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Análise sobre a Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça

Análise sobre a Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça

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Súmula 283

            Enunciado: As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura.

Fonte: DJ DATA:13/05/2004 PG:00201
Data da Decisão: 28/04/2004
Órgão Julgador: S2 - SEGUNDA SEÇÃO

Referência Legislativa:
LEG:FED DEC:022626 ANO:1933
***** LU-33 LEI DE USURA
ART:00004
LEG:FED LEI:004595 ANO:1964
ART:00010 INC:00010
LEG:FED SUM:000596
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)


Introdução

            No parecer que se segue, pretendemos de forma sucinta, primeiramente mostrar a evolução do sistema financeiro nacional, do ponto de vista legislativo.

            Após, esse breve relato histórico, com base na Constitucional Federal de 1988, delimitar a competência do Superior Tribunal de Justiça.

            Ainda, com base na Constituição Federal de 1988, e agora em conjunto com a lei nº 4595 de 1964, definir a quem pertence a competência para regulamentar e regular o sistema financeiro nacional.

            Ao final, analisar os impactos da sumula 283 do STJ e suas possíveis conseqüências, inclusive discorrendo acerca da sua aplicabilidade.

            Em meio as discussões e exposições acima descritas, revolveremos questões incidentes pertinentes ao tema.


Sobre o sistema financeiro e o papel do Estado

            Na nova economia globalizada, vê-se de forma cada vez mais acentuada o processo de desregulamentação do mercado financeiro, avançando por todos os continentes, de acordo com estudos realizados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).

            De outro lado, existe um risco potencial decorrente da atividade bancária, e por esse motivo o Estado, tende a regular firmemente esse mercado, a fim de evitar crises no sistema financeiro.

            Por esse motivo, o exercício da atividade bancária está sujeito a vínculos e controles especiais, tanto na sua organização quanto no seu desenvolvimento, por se tratar de função de notório interesse público.

            Logo, a constituição e funcionamento das empresas bancárias dependem de autorização do poder público, sendo condicionadas a adequar-se aos requisitos legais. Alem disso, durante todo o seu ciclo de vida, são instituídos controles técnicos e jurídicos para seu regular funcionamento, podendo a autoridade pública dar instruções de caráter vinculante sobre operações e serviços, critérios de gestão e relações com o mercado.


Breve histórico da atividade bancária no País.

            No Brasil, o primeiro ato estatal de tutela da atividade bancária, ocorreu em 1808, por força de alvará datado de 12 de outubro do referido. Por este ato, a família real, recém chegada, criou o Banco do Brasil.

            No decorre dos anos, viu-se que para que o país desenvolve-se, seriam necessários mais recursos financeiros, assim surgindo os primeiros bancos privados do país.

            A partir da abertura dessas instituições, passou-se a discutir sobre a necessidade de autorização do poder publico, afim de que funcionassem. Tal discussão findou-se com a promulgação do Decreto nº 575, de 10 de janeiro de 1849. Decreto este que estabeleceu normas para a abertura de instituições financeiras, portanto, desde logo consagrando a necessidade de autorização Estatal para seu funcionamento.

            Na esteira do decreto nº 575 de 1849, e da crise bancária que assolou o país no ides de 1858, seguiram-se regulamentações no sentido de sanear o mercado financeiro nacional e regular a dissolução de empresas bancárias, assim imprimindo maior segurança no mercado.

            Citamos como exemplo a lei nº 1083 de 1860, que tratava dos bancos de emissão, o decreto nº 2711 de 1860 regulava; criação, organização e incorporações de bancos, o decreto nº 3308 de 1864, sobre falência de empresas bancárias e o decreto nº 3309 de 1864, estabelecia normas especiais de liquidação forçada para empresas bancárias.

            Ao longo dos anos, com as evoluções política e social brasileira, chegou a república, e novos ideais passaram a influenciar a sociedade brasileira. Ideais libertários e de igualdade, e sob esse "clima", adveio o decreto nº 2004 de 1908, a qual não previu tratamento falimentar diferenciado para as instituições bancárias.

            A legislação bancária nacional, que não previu tratamento falimentar diferenciado aos bancos, vigeu até o "crash" da bolsa de Nova Yorque, quando a crise financeira, assombrou o mundo capitalista. No cenário interno, a fim de proteger o sistema bancário da "quebradeira" sistemática, institui-se o regime de liquidação extrajudicial para empresas bancárias, por meio do decreto nº 19479/30, regulamentado pelo decreto nº 19634/31.

            Nos ides da década de 40, com o apogeu do Estado Novo, regime a qual o Poder Executivo desempenhava plenamente a função legislativa, apareceu com toda força a intervenção direta do poder publico nas empresas bancárias, por meio do decreto-lei nº 6419/44, que disponha poder o governo intervir na administração dos bancos, sob o pretexto de; "garantir seus interesses como credor de operações realizadas com o sistema financeiro".

            Ainda, durante o Estado Novo, com o advento do decreto-lei nº 9.228 de 1946, revigorou-se o instituto da liquidação extrajudicial das instituições bancárias, e mais tarde em 1953, a lei nº 1808, veio dispor acerca da responsabilidade dos administradores de instituições bancárias.

            Atualmente a lei nº 4595, de 31 de dezembro de 1964, é que regula a matéria, referente as instituições bancárias e o sistema financeiro nacional. Lei esta que foi recepcionada pela Constituição de 1988, e encontra-se em pleno vigor.

            Cabe ainda, ressaltar que existem assuntos, tais como; a responsabilidade objetiva dos controladores de instituições financeiras e regimes de intervenção, que estão disciplinados em legislação esparsa. Ressaltamos, o centro da legislação aplicável as instituições financeiras está na Constituição de 1988 e na lei 4595/64.

            Portanto, com o breve histórico citado tentamos demonstrar que o sistema financeiro nacional, desde a sua criação em 1808, pela coroa portuguesa, até os dias de hoje, sofre grande regulamentação, regulação e por vezes intervenção direta do poder público.


Da competência do Superior Tribunal de Justiça

            O Superior Tribunal de Justiça, conforme artigo 92, inciso II da CF/88, é órgão que compõe o Poder Judiciário, composto por no mínimo trinta e três ministros (art 104, CF/88) e tem sua competência determinada na forma do art. 105 da Carta Política de 1988.

            Nos termos do art. 105, da CF/88, compete ao STJ;

            "I - processar e julgar, originariamente:

            a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

            b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; (*) Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99:

            c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (*) Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99:

            d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

            e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;

            f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

            g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União;

            h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

            II - julgar, em recurso ordinário:

            a) os "habeas-corpus" decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

            b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;

            c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

            III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

            a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

            b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;

            c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal."(gf. nossos).

            Da leitura do copioso legal, depreende-se que compete ao Superior Tribunal de Justiça, apenas, e tão somente; "processar e julgar", originariamente as ações contidas no artigo 105, inciso I, CF/88, em grau de recurso ordinário as enumeradas ao inciso II do mesmo artigo, e em recurso especial as causas contidas no inciso III do referido.


Da competência para regulamentar e regular o sistema financeiro nacional

            A Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu capítulo IV, trata do sistema financeiro nacional, determinando que este será estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, sendo este regulado por leis complementares.

            Abaixo, segue a transcrição do referido;

            "Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram." (*) Redação dada ao artigo pela Emenda Constitucional nº 40, de 29.5.03:

            Interpretando-se o ditame constitucional, entendemos que a lei 4595, de 31 de dezembro de 1964, foi recepcionada pela Carta Magna, sendo esta a norma reguladora aplicável ao sistema financeiro nacional.

            A lei 4595/64, em seu artigo 10, define as competências privativas do Banco Central da Republica do Brasil (BACEN). Texto esse, que passamos a transcrever;

            "Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil:

            I - Emitir moeda-papel e moeda metálica, nas condições e limites autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (Vetado).

            II - Executar os serviços do meio-circulante;

            III - determinar o recolhimento de até cem por cento do total dos depósitos à vista e de até sessenta por cento de outros títulos contábeis das instituições financeiras, seja na forma de subscrição de Letras ou Obrigações do Tesouro Nacional ou compra de títulos da Dívida Pública Federal, seja através de recolhimento em espécie, em ambos os casos entregues ao Banco Central do Brasil, a forma e condições por ele determinadas, podendo: (incluído pela Lei nº 7.730, de 31.1.1989, renumerando-se os demais incisos)

            a) adotar percentagens diferentes em função:

            1. das regiões geoeconômicas;

            2. das prioridades que atribuir às aplicações;

            3. da natureza das instituições financeiras;

            b) determinar percentuais que não serão recolhidos, desde que tenham sido reaplicados em financiamentos à agricultura, sob juros favorecidos e outras condições por ele fixadas.

            IV - Receber os recolhimentos compulsórios de que trata o inciso anterior e, ainda, os depósitos voluntários à vista das instituições financeiras, nos termos do inciso III e § 2º do art. 19. (Renumerado com redação dada pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            V - Realizar operações de redesconto e empréstimos a instituições financeiras bancárias e as referidas no Art. 4º, inciso XIV, letra " b ", e no § 4º do Art. 49 desta lei; (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            VI - Exercer o controle do crédito sob todas as suas formas; (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            VII - Efetuar o controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei;(Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            VIII - Ser depositário das reservas oficiais de ouro e moeda estrangeira e de Direitos Especiais de Saque e fazer com estas últimas todas e quaisquer operações previstas no Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional; (Redação dada pelo Del nº 581, de 14/05/69) (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            IX - Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            X - Conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam: (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            a) funcionar no País;

            b) instalar ou transferir suas sedes, ou dependências, inclusive no exterior;

            c) ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas;

            d) praticar operações de câmbio, crédito real e venda habitual de títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal, ações Debêntures, letras hipotecárias e outros títulos de crédito ou mobiliários;

            e) ter prorrogados os prazos concedidos para funcionamento;

            f) alterar seus estatutos.

            g) alienar ou, por qualquer outra forma, transferir o seu controle acionário. (Incluído pelo Del nº 2.321, de 25/02/87)

            XI - Estabelecer condições para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de administração de instituições financeiras privadas, assim como para o exercício de quaisquer funções em órgãos consultivos, fiscais e semelhantes, segundo normas que forem expedidas pelo Conselho Monetário Nacional; (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            XII - Efetuar, como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais; (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)

            XIII - Determinar que as matrizes das instituições financeiras registrem os cadastros das firmas que operam com suas agências há mais de um ano.(Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/89)" (gf. nossos).

            Da leitura do texto legal, depreende-se o entendimento de que o BACEN, deve exercer a fiscalização das instituições financeiras, aplicar as penalidades previstas e conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam funcionar no País, dentre outras atribuições.

            Agora, resta definir, o significado e abrangência do termo "instituições financeiras". Emo nossa ótica, a própria lei 4595/64, em seu CAPITULO IV, SEÇÃO I, artigo 17, define o termo "instituições financeiras", da seguinte forma;

            "Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros" (gf. nossos).

            Ainda, no artigo seguinte, a lei de forma expressa, determina que para funcionarem no País as instituições estrangeiras que praticarem os atos que se refere o artigo 17, devem obter autorização junto ao BACEN. A seguir, transcrevemos o mencionado;

            "Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

            § 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras."

            Portanto, em nosso entender, cabe ao BACEN autorizar as instituições financeiras de que trata o artigo 17, 18 caput e §1º da lei 4595/64, a pratica dos atos enumerados ao art. 10, X do diploma supracitado.

            Ainda, entendemos que é a lei (no caso a vigente atualmente é a 4595/64) e residualmente o BACEN que determinam que tipo de negócio é próprio das instituições financeiras e que tipo de sociedade é financeira e deve-se submeter as suas regulamentações e regulação.


Da repristinação dos efeitos da decisão sumulada

            Dúvida emergente nos meios jurídicos; até que ponto a decisão sumulada, pode atingir de forma "erga ominis" a todas empresas do setor analisado.

            Primeiramente, deve-se consignar que apenas as decisões judiciais proferidas em ADINs, (Ações diretas de inconstitucionalidade e/ou constitucionalidade), podem ter efeito "erga omnis".

            Portanto, em nosso entender, extrapolou a sua competência constitucional o STJ, quando diz serem as administradoras de cartão de crédito instituições financeiras, porque coube a lei defini-las e em competência residual ao BACEN autorizá-las o funcionamento e fiscalizá-las.


Aplicação do decreto nº 22.626/33 às instituições financeiras

            No tocante a aplicação da Lei da Usura (Dec. 22.626/33), as instituições financeiras, assim definidas pela lei 4595/64, e portanto integrantes do sistema financeiro nacional, decidiu de forma reiterada o Supremo Tribunal Federal que esta não se aplica.

            Tal entendimento, culminou com a edição da súmula 596;

            "As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional."

            (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)

            Portanto, toda e qualquer decisão no sentido de não aplicar-se as limitações e penas impostas pela Lei da Usura as instituições que compõe o sistema financeiro nacional, merecem guarita, conforme entendimento do STF.


Do "caminho" processual a ser seguido

            Neste tópico, iremos trilhar o "caminho" da demanda contraria a súmula analisada deverá seguir a fim de que seja conhecida e julgada até a instância máxima, qual seja o Supremo Tribunal Federal.

            Hipoteticamente;

            Em primeira instância, o magistrado em sua sentença de mérito, aplica a súmula e dá perda de causa ao cliente hipotético.

            Apela-se ao Tribunal de Justiça, com base no artigo 513 do código Buzaid. O recurso de apelação é recebido em seu efeito devolutivo ou suspensivo (depende do caso), conforme dita a lei processual, que a seguir colacionamos;

            "Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

            I - homologar a divisão ou a demarcação; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

            II - condenar à prestação de alimentos; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

            III - julgar a liquidação de sentença; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

            IV - decidir o processo cautelar; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

            V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)

            VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem. (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.307, de 23.9.1996)

            VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela; (Inciso acrescentado pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

            Art. 521. Recebida a apelação em ambos os efeitos, o juiz não poderá inovar no processo; recebida só no efeito devolutivo, o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da sentença, extraindo a respectiva carta."

            O recurso de apelação foi conhecido pelo Tribunal de Justiça, pois foi positivo o juízo de admissibilidade, mas foi improvido, entendendo o Tribunal que a administradora de cartão de crédito, pode aplicar taxas sem as limitações da Lei da Usura, pois é instituição financeira, existindo ainda sumula do STJ nesse sentido.

            Contra tal decisão, deve-se apresentar Recurso Especial, com base no artigo Art. 105 da CF/88. Conforme abaixo colado;

            "Art. 105 da CF/88: Compete ao Superior Tribunal de Justiça;

            […]

            III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

            a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

            b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;

            c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal."

            Em tempo, junto ao Recurso Especial, deve-se interpor Recurso Extraordinário ao STF, com base no art. 102 da CF/88, contestando a Constitucionalidade da decisão.

            Conforme disciplina CPC, nesses casos, deve-se interpor ambos os recursos no mesmo momento, sendo primeiramente o processo enviado ao STJ, e depois, não estando prejudicado o Recurso Extraordinário, sendo este enviado ao STF, para que receba a tutela almejada. Abaixo segue o texto legal aplicavél;

            "Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. (Revigorado e alterado pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)

            § 1o Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado. (Revigorado e alterado pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)

            § 2o Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário. (Revigorado e alterado pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)

            § 3o No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial. (Revigorado e alterado pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)"

            No momento em que o Recurso Especial, chega ao STJ, o relator percebendo que a matéria é sumulada, nega seguimento aos RESP, ex vi, art 557 do CPC, a qual colacionamos;

            "Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

            § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

            § 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

            § 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756, de 17.12.199)".

            Intimado da decisão que denegou seguimento ao RESP, agrava-se para que o recurso seja julgado pela Turma.

            Provavelmente, o RESP será julgado pela Turma, que aplicará a súmula 283. Dessa decisão da Turma caberá outro Recurso Extraordinário, caso haja no acórdão alguma das hipóteses do art. 102 da CF/88. Note-se que poderão ser dois Recursos Extraordinário, enviados ao STF, um contra a decisão do Tribunal de Justiça e outro contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça.

            No Supremo Tribunal Federal, entendo que seja necessário "lutar" (interpondo, caso necessário agravo regimental) a fim de que o(s) seja(m) conhecidos e julgados no seu mérito.


Conclusão

            No caso em analise, o Superior Tribunal de Justiça, interpretando o artigo 4º, do decreto 22.626 de 1933 (lei da usura), cumulado com o artigo 10 da lei 4595/64 e súmula 596 do Supremo Tribunal Federal, sedimentou o entendimento de que as empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras, e portanto, podem cobrar juros sem as limitações da lei da usura.

            Sob nossa ótica, tal entendimento está errado, se não vejamos.

            Primeiramente, caso alguma instituição financeira, regularizada (ou seja, que siga os regulamentos do BACEN e a lei, e ainda, que seja pelo primeiro fiscalizada) resolva atuar diretamente no setor de "cartões de crédito", vê-se que a sumula ora analisada se torna inócua frente a súmula do STF nº 596, que já determinava não ser aplicável a lei da usura as instituições que compõe o sistema financeiro nacional.

            De outro lado, no tocante as operadoras de cartão de crédito "puras", ou seja, aquelas que apenas e tão somente funcionam como intermediárias da relação de consumo, e não enquadram-se nas descrições do art. 17, ou do artigo 18 caput ou artigo 18, §1º da lei 4595/64, e portanto não necessitam de qualquer autorização do BACEN para funcionar, e pelo acima exposto de forma alguma integram o sistema financeiro nacional, seria um contra-senso lhes conferir o bônus (poder cobrar taxas superiores das estabelecidas pela lei da usura), sem lhes auferir o ônus (serem autorizadas a funcionar e fiscalizadas pelo BACEN).

            Portanto, em nosso entender caso ainda sim, os juizes e desembargadores, entendam que a sumula 283 do STJ é aplicável, que a apliquem as instituições que demonstrarem de fato fazerem parte do sistema financeiro nacional e operarem diretamente no mercado de cartões, sem intermediárias.

            No tocante as demais (administradoras "puras"), não se deve aplicar a súmula 283, pelo simples fato das mesmas não serem instituições financeiras, tampouco fazerem parte do sistema financeiro nacional.

            Ainda, finalizando sobre todo o discorrido, em nosso entender, extrapolou a sua competência constitucional o STJ, quando declarou por meio do enunciado referido serem as administradoras de cartão de crédito instituições financeiras, porque coube a lei defini-las (as instituições financeiras) e em competência residual cabe ao BACEN autorizá-las o funcionamento e fiscalizá-las (as instituições financeiras).


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRIJÓ, Rogério Nahas. Análise sobre a Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 448, 28 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5749. Acesso em: 28 mar. 2024.