não se interessam em promover traduções de trabalhos imperiosos para o aprimoramento do direito comparado, exigindo do cultor desta área que importe os livros necessários para a busca incessante da evolução de se comparar coisas comparáveis, [16] constatando-se o velho brocado: dura lex sed lex positivista legalista ("divertida justiça que muda os paralelos").

Na feliz dicção do mestre francês Eric Agostini: [17]

"Além do interesse prático, do formativo e da sua contribuição para a polêmica eterna da ontologia e do fundamento do Direito, a Comparação de Direitos é ainda uma matéria cultural do maior interesse, apta a cativar qualquer honnête homme."

O desenvolvimento do comércio internacional, a facilidade das relações humanas, o crescimento e a evolução dos meios de comunicação aproximaram os povos e as suas culturas, surgindo no exterior uma sociedade de legislação comparada, notadamente na França, em 1869, cuja criação foi considerada como símbolo do surgimento do direito comparado, [18] sendo que após a 2ª Grande Guerra Mundial os povos se aproximaram, e, através de uma unificação de interesses, viu-se a necessidade de entrelaçamento das relações jurídicas, em busca de um relacionamento melhor, onde a justiça social e a liberdade de expressão se engajavam na democracia mundial, ficando o mundo subdividido nos Blocos Comunista e Capitalista, sendo que o primeiro atualmente aderiu ao segundo.

Com a unificação dos povos, que atuam em blocos e constituem o direito, reflexo do modelo da ordem social para a qual está vocacionado, se verifica que houve diminuição das diferenças contidas nas regras jurídicas de um país para o outro, como conseqüência da respectiva união, adquirindo o direito comparado força cogente que há muitos anos não ocorria. Isto porque a importação das regras administrativas deu-se em um primeiro momento com grande intensidade, quando da evolução histórica deste ramo do direito, que ficou sobrestado no período seguinte, marco do crescimento nacional, onde as fronteiras do conhecimento externo ficaram fechadas por alguns anos. Entretanto, como o direito é a ciência que cresce em passos largos, evoluindo diariamente, pois necessita acompanhar a evolução dos conceitos que regem a própria sociedade, o direito comparado voltou a ocupar o lugar de destaque que merece, pois, através da globalização da economia, o mundo moderno espera a vinda do terceiro milênio menos distante no campo social e dos direitos. Através da comparação de direitos, os obstáculos do desconhecido se tornam ultrapassados, vivenciando o mundo a unificação de regras e princípios jurídicos que permitem maior aproximação dos povos. [19]

E SanTiago Dantas, na sua vetusta cátedra, ensinava que o direito comparado conquistou definitivamente a doutrina nacional, que, através do método da comparação legislativa, possibilitou o florescimento do estudo do direito estrangeiro, dirigido ao conhecimento da evolução interna de cada sistema. [20]

Para finalizar esta parte introdutória, nunca é demais ressaltar que o direito comparado foi adotado em todo o mundo [21] jurídico evoluído, correspondendo nas diversas línguas: droit comparé, diritto comparato, derecho comparado, direito comparado, drept comparat, comparative law, vergleichendes recht ou rechttsverglichung, sravnitelnoiéprovo, oszelhasonlitó jog.


II. ESTUDO COMPARADO DO DIREITO PÚBLICO E A SUA APLICAÇÃO NO DIREITO INTERNO

"As árvores escondem a floresta. Os cânones locais dificultam-lhe a visão panorâmica dos grandes momentos categoriais das matrizes da jurisprudência. O fenômeno jurídico deixa de ser universal para vincular-se às restritas cogitações locais." (José Cretella Junior)

Considerado como um produto peculiar da história de cada povo, o direito administrativo conservou durante algum tempo um caráter estritamente nacional. [22] A constante evolução deste novo ramo do direito e a crescente influência de outros sistemas na estrutura administrativa interna das distintas nações - visível, por exemplo, com a recepção de instituições, tais como o Conselho de Estado na Itália, Grécia, Portugal e Bélgica; ombudsman escandinavo na França, Grã-Bretanha e Itália e a codificação do procedimento administrativo na Alemanha, Estados Unidos, Espanha, Áustria e na Argentina - modificaram, em algum sentido, a visão unitária, posto que a diversidade de direitos possibilitou a devida complementação jurídica, adaptada a cada realidade.

Em algumas nações jovens, como por exemplo o Brasil, a influência do direito público estrangeiro foi crucial para o início da conceituação básica e aplicação do direito constitucional e administrativo [23] local. A Constituição de 1891 sofreu influência do direito norte-americano, onde o "Judiciarismo" prevaleceu, cabendo à Justiça, em especial ao Supremo Tribunal Federal, a última palavra na interpretação constitucional, além da garantia do remédio do habeas corpus, [24] capaz de garantir a liberdade individual de locomoção. Devendo também ser ressaltado que o desvio de poder da Administração Pública, de que são exemplos a violação da lei, do direito adquirido, a incompetência do agente e o vício de forma do ato administrativo, foi incorporado do direito francês, permanecendo entranhado no nosso ordenamento, como norma eficaz no combate dos excessos.

Sobre a supremacia do Poder Judiciário, a maior contribuição americana ao direito constitucional nasceu pela firme posição do Juiz Marshall, que, no famoso caso Marbury versus Madison, impôs o controle da constitucionalidade das leis pelo Judiciário, consoante objeto de copiosa bibliografia. Este princípio permitiu que fossem questionados atos administrativos praticados contra os princípios assentes na Constituição. As circunstâncias do caso podem ser assim muito ligeiramente sumariadas: Marbury foi legalmente nomeado, em 1801, nos últimos dias do governo de Adams, como Juiz de Paz do Distrito de Colúmbia. Madison, que ocupava o cargo de Secretário do Governo, seguindo orientação de Jefferson, o novo Presidente, negou-lhe a posse. Interposto mandando de segurança contra Madison, ele não se defendeu e deixou a causa correr à revelia. Em 1802, nos jornais e no Congresso, foi a Suprema Corte violentamente atacada, no intuito de pressioná-la para negar o writ, sendo sugerido por James Monroe o impeachment contra os seus juízes se eles ousassem "aplicar os princípios da common law à Constituição". Como relata Leda Boechat Rodrigues, [25] a mesma providência foi pleiteada, dias antes da decisão, por um jornal oficioso do governo, o Independent Chronicle, de Boston, segundo o qual a concessão da medida significaria "guerra entre os departamentos constituídos". Se concedida, a medida certamente não seria cumprida.

Todavia, apesar da difícil situação, indeferir simplesmente o pleito seria uma fraqueza grande do Judiciário, que como Poder independente ficaria totalmente desacreditado. Foi então, através de uma hábil manobra, que a Corte decidiu: [26]

"Madison, na realidade, agira ilegalmente ao negar posse a Marbury; e, de acordo com os princípios aplicáveis da Common Law, havia remédio para tal caso, o mandamus, pelo qual Madison poderia ser compelido a dar posse a Marbury. Não cabia porém, o writ, porque pedido diretamente à Corte Suprema, cuja competência originária era estritamente definida na Constituição e não podia ter sido dilatada pela Lei Judiciária de 1789. Era assim, inconstitucional e nulo o art. 13 dessa lei, que atribuía à Corte Suprema competência originária para expedir ordens de mandamus."

Foi proclamado, assim, que a Corte poderia interferir nos textos legislativos contrários a Constituição, demonstrando que a interpretação das leis terá que ser in harmony of the Constitucion. Apesar de ter recuado ao confronto com o Chefe do Executivo, ao declarar inconstitucional o art. 13 da Lei Judiciária de 1789, visava Marshall fim meramente político, demonstrando, através da discussão do mérito, haver Jefferson cometido uma ilegalidade, mas falecia ao Tribunal, por uma questão preliminar, de competência, determinar a correção.

Voltando ao núcleo central, se constata que o writ of mandamus também foi importado do direito alienígena, tornando-se grande arma contra a ilegalidade ou abuso de poder da autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, vindo a fazer parte da Constituição de 1934 (art. 113, nº 33).

Na seqüência dessas influências, surgiu um outro princípio básico da estruturação do Estado, vindo do sistema da Revolução Francesa, que é o princípio da legalidade, [27] que tem fundamento teórico na tradição da doutrina inglesa de luta contra a arbitrariedade da monarquia absoluta. Este princípio guarda tanta relevância para o nosso direito administrativo que foi alçado à órbita constitucional, notadamente no caput do art. 37.

A par deste contexto, não resta dúvida de que a comparação de princípios, verificados em outras codificações, permitiu a utilização de alguns consagrados, que incorporaram-se em diversas nações. A história autoriza afirmar que no direito administrativo houve sistematização de determinados princípios, que, ao se agregarem, se integraram ao direito pátrio de cada país. Somente através do direito comparado é que estes princípios universais poderiam despontar, ligando as nações pelo direito que proclamam e reconhecem que as suas administrações são submetidas ao direito, que segundo a terminologia alemã, todas se curvam ao Rechtsstaat, em oposição ao estado de força (Polizeistaat), devendo-se esta contribuição a Gneist, no tocante à terminologia.

A regra do due process of law foi efetivamente incorporada ao direito administrativo nacional, por submissão ao atual inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, que garante aos acusados em processo judicial ou administrativo o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes. Significa dizer que em qualquer irregularidade a ser apurada, até mesmo na fase da sindicância, deverá ser dada oportunidade ao investigado de se defender, para após ser lucidamente decidido se haverá ou não abertura de inquérito administrativo, que também deverá garantir ao servidor público a utilização da ampla defesa, como bandeira de atuação da Comissão, sob pena de ser natimorto o procedimento aberto. Esta é a nova regra constitucional, que importou este princípio relevante dos Estados Democráticos de Direito, sendo obrigatório o respeito ao princípio da ampla defesa até mesmo nos casos em que a Comissão de Sindicância determinar a pena de advertência ao servidor, conforme se verifica na Orientação Normativa da SAF nº. 97 (DOU de 02.05.91). Como o tema é de grande relevância, discorremos sobre o mesmo em tópico próprio, para não desviar o foco de atenção do estudo comparado do direito administrativo e sua aplicação ao direito interno.

É, portanto, de grande relevância o direito comparado, que serve de modelo para a adaptação e criação legislativa nacional, como por exemplo a contribuição romanistica sobre personalidade jurídica dos entes de direito público criados para descentralizar o Poder, os quais colaboram na concretização dos serviços públicos, tendo os mesmos personalidade jurídica e financeira própria, refletindo influências também do direito francês e do direito italiano.

Coube, dessa forma, ao direito brasileiro, por influência dos nossos juristas, adaptar a terminologia ítalo-francesa ao direito pátrio, aos conceitos expressos pelos vocábulos "autarquia", "paraestatal", "estabelecimento público", "ente territorial" e "ente não territorial", "beneficiando-se, desse modo, com a experiência dos grandes centros europeus, o que não ocorre com os juristas desses mesmos centros, por demais isolados nos próprios sistemas e muito ciosos de sua importância para poderem editar mais aprimorados dos direitos vizinhos." [28]

Outro princípio importado pela doutrina nacional [29] do direito estrangeiro, e com ampla aplicação nos nossos tribunais, é o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade das leis, que filia-se à regra da observância da lei ao princípio da finalidade que deve reinar no âmbito da Administração Pública. [30]

Exemplo claro e robusto deste princípio vem espelhado no recente e brilhante voto do Ministro Marco Aurélio, no Recurso Extraordinário nº. 192.568-0, do Piauí, onde o proficiente julgador anulou concurso público feito no prazo de validade do anterior, que ainda possuía estoque de candidatos para preenchimento das vagas existentes, ficando assim ementado o aresto: [31]

"...............................................................................................

Concurso público. Vagas. Nomeação. O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador do desvio de poder, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade.

Como o inciso IV (do artigo 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na seqüência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período de validade de concurso anterior para nomear os aprovados em certames subseqüentes. Fora isto possível e o inciso IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias"

(Celso Antônio Bandeira de Mello, Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, p. 56).

Pelo princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, o ato administrativo fica ainda mais atrelado ao rigor da finalidade, como instrumento de proteção ao administrado, que não pode sofrer tratamento que deságüe no desvio do poder por parte da Administração Pública.

Pela compreensão de um exame comparativo do direito público pode resultar tanto uma fonte saudável de respostas como de fecunda inovação, questionando inclusive erros cometidos. É através da comparação do direito administrativo que o estudioso possibilita a sua aplicação no direito interno, desde que não haja conflito legal para tal utilização como fonte de inspiração do direito contemporâneo. [32]

E Tawil, [33] com a sua autorizada visão, em curtas, porém sólidas palavras, afirma que:

"el estudio del derecho extranjero puede desde las instituciones locales, conspirando contra la determinación de lo que es o deberia ser el derecho público patrio".

Parece inquestionável que a ciência jurídica não pode ficar enclausurada dentro da fronteira de um Estado, tendo em vista que o nacionalismo jurídico representa verdadeiro empobrecimento do ordenamento interno, que, como ciência, possui no estrangeiro a fórmula que permite a comparação das técnicas, visando sempre o crescimento e aperfeiçoamento necessário para a constante evolução do direito público, que, através da integração internacional, sente a necessidade da transcendência da fronteira, para a verdadeira sistematização dos direitos administrativos.

A atual identidade da comparação de direitos está vinculada à coesão econômica e social do mundo contemporâneo, que, através de comunidades, traça os seus objetivos institucionais, tendo em determinados casos regras e condutas próprias para os países membros, aumentando a competividade internacional. Somente com a identidade de direitos é que se possibilita o mecanismo da atuação em bloco, onde o objetivo comum é o fortalecimento das bases comerciais, científicas e tecnológicas e etc.

Nota-se, portanto, uma grande relevância no campo do direito público comparado, que, através da unificação de blocos de países, incorpora preceitos legais de interesse comunitário, com o objetivo de diminuir as desigualdades, possibilitando a equilibrada evolução do direito administrativo.

Estreitamente ligado ao movimento de unificação do direito, e com ele integrado no princípio de internacionalização, surgem os tratados e as convenções, que dizem respeito ao direito privado e ao direito processual civil e penal. [34]

Sob o prisma internacional, coube à Corte de Haia criar convenções para resolver pacificamente os litígios entre as nações. Definitivamente, outro elemento que favorece os que defendem a importância do direito comparado como forma de robusta consulta. E não se deve esquecer que, em 1890, quando da promulgação do Novo Código Civil Alemão (BGB), a escola histórica, atestou o grande avanço desta codificação, [35] em relação ao ato jurídico, à declaração de vontade, ao papel da boa-fé, e até aos casos de regras legais aplicáveis a situações especiais, tais como a vinculação do filho ilegítimo à sua mãe ou a transferência de propriedade pelo contrato de venda. [36] Sendo que o nosso Código Civil seguiu o compasso das inovações surgidas pela edição do BGB, que, na série da prospecção comparativa, importou regras e fundamentos que seguem as relações provadas até os dias de hoje. Como não poderia deixar de ser, o direito público, como já dito alhures, também é fruto de comparações, resultante do emprego espontâneo e necessário deste método para alcançar seu importante espaço no cenário internacional, de maneira que ocorra perfeita harmonia entre os povos, permitindo que seja superada "a simples formulação da norma escrita, como a única consideração da lei territorial ou da técnica jurídica específica." [37]

Nesse contexto, o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, no seu art. 38, determina que se apliquem aos litígios sujeitos à sua jurisdição, na falta de outras fontes, os "princípios gerais de direitos reconhecidos pelas nações civilizadas"; e o art. 215 do Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Européia, os "princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-membros".

No plano Civil, a irradiação do Código Civil francês de 1804, Code Napoléon, é inegável, servindo de modelo para os diversos Códigos da Europa Ocidental, sendo que na América do Sul o Código-Base foi o argentino, colocado em prática em 1869, tendo como idealizador Velez Sarsfield.

Nesse diapasão, o Código Civil Suíço foi adotado e promulgado na Turquia em 4 de abril de 1926, colocado em vigor 6 meses mais tarde, ou seja, em 4 de outubro daquele ano. Sucedeu o mesmo com o Código das Obrigações Suíço, que foi promulgado em 8 de maio de 1926 e posto em prática na mesma data que o Código Civil.

Portanto, pelo estudo e prática do direito comparado os povos quebram barreiras e encurtam as fronteiras, possibilitando a verdadeira unificação.


III. DIREITO COMPARADO COMO MÉTODO DE ESTUDO

"... el estúdio del derecho comparado importa una ampliación significativa del horizonte jurídico de los especialistas."

(Guido Santiago Tawil)

O caráter instrumental que reveste o estudo comparativo do direito não deve conduzir o intérprete a subestimar as implicações acadêmicas e profissionais na aplicação da ciência jurídica, e, em particular, no direito administrativo.

No cenário nacional, o insigne mestre José Cretella Júnior foi o responsável pelo Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo, programado para 3 anos ou 6 semestres, num total de 12 aulas por semestre, brindando-nos com uma obra específica sobre a matéria, [38] que reproduz a visão moderna e eficaz do direito administrativo comparado, que ainda não havia merecido nenhum livro nacional sobre o tema, tendo vasta bibliografia de outros países, banindo a lacuna existente no direito pátrio.

Desnecessário afirmar a grande importância de Cretella para os comparatistas do direito administrativo, que não só deixaram de ser órfãos na matéria sub oculis, como foram agraciados com a tradução do Curso de Direito Administrativo Comparado, [39] de Jean Rivero, feita pelo citado professor, que, através de uma bibliografia atual, permite maior difusão na comparação do direito administrativo.

No Brasil, o direito comparado, como não é ramo do direito, não figura nos curriculos universitários, merecendo pouco destaque no cenário jurídico nacional. Porém, com a integração dos povos e a necessidade de uma ampliação significativa do horizonte jurídico dos especialistas, está ocorrendo uma procura mais intensa dos títulos estrangeiros. [40]

Isto se dá também pela abertura do mercado de livros, onde se encontram trabalhos magistrais nas livrarias tradicionais, que, através da importação, possibilitam o acesso aos leitores dos posicionamentos autorizados de grandes doutrinadores estrangeiros, que contribuem de forma concreta com a comparação dos horizontes administrativos, em busca de recurso ou auxílio de instituições similares de outros povos, visando descobrir os fins que perseguem ao analisar as suas próprias leis em função delas. Pela internet também se adquire os livros necessários à comparação de direitos. [41]

Assim, no campo do direito administrativo, por exemplo, a importância atribuída à Alemanha no estudo da comparação com o direito francês traz o esforço de Otto Mayer, prolongado pela doutrina contemporânea em obras de grande valia, que construiram o recente direito administrativo europeu, como, por exemplo, o trabalho do Professor Jurgen Schwarze, publicado no ano de 1988.

Não resta dúvida que, pelo método "comparatista", o direito comparado é utilizado em numerosas ocasiões, sempre em busca de investigação para uma aproximação com o direito interno, através da confrontação da legislação e do estudo da sua evolução, respostas até então obscuras, harmonizando os distintos sistemas jurídicos em busca não só da unificação internacional do direito, como também para que haja a manutenção do progresso da nossa civilização. Triste seria a civilização que fosse subdividida em territórios incomunicáveis, sem contato com o mundo exterior, sem integração dos povos, lacrada em conceitos próprios. Seria um universo não tão fecundo nas suas descobertas, ficando involuído e estagnado.

Assim, pela compreensão do exame comparativo do direito público se obtêm as respostas, que são condições sine qua non para a evolução do sistema jurídico nacional, transcendendo possíveis erros cometidos em um passado, como por exemplo a utilização da regra do due process of law na sindicância administrativa, onde o servidor acusado possui o direito de se defender das imputações ou fatos tidos como apuráveis pela Administração. Tal ótica não era a prevalente pela regra encartada na Lei nº. 1.711/52, que foi revogada e deu espaço para a modernidade.

Com efeito, como sublinha Tawil: [42]

"...las ideas extranjeras constituyen una fuente de inspiración innegable de innumerables principios e instituciones del derecho administrativo contemporáneo; no se trata, por cierto, de trasplantarlas artificialmente sino, al contrario, de conocerlas, examinarlas y aprender de ellas a fin de tomar lo positivo y desechar aquellas concepciones ajenas o inconvenientes para nuestro sistema jurídico."

E, sobre o confronto de "ramos do direito", Cretella [43] averba:

"Assim como se pode fazer o confronto de institutos, pode-se igualmente proceder ao confronto de ramos do direito. Podemos comparar o direito penal brasileiro com o direito penal inglês, o direito administrativo pátrio com o direito administrativo francês. Por exemplo, o confronto entre dois direitos administrativos, a saber, um direito qualquer do sistema do common law, ou, de um modo mais concreto e específico, o direito francês e o direito inglês, vai revelar vários traços que se percebe, na comparação, a presença de duas realidades, de dois mundos, de dois tratamentos, de duas técnicas, de dois regimes diversos: a) dualidade e unidade de jurisdição, b) responsabilidade e irresponsabilidade civil do Estado, c) auto-executoriedade do ato administrativo, d) regime estatutário e regime trabalhista do agente público, e) irrelevância e relevância do precedente", e mais à frente, no confronto de "direitos", afirma o citado mestre: (44) ‘Pode-se, em terceiro lugar, fazer o confronto global de direitos: "direito inglês" e "direito soviético", "direito brasileiro" e "direito francês". Nesses casos, pode-se principiar pela ala do direito público ou pela da do direito privado, descendo-se do gênero às espécies, ramo a ramo até chegar-se a uma visão global e panorâmica dos direitos confrontados’."

Como os juristas são responsáveis pela interpretação da lei administrativa, [45] é natural que adquiram visão ampla da ciência estudada, tendo em vista que a ciência "é feita de adição por colaboração", [46] sendo certo que, sem a comparação do direito administrativo, não haveria o progresso, pois a estagnação jurídica seria elemento de freio da integração dos povos. Em um país que não possui abundante literatura jurídica como o nosso, os intérpretes procuram na doutrina estrangeira os princípios gerais de determinado instituto, de certa disciplina ou de todo o sistema jurídico. Esse fato se configura com maior intensidade no direito administrativo, que durante muitos anos foi pouco cultivado, seguindo a esteira das indicações da França.

O progresso do estudo comparado de direito depende substancialmente dos contatos dos especialistas, que podem se concretizar com a renovada bibliografia, colocada à disposição do jurista, ou da realização de conferências, palestras ou seminários.

Não resta dúvida que coube aos estados europeus, em meados do século XIX, com a aparição da matéria "Legislación Comparada", [47] a criação das primeiras sociedades dedicadas ao seu estudo. [48]

Já na América do Sul, a Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires teve a iniciativa de, há mais de 8 décadas, incluir o "Direito Administrativo Comparado" como disciplina autônoma dentro dos planos curriculares, incluso no sétimo ano (doutorado). [49] De forma lamentável, sem nenhum motivo aparente, o estudo do direito administrativo comparado na Argentina foi perdendo o interesse entre os especialistas daquele país, sendo excluído este ramo da ciência jurídica dos meios universitários.

Para suprir o vácuo deixado, recentemente foi incluído no curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo, em 1991, a "introducción de la matéria Derecho Administrativo Comparado." [50]

Por outro lado, a importância do surgimento da ciência jurídica comparativa é inegável, tendo na França o seu início, com a formação de uma Sociedade de Legislação Comparada, em 1869. [51] Neste mesmo ano, foi criado na Inglaterra, em Oxford, a primeira cadeira de direito comparado, "Historical and Comparative Jurisprudence," [52] confiada ao Sir Henry Summer Maine. Na Bélgica fundou-se nesta época a Revue de Droit Internacional et de Droit Comparé.

Até mesmo no Japão, em 1868, foi aberta a era da ocidentalização (Meiji), onde se verifica que houve tradução dos códigos franceses para servir de base a uma codificação moderna e em que as universidades recebessem os primeiros juristas ocidentais, modernizando o antigo sistema jurídico existente.

Consagrando de vez a comparação de direitos, na virada do século XX, em Paris, no ano de 1900, houve a Exposição Universal da Sociedade de Legislação Comparada, onde os maiores juristas da época se fizeram presentes. Por certo que na França, país precursor do direito administrativo comparado, existe a publicação periódica da Revue Internationale de Droit Comparé, que teve o primeiro exemplar circulando em 1877 com o nome de Bulletin de la Societé de Législations Étrangères, sendo que em 1948 é que ficou com o título atrás indicado, possuindo o condão de manter acesso à comparação de direitos no continente europeu.

Bielsa, [53] discorrendo sobre a planificação dos estudos da Faculdade de Direito da Universidade de Paris, deixou registrado que são exigidos no curso de doutorado:

"Assim, para o diploma de estudos superiores de direito privado (doutorado) se exige exame de direito civil aprofundado e comparado: Legislação Civil comparada e Direito Criminal aprofundado e comparado. Para o diploma de estudos superiores de direito público, exame de Direito Constitucional Comparado."

Em 1924 foi criada a Academia Internacional de Direito Comparado, com sede em Haia, no Palácio da Paz, onde funciona também o Tribunal Internacional de Justiça.

Já em 1950, a UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura instituiu um Comitê Internacional de Direito Comparado. Posteriormente, este Comitê foi transformado em um organismo mais amplo, a que se deu o nome de Associação Internacional de Ciências Jurídicas, com sede em Paris. Esta Associação tem publicado, em fascículos, uma International Encyclopedia of Comparative Law, que versa sobre diversos ramos e assuntos do direito comparado, tendo como norma estatutária "favorecer o conhecimento e a compreensão das nações"; "conhecimento e compreensão: duas noções-chaves do comparativismo moderno." [54]

Destarte, o jurista não pode mais se dar ao luxo de ficar isolado no seu direito nacional, preso a valores e contextos que o mundo pode já ter abolido. Somente na comparação de direitos, através de métodos de estudo concreto, onde a legislação, jurisprudência e história de um povo são confrontadas, poder-se-á atingir o estágio de se tentar evoluir. O direito administrativo já não é mais fruto de idéias isoladas ou esparsas, tendo em vista que neste ramo do direito se busca a melhor direção para a Administração Pública e seus Administrados.

É de se registrar que em Estrasburgo existe Faculdade para o ensino do direito comparado e em Luxemburgo funciona o "Instituto Universitário Internacional Luxemburgo".

Também na Europa, em especial em Florença, funciona o Instituto Universitário Europeu, onde se destaca o Professor Mauro Cappelletti, sendo ministradas aulas de direito comparado.

Tem-se, portanto, que o direito comparado, como método de estudo, não pertence apenas ao passado, transmudando-se em verdadeiro instrumento para a edificação permanente do direito administrativo dos povos, não se concebendo a existência de um jurista adstrito apenas ao estudo "das leis do seu país." [55]


IV – CONCLUSÃO

Nos preocupamos em deixar bem evidente a necessidade de comparar-se o direito público das nações, através de pesquisas dos cultores do direito. Não existe nenhuma ciência que permaneça estática, encapsulada em princípios fechados, pois a evolução dos tempos traz consigo a necessidade de uma integração do saber das diferentes nações.

Com a polarização da economia e as atuações em blocos de comércio, os povos desenvolvidos perceberam que se as suas fronteiras não ficarem abertas para a evolução, a estagnação dos países será o seu próprio verdugo, quer sob o prisma econômico, quer sob o aspecto cultural.

O direito administrativo comparado, como ramo do direito, assume grande relevância no cenário mundial, decorrendo do fato do mundo não só permitir mais determinados isolamentos, onde a falta de cultura involui o crescimento científico do país, aliado ao fato de que o Estado moderno está voltado para o bem-estar social dos seus súditos, dentro de uma evolução que só com a comparação de direitos é que se atingirá o fim percorrido: A evolução.

Dessa forma, cabe aos responsáveis pela divulgação do direito administrativo do nosso país, incentivar sempre a integração dessa ciência jurídica com a dos países desenvolvidos nessa área, visando sempre o crescimento das relações públicas com os administrados.


NOTAS

1 Eric Agostini, Direito Comparado, tradução de Fernando Couto, Res jurídica, 1ª edição, Porto, p. 6.

2 Jean Rivero não se furtou em chamar o direito administrativo de "primo pobre"ou irmão "caçula"no mundo comparatista, in Curso de Direito Administrativo Comparado, tradução de J. Cretella Jr., 1995, RT, p. 31.

3 "O direito comparado não é um ramo do direito, um conjunto de normas unificado por qualquer critério ou elemento. Por isso, os comparatistas põe regra geral em destaque que a expressão direito comparado não é em rigor adequada para designar a sua disciplina - mais rigorosa é a designação comparação de direitos - é o alemão Rechtsvergleichung - ou semelhantes" (João de Castro Mendes, Direito Comparado, 1982-1983, editado pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, p. 9).

4 Direito Administrativo Comparado, 1990, 3ª edição, Forense, p. 119.

5 Jean Rivero, Curso de Direito Administrativo Comparado, RT, 1995, São Paulo, tradução de José Cretella Júnior, p. 18.

6C.f. Guido Santiago Tawil, "El Estudio del Derecho Comparado y su Incidencia en el Desarrollo del Derecho Público Interno", in Revista de Derecho Administrativo, 1991, ano 3, Depalma, Buenos Aires, p. 79.

7Em abono ao que foi afirmado, Marc Ancel aduz:

"Fundamentalmente, as ciências exatas originaram-se da comparação das novas disciplinas. Curvier, com as sua lições de anatomia comparada (1800-1805), abriu caminho; falou-se, em seguida, de psicologia, de embriologia, depois de biologia comparada. Desenvolveram-se, na Alemanha, pesquisas de gramática comparada e Saine-Beuve impõe, na França a expressão literatura comparada, que se afirma, na Inglaterra, com a publicação da comparative literature de Posnett, em 1876. O transformacionismo de Lamarck, as doutrinas de Darwin repousam sobre a diferenciação dos seres humanos, e a filosofia evolucionista de Herbert Spencer, cuja influência é grande entre os juristas, estende às ciências sociais esta ação das ciências da natureza" (Utilidade e Métodos do Direito Comparado, tradução de Sérgio José Porto, Fabris Editor, Porto Alegre, 1980, p. 23).

8 Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ª edição, 1996, Forense, Rio de Janeiro, p. 131.

9 Maximiliano afirma:

"Pouco a pouco se foi universalizando, quanto ao Direito, a cultura humana; de um estudo particularista, de fronteiras limitadas, âmbito restrito, passou-se a uma vista de conjunto, ampla, de horizontes vastíssimos" (ob. citada).

10 C.f. Guido Santiago Tawil, Administración Y Justiça - Alcance del Control Judicial de la Actividad Administrativa, 1993, Depalma, Buenos Aires, p. 6.

11 C.f. Canotilho, Direito Constitucional, 1993, 6ª edição, Almedina, Coimbra, p. 156.

12 C.f. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 1991, tomo I, 10ª edição, Almedina, Coimbra, p. 62.

13 Carlos Maximiliano, deixou-nos a feliz idéia de que:

"O Processo Sistemático, levado ás suas últimas conseqüências, naturais, lógicas, induz a por em contribuição um elemento moderníssimo - o Direito Comparado. Efetivamente, deve confrontar-se o texto sujeito a exame, como os restantes, da mesma lei ou de leis congêneres, isto é, com as disposições relativas ao assunto, quer se encontrem no Direito Nacional, quer no estrangeiro; procura-se e revela-se a posição da regra normal no sistema jurídico moderno, considerado no seu complexo" (Hermenêutica a Aplicação do Direito, 16ª edição, 1996, Forense, Rio de Janeiro, p. 131).

14 J.Couture, Jornadas de Derecho Comparado, 1955, publicação del Centro de Estudios de Derecho Comparado, Montevideo, p. 38.

15 In Estudios de Derecho Publico I, Derecho Administrativo, 1950, Buenos Aires, p. 55.

16 Paul Koschaker, L’historie du Droit et le Droit Comparé Vurtout en Allemagne, em Recueil Lambert, 1938, vol. I, p. 280.

17 Eric Agostini, Droit Comparé, traduzido por Paulo Ferreira da Cunha, colecção Res Jurídica, sem data, Porto, p. 6.

18 Cf. Marc Ancel, Utilidade e Método do Direito Comparado, traduzido por Sérgio José Porto, Fabris Editora, Porto Alegre, 1980, p. 21.

19 "Falando de unificação do direito para significar o esforço dos juristas dirigidos à uniformização das ordens jurídicas diferentes (e ao lado da uniformização consideramos as finalidades paralelas de aproximação e de harmonização), já o esforço de obter um resultado tão vasto quanto possível é evidentemente possível. Poderíamos dizer mesmo mais, em jeito de paradoxo o esforço de atingir o impossível é possível" (João de Castro Mendes, Direito Comparado, 1982-1983, Associação Acadêmica Lisboa, Lisboa, p. 87).

20 Revista Forense, março de 1948, p.11.

21 Cf. Cretella Junior, Direito Administrativo Comparado, Forense, p. 76. O ilustre mestre afirma que de um modo mais imples e objetivo, o direito administrativo comparado é o método jurídico pelo qual se colocam em confronto: "(a) instituições, (b) direitos ou (c) sistemas."

22 C.f. Guido Santiago Tawil, "El Estudio del Derecho Comparado Y su Incidencia en el Desarrolo del Derecho Publico Interno", in Revista de Derecho Administrativo, 1991, ano 3, Depalma, Buenos Aires, ps. 73/74.

23 A primeira obra nacional sobre direito administrativo veio no Império, em 1862, de Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai, como descrito nos "Estudos de Direito Administrativo", Vols. I e II, tendo como ponto de apoio a base comparatista, e levando-se em consideração "a prática da administração", com exposição positiva e metódica de toda legislação administrativa, analisando os respectivos defeitos e lacunas e propondo melhoramentos e reformas (cf. Haroldo Valladão, História do Direito Especialmente do Direito Brasileiro, 4ª edição, Freitas Bastos, 1980, p. 138).

24 art. 72, § 2º da Constituição Política do Império do Brasil de 1891 estipulava:

"Dar-se-á habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder". E coube a Rui Barbosa ser o grande propagador brasileiro do instituto do habeas corpus discursando no Supremo Tribunal Federal, em 26 de março de 1898:"O homem privado da liberdade jaz em estado pior do que a morte, porque sente em si todo o amargor da opressão e, ao mesmo tempo, toda a importância do morto a evitá-la. A condição desse indivíduo reclama, por isso, a mais viva solicitude e a mais valente defesa social. Nenhum cidadão honesto pode ser indiferente à própria segurança. Na faculdade de prender, ou não prender o cidadão, parece estar o ponto central, onde praticamente se vão encontrar todos os raios da tirania, ou da liberdade. Eis senhores juízes, de onde resulta a suprema importância do habeas corpus entre as nações livres. As outras garantias individuais contra a prepotência são faculdades do ofendido. Esta é dever de todos pela defesa comum... A liberdade não entra no patrimônio particular, como as coisas que estão no comércio, que se dão, trocam, vendem, ou compram: é um verdadeiro condomínio social, todos as desfrutam, sem que ninguém o possa alienar..." ("O Habeas Corpus. O Estado de Sítio. Tema de Seus Efeitos", in Escritos e Discursos Seletos, Editora Nova Aguilar, 1995, p. 497).

25 In A Corte Suprema e o Distrito Constitucional Americano, 1958, Forense, Rio de Janeiro, p. 36.

26 Ob. citada.

27 Sobre o tema, Eduardo Garcia de Enterria afirma:

"La primeira de estas ideas, el principio de legalidad, constituye, desde luego, un instrumento directamente lanzado contra la estructura política del Estado absoluto: frente al poder personal y arbitrario, el ideal del Gobierno por y en virtude de las leyes" (Revolucion Francesa y Administracion Contemporanea, 4ª edição, 1994, Civitas, Madrid, p. 21).

28 J. Cretella Júnior, in Direito Administrativo Comparado, 1990, Forense, Rio de Janeiro, p. 220.

29 Ler a respeito do tema, Revista de Direito Administrativo, abril/junho 1996, 204; Caio Tácito, A Razoabilidade das Leis, Editora Renovar; Raquel Denize Stumm, Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1995; e Suzana de Toledo Barros, O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, 1996, Ed. Brasília Jurídica; e Razoabilidad de Las Leyes, Juan Francisco Livares, 2ª edição, Astrea, Buenos Aires.

30 "O controle de razoabilidade das leis mediante um parâmetro técnico dado pelo princípio da proporcionalidade representou uma virada científica de grande repercussão junto aos países europeus que adotam controle jurisdicional de constitucionalidade, como Portugal, Espanha, Itália e Áustria, irradiando-se mais recentemente ao Brasil, por intermédio da forte influência dos constitucionalistas portugueses na doutrina e jurisprudência nacionais" (Suzana de Toledo Barros, O Princípio da Proporcionalidade e O Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, Ed. Brasília Jurídica, p. 45).

31 STF, 2ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, no Recurso Extraordinário nº. 192.568-0, Piauí, julgado em 23.04.96.

32 A respeito, Guido Santiago Tawil não tem dúvida em afirmar:

"En efecto, si bien las ideas extranjeras constituyen una fuente de inspiración innegable de innumerables principios e instituciones del derecho administrativo contepomráneo, no se trata, por cierto, de transplantarlas, artificialmente, al contrario, de conocerlas, examinarlas y aprender de ellas a fin de tomar lo positivo y desechar aquellas concepciones apenas o inconvenientes para nuestro sistema jurídico" (Revista de Derecho Administrativo, 1991, ano 3, nºs. 6 a 8, Depalma, Buenos Aires, p. 80).

33 Ob. citada, p. 81.

34 Cf. João de Castro Mendes, ob. citada, p. 97.

35 Cf. Marc Ancel, Utilidade e Métodos do Direito Comparado, traduzido por Sérgio José Porto, Fabris Editor, Porto Alegre, 1980, p. 32.

36 Ob. citada.

37 Ob. citada, p. 141.

38 Direito Administrativo Comparado, Forense, 1990, São Paulo.

39 Editora RT, 1995.

40 Especificamente sobre o cenário nacional, Maximiliano aduz:

"No Brasil, como em toda parte, ao emendar Textos Constitucionais, ou elaborar leis ordinárias, claudicam os parlamentares com traduzir textos positivos se compulsar a obra dos comentadores eruditos. Quem lê unicamente Código ou Constituição tem uma só base, a mais fraca - a exegese verbal: faltam-lhe os demais, e os melhores, elementos de interpretação; por isso, toma com freqüência a nuvem por Juno, desgarra a valer" (ob. citada, p. 133).

41 www.magic-es.com/marcialpons/; www.liv-arcoiris.pt; www.bemarnet.es/rgd/homepage.s. html.

42 El Estudio del Derecho Comparado, RDA, 1991, ano 3, Depalma, Buenos Aires, p. 80.

43 Ob. citada, p. 19.

44 Ob. citada.

45 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição, 1991, Almedina, Coimbra, p. 124.

46 Cretella, ob. citada, p. 125.

47 Tawil, ob. citada, p. 74.

48 Como a "Sociedade de Legislação Comparada", criada na França em 1869, que fez referência ao professor René David e sua clássica obra titulada Los Grandes Sistemas Jurídicos Contemporáneos (Derecho Comparado), trad. da 2ª edição francesa, Agulilar, Madrid, 1969, p. 4.

49 Anales de la Facultad de Derecho Y Ciencias Sociales, tomo I, 2ª série (1911), ps. 650/51, citado por Rafael Bielsa in "El Estudio del Derecho Comparado en la Enseñanza del Derecho Público Interno (Ideas Generales)", in Estudios de Derecho Público. Derecho Administrativo, tomo I, 2ª edição, Depalma, Buenos Aires, 1950, p. 54.

50 Cf. Guido de Santiago Tawil, "El Estudio del Derecho Camparado", RDA, 1991, ano 3, Depalma, Buenos Aires, p. 74.

51 "A mais antiga organização em matéria de direito comparado é a "Société de Legislation Comparée", constituída em França - Paris, em 1869, ainda em plena existência..." (João de Castro Mendes, ob. citada, p. 107).

52 Cf. Marc Ancel, Utilité et Methodes due Droit Comparé Eléments D’Introduction Générale à L’Étude Comparative des Droits, traduzido pelo Prof. Sérgio José Porto, 1980, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, p. 21.

53 Rafael Bielsa, Estudios de Derecho Público, I, Derecho Administrativo, 1950, Depalma, Buenos Aires, p. 58.

54 Cf. Marc Ancel, Utilidade e Método do Direito Comparado, traduzido por Sérgio José Porto, Fabris Editora, Porto Alegre, 1980, p. 118).

55 Cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ª edição, 1996, p. 131. Mais à frente o ínclito jurista arremata: "Os vários Códigos e os vários Direitos, especialmente no terreno civil e comercial, constituem faces, aspectos de um só Direito Privado, do moderno Ius Commune Universal. De uma região para a outra, notam-se pequenas variantes, matrizes perceptíveis; porém, conforme sucede em outros ramos de estudos, não passam de ligeiras alterações de fenômenos constantes na essência e por isso mesmo merecedores de exame para se chegar, com exatidão maior, à regra geral, ao postulado de aplicação uniforme em todo o mundo civilizado. Embora as legislações conservem certa autonomia em parcial originalidade, que correspondem a tradições especiais e aos interesses prevalentes em determinadas regiões; todavia a aparente diversidade em regular as relações jurídicas apresenta um fundo comum."


Autor

  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

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MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Importância do Direito Administrativo comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 424, 4 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5619. Acesso em: 29 mar. 2024.