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Tombamento e função socioambiental da propriedade

Um estudo jurídico a partir da Operação Patrimônio

Tombamento e função socioambiental da propriedade. Um estudo jurídico a partir da Operação Patrimônio

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como principal foco a abordagem acerca do meio ambiente cultural, direito fundamental do homem. Verifica-se a função socioambiental da propriedade através da análise dos bens imóveis tombados no centro histórico de São Luís que foram objeto de uma operação denominada “operação patrimônio”, desenvolvida pelos órgãos municipais, estaduais e federais para evitar a degradação dos casarões do Conjunto Arquitetônico que, em sua maioria, estavam sendo transformados em estacionamentos, de forma irregular.

Nesse compasso, o engendramento do presente trabalho se perfaz com uma pesquisa de campo nos seguintes órgãos: Ministério Público Estadual; Ministério Público Federal; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Superintendência da Polícia Federal no Maranhão.

Um dos escopos da presente pesquisa monográfica é de se constatar na prática como o poder público, em conjunto com a comunidade ludovicense, atua na defesa e promoção do direito fundamental ao meio ambiente cultural, fazendo, para tanto, um panorama dos principais órgãos que tutelam o centro histórico de São Luís, destacando-se o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico – IPHAN, organismo de proteção federal de proteção ao patrimônio, cuja criação obedece ao princípio normativo constante no artigo 216 da Constituição Federal de 1988, definidor do patrimônio cultural.

Frise-se que a real necessidade de se investigar a respeito desse tema decorreu da problemática existente entre a adequada tutela do centro histórico de São Luís e a importância das propriedades cumprirem uma função socioambiental. Enfatiza-se, nesse aspecto, o instrumento do tombamento, que pode ser balizado como uma forma de intervenção estatal na propriedade, visando o cumprimento da mencionada função a partir do momento em que impõe aos proprietários determinadas limitações.

Nesse pesar, destaca-se que um dos objetivos do presente estudo é averiguar a atuação dos órgãos públicos através da utilização do tombamento nos bens do centro histórico, de modo a verificar se este é eficaz em prol da sociedade no que toca ao cumprimento da função socioambiental, ou seja, se realmente garante que bens artísticos e históricos, sob a égide do tombamento, sejam conservados e utilizados de maneira adequada.

Nesse sentido, a metodologia utilizada para subsidiar a pesquisa abarca técnicas de pesquisa que compreendem a coleta de dados por intermédio de entrevistas e pesquisas de campo nos órgãos citados em linhas pretéritas, como também far-se-á pesquisas bibliográficas, de modo a fundamentar o estudo sobre o meio ambiente cultural. Outrossim, ressalte-se que o método utilizado é o hipotético dedutivo, a partir do momento em que é testada, através da pesquisa de campo, a eficácia da operação patrimônio no que cinge à garantia do cumprimento da função social da propriedade tombada.

Desta forma, vê-se que o primeiro capítulo da presente pesquisa traça um apanhado geral acerca do direito fundamental ao meio ambiente, insculpido no seio da Carta Magna em vigor, destacando sua conceituação jurídica, que abrange, dentre outros aspectos, o patrimônio cultural. Nessa vertente, oportuno analisar os princípios do direito ambiental para a tutela do meio ambiente cultural, enfatizando o princípio da função socioambiental da propriedade, de modo a destacar a relevância do título de patrimônio cultural concedido a São Luís pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO.

No segundo capítulo, examina-se a tríplice atuação para a tutela do meio ambiente cultural, envolvendo comunidade, proprietários e poder público, especificando de que modo os órgãos estatais, através de suas políticas de proteção, interferem na propriedade privada, e por conseguinte, na preservação do patrimônio cultural, impondo obrigações e estabelecendo direitos aos proprietários de bens imóveis tombados.

Assim, analisam-se os aspectos do tombamento, instrumento jurídico mais apto para o acautelamento do patrimônio cultural, uma vez que é amplamente utilizado pelo poder público para a proteção do patrimônio histórico e artístico, limitando o direito de propriedade, garantindo um caráter coletivo aos bens, verificando-se, a partir daí, a função socioambiental que deve envolver a propriedade.

Considerando a aptidão dos órgãos públicos para solucionar questões ambientais, destaca-se em especial a problemática dos estacionamentos no centro histórico de São Luís, que, além de ser um aspecto deveras degradador ao patrimônio, é uma demanda da própria população que sofre com a falta de estacionamentos. Para tanto, deve haver uma interação entre a proteção dos casarões e a demanda populacional no que tange aos estacionamentos, buscando-se soluções que preservem o Conjunto Arquitetônico tombado e, ao mesmo tempo, tutelem a estrutura urbana, favorecendo, destarte, a comunidade.

Na tentativa de solucionar essa questão, faz-se no último capítulo uma explanação sobre a “operação patrimônio”, realizada pelo poder público no ano de 2008, com o objetivo de embargar o funcionamento de estacionamentos que prejudicam e descaracterizam o Conjunto Arquitetônico de São Luís.

Há, portanto, um levantamento dos bens imóveis tombados utilizados para tal finalidade, bem como uma pesquisa para esclarecer se a operação teve impacto positivo para o meio ambiente cultural, enfatizando-se as possíveis soluções mencionadas pelos representantes dos órgãos públicos na tentativa de resolver a problemática da carência de estacionamentos no centro da cidade, sem que seja necessário degradar os bens ali presentes.


2 MEIO AMBIENTE E CULTURA: DIMENSÕES JURÍDICAS DA TUTELA DO PATRIMÔNIO CULTURAL

No presente capítulo, far-se-á uma análise jurídica acerca do conceito de meio ambiente, estabelecendo-se, para tanto, os aspectos que o compõe, denotando neste patamar o histórico e a importância da tutela deste para a garantia da sadia qualidade da vida humana, englobando o patrimônio cultural como seu aspecto.

Nessa senda, infere-se que um estudo do direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado como direito fundamental deverá partir do seu viés constitucional, embasado principalmente no artigo 225 da Carta Magna, analisando-se, a partir deste, o traço de fundamentalidade do meio ambiente (Bello Filho, 2006, p. 226).

Ademais, esboça-se um rascunho dos princípios norteadores do direito ambiental pertinentes ao tema em relevo, destacando-se o título de patrimônio cultural concedido à cidade de São Luís, bem como a relevância da sua tutela para as gerações presentes e futuras, tendo em vista que é um direito fundamental garantido a todos, exatamente em função disso, deve ser preservado visando à equidade intergeracional.

Inicialmente, traçando-se um parâmetro entre o direito ambiental e os direitos inerentes a cada indivíduo no aspecto do meio ambiente, é lícito afirmar, sob a ótica da Carta Magna de 1988, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e como bem essencial à sadia qualidade de vida.

Conforme pontua Varella (1998, p. 52), a preocupação jurídica do ser humano com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente como bem difuso é tema recente, só alcançando maior interesse por parte do Estado com a percepção da deterioração da qualidade ambiental com a crise ambiental e o desenvolvimento econômico.

Nesse rumo, nota-se que a Constituição Federal do Brasil passou por um processo de esverdeamento ou ecologização gerado pela crise ambiental após a Segunda Guerra Mundial. Anteriormente a esta, a Lei nº 6938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente, sistematizou uma política ambiental tutelando os elementos que viabilizam a existência humana, regulamentando questões ecológicas no âmbito jurídico, definindo o conceito meio ambiente, o que ocasionou uma ampliação desse conceito no ordenamento jurídico brasileiro (BENJAMIN, 2007, p. 59-64).

Trazendo à baila o conceito estabelecido no artigo 3º da Lei nº 6938/81, entende-se o meio ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”1.

A par do conceito acima declinado, é possível perceber a importância da preservação, recuperação e revitalização do meio ambiente, tanto por parte do poder público quanto de toda a sociedade, de modo a garantir um equilíbrio do mesmo, assegurando, portanto, boas condições de vida relativas ao desenvolvimento humano.

Nesse diapasão, observa-se a necessidade de proteção do meio ambiente, cujo desdobramento acarreta em quatro principais aspectos, quais sejam, artificial, natural, laboral e cultural, analisados a seguir com mais cautela.

2.1 O patrimônio cultural como aspecto do meio ambiente

Em meados do século XX surgem os direitos de terceira dimensão, que abrangem os direitos difusos e coletivos, tutelando-se, pois, o direito ao consumidor, o meio ambiente e a qualidade de vida, o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural, dentre outros (SARLET, 2003, p. 51).

Por meio da ADIN 3540/2003, o então Ministro do STF, Celso Antonio Bandeira de Melo, deixou claro em seu voto que o meio ambiente é um direito de terceira geração, que assiste a todo o gênero humano, incumbindo ao Estado e à coletividade a sua defesa2.

Tais direitos são inerentes à preservação de bens coletivos, visto que esses valores e interesses são de relevância para a coletividade, transformando-se em bens jurídicos. Conforme aduz Alexy:

Para converter-se em um bem coletivo de um sistema jurídico, o interesse puramente fático tem que se transformar em um interesse juridicamente reconhecido e, neste sentido, justificado. Porém, um interesse justificado não é outra coisa que algo cuja persecução está ordenada prima facie ou definitivamente. Com isso, o interesse adquire um status normativo (ALEXY, 2008, p. 187).

Nesse passo, faz-se mister a análise de cada ordenamento jurídico enquanto expressão política, tendo em vista que o processo de reconhecimento de valores como bens jurídicos traduz opções políticas, o que acarreta na possibilidade de se constatar de que forma a cultura é tutelada.

Segundo Marchesan (2006, p. 26), a cultura brasileira é protegida através da Constituição Federal como um fenômeno social e fator de emancipação humana, que limita a tutela dos bens com referência na norma constitucional, não amparando a cultura em sua extensão antropológica.

Além disso, existem duas vertentes de valores culturais: uma referente às normas jurídico-constitucionais, como os direitos culturais, a garantia de acesso à cultura, dentre outros; já a outra diz respeito a própria matéria normatizada, como cultura, patrimônio cultural, sendo que a Constituição não ampara a cultura na sua extensão antropológica, limitando-se a tutelar os bens que possuem uma significação referencial da norma constitucional (SILVA, 2001, p. 35).

Dessa maneira, os objetos tutelados pela Carta Magna só terão significação constitucional a partir do momento em que forem elevados ao sentido referencial da norma, ou seja, quando tiverem destaque para a sociedade quanto ao aspecto revelador de sua cultura, é o caso do centro histórico de São Luís, como se verá adiante.

Ao abordar sobre a questão da transdisciplinariedade no direito ambiental sob o enfoque jurídico, José Rubens Morato Leite e Patrick Araújo Ayala destacam que:

Observadas as complexas questões que envolvem a questão ambiental é importante para os juristas avaliar se a abordagem jurídica do ambiente constitui apenas uma refração dos ramos tradicionais do direito ou se, por oposição, pode-se afirmar a existência de um novo ramo do direito: o Direito Ambiental ou Direito do Ambiente (...). Nestes contornos, a proposta de transdisciplinaridade proporciona a revisão da tendência paralisante que a imposição de leituras dogmáticas de disciplinas afins ou mesmo o Direito, frequentemente, realizam sobre a questão ambiental, ao mesmo tempo em que oportuniza o desenvolvimento da essencialidade do princípio democrático, ao constituir discurso de interação/integração, dialógico e ontologicamente aberto (LEITE; AYALA, 2010, p. 71-72).

A rigor, a categoria meio ambiente apresenta-se como pleonasmo, tendo em vista que as expressões meio e ambiente são tidas como equivalentes. A respeito disso, o entendimento de Milaré:

Tanto a palavra meio quanto o vocábulo ambiente passam por conotações, quer na linguagem científica quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas (MILARÉ, 2001, p. 63).

Ocorre que para reafirmar o bem jurídico a ser tutelado, a Constituição Federal de 1988 abrangeu tal expressão, de modo a denotar tudo que está ao redor do ser humano. Assim, resguarda-se a vida, viabilizando a tutela jurídica dos bens que compõem o meio em que se vive, representando o fundamento da existência da vida humana (LEITE, 2010, p. 71).

Conforme citado anteriormente, o conceito legal de meio ambiente é fornecido pela Lei nº 6938/81, em seu artigo 3º, inciso I, que trata a respeito da Política Nacional do Meio Ambiente, como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Com isso, o legislador brasileiro optou por conceituar a interação e a interdependência entre homem e natureza, denotando tal proteção jurídica do meio ambiente como um bem unitário (LEITE, 2010, p. 79).

Destarte, o meio ambiente apresenta-se como uma complexidade de seus elementos, devido a suas estruturas e o modo como se relacionam. Há, portanto, uma integração e interação entre a natureza e o homem, havendo uma relação de interdependência (LEITE, 2010, p. 72).

A complexidade nas relações dos elementos que compõem o ecossistema deve inserir a pessoa humana, isso porque tal inserção na análise ecológica gera uma maior complexidade, sendo esta transdisciplinariedade o fundamento do desafio ecológico jurídico.

Ressalte-se que o conceito de meio ambiente pode ser descrito através de duas denominações: macrobem e microbem ambiental. Os microbens são os elementos que, isoladamente, abrangem e compõem o meio ambiente.

Por outro lado, a expressão macrobem é a abrangida juridicamente pela Carta Magna em seu artigo 225, sendo o ecossistema visto como um todo, ou seja, é o meio ambiente de forma globalizada, em sua integridade. Além de ser um macrobem que é incorpóreo e imaterial, o meio ambiente configura-se como um bem difuso, de uso comum do povo (LEITE, 2010, p. 82-83).

Através deste conceito globalizante do meio ambiente, percebe-se que o ecossistema é visto como um todo, ou seja, em sua integralidade, e seu conceito define toda a natureza, sendo a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que garantem o desenvolvimento equilibrado da vida. Exatamente em razão disso é considerado como substância que viabiliza a existência humana (SILVA, 2002, p. 20).

A classificação de meio ambiente, conforme se depreende da referida lei e da própria Constituição de 1988, refere-se a três principais aspectos, a saber: meio ambiente natural, meio ambiente artificial ou urbano e o meio ambiente cultural ou patrimônio histórico-cultural, sendo tal interação fundamental para que haja o desenvolvimento de maneira equilibrada da vida em suas diversas formas (SILVA, 2002, p. 20).

Há quem entenda a existência de um quarto aspecto, qual seja, o meio ambiente do trabalho, estribado no artigo 200, VIII da Constituição Federal. Ao arremate de tal assertiva:

O meio ambiente do trabalho merece consideração específica, sendo o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente. É um meio ambiente que se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribuições do Sistema Único de Saúde consiste em colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho [...] O ambiente do trabalho é um complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos e privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam. Esse complexo pode ser agredido e lesado tanto por fontes poluidoras internas como externas, provenientes de outras empresas ou de outros estabelecimentos civis de terceiros (SILVA, 2010, p. 22).

Mancuso o define como “o habitat laboral (...) tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema” (MANCUSO, 1997, p. 59).

O meio ambiente natural, ou físico, constitui-se pela atmosfera, por elementos da biosfera, pelas águas, pelo solo, pelo subsolo, pela fauna e flora, e, por ser considerado natural, deve existir um equilíbrio entre os seres vivos e o ambiente em que vivem, não uma dominação do homem em face da natureza.

O artificial constitui-se pelo espaço urbano construído ou modificado pelo ser humano, sendo consubstanciado no conjunto de edificações denominado de espaço urbano fechado, como também dos equipamentos públicos (espaço urbano aberto), que abrange ruas, praças, áreas verdes, dentre outros (SILVA, 2002, p. 21).

Por sua vez, o meio ambiente cultural, também denominado de patrimônio cultural, é conceituado pelo artigo 216 da Carta Magna, senão vejamos:

Art. 216. Os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Nesse sentido, consideram-se patrimônio cultural brasileiro os bens elencados no artigo 216 da Constituição Federal de 1988, mas este não constitui rol taxativo de elementos, o que admite a existência de outros.

A respeito deste conceito, Helita Barreira Custódio enfatiza:

(...) considera-se patrimônio cultural o conjunto de bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, decorrentes tanto da ação da natureza e da ação humana como da harmônica ação conjugada da natureza e da pessoa humana; de reconhecidos valores vinculados aos diversos e progressivos estágios dos processos civilizatórios e culturais de grupos e povos. Integrado de elementos básicos da civilização e da cultura dos povos, o patrimônio cultural, em seus reconhecidos valores individuais ou em conjunto, constitui complexo de bens juridicamente protegidos em todos os níveis de governo, tanto nacional como internacional (CUSTÓDIO, 1997, p. 17-39).

Corroborando este pensamento, Mirra (1994, p. 180) assevera que a defesa do meio ambiente cultural implica não só a preservação do meio físico (monumentos de valor artístico, histórico, turístico ou paisagístico), como também a memória social humana. No mesmo liame de pensamento, Souza Filho (2006, p. 47) acrescenta que o que une os bens em um conjunto para formá-los como patrimônio é o reconhecimento dos mesmos, visando revelar determinada cultura, notando-se a afirmação do caráter histórico do bem tutelado.

Outrossim, José Rubens Morato Leite, em análise ao meio ambiente cultural, pondera que este diz respeito às manifestações que derivam das culturas dos povos, das condicionantes culturais de cada comunidade. Sendo assim, a tese do direito relacionado ao multiculturalismo ganha força com o reconhecimento do ambiente cultural (LEITE; FERREIRA, 2004, p. 97).

De acordo com Souza Filho (2006, p. 15-16), a cultura é o elemento identificador das sociedades humanas construindo as histórias de um povo, englobando ainda o modo de agir e suas crenças, sendo imprescindível que haja uma relação entre cultura e ambiente, tendo em vista que a cultura não existe isoladamente. Assim, a própria ocupação territorial brasileira afirma essa indissociabilidade entre cultura e ambiente, a partir do momento em que outros povos implantaram suas diferentes culturas nos povos aqui dominados, modificando o patrimônio ambiental brasileiro, composto por uma gama de diversidades.

Cumpre ressaltar que, apesar de também ser artificial por ser criação humana, o meio ambiente cultural é diferente do natural, tendo em vista que adquiriu um valor especial, qual seja, a importância para a cultura de determinada sociedade. Neste panorama, determinado bem cultural à ser tutelado decorre da transformação humana, o que afirma seu caráter artificial, mas também deve ser protegido pelo homem, uma vez que sem essa proteção degrada-se com o tempo, perdendo sua importância histórica.

Nesse passo, o objeto de proteção que decorre da tutela do meio ambiente cultural é o patrimônio cultural dos indivíduos, que abarca a história dos mesmos, traduzindo, deste modo, os elementos que identificam sua cidadania. A partir daí, nota-se que o meio ambiente como um todo é princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil, considerado direito fundamental.

2.2 A fundamentalidade da norma constitucional do meio ambiente

O marco inicial referente à preocupação internacional com o meio ambiente foi a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, que ocorreu em 1972, pois abordava o meio ambiente como um todo, sendo este objeto de preocupação por parte de toda a humanidade, uma vez que tal questão foi considerada fundamental, justamente por afetar todos os seres humanos e o desenvolvimento econômico mundial (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 21).

Com efeito, a comunidade internacional passou a valorizar e destacar a inseparabilidade entre meio ambiente e desenvolvimento, permitindo que o direito internacional ambiental absorvesse os princípios do direito do desenvolvimento sustentável.

De acordo com Granzieira (2009, p. 32), diversos princípios foram assentados em prol da tutela do meio ambiente, resumindo as preocupações com o desenvolvimento e o meio ambiente, considerados, portanto, fontes do direito ambiental brasileiro3.

Imperioso destacar a proclamação do “direito humano ao meio ambiente”, ventilado no princípio I da Declaração de Estocolmo, cujos elementos foram suficientes para o reconhecimento do direito fundamental ao ambiente para as gerações presentes e futuras e inspiração para o artigo 225 da Constituição Federal.

Assim, a partir da Declaração do Meio Ambiente4, adotada pela Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, no ano de 1972, elevou-se o meio ambiente sadio à condição de direito fundamental do ser humano, por intermédio de seu princípio I (LEITE, 2010, p. 86).

Em sendo assim, as questões relativas ao ambiente passam a receber “normalização constitucional”, inspirando, posteriormente, a Carta Magna de 1988 a erigir em seu corpo artigos referentes à tutela do meio ambiente, à título de exemplos, artigos 5º, LXXIII; 129, III e o 225, sendo este último considerado “núcleo essencial da normalização do ambiente na Constituição Federal” (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 22).

De acordo com o supracitado artigo: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Nesse sentido, percebe-se a constitucionalização do ambiente como um direito fundamental da pessoa humana de terceira geração, comandando prestações positivas do Estado e da própria sociedade. Conforme pretexta Mirra, o caput do artigo 225 da Constituição, que diz respeito ao direito que todos possuem ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é considerado:

(...) um direito fundamental da pessoa humana, como forma de preservar a vida e a dignidade das pessoas – núcleo essencial dos direitos fundamentais, pois ninguém contesta que o quadro da destruição ambiental do mundo compromete a possibilidade de uma existência digna para a humanidade e põe em risco a própria vida humana (MIRRA, 1994, p. 29).

Destarte, justifica-se o reconhecimento do direito ao ambiente como fundamental a partir do momento que a integridade ambiental é formada por um bem jurídico autônomo formado por elementos do ambiente natural relacionados à vida humana.

Ademais, o fato dessa norma vincular-se juridicamente a atuação do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, afirma novamente esse direito como fundamental, submetendo-se o direito do meio ambiente ao controle jurisdicional (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 35-37).

A relevância desse traço de fundamentalidade para o conceito de direito ambiental faz com que o meio ambiente seja objeto de preocupação por parte do sistema jurídico. Assim, o direito ao ambiente sadio constitui a expressão de um valor inerente à dignidade humana, ou seja, tal direito é um corolário do direito à vida, conforme análise do artigo 225 da Carta Magna (COSTA NETO, 2003, p. 34).

Nesta acepção, a proteção ambiental é vista como um direito fundamental da pessoa humana a partir do momento em que seu objetivo é tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida (SILVA, 2000, p. 58).

Consoante Bello Filho (2006, p. 332), o enunciado normativo desse artigo da Constituição é tido como direito fundamental, por expressar uma norma de direito fundamental a partir do momento em que se baseia nos critérios de fundamentalidade, que devem ser formais e materiais, simultaneamente.

No que tange à fundamentalidade formal das normas, esta é observada a partir de quatro aspectos: a) que as normas sejam elevadas ao mais alto grau da norma jurídica; b) que submetam-se a processos de modificação mais agravados em relação ao direito comum; c) constituem limites materiais à revisão constitucionais e d) vinculam os poderes públicos ao seu conteúdo (CANOTILHO, 2004, p. 379).

Esse aspecto formal advém, portanto, da compatibilidade da norma expressa por um enunciado normativo com a estrutura formal de reconhecimento de um direito como fundamental. De outra banda, a fundamentalidade material diz respeito a realização de princípios constitucionais previstos na Carta Constitucional (BELLO FILHO, 2006, p. 333).

No mais, registre-se que essa norma do artigo 225 é de direito fundamental devido a existência do princípio constitucional da preservação do meio ambiente, considerado como fundamental, impositivo e conformador, bem como estrutural no Estado Democrático de direitos ambientais e que respalda o fundamento ao direito do ambiente (BELLO FILHO, 2006, p. 353).

Através dos referidos aspectos, nota-se que o artigo 225 da Constituição Federal adquire o grau de norma de direito fundamental, elevando o meio ambiente a esse status, indissociável do direito à sadia qualidade de vida.

Nesse lastro, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é condição sine qua non para a qualidade de vida, mas para haja a concretização desse direito fundamental na ordem jurídica, necessária uma orientação guiada por princípios constitucionais, os quais serão analisados a seguir.

2.3 Contribuições dos princípios do direito ambiental para a tutela do meio ambiente cultural

Insta asseverar acerca da impossibilidade de estudo e aplicação do direito ambiental sem o balizamento de seus princípios, uma vez que estes norteiam valores e interesses da sociedade, englobando, por via de consequência, a tutela do meio ambiente.

Conforme Alexy (2008, p. 494), os direitos fundamentais a prestações em sentido estrito constituem posições fundamentais jurídicas de suma importância, não podendo ser apreciados livremente por uma maioria parlamentar.

Logo, a decisão a respeito de escolha de quais direitos fundamentais a prestações em sentido estrito podem ser exigidos é uma questão de ponderação de princípios. Assim, os problemas inerentes à realização de direitos fundamentais devem ser realizados nos moldes da colisão de princípios (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 176).

Realça-se que a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui precedentes sobre o direito fundamental ao meio ambiente como posição fundamental jurídica definitiva a prestações em sentido estrito5.

Assim sendo, havendo na Carta Magna normas que identificam o ambiente como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, assim como o direito de todos ao ambiente, inclusive para defendê-lo e preservá-lo, configura-se o direito fundamental ao ambiente, podendo ser apresentado como mandamento a ser otimizado conforme as possibilidades fáticas e jurídicas através dos princípios (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 193).

Resta induvidoso que a Constituição Federal de 1988 buscou, através da adoção de princípios, ampliar a temática da proteção ambiental, sendo perceptível a preocupação crescente por parte da sociedade e do poder público com esse assunto, instituindo uma “ordem constitucional ambiental” (COSTA NETO, 2003, p. 14-17).

Considerando que os princípios constitucionais são o fundamento material das normas de direito fundamental, necessária uma análise da valia dos mesmos para a tutela do meio ambiente. A respeito de sua conceituação, Derani afirma:

Princípios são normas que dispõem a respeito de algo ser realizado o mais amplamente possível dentro das relativas possibilidades do direito e dos fatos. Princípios são, portanto, mandados de otimização com característica de poderem ser preenchidos em diferentes graus. A medida deste preenchimento depende não somente dos fatos como também das possibilidades abertas pelo direito (DERANI, 1997, p. 44).

Essa afirmação implica em dizer que os princípios são a base para o ordenamento jurídico e que as normas abertas são densificadas através de outras normas e atos, sendo direcionados à concretização conformadora e densificadora efetuada pelo intérprete (BELLO FILHO, 2006, p. 336).

Nesse panorama, parte-se para a análise dos princípios balizadores do direito ambiental, que devem ser observados para garantir a maneira de adequar proteção do meio ambiente com a realidade social e cultural de cada local.

O primeiro princípio a ser analisado do direito ambiental relacionado ao meio ambiente cultural é o da intervenção estatal compulsória, que decorre do dever do Estado de proteger e promover os direitos fundamentais a partir de um atuar positivo e negativo.

Esse princípio está insculpido no caput do artigo 225 da Carta Magna, que evidencia a postura que deve ser adotada pelo poder público ao estabelecer o seu dever de defender e preservar o meio ambiente em prol das gerações presentes e futuras da natureza indisponível do meio ambiente. Adiante, decorre da natureza indisponível do meio ambiente, princípio que será tratado posteriormente.

A postura positiva adotada pelo Estado refere-se à possibilidade que o mesmo tem de assegurar e proporcionar a rigidez do bem tutelado, como é o caso da implementação do instituto do tombamento para garantia do direito de propriedade, mas também da importância dos interesses públicos. No caso da postura negativa, é dever do estado não agir em desconformidade à proteção do meio ambiente (COSTA NETO, 2003, p. 38-39).

Ainda sobre a intervenção estatal compulsória, mister esclarecer a atuação do direito administrativo. Assim, a Administração Pública tutela, em verdade, as relações existentes entre o Estado e seus respectivos órgãos, como também entre aquele e a própria sociedade. Tais relações - entre administrados e administradores - são marcadas por uma desigualdade jurídica, tendo em vista que a Administração atua em nome de outrem - a coletividade - possuindo, portanto, vantagens e sujeições, diferentemente do que ocorre aos particulares.

Essa desigualdade jurídica fundamenta-se por dois princípios imprescindíveis para o Direito Administrativo, quais sejam, o da indisponibilidade do interesse público e a prevalência ou supremacia dos interesses públicos sobre os privados.

O primeiro, previsto no artigo 2º, caput, da Lei nº 9784/99 tem por conceito o interesse público como indisponível, embasando-se no que traduz o artigo 225 da Constituição Federal, ao atribuir ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a qualificação jurídica de bem de uso comum do povo. A esse propósito, o meio ambiente pertence à coletividade, não fazendo parte do patrimônio disponível do Estado.

Nas palavras de Bandeira de Mello este princípio significa que:

(...) sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 69).

Em verdade, esse princípio nada mais é do que uma limitação aos poderes conferidos ao administrador, tendo em vista que a coisa administrada não lhe pertence, e por tal motivo, este não goza da faculdade máxima sobre a coisa administrada, sendo o interesse público irrenunciável pela autoridade administrativa.

Lado outro, o princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade pública possui amparo principalmente na esfera constitucional e administrativa, servindo de fundamento para todo o direito público, vinculando a Administração em todas as suas decisões. Esse princípio encontra-se na Lei nº 9.784/99, sendo de primordial observância para a Administração Pública, correspondendo ao atendimento à fins de interesse geral.

Nesse particular, cinge-se que esse princípio é uma posição privilegiada à Administração, que através da instrumentalização dos órgãos que a representam e desempenham suas funções, vai assegurar que os benefícios conferidos pela ordem jurídica garantam proteção aos interesses coletivos (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 66-67).

Na mesma linha de raciocínio, pode-se afirmar que a primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal, “dominando-a na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral, e por isso devem ser observados mesmo quando os serviços públicos forem delegados aos particulares” (MEIRELLES, 2006, p. 103).

Assim, considerando a existência de um conflito de interesse individual versus interesse público coletivo, este irá prevalecer, devido as prerrogativas conferidas à Administração Pública (pelo regime jurídico-administrativo), razão por que atua em nome dos interesses coletivos, que, como é cediço, são indisponíveis, sendo justamente essa supremacia o motivo da desigualdade jurídica existente entre a Administração e os administrados.

Outro princípio de suma importância para o direito ambiental, tratado com mais abrangência em momento posterior, é o da participação comunitária, que estabelece a necessidade de uma integração entre a comunidade e o Estado, garantindo uma democracia participativa, o que dá legitimidade aos atos estatais, considerando que estes não são exclusivos, residindo na ideia de cidadania ecológica, sendo o pilar para um Estado de Direito Ambiental (LEITE; AYALA, 2010, p. 88).

A respeito do princípio do desenvolvimento sustentável, surge a partir da percepção da inseparabilidade entre meio ambiente e desenvolvimento socioeconômico com a Conferência de Estocolmo, de 1972. Esse conceito é reafirmado pelo Relatório Brundtland, base para a segunda Conferência do Rio de Janeiro, RIO-92, que cristalizou o conceito de desenvolvimento sustentável, entendendo que este só pode ser buscado se o tamanho e o aumento da população estiverem em harmonia com o potencial produtivo do ecossistema (GRANZIERA, 2009, p. 40).

É possível encontrá-lo no caput do artigo 225 da Constituição Federal, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nessa perspectiva, é importante destacar que deve haver uma harmonia entre economia e meio ambiente, conforme análise na relação entre o artigo 170, caput e inciso VI, que tratam, respectivamente, sobre a ordem econômica e a defesa do meio ambiente.

Vale ressaltar que existem outros dois princípios indispensáveis à preservação do meio ambiente, quais sejam, o da precaução e o da prevenção.

À respeito do princípio da precaução, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em seu artigo 15, estabelece que quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis ao meio ambiente, não se deve alegar a incerteza científica para postergar medidas viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Conforme Milaré (2007, p. 767), invoca-se tal princípio quando houver informação científica insuficiente ou inconclusiva, bem como indicações sobre os possíveis efeitos potencialmente lesivos em face do meio ambiente, e consequentemente, da saúde humana. Portanto, visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas, bem como à continuidade da natureza.

Sob outro aspecto, o princípio da prevenção de danos e degradações ambientais decorre da constatação que as agressões ao meio ambiente são de difícil ou impossível reparação. O atuar preventivo objetiva, portanto, impedir a ocorrência de danos ao meio ambiente impondo medidas acautelatórias antes da implantação de empreendimentos e atividades potencialmente degradadores (MILARÉ, 2007, p. 767).

No Decreto-lei nº 25/37, tal princípio é vislumbrado a partir do momento em que o parágrafo 3º do artigo 19 propicia que o IPHAN projete e execute as obras necessárias, evitando que o bem tombado pereça, ainda que o proprietário não o tenha comunicado. Assim, o princípio da prevenção visa tutelar o patrimônio histórico de determinado local, considerando que um bem cultural perece com o tempo, não podendo retornar ao status quo ante após sua deterioração, passando, portanto, por um processo de restauração que o modificará.

Outro princípio a ser ponderado é o do poluidor-pagador, que visa a responsabilização das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Para analisá-lo, parte-se do pressuposto que as medidas preventivas são limitadas, o que acarreta no desequilíbrio ecológico. Nessa vertente, para que o sistema de preservação e conservação do meio ambiente seja completo é necessário que haja a responsabilização dos causadores do dano, devendo-se observar a atuação das três esferas de responsabilidade, a saber: civil, penal e administrativa (OLIVEIRA JUNIOR, 1996, p. 118-119).

Enfatiza-se que o mencionado princípio não tolera a poluição mediante um determinado preço, tampouco a compensação devido aos danos causados, mas visa inibir que estes sejam causados ao meio ambiente.

Cumpre ressaltar, por fim, que a responsabilização erigida por esse princípio abrange tanto o poder público quanto o particular que, através de uma ação ou omissão, contribui ou permite a ocorrência de danos causados aos monumentos históricos de um patrimônio cultural.

Posto isso, observa-se a relação entre os princípios da precaução, prevenção e do poluidor-pagador, cujos objetivos são evitar a ocorrência de um dano em face do meio ambiente (cultural).

Merece análise mais específica, portanto, o princípio da função social da propriedade, basilar para a tutela do bem tombado, uma vez que sem utilidade social a propriedade perde sua essência, devendo ainda abarcar uma função ambiental, posto que o direito de propriedade tem como pressuposto o cumprimento da função socioambiental.

2.3.1 O princípio da função socioambiental da propriedade

O último princípio a ser analisado é o princípio da função social da propriedade, presente nos artigos 5º, inciso XXIII, 170, inciso III e 186, II da Constituição Federal de 1988, e pode ser entendido, nas palavras de Costa Neto, como:

(...) atrelar o exercício da propriedade à satisfação de outros valores (por vezes estranhos aos do proprietário) imersos no contexto social em que tal direito é exercido (...). Nessa linha, é intuitivo que esta função se materialize na medida em que for capaz de proporcionar uma existência pautada por parâmetros de dignidade (COSTA NETO, 2003, p. 53).

Conforme se extrai da análise dos supracitados artigos da Constituição Federal, a propriedade deverá cumprir uma função social a partir do momento em que garantir ao bem imóvel uma função útil, seja em área urbana ou em área rural. Tal função afirma o dever do proprietário de exercer o seu direito de propriedade, atuando positivamente em prol da coletividade no momento em que a mesma for utilizada.

Desse modo, nota-se que o cumprimento da função social de um bem é um dos fundamentos do direito de propriedade, relacionando-se à satisfação dos interesses públicos, visando, desta maneira, o bem estar da coletividade.

Conforme dito anteriormente, a Carta Magna vigente, em seu artigo 5º, inciso XXIII, não estabelece a propriedade como absoluta, tendo em vista a necessidade de esta cumprir funções de cunho social e político. Este artigo em cotejo deve ser observado na íntegra e com aplicabilidade imediata, sendo que para que a propriedade corresponda aos preceitos jurídicos deve cumprir tais funções. Nesse diapasão, a característica “absoluta” atribuída ao direito de propriedade no inciso XXII torna-se relativa a partir do momento em que a Constituição estipula limitações para a existência deste direito no inciso XXIII.

O artigo 186 da Constituição Federal, por sua vez, ao elencar os deveres do proprietário rural, estipula como dever o exercício do seu direito de propriedade em conformidade com a preservação da qualidade ambiental, considerando que se ele não o fizer, tal direito será ilegítimo. Por conseguinte, o artigo 182, parágrafo 2º da Carta Magna estabelece que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (MIRRA, 1994, p. 183).

Dessarte, o Plano Diretor de uma cidade é de suma importância para que se efetive o cumprimento da função social da propriedade no que tange ao patrimônio histórico, cultural e paisagístico; do acesso à moradia; ao meio ambiente sadio, dentre outros direitos considerados fundamentais aos indivíduos, mas seu cumprimento deve ser fiscalizado pelos Órgãos Públicos (ARAÚJO, 2007, p. 22-25).

Sobre o plano diretor da cidade de São Luís, este é estabelecido pela Lei nº 4.669/2006, no artigo 2º, II, que baliza:

a função social é atendida quando o uso e a ocupação da propriedade urbana e rural correspondem às exigências de ordenação do Município, ampliando as ofertas de trabalho e moradia e o atendimento das necessidades fundamentais dos cidadãos, proporcionando qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento econômico sem comprometimento da qualidade do meio ambiente urbano e rural.

Ademais, imprescindível observar o Estatuto da Cidade - Lei nº 10.257/01 – que, conforme Marchesan (2006, p. 140), ingressou no ordenamento legislativo pátrio justamente com o propósito de fazer cumprir a função social da propriedade no meio urbano, definindo, em seu artigo 2º, a política urbana como aquela que objetiva ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, tendo como uma das diretrizes a adoção de padrões com limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; e tutelando o meio ambiente natural e construído do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

Os bens imóveis do centro histórico de São Luís devem observar estes parâmetros para atender à função social, observando-se, ainda, os outros princípios relacionados ao direito ambiental.

Fiorillo (2007, p. 239) destaca que um bem é efetivamente preservado se continua evocando a cultura, a história de um determinado lugar, de modo que as gerações futuras possam conhecê-lo. No mesmo sentido, afirma Souza Filho (2006, p. 28-29), que a função social dos bens socioambientais está na dimensão de proteção dos mesmos, evocando a cultura da cidade e garantindo a biodiversidade.

Para tanto, deve-se fazer a manutenção daquilo que foi adquirido com o passado, juntamente com a vivência e a construção do presente, para constituírem valores que serão preservados futuramente.

Nesse escopo, ao ser tombado como patrimônio cultural, um bem imóvel de moradia urbana passa a preservar a memória e evocar a manifestação cultural, agregando e ampliando a função social da propriedade. A respeito disso, entende-se que, apesar de alterar o conceito do direito de propriedade, essa função não atinge a essência dos bens, mas apenas uma parcela, qual seja, a utilização destes.

Pode-se afirmar que os princípios acima citados são considerados balizadores do direito ambiental e administrativo, uma vez que têm como finalidade cotejar a preponderância existente sobre os interesses públicos perante os particulares. Norteiam, portanto, a atividade do legislador e do administrador, inclusive nas questões de proteção do meio ambiente (COSTA NETO, 2003, p. 36).

Após a percepção da importância dos princípios para a tutela do patrimônio cultural, imprescindível uma análise dos instrumentos utilizados pelo poder público em colaboração com a comunidade no que toca à proteção desse patrimônio, bem como os atores responsáveis pelo acautelamento dos bens tombados, quais sejam, comunidade e poder público.


3 ATORES E POLÍTICAS DE ACAUTELAMENTO DOS BENS TOMBADOS: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE CRÍTICA

O meio ambiente é bem de interesse público, possuindo bens com um regime jurídico especial, essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, portanto, ao interesse coletivo (SILVA, 2002, p. 10)

Com a promulgação da Carta Magna de 1988, o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado como direito fundamental de todos, merecendo destaque especial os artigos 215, 216 e 225, que impõem ao poder público e à coletividade o dever de preservar e proteger o meio ambiente, englobando o patrimônio cultural.

O §1º do artigo 216 da Constituição Federal determina que o poder público, com a colaboração da comunidade, deve proteger o patrimônio cultural brasileiro. No mesmo sentido, o artigo 225 impõe ao Estado e também à coletividade o dever de proteger e preservar o meio ambiente para que este seja considerado ecologicamente equilibrado.

Em virtude disso, urge aclarar que o poder público e os proprietários não podem agir isoladamente para conservar e proteger os bens inseridos no meio ambiente. Para tanto, diversos instrumentos foram criados para a tutela em face de lesões ao ambiente, de modo que haja uma adequação das ações do Estado às exigências e necessidades da população, como é o caso das associações civis de defesa do meio ambiente, de moradores de bairros, sindicatos, dentre outros que limitam o poder do Estado em prol da coletividade (MILARÉ, 2007, p. 184).

Em consonância ao artigo 225 da Constituição, observa-se o princípio da participação comunitária, referente à integração entre a comunidade no que se refere aos processos de definição, implantação e execução de políticas públicas relacionadas à proteção ambiental, o que fortalece a democracia participativa. Essa democracia significa a interação dos indivíduos de uma sociedade no processo de formação e desenvolvimento das atividades estatais, legitimando-as (COSTA NETO, 2003, p. 39-47).

Sobre a participação popular na proteção do meio ambiente, Mirra aponta os meios pelos quais o grupo social pode atuar:

A participação na seara do meio ambiente pode se dar das seguintes formas: a) participação nos processos de criação do direito do meio ambiente; b) participação na formulação e execução de políticas ambientais; c) atuando por intermédio do Judiciário (MIRRA, 1989, apud MILARÉ, 2007, p. 185).

No tocante à participação nos processos de criação, é possível constatar a importância da iniciativa popular na apresentação de projetos de leis por determinado número de cidadãos, bem como a realização de referendo sobre uma lei.

Através disso, as entidades ambientalistas e a comunidade científica passam a contribuir para a solução de questões ambientais e na evolução do direito ambiental. Ademais, pode a comunidade participar de órgãos colegiados dotados de poderes normativos atuando efetivamente na criação da tutela do meio ambiente, como por exemplo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Destaca-se que a sociedade pode participar das ações e iniciativas de preservação do patrimônio cultural, através da aplicação dos instrumentos legais de proteção; da elaboração e execução dos serviços de manutenção e conservação, obras ou construções, dentre outras formas.

Outro meio pelo qual pode atuar a coletividade é na formulação e execução de políticas ambientais, malgrado Mirra considere ser essa a atuação mais deficiente, levando-se em conta que não há um canal que ligue a comunidade aos órgãos da Administração Pública ou pela falta de composição nos órgãos colegiados que atuam na elaboração e execução dessas políticas (MIRRA, 1989, apud MILARÉ, 2007, p. 186).

Por fim, a participação pode ocorrer através da defesa judicial do meio ambiente. Sob esse aspecto, a Constituição Federal elencou mecanismos capazes de assegurar à cidadania essa defesa, quais sejam, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (artigos 102, I, a, 103 e 125, § 2º); ação civil pública (artigo 129, III c/c § 1º); ação popular constitucional (artigo 5º, LXXIII); mandado de segurança coletivo (artigo 5º, LXX) e mandado de injunção (artigo 5º, LXXI).

Destarte, é possível aventar a natureza jurídica de bem ambiental com caráter difuso, posto que o patrimônio cultural é direito pertencente a todos os indivíduos de uma determinada geração, mas que também deve ser estendido às gerações vindouras, sendo imprescindível o papel da coletividade para que os bens culturais sejam tutelados. Vale destacar que o dever da coletividade é também um direito, uma vez que para cumprir o dever que lhe é imposto, deve exigir do poder público e dos proprietários dos bens a preservação dos mesmos.

Assim sendo, toda a população ludovicense tem o dever e o direito de zelar pelo patrimônio histórico, levando-se em consideração que este é composto por bens de uso comum, exigindo dos órgãos públicos uma atuação em prol da tutela cultural. Porém, percebe-se que na prática essa atuação não é proativa, sendo necessária, em grande parte dos casos, a atuação do poder público, conforme se verá adiante.

Ressalte-se que a sociedade brasileira está cada vez mais atenta às questões ambientais, participando e exigindo adoção de medidas por parte do Poder Público, por meio de representação político-partidária, das audiências públicas, da mobilização popular, do ordenamento jurídico, dentre outros meios (MILARÉ, 2007, p. 186-187).

Ocorre que, apesar da existência dos instrumentos que viabilizam a participação popular, esta não é efetiva, devendo haver uma colaboração comunidade-proprietários-poder público na tentativa de solver os conflitos socioambientais de determinado lugar.

3.1 A tríplice atuação na tutela do patrimônio cultural

O artigo 215 da Constituição de 1988 estabelece que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais. Para tanto, deve haver uma atuação conjunta entre União, Estados e Municípios no que pertine à proteção e conservação do centro histórico de São Luís.

Nesse pesar, percebe-se uma tríplice atuação para a tutela do patrimônio cultural envolvendo a comunidade, os proprietários de imóveis e o poder público na tentativa de dirimir as questões sociais e ambientais decorrentes da degradação do centro histórico da cidade.

3.1.1 O trabalho do poder público na conservação do patrimônio cultural

A Constituição Federal de 1988 elencou deveres negativos e positivos em seu corpo normativo, dividindo-os em quatro categorias (BENJAMIN, 2007, p. 114-116).

Inicialmente, ao analisar o caput do artigo 225, observa-se a imposição ao poder público e à coletividade de um dever de defesa e preservação do meio ambiente, sendo esta uma obrigação explícita, genérica, substantiva e positiva de defesa e preservação desse meio. Adiante, há uma obrigação genérica, substantiva e negativa, explícita, de não degradar o meio ambiente, também contida no caput do artigo 225.

Diante disso, há um conjunto de deveres explícitos e especiais do poder público, sendo ele degradador ou não, dispostos tanto no caput quanto no §1º deste mesmo artigo. Nesse patamar, espera-se que o Legislativo aprove leis e aperfeiçoe as existentes, ao passo que do Judiciário aguarda-se uma aplicação da lei e interpretação, conforme a melhor solução para a proteção do meio ambiente.

Os parágrafos 2º e 3º do supracitado artigo estabelecem deveres explícitos e especiais, exigíveis de particulares ou do próprio Estado, em que este passa a ser visto como degradador ao praticar condutas lesivas ao meio ambiente.

Na proteção dos bens existentes no Centro Histórico de São Luís atuam os seguintes órgãos: Fundação Municipal do Patrimônio Histórico – FUMPH, no âmbito municipal; o Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão – DPHAP-MA, no âmbito Estadual, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, no âmbito Federal.

A FUMPH é uma instituição vinculada a Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento – SEPLAN, sendo que sua finalidade é executar a política de tutela e proteção do patrimônio cultural no município de São Luís, através do desenvolvimento de restaurações, manutenções e revitalizações no centro histórico da cidade. A DPHAP é o Departamento da Superintendência do Patrimônio Cultural da Secretaria do Estado do Maranhão, funcionando desde 1973 em São Luís, tendo como atribuições a proteção, preservação e revitalização do patrimônio histórico, artístico e arqueológico protegidos pelo tombamento estadual.

A melhor maneira de obter uma efetiva proteção do Conjunto Arquitetônico de São Luís é com a atuação harmônica e integrada entre as esferas do poder público, por intermédio de uma gestão participativa nos níveis federal, estadual e municipal, decorrente da competência material comum estabelecida pelo artigo 23 da Constituição Federal (MILARÉ, 2007, p. 185).

Ocorre que, na prática, cada órgão atua separadamente, conforme sua competência. Assim, o IPHAN é responsável pela área tombada pelo Governo Federal e intitulada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, o DPHAP fiscaliza e conserva a parte tombada pelo Governo Estadual. Já o Município regula as questões de interesse local, bem como o que lhe competir subsidiariamente.

Conforme aduz Leme Machado (2009, p. 282), mister destacar que a relação entre proprietário e o órgão público do patrimônio cultural tem como finalidade harmonizar o interesse público e o privado, firmando êxito na política do bem comum cultural. Vislumbrando essa harmonização entre proprietários e órgãos públicos, analisar-se-á, especificamente, a atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, responsável pela preservação e proteção dos bens protegidos pelo Governo Federal e reconhecidos como patrimônio mundial pela UNESCO.

3.1.1.1 A atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN

O instituto do tombamento foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto-lei nº 25/37, que criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, atual Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

No âmbito federal, a missão de tombar os bens imóveis é confiada ao IPHAN, órgão cuja finalidade institucional é proteger, fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro, nos termos do artigo 216 da Carta Magna, conforme o artigo 2º do Decreto nº 6.843, de 7 de maio de 2009, referente à estrutura do mencionado órgão.

Segundo dados do próprio IPHAN, a 2ª Diretoria Regional foi criada e instalada na cidade de São Luís no ano de 1980, por determinação de Aloísio Magalhães, presidente da Fundação Nacional Pró-Memória, instituição vinculada ao IPHAN. A Jurisdição do órgão abrangia o Maranhão, o Piauí e Ceará, tutelando e fiscalizando o patrimônio cultural desses Estados6.

Sua sede foi instalada em 1988 no Sobrado da Baronesa de Anajatuba, localizado no centro histórico de São Luís, que até hoje acomoda o trabalho da Superintendência. Em 1990, transformou-se na 3ª Coordenação Regional do Instituto Brasileiro, atual Superintendência Regional do Maranhão, IPHAN – MA, mas foi apenas no ano de 2002 que sua jurisdição limitou-se ao Estado do Maranhão.

Conforme Laura Rita Mendes Miranda, Procuradora Federal do IPHAN, esse órgão preocupa-se puramente com a preservação dos bens tombados, observando o cumprimento da função social da propriedade. Porém, caso ocorra, por exemplo, a desapropriação de um bem tombado visando o cumprimento da função social, é papel de outros órgãos estatais, como o Ministério Público, a fiscalização e verificação do cumprimento da função socioambiental da propriedade7.

Atualmente, o Governo Estadual tem cerca de 5.500 (cinco mil e quinhentos) imóveis tombados e o Governo Federal tem aproximadamente 1.000 (mil) através do IPHAN, que só possui competência de preservação dos bens, uma vez que se não houver preservação, não há como garantir uma função social destes bens. Pode-se dizer, portanto, que este órgão tem um “poder de polícia administrativo” no trato de preservação dos bens.

Considerando que o IPHAN atua juntamente com o DPHAP/MA e o FUMPH no que concerne à preservação do patrimônio cultural do Maranhão, cumpre salientar que, na prática, as Autarquias e os Órgãos Públicos têm função individualista, de modo que uma atuação com maior relacionamento por parte destes seria imprescindível para o cumprimento da função social dos bens tombados.

Observa-se que mesmo com a importância do patrimônio cultural, a efetivação da proteção dos bens tombados enfrenta uma série de problemas intrínsecos a cada órgão supracitado. Destaca-se a questão estrutural dos mesmos, cujas condições são precárias para a proteção do meio ambiente, levando-se em conta o reduzido quadro de funcionários, a fiscalização insuficiente, a falta de consciência da sociedade e o descaso dos proprietários com seus imóveis.

A partir das pesquisas realizadas no IPHAN, é possível afirmar que um dos principais fatores de destruição das edificações é o descaso dos proprietários para com seus casarões, visto que muitas vezes os abandonam ou os depredam, alegando o desconhecimento das obrigações e proibições impostas pelo poder público no que tange aos bens tombados.

3.1.2 Obrigações e proibições inerentes aos proprietários de imóveis tombados

Conforme Cristiane Derani, possuindo a propriedade uma função social, acarretará em um ônus ao proprietário privado perante a sociedade. Assim, sua atuação deve garantir um resultado vantajoso para a coletividade (DERANI, 2002, p. 59)

O Decreto-lei nº 25/37 elenca os deveres e direitos dos proprietários privados no que concerne à gestão dos imóveis tombados. Inicialmente, os proprietários têm o dever de comunicar que o bem tombado necessita de reparos, conforme o artigo 19 do Decreto. Ocorrerá quando o proprietário não dispuser de recursos para conservar ou reparar o bem, devendo comunicar o IPHAN ou órgãos públicos competentes, sejam os estaduais ou os municipais. Caso não haja essa comunicação, o indivíduo fica sujeito a multa equivalente ao dobro do valor em que for avaliado o dano da coisa tombada.

Percebe-se que na maioria dos casos os proprietários recorrem ao poder público, pois não possuem condições de arcar com os gastos. Registre-se ainda a dificuldade no pagamento dessa multa, uma vez que, não possuindo condições para pagar os reparos, consequentemente não poderão pagar esse valor em dobro referente à multa.

Outro dever refere-se a não destruição, demolição, deterioração, mutilação ou inutilização da coisa tombada, de acordo com o artigo 17 do Decreto c/c o 165 do Código Penal. Destruir significa eliminar, estragar; demolir é arruinar; fazer desaparecer. Ambos retiram a função do bem, por isso Leme Machado entende que são termos semelhantes (LEME MACHADO, 2009, p. 977).

Existe o dever de solicitar ao poder público uma autorização para reparar, pintar ou restaurar o bem. É preciso que o proprietário peça autorização ao IPHAN ou aos órgãos competentes. Caso solicite autorização, mas inicie a obra sem recebê-la, o órgão público deverá determinar a demolição dessa reforma. Outro dever é o de solicitar autorização para a colocação de cartazes, tendo em vista que isso dificulta a visibilidade do imóvel. Assim, o artigo 18 do Decreto estabelece que o proprietário deve solicitar essa autorização, e se não o fizer, deverá haver a retirada do objeto, bem como o pagamento de multa de 50% do valor do mesmo objeto.

Ademais, o proprietário tem o dever de comunicar ao poder público a intenção de vender a coisa tombada. Há aqui um direito de preferência, pois o proprietário do bem deverá oferecê-lo previamente à União, ao Estado e ao Município, respectivamente, devendo este direito ser exercido em um prazo de 30 dias. Nesse caso, o proprietário deve provar que notificou o poder público, e não notificando-o regularmente, a alienação será nula, de acordo com o artigo 22, parágrafo 2º do Decreto.

O artigo 14 do mesmo Decreto estabelece o dever de solicitar autorização para a saída da coisa tombada do país. O proprietário deve solicitar autorização ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. Caso não obtenha essa autorização e tente enviar o bem tombado para o exterior, comete infração administrativa e crime de contrabando, conforme o artigo 15. Vale mencionar que o objeto do trabalho limita-se a bens imóveis, razão pela qual o dever do artigo 14 não é de interesse a essa pesquisa.

A respeito dos direitos, imprescindível afirmar que, com o tombamento, o proprietário não perde o domínio e a posse do bem tombado, tendo o direito de usar, gozar e dispor da coisa, segundo o artigo 1.228 do Código Civil. Porém, o direito de propriedade deve observar as finalidades econômicas e sociais, preservando o patrimônio histórico e artístico, como também implicando em limitações pela aplicação do princípio da função social da propriedade. Há, portanto, uma redução no poder de domínio, mas não seu esvaziamento (LEME MACHADO, 2009, p. 982).

Outro direito do proprietário é pedir o cancelamento do tombamento, situação que ocorrerá caso a coisa tombada necessite, comprovadamente, de obras de conservação ou reparação e o proprietário não tiver condições financeiras para arcar. Caso o órgão público entenda que as obras são necessárias, mandará executá-las às expensas da União (se o tombamento for federal) ou às expensas dos Estados ou Municípios. O órgão público do patrimônio cultural deverá se manifestar em um prazo de seis meses, sendo que, caso fique silente ou negue o pedido, o proprietário terá o direito de pedir o cancelamento do tombamento (LEME MACHADO, 2009, p. 893).

Após o pedido de cancelamento, deverá aguardar o deferimento administrativo. Caso este seja indeferido ou o órgão público não se manifestar, o proprietário deve pedir judicialmente o cancelamento, ficando ainda submetido a seus deveres legais de conservar o bem.

Na análise dos artigos do Decreto-lei nº 25/37 sobre deveres e direitos dos proprietários, percebe-se que as obrigações são de não fazer para não depreciar, mas não há obrigação de agir para tutelar, somente a possibilidade. Assim sendo, os proprietários, na maioria das vezes, deixam os bens à mercê de quaisquer reparos, ficando estes degradados pela ação do tempo, perdendo a função socioambiental que deveriam ter, servindo, portanto, para outras finalidades, como é o caso dos casarões transformados em estacionamentos no centro histórico de São Luís.

Far-se-á, portanto, uma análise do tombamento, instrumento específico cujo desiderato é proteger o patrimônio histórico e artístico nacional, por intermédio da intervenção estatal na propriedade, verificando seus efeitos perante os bens tombados, caso não haja o cumprimento do que imposto pelo Decreto-lei n° 25/37, bem como o cumprimento da função socioambiental perante esses bens.

3.2 Tombamento como instrumento jurídico de acautelamento do patrimônio arquitetônico

Após o advento da Constituição Federal de 1988, a proteção jurídica do patrimônio cultural passou a contar com outras formas de acautelamento e preservação por parte do poder público e da comunidade. O § 1º do artigo 216 menciona cinco instrumentos para a promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro: inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação. Ocorre que não exclui outros meios, possibilitando a criação de “outras formas de acautelamento e preservação”, que devem ser desenvolvidos e regidos pelo legislador, pela Administração Pública e pela comunidade.

Optou-se pelo estudo do instituto do tombamento pelo fato de este ser considerado uma limitação administrativa que tutela os bens considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional de determinado local. Ademais, considerando que o direito de propriedade deve atender à sua função social, decorrente principalmente da preservação do patrimônio cultural, observa-se que este instrumento é o mais apto para tanto.

No que pertine aos aspectos jurídicos de proteção do patrimônio cultural, pode-se enfatizar a existência de diversos instrumentos que visam preservar os bens imóveis, sendo o tombamento um dos mais utilizados pelo poder público na intervenção da propriedade privada, aplicável em caso de bens materiais ou imateriais.

O termo “tombamento”, instituído no Decreto-lei nº 25/37, constante na Carta Constitucional, tem uma acepção própria no Brasil, vez que a legislação portuguesa denomina esse instituto de “classificação e inventariação”, ainda que o local em que os arquivos estatais armazenados fosse denominado de Torre do Tombo (LEME MACHADO, 2009, p. 956).

Na Constituição Federal de 1988, esse termo passa a constar nos parágrafos 1º e 5º do artigo 216, sendo referido como um dos cinco meios de proteção do patrimônio cultural brasileiro.

Segundo obtempera Souza Filho, o tombamento é:

(...) um ato administrativo da autoridade competente que declara ou reconhece valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, bibliográfico, cultural ou científico de bens que, por isso, passam a ser preservados, se realizando pelo fato administrativo de inscrição ou registro em um dos livros do Tombo criados pelo Decreto-Lei 25/37 (SOUZA FILHO, 2006, p. 83).

Conforme entendimento de Di Pietro:

O tombamento é a forma de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, assim considerado, pela legislação ordinária, o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor etnográfico, bibliográfico ou artístico (DI PIETRO, 2010, p. 131).

Ademais, frise-se o entendimento de Andrade, que define o tombamento como:

[...] o conjunto de ações ou providências tutelares – em caráter provisório ou definitivo – que culminam por espelhar o reconhecimento oficial de valor cultural em bens tangíveis– móveis ou imóveis – naturais ou materializados por intervenção humana que, individual ou conjuntamente considerados, de propriedade de pessoas físicas ou jurídicas, privadas, públicas ou eclesiásticas, terminam por comportar inscrição em um dos quatro Livros do Tombo instituídos pelo Decreto-lei n. 25, de 30.11.37 estatuto de regência da matéria, o qual, em seu artigo 4°, prevê os seguintes: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico (1°), Livro do Tombo Histórico (2°), Livro do Tombo das Belas-Artes (3°) e Livro do Tombo das Artes Aplicadas (4°) (ANDRADE, 2001, p. 398-399).

Por fim, entende-se que é um ato administrativo em que o Poder Público impede a destruição ou descaracterização dos bens de valor histórico, cultural e arquitetônico, por intermédio da legislação específica, garantindo a supremacia do interesse coletivo sobre o privado.

Apesar de ser regulado por Decreto, o tombamento não possui apenas uma função abstrata da lei, visto que esta apenas dita as regras para sua efetivação. Tal procedimento é tido como ato administrativo da autoridade competente, isso porque sua realização não vai ocorrer em um único ato, mas em uma sucessão de atos que irão preparar o bem para um ato final válido, qual seja, a inscrição do mesmo no Livro do Tombo (DI PIETRO, 2010, p. 112).

À par desses conceitos, afere-se que, com o tombamento, o poder público pode intervir na propriedade privada visando à tutela do patrimônio histórico e artístico tanto nos bens materiais quanto nos imateriais, que devem ser inscritos no Livro do Tombo e suscetíveis de restrições parciais, pois mesmo pertencendo ao particular, o bem é de interesse público, reafirmando o princípio da supremacia do interesse público em detrimento do particular.

A doutrina diverge a respeito da natureza jurídica do tombamento, sendo considerado, portanto, um instituto sui generis. É através da especificação de sua na­tureza jurídica que aplica-se ao instituto as regras a ele pertinentes, delineando os efeitos jurídicos que decorrerão (RABELLO, 2009, p. 129).

Nesse trilhar, questiona-se: o tombamento é considerado uma servidão administrativa (artigo 18 do Decreto-Lei nº 25/37), uma limitação administrativa à sociedade ou instrumento específico de intervenção estatal na propriedade?

Bandeira de Mello (2007, p. 239), amparado por outros doutrinadores, considera que é uma modalidade de servidão administrativa, uma vez que incide sobre imóvel determinado, ocasionando ao proprietário deste bem um ônus elevado. Além do mais, exclui a natureza de limitação administrativa, tendo em vista que essa possui natureza geral e abstrata, diferentemente do ato administrativo, que possui caráter específico.

No mesmo sentido, Diógenes Gasparini pondera que o tombamento possui natureza jurídica de servidão, caracterizando-se por ser “a submissão de certo bem, público ou particular, a um regime especial de uso, gozo, disposição ou destruição em razão de seu valor histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico” (GASPARINI, 2006, p. 745).

O posicionamento de Di Pietro é de que o tombamento é um ato discricionário que não é compatível com o instituto da servidão administrativa tampouco com a limitação administrativa à propriedade, por isso é estabelecido como categoria própria. Ademais, o instrumento do tombamento não é uma restrição imposta em benefício do bem afetado ao fim ou serviço público, conquanto vise, em verdade, a satisfação dos interesses públicos e, de forma mais abrangente, o patrimônio histórico e artístico nacional do país, em virtude disso não pode ser concebido como servidão (DI PIETRO, 2010, p.123).

Para Carvalho Filho, o tombamento, além de não ser servidão administrativa, também não é limitação administrativa, sendo, portanto, um instrumento de intervenção restritiva utilizado por parte do Estado na propriedade privada, tendo natureza concreta e específica (CARVALHO FILHO, 2008, p. 711).

Em conformidade com o atinente entendimento, Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti defende que “o tombamento é um instituto de natureza híbrida, por comparecer tanto como limitação, como servidão administrativa” (CAVALCANTI, 1994, p. 53).

Ainda no que diz respeito à natureza jurídica do tombamento, mas levando em conta o ponto de vista do direito ambiental, Fiorillo estabelece que é possível elencá-lo como tombamento ambiental, visto que, conforme explanado anteriormente, sua finalidade é tutelar o patrimônio cultural de determinado local, ou seja, um bem cultural de natureza difusa (FIORILLO, 2007, p. 241).

Após uma análise dos posicionamentos doutrinários acerca da natureza jurídica do tombamento, inelutável ressaltar o posicionamento adotado neste trabalho, vale dizer, o entendimento de que este instituto não se configura como servidão ou limitação administrativa, mas sim como uma espécie de intervenção estatal na propriedade, cujo objetivo é tutelar o patrimônio histórico e artístico.

No que toca à competência para o tombamento, a Constituição Federal, em seu artigo 23, inciso III, estabelece as funções de competência concorrente entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteção do patrimônio cultural, que abrange documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural.

Os Municípios têm capacidade de promover a proteção do patrimônio histórico-cultural de interesse local, conforme prescreve o artigo 30, IX da Carta Magna, não possuindo competência para legislar a respeito desta matéria, mas podendo se utilizar dos mesmos instrumentos de proteção previstos na legislação federal e estadual (FIORILLO, 2007, p. 113-114).

Assim, observa-se que a União é responsável pelo estabelecimento das normas gerais acerca do patrimônio histórico, ao passo que os outros entes legislam para suplementar tais normas.

A Constituição estabelece que ao poder público incumbe dispor sobre o tombamento de bens em seu território, em função disso qualquer das entidades estatais podem fazê-lo. Nessa alheta, Mukai acrescenta:

[...] havendo a disposição de mais de um ente para tombar um dado bem, aquele órgão do poder público que estiver mais diretamente relacionado ao bem jurídico tutelado, terá a competência para tombá-lo. Afinal, um determinado bem de valor histórico tem mais importância para o município com o qual se relaciona, do que com todo o país (MUKAI, 1998, p. 155).

É possível, portanto, que qualquer um desses entes tombe o que outro já havia tombado, reforçando a eficácia do tombamento ou visando evitar que a outra se omita no que tange a fiscalização ou que conceda permissões contrárias ao interesse revelado (PONTES DE MIRANDA, 1976, p. 375).

O procedimento do tombamento varia conforme a sua modalidade. Fiorillo classifica esse instituto sob três aspectos: quanto à origem da sua instituição, quanto à eficácia e quanto ao bem a ser tombado (FIORILLO, 2007, p. 242-244).

Sob o primeiro aspecto, pode ser instituído por lei, por ato do Executivo ou pela via jurisdicional. O aludido autor destaca que é vantajoso o tombamento instituído por lei, uma vez que este só poderá ser desfeito se a medida tiver sua gênese em ato do Poder Legislativo, observada a competência legislativa de cada ente.

No que se refere à eficácia do ato, o tombamento pode ser provisório ou definitivo. É provisório quando há notificação do proprietário e quando for instituído por via jurisdicional (o ato irá advir de uma liminar) ou executiva (quando o processo tiver inicio pela notificação). Noutro extremo, o tombamento será definitivo quando concluído o procedimento pela inscrição do bem no Livro do Tombo, conforme o artigo 10 do Decreto-lei 25/37, sendo possível nas três vias: executiva, legislativa e jurisdicional.

Na via executiva ocorre quando o processo tiver sido concluído pela inscrição dos bens no Livro do Tombo competente para tal. Na via legislativa com o início da vigência da lei que o instituiu. Por seu turno, ocorrerá na via jurisdicional quando pairar a autoridade da coisa julgada sobre a sentença que determinou a inscrição do bem no Livro do Tombo (FIORILLO, 2007, p. 243).

No que concerne ao último aspecto, o tombamento pode ser de ofício, voluntário ou compulsório, dependendo a quem pertença o bem. Assim, será de ofício quando o bem for difuso ou de domínio público, sendo este procedimento regulado pelo artigo 5º do Decreto-lei 25/37. Caso o bem seja de proprietário particular, o artigo 6º dispõe que o tombamento será voluntário ou compulsório.

Será voluntário quando o proprietário requerer o tombamento ou concorda, por escrito, com a notificação que lhe for dirigida. Caso haja anuência tácita (devido à inércia do proprietário à notificação) ou não impugnação no prazo de 15 dias; ou quando, após impugnação tempestiva à notificação a decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural for desfavorável ao proprietário, efetiva-se o compulsório.

O tombamento, sob a ótica de ato do Poder Executivo no exercício do seu poder de polícia, visa delimitar as propriedades, tutelando-as em virtude de seu valor cultural. Para que essa proteção seja efetivada por parte do poder público, é imprescindível a identificação do momento a partir do qual a tutela passará a operar, exigindo-se, posteriormente, as obrigações decorrentes dela (CASTRO, 2009, p. 101).

O parágrafo 1º do artigo 1º do Decreto-lei 25/37 esclarece o momento de surgimento da tutela e a natureza constitutiva desse ato, assim estabelecendo:

Art. 1º (...)

§ 1º - Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tom­bo, de que trata o art. 4º desta Lei.

De mais a mais, nota-se que com a inscrição o bem fará parte do patrimônio, produzindo-se os efeitos jurídicos da proteção definitiva, não necessitando apenas dos pressupostos fáticos de valor cultural, mas que estes sejam reconhecidos por processo administrativo, através de manifestação do poder público e da inscrição do bem no Livro do Tombo, passando a fazer parte do patrimônio cultural nacional (CASTRO, 2009, p. 97).

Vale ressaltar que o tombamento provisório também gera efeitos sobre o bem, a partir do momento em que o proprietário é notificado. O artigo 10 do Decreto em alusão disciplina que essa forma de tombamento produz os mesmos efeitos do tombamento definitivo, com exceção da ne­cessidade de averbação do ato junto ao registro de imóveis e, consequen­temente, não operando as restrições à alienabilidade previstas na lei.

Destarte, o Decreto, em seus artigos 11 a 21, estabelece os efeitos do tombamento. Para Souza Filho (2006, p. 101) o principal efeito é a alteração do próprio bem, tendo em vista que acarreta em um sistema de proteção para garantir que não haja alterações ou deteriorações no mesmo, gerando, portanto, obrigações aos proprietários no que tange à conservação dos bens. Insta frisar que deste efeito se desmembra um secundário, qual seja, a aceitação por parte dos proprietários da fiscalização realizada pelo poder público.

Outro efeito gerado pelo tombamento é o direito à indenização pelo proprietário quando houver despesas extraordinárias, tendo em vista a conservação do bem, nos casos de interdição do uso do bem tombado ou de prejuízo à sua normal utilização.

No mais, pode-se citar o denominado “entorno do bem tombado”, elencado no artigo 18 do Decreto-Lei 25/37. Este efeito cria uma limitação ao exercício de propriedade dos vizinhos, que ficam proibidos de realizar obras ou construções que retirem a visibilidade do bem tombado, bem como a impossibilidade de colocar anúncios ou cartazes no imóvel.

Há também o direito de preferência, constante no artigo 22 do mesmo Decreto, através do qual o poder público (União, Estado e Município, nesta ordem) tem prioridade na compra dos bens tombados, a partir do momento em que o proprietário quiser vendê-los. Caso o proprietário descumpra com esta ordem de oferta, a venda será nula e passível de venda forçada, acrescido de uma multa de vinte por cento (20%), que deverá ser paga tanto pelo vendedor quanto pelo comprador do bem.

Decorre ainda do tombamento a sua anotação no registro de imóvel competente, através do qual os indivíduos devem comunicar o órgão competente caso adquiram ou transfiram um bem. Não bastasse isso, a União tem a faculdade para vigiar os bens tombados, podendo inspecioná-los a qualquer momento, sem que haja interferência do proprietário (SOUZA FILHO, 2006, p. 103).

Por fim, o principal efeito desse instrumento é conservar a integridade dos bens sob sua égide, transformando em interesse jurídico os valores culturais contidos nos mesmos. A partir desse interesse, infere-se a importância do estudo das funções social e ambiental das propriedades tombadas.

3.2.1 A função socioambiental do bem tombado

A partir da Constituição de 1988, a propriedade passa a ser vista como direito e dever individual e coletivo, condicionada ao cumprimento da função social, conforme roga os artigos 5º, incisos XXII e XXIII, 170, III e 186, II. Sendo assim, a propriedade privada e a defesa do meio ambiente são postos como princípios gerais da atividade econômica.

O artigo 5º, inciso XXII assegura o direito de propriedade, elencando-o como direito individual, sendo considerado uma cláusula pétrea, núcleo intangível da Carta Magna. O inciso XXIII restringe esse direito a partir do momento em que estabelece a necessidade de cumprimento de funções de cunho social, político e ambiental.

Esse artigo constitucional deve ser observado na íntegra e com aplicabilidade imediata para que a propriedade corresponda aos preceitos jurídicos e cumpra tais funções. Nesse pesar, a característica absoluta atribuída ao direito de propriedade no inciso XXII torna-se relativa com as limitações impostas no inciso XXIII para que esse direito possa existir.

Para melhor definir o conceito de função social, deve-se observar o caput do artigo 170 da Constituição Federal, que acentua como objetivo da ordem econômica “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. É possível afirmar que, para o cumprimento da função social de determinado bem, mister a promoção de uma existência pautada por parâmetros de dignidade.

No que diz respeito à correlação entre tombamento e função social da propriedade, traz-se à baila as palavras de Paulo Affonso Leme Machado:

O tombamento é uma forma de implementar a função social da propriedade, protegendo e conservando o patrimônio privado ou público, através da ação dos poderes públicos, tendo em vista seus aspectos históricos, artísticos, naturais, paisagísticos e outros relacionados à cultura, para a fruição de presentes e futuras gerações (...) O regime jurídico do tombamento estrutura a interação do interesse individual e social da propriedade. As formas de gestão público/privada dos bens tombados devem traduzir a função social da propriedade cultural (LEME MACHADO, 2009, p. 958).

Sob o mesmo enfoque, Cavedon aduz:

A constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao qualificar a propriedade como portadora de uma função social e de uma função ambiental, visa à solução dos conflitos entre interesse individual do proprietário e os interesses da coletividade. Dentre eles, destaca-se o interesse em gozar de um ambiente saudável, e alcançar as finalidades sociais que almeja a sociedade brasileira, como o desenvolvimento econômico individual que traga, concomitantemente, vantagens para a coletividade (CAVEDON, 2003, p. 65.)

Em sentido similar, o artigo 1.228 do Código Civil vigente garante ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, como também o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Dispõe, porém, em seu parágrafo 1º, que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais, preservando, dentre outros, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico.

Com efeito, nota-se o afastamento do caráter individualista do antigo Código Civil de 1916 e a adoção de um caráter social e ambiental por parte do Código Civil de 2002, condicionando o uso da propriedade à finalidades sociais, bem como ao equilíbrio ecológico (DINIZ, 2002, p. 101).

Assim, o regime jurídico da propriedade urbana é de natureza constitucional, inserindo-se na disciplina do direito urbanístico, e a legislação civil assegura direitos ao proprietário, estabelecendo a obrigação de ter finalidades econômicas e sociais. A propriedade cumpre, portanto, sua função social, quando for preservada visando à tutela do patrimônio cultural nela identificado (SILVA, 1997, p. 67).

Para Fernanda Cavedon, a partir da proteção que a Constituição de 1988 conferiu ao meio ambiente, verifica-se a existência da uma função ambiental inerente ao conceito de propriedade e função social, posto que há uma vinculação de ordem ambiental (CAVEDON, 2003, p. 68).

Antonio Herman Benjamin também defende a existência de uma função ambiental:

a função ambiental não é exclusivamente pública. Ou seja, seu exercício é outorgado a outros sujeitos além do Estado. Por conseguinte, o múnus ambiental (ou ofício ambiental) manifesta-se pelo comportamento do Estado e/ou do cidadão, agindo este coletiva (associações ambientais, por exemplo) ou isoladamente (BENJAMIN, 1993, p. 50-51).

Citando a obra Las Transformaciones Del Derecho Público y Privado, de Lén Duguit, Figueiredo afirma:

[...] Duguit sustenta que a propriedade não tem mais um caráter absoluto e intangível. O proprietário, pelo fato de possuir uma riqueza, deve cumprir uma função social. Seus direitos de proprietário só estarão protegidos se ele cultivar a terra ou se não permitir a ruína de sua casa. Caso contrário, será legítima a intervenção dos governantes no sentido de obrigarem o cumprimento pelo proprietário, de sua função social (FIGUEIREDO, 2004, p. 69).

Nesse compasso, a propriedade, dotada de função social, contempla interesses coletivos e sociais, promovendo o bem comum. A função social da propriedade gera uma obrigação ao proprietário para que este destine sua propriedade, atendendo interesses superiores aos dele, quais sejam, os da sociedade.

Especificamente sobre a propriedade urbana, o artigo 182, parágrafo 2º da Constituição de 1998 esclarece que a mesma cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. Considerando que o Plano Diretor contém normas ambientais que devem ser obedecidas pelo proprietário, percebe-se a relevância da função ambiental.

Por seu turno, a lei 4.669/2006, que instituo o Plano Diretor da cidade de São Luís estabelece suas diretrizes gerais, destacando, ainda, a preservação do Patrimônio Cultural:

Art. 2º (...)

II. a função social é atendida quando o uso e a ocupação da propriedade urbana e rural correspondem às exigências de ordenação do Município, ampliando as ofertas de trabalho e moradia, ampliando o atendimento das necessidades fundamentais dos cidadãos, proporcionando qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento econômico sem comprometimento da qualidade do meio ambiente urbano e rural.

Art. 4º Compreendem as diretrizes gerais do Plano Diretor:

I. promover políticas públicas que elevem a qualidade de vida da população, particularmente no que se refere à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, às condições habitacionais, à infraestrutura, saneamento básico e aos serviços públicos, promovendo a inclusão e reduzindo as desigualdades sociais;

II. garantir a qualidade do ambiente urbano e rural, por meio de ações que promovam a preservação e proteção dos recursos naturais e do patrimônio histórico, artístico, cultural, urbanístico, arqueológico e paisagístico;

VII. programar um sistema de fiscalização integrado, visando ao controle urbano, rural e ambiental que articule as diferentes instâncias e níveis de governo.

Art. 69. A Política de Preservação do Patrimônio Cultural do Município visa assegurar a proteção, disciplinar a preservação e, resgatar o sentido social do acervo de bens culturais existentes ao possibilitar sua apropriação e vivência por todas as camadas sociais que a eles atribuem significados e os compartilham, criando um vínculo efetivo entre os habitantes e sua herança cultural e garantindo sua permanência e usufruto para as próximas gerações.

Através do Plano Diretor, percebe-se o destaque dado ao aspecto social e ambiental, posto que este é o instrumento da política de desenvolvimento urbana que deve ser executada pelos Municípios com a finalidade de ordenar as funções sociais e ambientais da cidade. O planejamento urbano traça diretrizes que definem o conteúdo da função socioambiental da propriedade urbana (MUKAI, 1998, p. 29).

Outrossim, a percepção de função social de um bem é um dos fundamentos do direito de propriedade, relacionando-se à satisfação do bem estar da sociedade. Afirma Souza Filho que “a função social dos bens socioambientais está na sua dimensão de proteção, de modo a evocar a cultura da cidade e garantir a biodiversidade” (SOUZA FILHO, 2006, p. 28-29).

Nesse prisma, para que um bem seja efetivamente preservado deve evocar a cultura do lugar em que se encontra, garantindo às gerações vindouras a possibilidade de desfrutar do mesmo. Necessário que se mantenha a identidade da comunidade adquirida no passado, de modo que a vivência e a construção do presente constituam valores que serão preservados futuramente.

Por tal motivo, ao ser tombado como patrimônio cultural, um bem imóvel de moradia urbana passa a preservar a memória e evocar a manifestação cultural, agregando e ampliando a função socioambiental da propriedade.

Considerando que o Centro Histórico da Cidade de São Luís é tombado quase de forma completa, pode-se afirmar que o cumprimento da função social dos bens tombados é parcial, não havendo preservação concreta dos casarões, porquanto não são utilizados para atividades em prol da coletividade, descumprindo, por via de consequência, a restrição imposta pela Carta Magna sobre a observância do cumprimento da função socioambiental perante a propriedade.

O tombamento não é plenamente eficaz no cumprimento da função socioambiental das propriedades, posto que, isoladamente, não garante o resguardo do aspecto ambiental e cultural de São Luís.

Resta claro, portanto, a necessidade de garantia da função socioambiental da propriedade. Nesse toar, faz-se necessários investimentos e reformas por parte dos proprietários e dos órgãos públicos, de modo a amenizar os problemas ambientais decorrentes dos desgastes nos prédios, favorecendo o potencial artístico e cultural da cidade.

Sob esse aspecto, é possível estabelecer condutas por parte do poder público em parceria com a própria comunidade no sentido de viabilizar o acesso aos casarões abandonados, transformando-os em escolas, centros de projetos culturais, dentre outros espaços para a sociedade.

Para tanto, considerando a aptidão do poder público para tutelar o patrimônio cultural, bem como a importância da atuação conjunta com a comunidade (incluindo proprietários), escolheu-se avaliar a operação patrimônio, que destaca essa atuação entre diversos órgãos, mas depende do agir positivo dos proprietários para ter sua eficácia garantida.


4 LIMITES E DESAFIOS DO TOMBAMENTO: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DA “OPERAÇÃO PATRIMÔNIO”

Considerando as ações degradadoras do homem em conjunto aos fatores climáticos, a tutela do patrimônio cultural de São Luís por parte do poder público está cada vez mais inócua, principalmente pelo não comprometimento dos proprietários com seus imóveis. Consoante registros do IPHAN e da Defesa Civil do Município, aproximadamente 70 (setenta) prédios localizados no centro histórico da cidade estão em risco iminente de desabar, causando prejuízos não só ao patrimônio, mas às vidas humanas, uma vez que várias famílias carentes invadem os imóveis abandonados, depredando-os ainda mais.

Conforme a Superintendente do IPHAN, Kátia Bogéa, os casarões são constantemente monitorados pelos órgãos públicos e os com maiores problemas foram catalogados para que os proprietários, após notificados, façam intervenções imediatas, evitando os desabamentos.

Sucede que, apesar das intervenções feitas pelos órgãos públicos, a conservação do Conjunto Arquitetônico de São Luís enfrenta uma questão de difícil solução, qual seja, a dos estacionamentos, haja vista que os proprietários de casarões abandonam ou degradam os mesmos para transformá-los, não observando a função socioambiental da propriedade, mas tão somente a questão econômica. Por outro lado, os estacionamentos são uma demanda da população, o que acarreta em outro problema a ser enfrentado pelo poder público.

Nesse passo, mister a análise do título de Patrimônio Mundial concedido à cidade de São Luís, uma vez que, através deste, os conjuntos e sítios urbanos passam a ser designados como bem cultural possuidor de valores coletivos e referencias culturais dos seus moradores, necessitando da tutela privada e estatal.

Posteriormente, aborda-se a operação patrimônio, referente à proteção dos imóveis tombados no centro histórico de São Luís que são transformados em estacionamentos, buscando-se as possíveis alternativas para equilibrar os interesses sociais da população e a proteção do patrimônio cultural, uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado só é possível através de políticas de desenvolvimento social e econômico, dentro de um ambiente sadio, resultando, portanto, de uma parceria entre estado e comunidade para a garantia da ordem constitucional.

4.1 São Luís, Patrimônio Cultural da Humanidade

A cidade de São Luís foi fundada em 8 de setembro de 1612 pelos franceses, comandados por Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière. Esse nome decorreu de uma homenagem ao rei da França, entre 1610 e 1643, Luís XIII. Sucede que em 03 de novembro de 1615 a tropa portuguesa, comandada por Jerônimo de Albuquerque, expulsou os franceses da capital maranhense através da batalha de Guaxenduba (LIMA, 2006, p. 169).

Sabe-se que a cidade foi habitada por franceses e holandeses, mas edificada sob o domínio português. Nesse sentido, após a conquista dos portugueses o plano de São Luís foi conferido ao engenheiro-mor Francisco Frias da Mesquita, ao qual buscou adaptar o núcleo urbano já existente aos padrões estabelecidos pelas Leis das Índias8.

Nessa acepção, foi conferida à cidade uma arquitetura formada por casarões e azulejos, eficazes para a adaptação das edificações ao clima local. Nessa esteira, São Luís ficou conhecida como a “cidade dos azulejos”, pois estes foram trazidos de Portugal para a formação do centro histórico9, sendo imprescindível, portanto, a preservação de seu acervo cultural, que mantém intacto o traçado urbano seiscentista.

O tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de São Luís realizado pelo IPHAN ocorreu em 13 de março de 1974, por meio do Processo nº 454-T-51: inscrição n° 513 – Livro do Tombo de Belas Artes e inscrição n° 064 – Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Foi realizado em etapas sucessivas, tombando-se primeiramente monumentos isolados, como o prédio da Academia Maranhense de Letras, o Sobrado da Avenida D. Pedro II, e a Fonte do Ribeirão. Ademais, foram tombados os conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do Largo do Desterro, Praça Benedito Leire, Praça João Lisboa, e por fim o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico na forma como se apresenta atualmente (BOGÉA; SOARES DE BRITO; PESTANA, 2007, p. 27).

Através dessas inscrições, o IPHAN descreve da seguinte forma o tombamento:

O Centro Histórico de São Luís é formado de conjuntos homogêneos de arquitetura civil, remanescentes dos séculos XVIII e XIX, quando o Estado do Maranhão teve a participação decisiva na produção econômica do Brasil como um dos grandes exportadores de arroz, algodão e matérias-primas regionais. Nesta época, São Luís foi considerada a quarta cidade mais próspera do Brasil, depois de Salvador, Recife e Rio de Janeiro. O conjunto delimitado estritamente pelo perímetro do tombamento federal (cerca de 1000 edificações), possui imóveis de valor histórico e arquitetônico, a maioria civil, com construções do período colonial e imperial com características peculiares nas soluções arquitetônicas de tipologia, revestimento de fachadas e distribuição interna10

A área tombada pela UNESCO possui sessenta hectares, sendo o núcleo mais antigo da expansão urbana de São Luís, coincidindo com o mesmo que foi tombado pela União há cerca de dezessete anos. O Governo Estadual tem aproximadamente cinco mil e quinhentos imóveis tombados, ao passo que o Governo Federal tem cerca de mil, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN11.

No ano de 1997, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) conferiu a parte do centro histórico da cidade de São Luís o título de patrimônio cultural da humanidade, previsto na Convenção de Proteção do Patrimônio Mundial12. Conforme destaca Fiorillo (2007, p. 239), para que determinado bem seja considerado patrimônio histórico deve existir um nexo vinculante com a identidade, a ação e a memória dos grupos formadores de determinada sociedade.

Para a inscrição de bens na lista do patrimônio cultural e natural mundial deve-se seguir um procedimento composto por quatro fases, quais sejam, a identificação do bem, a proposta de inscrição, a avaliação e a decisão (SOUZA FILHO, 2006, p. 244).

Inicialmente, o Estado que tiver interesse em promover a inscrição de bens do seu território deve preparar um inventário dos bens, especificando-o, informando e descrevendo a situação dos mesmos e elencando os critérios que eles possuem para que sejam inscritos. Além disso, o Centro de Patrimônio Mundial deve verificar o preenchimento das formalidades, encaminhando a documentação para o órgão técnico especializado (SOUZA FILHO, 2006, p. 245).

Após verificar a decisão das agências especializadas o bem é recomendado para o comitê - que dará a decisão final - aceitando ou não o bem que for proposto. Esse procedimento tem duração de um ano, levando-se em consideração que a apresentação das propostas é feita até o dia 1º de julho, anualmente e, em dezembro do ano seguinte, o comitê defere ou não a proposta de inscrição (SOUZA FILHO, 2006, p. 246).

Os principais elementos que justificaram a inclusão do Patrimônio Arquitetônico do centro histórico de São Luís na categoria de Patrimônio Mundial referem-se ao desenho urbano do centro histórico, que é o original, assim como o seu conjunto de arquitetura civil, influenciado pelo projeto pombalino da reconstrução de Lisboa13. Assim, fizeram-se presentes os requisitos para que houvesse a concessão do título à cidade de São Luís.

Conseguintemente, a cidade é o único conjunto urbano brasileiro reconhecido pela UNESCO, cuja inscrição se baseia em três critérios distintos: o testemunho excepcional de tradição cultural; é exemplo destacado de conjunto arquitetônico e paisagem urbana que ilustra um momento significativo da história da humanidade; é também exemplo importante de um assentamento humano tradicional, representativo de uma cultura e de uma época14.

Nesse lastro, São Luís é o exemplo de cidade colonial portuguesa que se adaptou às condições climáticas da América do Sul, conservando sua estrutura urbana, integrada com o ambiente natural em grau elevado, sendo este o aspecto relevante que contribui para o recebimento do título de Patrimônio Mundial, bem como para o tombamento de grande parte dos bens do centro histórico da cidade (LOPES, 2007, p. 33).

Nota-se, portanto, que tal título é um aspecto de relevante importância para a tutela dos bens do Conjunto Arquitetônico, haja vista que remonta a história da comunidade ludovicense, razão pela qual deve cumprir uma função social e ambiental com o escopo de rememorar tais aspectos culturais.

Vale registrar que nessa lista dos bens atinentes ao Patrimônio Mundial estão inscritos bens culturais e naturais de valor considerado excepcional, devendo essa lista ser atualizada pelo Comitê do Patrimônio Mundial (SILVA, 2006, p. 91).

Apesar de todas essas características de autenticidade, composição monumental e urbanidade, o título concedido a São Luís sofre a possibilidade de ser suprimido, devido ao descaso do poder público, e, principalmente, dos proprietários dos imóveis que lá se encontram, acarretando na descaracterização e destruição do Conjunto Arquitetônico.

Imperioso, em função disso, a tutela do centro histórico de São Luís através de instrumentos específicos, uma vez que o meio ambiente, em seu aspecto cultural, deve ser preservado, garantindo a possibilidade de presentes e futuras gerações conviverem em um ambiente com sadia qualidade de vida, bem como compreenderem os fatos memoráveis da história de seu povo.

Considerando, portanto, que a melhor maneira de garantir a proteção do patrimônio cultural é através da atuação dos órgãos públicos, verificar-se-á a eficácia da operação patrimônio, destacando seus aspectos principais, bem como a constatação (ou não) da efetividade da mesma para a tutela do Conjunto Arquitetônico de São Luís.

4.2 Descrição da operação patrimônio

De acordo com a Informação Técnica nº 212/08, disponibilizada pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a prática irregular de demolir e transformar casarões tombados em estacionamentos vinha sendo reiterada no centro histórico de São Luís, tanto na área de tombamento federal quanto estadual. Percebendo-se essa problemática, diversas reuniões foram feitas entre os órgãos de nível municipal, estadual e federal, constatando-se a gravidade da situação, uma vez que a integridade dos bens foi deveras afetada (ANEXO A, p. 70-71).

A partir dos debates nessas reuniões, no dia 24 de julho de 2008, realizou-se a denominada “operação patrimônio”, ação conjunta entre diversos órgãos públicos, cuja finalidade foi fiscalizar os casarões tombados no centro histórico de São Luís, que, sem licença dos órgãos competentes, foram alterados ou derrubados para transformação em estacionamentos, o que ocasionou em danos irreparáveis aos mesmos. Assim, a fiscalização foi a primeira medida a ser tomada, de modo a repreender o uso indevido dos imóveis tombados, que são utilizados com intuito econômico por parte dos proprietários dos casarões, acarretando na descaracterização e destruição dos mesmos.

Nesse mesmo trilhar, o Promotor do Meio Ambiente, Fernando Barreto afirmou, em entrevista, que os imóveis estavam sendo utilizados de forma incompatível com a preservação do patrimônio. Para tanto, foi imprescindível a operação, com o condão de conscientizar os proprietários da importância do meio ambiente cultural e, através dos embargos e notificações, frear as atividades de degradação das edificações, tendo em vista que estavam ocorrendo demolições em massa para transformação em estacionamentos comerciais que funcionavam de forma irregular nos imóveis tombados.

A operação contou com a participação de diversos órgãos, dentre eles o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); a Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação (SEMURH); a Fundação Municipal do Patrimônio Histórico (FUMPH); o Ministério Público Estadual (Promotoria Especializada de Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e Urbanismo); o Ministério Público Federal (MPF); o Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico (DPHAP); a Delegacia do Meio Ambiente (DEMA); a Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação (SEMURH); a Polícia Federal e a Polícia Civil, observando-se à atuação conjunta dos órgãos públicos.

Conforme Pedro Paulo da Cruz Rocha, Técnico do IPHAN, esse órgão tem poder de polícia, podendo embargar e notificar as obras realizadas no Conjunto Arquitetônico. Ocorre que, durante a operação, apenas 12 (doze) imóveis foram identificados pelo IPHAN, tendo em vista que o restante encontrava-se sob a esfera estadual de proteção.

Após os embargos, os proprietários foram notificados, sendo obrigados a apresentar projetos alternativos de uso dos imóveis perante o IPHAN e ao DPHAP, segundo as normas de preservação do patrimônio. Assim sendo, os casos de notificação eram, em sua maioria, ocupação em lotes vagos, não se sabendo ao certo o que existia nos locais anteriormente à destruição.

A partir da análise dos documentos disponibilizados pelo IPHAN, assevera-se que os seguintes imóveis integrantes da área tombada pelo Governo Federal foram notificados (ANEXO A, p. 76-77; ANEXO B, p. 83-85):

1. Rua Afonso Pena S/N, Quadra xx, “Estacionamento Afonso Pena”, cujo responsável era S. B. B. e o proprietário do imóvel, M.R.;

2. Rua dos Afogados, nº xx, Quadra xx, denominado de “Estacionamento Pare Fácil II”;

3. Rua João Vital de Matos (Pacotilha), nº xx, Quadra xx, responsável J. C. do N. e proprietário S. S.;

4. Rua do Ribeirão, S/N, Quadra x, “Estacionamento Pare Fácil”, cujo proprietário é F. M., sendo entorno de bem tombado isoladamente em nível federal, a Fonte do Ribeirão;

5. Rua do Giz, nº xx, Quadra xx;

6. Rua dos Afogados, nº xx, Quadra xx, propriedade do Consulado Mexicano que funcionava como estacionamento privativo;

7. Rua 15 de Novembro, nº xx, Quadra xx, estacionamento “Coqueiro”, cujos responsáveis eram A. M., J. de R. P. G. e A. P. G., sendo o imóvel de propriedade da CAEMA.

Com base na mesma documentação, destaca-se que dos imóveis notificados, apenas 05 (cinco) foram embargados:

1. Rua Cândido Ribeiro, nº xx, quadra xx, que é tombado pelo DPHAP, mas foi embargado pelo IPHAN por ser entorno de bem tombado isoladamente em nível federal, a extinta fábrica Santa Amélia (embargo n° 001-2008);

2. Rua da Palma, nº xx, quadra xx, esquina com a Rua 14 de Julho, cujo responsável era E. P. C., funcionário da Secretaria de Segurança Pública, continuou funcionando normalmente com a guarda dos carros de servidores da Secretaria de Estado Segurança Cidadã (embargo nº 002-2008);

3. Rua da Palma, nºxx, quadra xx, que funcionava como estacionamento privativo do antigo depósito da Casa da Borracha, cujo proprietário era o senhor J. E.o P. A., mas atualmente funciona como comitê eleitoral (embargo nº 003-2008);

4. Rua da Palma, nº xx, quadra xx, denominado de Estacionamento da Palma, que atualmente não funciona mais, sendo de responsabilidade de L. X. C. e de propriedade de G. C., cumprindo o embargo (embargo nº 004-2008);

5. Rua da Paz, nº xx, xx e parte do xx, quadra xx, denominado Estacionamento Colonial, que continua funcionando normalmente, tendo como proprietário F. S. B. e responsável J. F. S. B. (embargo nº 005-2008).

Após a análise feita através de pesquisas nos órgãos públicos, constatou-se que os bens supracitados estavam sendo utilizados inadequadamente, uma vez que houve a difusão da prática de alteração dos mesmos visando à atividade empresarial, qual seja, o uso para estacionamentos. No mesmo sentido, a Informação Técnica nº 212/08-4ª CCR, de 18 de setembro de 2008, elaborada pela perita Ludmila Lamounier, da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, cujas conclusões são esclarecedoras, litteris:

(...) a má adaptação e as modificações insensíveis ao caráter histórico que acontecem nos bens tombados para receber diferentes e inadequados usos têm como consequência a descaracterização desses edifícios. A questão em estudo nesta IT, transformação dos bens em estacionamento de veículos, representa um uso não harmônico e não compatível com a natureza e o caráter deles (ANEXO A, p. 74).

Com efeito, o uso desarmônico e incompatível dos bens tombados afetou o caráter histórico do conjunto arquitetônico da cidade, em razão de alterar a autenticidade no significado histórico deste. Necessária, portanto, a criação e o desenvolvimento de políticas que efetivamente tutelem a função socioambiental dos bens tombados a partir da fiscalização estatal, em conjunto à proteção dada pelos proprietários desses bens, ou pela comunidade em geral.

Depreende-se que, mesmo com a participação dos órgãos públicos em defesa do patrimônio cultural, os particulares não possuem interesses em tutelar seus bens imóveis, o que se verifica a partir do abandono e da própria demolição dos mesmos, com o intuito puramente econômico, o que vai de encontro ao cumprimento das funções social e ambiental da propriedade. A partir disso, analisa-se a operação patrimônio, cujo foco foi a tutela do Conjunto Arquitetônico tombado de São Luís.

4.3 A “operação patrimônio” atualmente: análise dos objetos de fiscalização

No tocante à operação patrimônio, percebe-se que a mesma culminou na aplicação de embargos extrajudiciais e notificações a proprietários ou responsáveis pelos estacionamentos irregulares em prédios protegidos pelas legislações estadual e federal.

O Promotor Fernando Barreto aduz que todos os bens imóveis abrangidos pela operação patrimônio, demolidos ou deteriorados, foram levados à justiça, sendo objeto de ações civis públicas ou ações penais, tanto por parte do Ministério Público Estadual quanto do Federal. Destacou que, por parte Ministério Público Estadual, foram propostas 29 (vinte e nove) ações civis públicas, quatro ações penais e dois inquéritos civis públicos referentes à descaracterização de imóveis tombados no centro histórico de São Luís.

No que concerne ao andamento da operação, destaca-se o caso de maior repercussão, qual seja, o da empresária C. C. E., tendo em vista que, anteriormente à operação, a proprietária já havia descumprido embargos municipais e estaduais, demolindo 05 (cinco) casas em um terreno pertencente à antiga Fábrica Santa Amélia, na Rua Cândido Ribeiro, xx.

Após as inspeções técnicas realizadas pelo IPHAN nos imóveis tombados, constatando-se a destruição dos mesmos, a Superintendência da Polícia Federal no Maranhão foi comunicada do fato, tramitando o inquérito policial. Em pesquisa realizada neste órgão, a única informação que foi obtida, através da Comunicação Social, foi que o inquérito teria sido enviado ao Ministério Público Federal após a operação para oferecimento da denúncia, não havendo documento algum na Polícia Federal que justifique a existência da mesma.

Com base em notícias jornalísticas e na cópia do auto de prisão em flagrante, relativos à conduta da empresária C. C. E, a Procuradoria da República no Estado do Maranhão instaurou o Procedimento Administrativo – PA nº 1.19.000.000820/2008-30. No curso desse procedimento, o IPHAN mencionou outros imóveis tombados pela União que estavam sendo utilizados, indevidamente, como estacionamentos. Instaurou-se inquérito civil público, com o desígnio de apurar os danos causados ao patrimônio cultural decorrentes da utilização indevida dos imóveis tombados no centro histórico de São Luís (ANEXO A, p. 70).

Durante a operação, a proprietária foi presa em flagrante no momento em que destruía azulejos, demolia as casas e alterava a fachada do imóvel. Nesse caso, os órgãos puderam constatar a lesão e embargar o imóvel, enquadrando-se o caso no artigo 17 do Decreto-Lei nº 25/37, que estabelece que as coisas tombadas não podem - em hipótese alguma - serem destruídas, demolidas ou mutiladas.

O IPHAN, inicialmente, propôs ação civil pública - nº 2009.37.00.001014-5 em face da empresária, tendo em vista que os imóveis degradados compunham a ambiência de um imóvel de grande valor histórico, tombado isoladamente pelo Governo Federal, através do processo nº 1.144-T-85, inscrito no livro histórico, Vol. 1, nas folhas 86, inscrito sob o nº 513, em 12 de julho de 1987 (ANEXO C).

A partir desse procedimento, o MPF, por sua vez, propôs no ano de 2010 quatro ações civis públicas em face dos seguintes proprietários:

1. Estado do Maranhão, responsável pelo estacionamento situado à Rua da Palma nº XX, esquina com a Rua 14 de Julho – Embargo Extrajudicial n° 002/2008;

2. G. C. de A., proprietário; e Luis Xavier Caetano de Aquino, responsável pelo estacionamento situado à Rua da Palma n° XX, quadra X – Embargo Extrajudicial nº 003/2008 – Processo nº 001247-1.2010-4.01.3700;

3. J. E. P. A., proprietário do imóvel situado à Rua da Palma nº XX, quadra XX – Embargo Extrajudicial nº 004/2008;

4. F. S. B., o proprietário; e o Estacionamento Colonial, pessoa jurídica, situado à Rua da Paz nº XX, XX e parte do XX, quadra XX – Embargo Extrajudicial nº 005/2008.

Conforme pesquisa na Justiça Federal (ANEXO D), a ação em face de C. C. E foi proposta em 19/02/2009, tramitando perante a 8ª Vara Federal, e sua última movimentação foi em 10/01/2012, encontrando-se os autos do processo no gabinete do Magistrado, conclusos para despacho.

No que tange ao proprietário G. C. de A (Processo nº 2010.37.00.002048-9), o mesmo confirmou a destinação do imóvel para a atividade de estacionamento, mas alegou que as modificações feitas no imóvel foram antes da aquisição da propriedade. Ademais, o IPHAN foi intimado para elaborar um laudo circunstanciado sobre a situação atual do bem, mas ainda não o apresentou.

A respeito da ação proposta em face de F. S. B., a decisão foi no sentido de determinar ao réu que se abstenha de utilizar a área interna do imóvel como estacionamento ou outra destinação incompatível com sua natureza, bem como de demolir o mesmo, ainda que de forma parcial, sob pena do pagamento de multa diária, fixada no valor de R$1.000,00 (mil reais).

Ocorre que o MPF manifestou-se a respeito do descumprimento da tutela antecipada por parte do réu, conforme Informação Técnica do IPHAN, constatando-se, portanto, que o imóvel continuava sendo indevidamente utilizado como estacionamento. Em agosto de 2011 foi solicitado ao Superintendente da Polícia Federal do Maranhão a adoção de providências visando disponibilizar força policial para o cumprimento do mandado de interdição do estacionamento colonial, porém o processo continua parado.

Sobre o processo em face de J. E. P. de A., consta nos autos que o requerido faleceu, e a contestação foi apresentada pelo filho do mesmo, substituto no processo, não havendo qualquer movimentação de 2011 até agora.

Posteriormente às pesquisas feitas nos Ministério Público Estadual e Federal, no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e na Justiça Federal, pode-se concluir que existe dificuldade no acesso ao procedimento administrativo referente à operação patrimônio.

A partir da ata da 360ª reunião ordinária do MPF que ocorreu este ano (ANEXO E) constatou-se que foi homologado o arquivamento dos autos do Procedimento Administrativo. Ocorre que, após diversas tentativas de verificar tal documento, o mesmo órgão não disponibilizou as fls. 338/342, referentes à promoção de arquivamento.

Após entrevista com o Promotor F. B., o mesmo alega ter conhecimento de apenas dois casos cujas situações foram revertidas. Um dos imóveis está localizado na Rua 07 de Setembro, nº xx, sendo atualmente a Pousada das Águias, notando-se, portanto, a transformação para a garantia da função social da propriedade. Outro imóvel era um estacionamento da Funerária Pax União, mas este já foi desativado.

Assevera, ademais, que o principal problema inerente à operação é a lentidão dos processos, bem como os diferentes graus de autonomia de cada órgão envolvido e a atuação diversa dos mesmos, vez que com a demora no âmbito jurídico os casarões degradam-se pelo próprio tempo, não aguardando as decisões judiciais.

A possível solução proposta pelo membro do parquet para o problema dos estacionamentos seria, primeiramente, a regularização, por parte do Município, de determinados imóveis que foram alterados há anos, antes mesmo do tombamento, para que sejam utilizados como estacionamentos, tendo em vista a irreversibilidade de restauração dos mesmos.

Em segundo plano, a utilização de transportes públicos seria uma alternativa. Mas, ao considerar a ineficiência do transporte público de São Luís, essa solução não seria eficaz, uma vez que não abarcaria todas as pessoas que trabalham e vivem no centro histórico. Por fim, o rodízio de carros no centro seria uma opção viável, mas seria necessário um plano urbanístico satisfatório em conjunto à essa solução.

Em entrevista, a Procuradora do IPHAN, Laura Rita Mendes Miranda, faz críticas à operação patrimônio, afirmando que não havia embasamento jurídico para que a mesma fosse feita, uma vez que não houve prova concreta de que os carros dentro dos imóveis foram os causadores da degradação dos mesmos, mas somente especulações.

A entrevistada questionou a concretude do tombamento anterior à degradação do imóvel, pois os órgãos que atuaram na operação não tinham indícios de que o imóvel foi degradado anterior ou posteriormente ao tombamento. Assim, ao analisar o aspecto de lesão patrimonial, deve-se ter uma referência para questionar tal lesão, ou seja, imprescindíveis seriam os inventários dos imóveis notificados que comprovassem a efetiva lesão dos mesmos após o tombamento, porque caso tenha sido antes, não haveria necessidade de embargar os estacionamentos.

Outrossim, elencou as possíveis soluções para enfrentar a questão da falta de estacionamentos no centro histórico. Como primeiro ponto, aduz que deve haver uma educação cultural e patrimonial da sociedade, que não conserva o próprio meio em que vive. Em seguida, alega que já está sendo elaborado um estudo urbanístico, de mobilidade urbana, por parte do Município e com colaboração do IPHAN.

A última solução apresentada foi a elaboração de um projeto do centro histórico como um todo, e não de bens isolados, no intento de tutelar toda a questão sanitária, energética, de moradia e de lazer, visando à garantia da proteção do meio ambiente cultural.

Após as averiguações feitas nos diversos órgãos, percebe-se que mesmo com a instauração dos inquéritos e das ações, não houve recuperação dos bens, pois além da degradação gerada, a maior parte dos imóveis abrangidos pela operação continuam sendo utilizados como estacionamentos ou estão sem alguma outra utilidade, não se iniciando reformas por parte dos proprietários na tentativa de reverter tal situação.

Imperioso destacar, portanto, que a imposição por parte do poder público em face dos proprietários de bens imóveis não é suficiente para a proteção do Conjunto Arquitetônico, levando-se em conta que a propriedade deve cumprir um papel importante, qual seja, a garantia de sua função socioambiental. Assim, para que haja uma efetiva mudança na situação do centro histórico da cidade é necessária uma atuação conjunta, envolvendo os órgãos competentes e a sociedade.

No relatório de informação técnica do IPHAN, constam algumas sugestões para a atuação de cada órgão na tutela do patrimônio cultural:

IPHAN: integrar grupo de trabalho e assessorar tecnicamente os trabalhos, consultores e especialistas; fornecer informações referentes à área; confirmar a área tombada em nível federal para que abranja a mesma área tombada pela UNESCO; Município de São Luís: compor o grupo de trabalho; elaborar e encaminhar à Câmara Municipal o projeto de lei baseado nos resultados do trabalho; Câmara Municipal: acompanhar o grupo de trabalho; Ministério das Cidades: compor o grupo de trabalho, disponibilizar técnicos e consultores ligados ao Programa de Reabilitação das Áreas Urbanas Antigas, além de recursos financeiros; DPHAP: integrar grupo de trabalho e assessorar tecnicamente os trabalhos, consultores e especialistas, fornecendo informações referente à área. O acompanhamento poderá ser feito pelo MPF e pelo MPE (ANEXO A, p. 79-80).

Ademais, conforme aduziu a Superintendente Kátia Bogéa, deve haver a formalização de um termo de ajuste de conduta solucionando tal situação, ou seja, necessária a elaboração de um plano de mobilidade viária para o centro histórico de São Luís, no intuito de facilitar o fluxo de carros, sem prejudicar os casarões, conservando-os de forma ampla.

Com efeito, evidencia-se que a maioria dos prédios notificados e embargados pela operação patrimônio continuam sendo utilizados indevidamente. Partindo-se dessa premissa, o mero fechamento dos estacionamentos não garante a conservação dos imóveis tampouco o cumprimento da função socioambiental da propriedade, isso porque os mesmos devem passar por um processo de recuperação, contando com a atuação das instituições federais, estaduais e municipais, bem como da sociedade.

A respeito da possível recuperação dos imóveis destruídos, Kátia Bogéa afirma a impossibilidade do retorno dos imóveis ao status quo ante, sendo possível apenas uma reforma na fachada para a melhoria do conjunto. Ressalta, ainda, que a destruição dos casarões acarreta em crime contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, capitulado na Lei nº 9605 de 1998, prevendo penas de reclusão ou detenção e multa, o que acaba intimidando os proprietários, ainda que timidamente.

Em torno dessa questão, percebe-se que a conservação dos imóveis do centro histórico depende puramente do uso que é destinado a eles, uma vez que não havendo uso adequado e compatível ao bem, ocorre sua deterioração e destruição. Assim sendo, o uso deve ser harmonizado às características estruturais do bem, respeitando seu valor histórico e cultural, de modo a conferir função social à propriedade. Neste sentido, a circulação de veículos no centro histórico deve ser regulamentada, uma vez que as ruas foram traçadas no século XVII e por isso não houve planejamento para o uso de automóveis.

Além da preservação do conjunto arquitetônico deve-se observar as necessidades da população no que tange aos estacionamentos, de modo a agregar tanto o aspecto social quanto o ambiental. Destaca-se a possibilidade de utilização de imóveis, que não mais podem ser recuperados, para tal finalidade, bem como o rodízio de carros, através da criação de um planejamento urbanístico eficaz para a cidade.

Apesar dessas possibilidades é inviável a recuperação do centro histórico sem a existência de um projeto completo do mesmo que abarque questões como moradia, educação, saúde e lazer, englobando, portanto, a tutela do meio ambiente como um todo.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resta claro, portanto, que o advento da Constituição Federal de 1998, do Código Civil de 2002 e do Decreto-lei nº 25/37 petrificaram de forma incisiva a proteção ao meio ambiente, abarcando o patrimônio cultural, bem de uso comum do povo.

O Código Civil, ao modificar a concepção de propriedade, afastou o caráter individualista, adotando um caráter social à mesma, uma vez que condiciona seu uso a finalidades sociais e ao equilíbrio ecológico. Na mesma seara, a Carta Magna assentou o direito ao meio ambiente com o status de norma fundamental, inerente a toda coletividade, através de seu artigo 225.

Considerando que o patrimônio histórico e cultural de um povo está englobado como meio ambiente cultural, nota-se a importância de sua tutela, que deve ser concretizada tanto por parte dos órgãos do poder público quanto pela coletividade. É neste compasso que torna-se imprescindível o afastamento da percepção da propriedade como caráter absoluto, trazendo-se a tona a importância do cumprimento das funções social e ambiental da mesma, fazendo prevalecer o interesse coletivo em detrimento do individual.

Para tanto, oportuno registrar que a promoção do direito fundamental ao meio ambiente deve ser concretizada a partir da interação e atuação entre os atores sociais – comunidade, proprietários e poder público, sendo este último parte legítima para intervir nos bens tombados, sejam eles públicos ou privados. Evidencia-se, assim, os instrumentos jurídicos utilizados para a tutela do patrimônio cultural, tais como limitação administrativa, desapropriação, parcelamento compulsório, tombamento, dentre outros.

O instrumento do tombamento, por derivar de um ato administrativo através do qual o Estado interfere na propriedade privada, visa o acautelamento do patrimônio histórico e artístico nacional, sendo adequado para a proteção do mesmo a partir do momento em que impõe deveres aos proprietários de imóveis tombados, objetivando o cumprimento da função socioambiental da propriedade.

Nesse sentido, a partir do momento em que um bem é tombado, seu caráter individual é afastado, não perdendo o proprietário seus direitos perante o imóvel, sofrendo apenas restrições quanto ao uso, gozo e disposição do mesmo. O bem passa a ser, portanto, de interesse da coletividade, sendo reafirmada a necessidade de cumprimento de funções de cunho social e ambiental na propriedade tombada.

Vale ressaltar que o proprietário de um bem tombado é responsável pela realização de possíveis reformas no mesmo, mas dependerá de aprovação estatal, que será observada de acordo com o nível de preservação do bem, estando vinculada à necessidade de serem mantidas as características que justificam o tombamento. Ademais, o órgão responsável pela preservação fornece aos interessados toda a orientação sobre as possíveis reformas, a fim de que estas possam ser executadas com êxito, garantindo o cumprimento da função social da propriedade, que vai ocorrer quando um imóvel for preservado e destinado à determinada obrigação.

No decorrer das pesquisas feitas nos órgãos que tutelam o centro histórico de São Luís, constatou-se que, apesar da atuação dos órgãos públicos, a comunidade e os proprietários não se preocupam com a importância cultural que possui o Conjunto Arquitetônico. Assim, abandonam, degradam e acabam demolindo os casarões, prejudicando por completo a estrutura dos edifícios, visando, na maioria dos casos, a transformação dos mesmos em estacionamentos, não verificando os aspectos sociais tampouco ambientais inerentes aos imóveis, que têm somente uma finalidade lucrativa.

Verificou-se que a operação patrimônio, atuação conjunta entre diversos órgãos públicos no ano de 2008, teve como objetivo coibir o uso de casarões tombados pelo patrimônio como estacionamentos. Ocorre que, após análise de documentos, foi possível constatar que o próprio poder público desrespeita as normas impostas, utilizando casarões com essa finalidade, como é o caso do estacionamento que funciona em prol dos servidores da Secretaria de Segurança Pública do Estado, na Rua 14 de Julho, nº xx.

Ademais, destaca-se que a operação não logrou êxito, uma vez que diversos casarões ainda são utilizados como estacionamento no centro histórico de São Luís, conforme verificou-se na pesquisa realizada no IPHAN. Contudo, devido à efetiva atuação dos órgãos púbicos no ano de 2008, em alguns casos foi perceptível a reversão da problemática dos estacionamentos, ainda que de forma lenta e ínfima.

Outrossim, frisa-se a dificuldade na pesquisa de campo, pois mesmo que o meio ambiente cultural seja considerado bem de uso comum do povo, os órgãos públicos dificultam o acesso aos documentos referentes à operação, alegando, inclusive, o caráter sigiloso do procedimento, que foi o caso da Polícia Federal. Contudo, apesar da impossibilidade de acesso ao P.A nº 1.19.000.000820/2008-30, o IPHAN e o MPF foram os órgãos que disponibilizaram os documentos para a realização deste trabalho, quais sejam, ações civis públicas decorrentes da operação, bem como informações técnicas sobre os bens tombados.

Apesar dos esforços por parte do poder público, conclui-se que o tombamento dos imóveis do centro histórico de São Luís é insuficiente para a tutela dos mesmos, uma vez que os proprietários ou moradores não têm consciência da importância do meio ambiente cultural, não preocupando-se em fazer reparos nos bens ou ainda depredando seu próprio patrimônio, considerando que não possuem incentivos para tal.

Isso posto, é perceptível o estado de degradação de grande parte dos bens tombados nessa área, sendo necessário que o poder público destaque os direitos e deveres dos proprietários para a proteção do patrimônio, efetuando ainda uma política de conscientização ambiental e cultural na sociedade. Enfatiza-se, portanto, a importância da proteção dos monumentos culturais para a história e qualidade de vida das presentes e futuras gerações, mas a mesma só poderá concretizar-se a partir da elaboração de trabalhos que englobem o centro histórico em todos os seus aspectos, buscando o desenvolvimento da cidade sem degradar o ambiente que a envolve.


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Notas

1 Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm> Acesso em: 22 de fevereiro de 2012.

2 BRASIL. STF. ADI 3540 MC/DF. Rel. Ministro Celso de Melo. Julgado em 01/09/2005. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 04 março de 2012.

3 A Declaração de Estocolmo estabeleceu 26 princípios referentes a direitos humanos, desenvolvimento sustentável, proteção da biodiversidade, luta contra a poluição, combate à pobreza, planejamento, desenvolvimento tecnológico, limitação à soberania territorial dos Estados, cooperação e adequação das soluções à especificidade dos problemas.

4 Conforme os da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, reunião de Estocolmo, denominada Declaração de Estocolmo de 1972.

5 BRASIL. STJ. REsp 429.570/GO. Rel. Ministra Eliana Calmon. Julgado em 11 de março de 2003. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 08 de março de 2012.

6 BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=12740&sigla=Institucional&retorno=detalheInstitucional> Acesso: 08 de janeiro de 2012.

7 Todos os dados expostos no transcorrer dessa monografia foram coletados por intermédio de entrevistas realizadas com a Procuradora do IPHAN – Laura Rita Mendes Miranda; a Superintendente do IPHAN, Kátia Bogéa; ao Promotor do Meio Ambiente, Fernando Barreto e ao técnico do IPHAN, Pedro Paulo da Cruz Rocha.

8 Disponível em: <http://www.pgau-cidade.ufsc.br/ica/trabalhos/yamaki_humberto.htm> Acesso em: 08 de março de 2012.

9 Disponível em: <http://www.ceramicanorio.com/valeapenaconhecer/saoluiscidadedosazulejos.html> Acesso em: 15 de março de 2012.

10 Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/ans.net/tema_consulta.asp?Linha=tc_belas.gif&Cod=1241>. Acesso em 21 de fevereiro de 2012.

11 De acordo com o próprio site do IPHAN, “a criação do organismo federal de proteção ao patrimônio, ao final dos anos 30, foi confiada a intelectuais e artistas brasileiros ligados ao movimento modernista. Era o início do despertar de uma vontade que datava do século XVII em proteger os monumentos históricos. A criação da Instituição obedece a um princípio normativo, atualmente contemplado pelo artigo 216 da Constituição da República Federativa do Brasil, que define patrimônio cultural a partir de suas formas de expressão; de seus modos de criar, fazer e viver; das criações científicas, artísticas e tecnológicas; das obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A Constituição também estabelece que cabe ao poder público, com o apoio da comunidade, a proteção, preservação e gestão do patrimônio histórico e artístico do país”. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=11175&retorno=paginaIphan> Acesso em: 13 de março de 2012.

12 A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural foi criada em 06 de novembro de 1972, através da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultural (UNESCO), reunida em Paris, em 17 de Outubro a 21 de novembro de 1972. Para sua criação, observou-se as constatações feitas nesta Conferência, inerentes às ameaças que o patrimônio cultural e o natural sofrem, no que se refere a degradações e ao desaparecimento dos mesmos, gerando sua irreversibilidade. Ressalte-se ainda a importância que possuem, devido ao excepcional interesse cultural, o que exige uma preservação para garantir o direito fundamental que a humanidade possui ao patrimônio, garantindo assim um equilíbrio entre meio ambiente e o ser humano, imprescindível às gerações presentes e futuras. Assim, tornou-se necessária a adoção de disposições convencionais com um sistema eficaz de proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional. Tal Convenção estabelece que a solicitação de inscrição de um sítio na Lista do Patrimônio Mundial deve partir dos próprios Estados signatários, tendo em vista que a UNESCO não faz recomendações para a inclusão na Lista. Essa solicitação deve incluir um plano que detalhe como se administra e se protege o sítio. Para serem incluídos na Lista do Patrimônio Mundial, os sítios devem satisfazer alguns critérios de seleção. No que tange aos bens culturais, devem: i) representar uma obra-prima do gênio criativo humano, ou ii) ser a manifestação de um intercâmbio considerável de valores humanos durante um determinado período ou em uma área cultural específica, no desenvolvimento da arquitetura, das artes monumentais, de planejamento urbano ou de paisagismo, ou iii) aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural ou de uma civilização ainda viva ou que tenha desaparecido, ou iv) ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto arquitetônico ou tecnológico, ou de paisagem que ilustre uma ou várias etapas significativas da história da humanidade, ou
v) constituir um exemplo excepcional de habitat ou estabelecimento humano tradicional ou do uso da terra, que seja representativo de uma cultura ou de culturas, especialmente as que tenham se tornado vulneráveis por efeitos de mudanças irreversíveis, ou vi) estar associados diretamente ou tangivelmente a acontecimentos ou tradições vivas, com idéias ou crenças, ou com obras artísticas ou literárias de significado universal excepcional (o Comitê considera que este critério não deve justificar a inscrição na Lista, salvo em circunstâncias excepcionais e na aplicação conjunta com outros critérios culturais ou naturais). É igualmente importante o critério da autenticidade do sítio e a forma pela qual ele esteja protegido e administrado. Disponível em: <http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. Acesso em: 13 março de 2012.

13 Adotando ao modelo de déspota esclarecido, D. José I nomeou o Primeiro-Ministro, em Portugal, o Marquês de Pombal que teve importante papel na História do Maranhão.Pombal fundou o Estado do Grão-Pará e Maranhão com capital em Belém e subdivido em quatro capitanias (Maranhão, Piauí, São José do Rio Negro e Grão-Pará). Além disso, expulsou os jesuítas e criou a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão cuja atuação desenvolveu a economia maranhense. Na fase pombalina, a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão incentivou as migrações de portugueses, principalmente açorianos, como também aumentou o tráfico de escravos e produtos para a região. Tal fato fez com que o cultivo de arroz e algodão ganhasse força e logo colocou o Maranhão dentro do sistema agroexportador. Essa prosperidade econômica se refletiu no perfil urbano de São Luís, pois nessa época foi construída a maior parte dos casarões que compõem o Centro Histórico de São Luís que hoje é Patrimônio Mundial da Humanidade. A região enriqueceu e ficou fortemente ligada à Metrópole, quase inexistindo relação comercial com o sul do país. Disponível em: <http://www.achetudoeregiao.com.br/ma/historia.htm> Acesso em janeiro de 2012.

14 Os critérios histórico-sociais utilizados pela UNESCO para constituição de um conjunto ou bem isolado em patrimônio de uma sociedade são:

I – Obra prima de gênero criativo humano;

II - Testemunho de valor sob o desenvolvimento da arquitetura do urbanismo, do paisagismo de uma época ou de uma área cultural;

III - Testemunho excepcional de uma tradição cultural ou de uma civilização;

IV - Exemplo destacado de conjunto arquitetônico de paisagem urbana que ilustra momento significativo da história da humanidade;

V – Exemplo destacado de um assentamento humano tradicional que é representativo de uma cultura ou

culturas em especial se se encontra vulnerável;

VI – Que seja um bem com vinculação direta a atividade ou tradições vivas, a idéias, crenças, ou obras

artísticas ou literárias de destacado significado universal.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Natália Lago. Tombamento e função socioambiental da propriedade. Um estudo jurídico a partir da Operação Patrimônio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5040, 19 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56941. Acesso em: 28 mar. 2024.