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"Vende-se terras para estrangeiros": o PL nº 4.952/2012, que regulamentaria o tema, tramita em regime de urgência

"Vende-se terras para estrangeiros": o PL nº 4.952/2012, que regulamentaria o tema, tramita em regime de urgência

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A venda de terras brasileiras para estrangeiros é tema antigo que sempre gerou grandes debates políticos e jurídicos.

Esta em tramitação o polêmico projeto de Lei n.º 4.952/2012, que trata da venda de terras para estrangeiros, em regime de urgência. Os debates sobre o tema são antigos e sempre geraram grandes confrontos políticos e jurídicos.

Entretanto, o assunto retorna à pauta da presidência, sendo encabeçado pelo deputado Newton Cardoso Júnior do (PMDB-MG), defendido sob o argumento de que poderia trazer novos investimentos ao país.

É inegável que o assunto causa polêmica, pois tem o condão de gerar embates ideológicos partidários, além disso, tendo em vista o período de transição política, nota-se que qualquer posicionamento pode ser interpretado erroneamente.

Neste sentido, me reservarei a uma interpretação constitucional das normas e a indicação de tópicos que causam preocupação na elaboração desta nova lei.

Pois bem. O parecer da CFU/AGU n.º 01/2008[i] indicava alguns efeitos imediatos na ausência de controle na aquisição de terras por estrangeiros, dentre eles a expansão da fronteira agrícola com o avanço do cultivo em áreas de proteção ambiental e em unidades de conservação.

Neste ponto observamos que durante as discussões o atual projeto de lei teria por objetivo restringir a aquisição em biomas com 80% da área em preservação, assim, restringiria áreas próximas à região amazônica.

Além disso, observa-se que hoje a expansão da fronteira agrícola ocorre na grande maioria dos casos por motivação de brasileiros, tendo em vista a facilidade e a falta de fiscalização em um território tão extenso.

Por outro lado, a aprovação do projeto teria o condão de trazer a valorização desarrazoada do preço da terra e incidência da especulação imobiliária.

É possível notar que os pequenos produtores rurais, diante das dificuldades vivenciadas, seriam diretamente afetados com a valorização imobiliária, pois estariam mais propensos a vender suas áreas a grupos estrangeiros.

Existem inúmeras regiões do país que tiveram o processo de colonização formado por pequenas propriedades, e, seriam em pouco tempo ocupadas por grandes grupos.

Certamente este processo contribuiria também para migração de produtores para as áreas urbanas, e, o imediato aumento do desemprego.

Não obstante, poderíamos notar um aumento da venda de terras públicas, sem contar, da grilagem, da utilização de recursos oriundos da lavagem de dinheiro, do tráfico de drogas e da prostituição na aquisição destas terras.

Ainda, eram indicados como preocupação casos de “laranjas” na aquisição dessas terras, ampliação da produção de etanol e biodiesel, e, aquisição de terras em faixa de fronteira, o que colocaria em risco a segurança nacional.

No que tange às terras em faixa de fronteira, observa-se que o projeto preocupou-se em garantir que estariam proibidas as aquisições nestes territórios, contudo, esta norma esquece-se que atualmente existe grande dificuldade no controle das áreas de fronteira no Brasil, tendo em vista a sua vasta extensão.

O controle de terras em região de fronteira é um problema atual, além disso, não esta claro como ou quem fará o controle das terras que serão admitidas para venda.

Parece que a intenção do legislador é que o controle seja realizado por intermédio do C.A.R. (Cadastro Ambiental Rural), contudo, verifica-se que o cadastro não encontra-se completo, pois foi prorrogado novamente até maio de 2017.

Neste passo, o controle já iniciaria com deficiências a serem solucionadas.

Superados tais argumentos, se faz necessário uma análise sobre os fundamentos jurídicos, em especial uma interpretação teleológica do texto constitucional.

Neste sentido, em suma, entende-se pela compatibilidade do § 1º do Art. 1º da Lei n.º 5.709/71, com o Art. 171, II, da Constituição Federal de 1988, pois a lei ordinária considera como um setor imprescindível ao desenvolvimento do país.

A interpretação mudaria com a aprovação da Emenda Constitucional n.º 6, a qual acabaria com a distinção entre empresas formadas por capital/pessoas nacional ou estrangeiro.

De qualquer forma, não estaria a agricultura e o agronegócio entre os principais setores da economia brasileira?

A preocupação central do texto legal concentra-se no controle do capital destas empresas por brasileiros, ou seja, um controle efetivo e de caráter permanente, restringindo a participação de estrangeiros.

Não obstante, o Art. 190 da CF também indicava a necessidade de regulamentação para restringir a aquisição e o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira.

O parecer já indicado, sabiamente destaca que “A regra do art. 190 integra o Capítulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, e esta contido, por seu turno, no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira. O primeiro princípio deste título (art. 170, I) é o da soberania nacional. Logo, a regra do art. 190 deve ser lida como manifestação desse principio setorial.”

Neste passo, indaga-se se a possibilidade de aquisição de terras por estrangeiros poderia nos sujeitar a uma violação da soberania nacional?

Fica evidente que o questionamento realizado versa sobre a soberania econômica, pois ao passo que o número de aquisições de terras por estrangeiros aumentar, o seu domínio econômico sujeitará a população e ao país a políticas de mercado de outros países, em detrimento do interesse da população local.

Neste sentido, teria o condão de trazer prejuízos à independência e ao desenvolvimento nacional.

Não se trata de um isolamento econômico, pelo contrário, fala-se da proteção de setores básicos, garantidores da soberania nacional, que possam manter a participação do país no mercado internacional.

O Brasil é inegavelmente agrícola. E tem se destacado todos os anos no aumento da produção e na modernização dos processos de plantio, colheita, distribuição e beneficiamento.

Destaca-se Nelson Costa e Geraldo Magela Alves[ii] ao explicitar a intenção do legislador constituinte com o art. 172:

De acordo com o art. 172, da CF, deve haver lei para disciplinar, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, bem como incentivar os reinvestimentos e regular a remessa de lucros. A Constituição de 1988 foi elaborada com a preocupação de criar condições para se ter um capitalismo nacional, reservando algumas atividades para seu domínio, inclusive com a conceituação do revogado art. 171, de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional. Pensava-se, então, que se devia atrair o capital estrangeiro, mas se devia procurar condições de desenvolver o capital local, não mais com o modelo expresso na Constituição de 1967 e na sua Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, baseada na intervenção no domínio econômico e no monopólio de indústrias e atividades.

Novamente percebe-se que a intenção do legislador jamais foi reservar o mercado exclusivamente para brasileiros ou capital nacional, mas criar um ambiente favorável para que pudesse potencializar a participação do país na economia global, o que justificaria a reserva de setores específicos.

Ora, a produção agrícola do Brasil atualmente o coloca em situação de destaque no mercado internacional, assim, que benefícios à venda de terras brasileiras a estrangeiros traria ao país em longo prazo?

É óbvio que a eventual aprovação do projeto de Lei n.º 4.952/2012, inicialmente traria grandes investimentos externos, discurso imediatista perpetrado pelos defensores do projeto.

Mas os recursos em poucos anos seriam diluídos na economia, os antigos proprietários provavelmente estariam desempregados, trabalhando para estrangeiros ou migrariam para as cidades.

Em poucos anos os lucros provenientes de nossas terras seriam destinados para outros países, e, a grande quantidade de produtores estrangeiros poderia influenciar negativamente o mercado nacional.

Além disso, verifica-se que atualmente grande parte dos insumos utilizados para plantio já são protegidos e fornecidos por grupos econômicos estrangeiros.

Neste momento, com fundamento nos princípios constitucionais indicados, o que se faz necessário é uma política de fortalecimento do nosso produtor rural, fortalecer toda cadeia de produção, desenvolver tecnologias de plantio nacionais, e, manter as restrições de venda de terra para estrangeiros.


Notas

[i] PARECER CGU/AGU N.º 01/2008 – RVJ – PROCESSO N.º 00400.000695/2007-00

[ii] Constituição Federal Anotada e Explicada. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 432.


Autor

  • Herbert Correa Barros

    • Possui graduação em Direito pela Universidade Paranaense (2009);
    • Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Univel (2012);
    • Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense (2019);
    • Doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (2023);
    • Professor na Universidade Paranaense - Campus Cascavel (2021);
    • Sócio titular do escritório Barros Advogados Associados (desde 2010), Advogado militante, inscrito na OAB/PR sob n.º 51.127, com experiência na órbita do direito civil na área consultiva e contenciosa.

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