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Cômputo dos condôminos inadimplentes:formação do quórum qualificado de 2/3 (dois terços) para a alteração de convenção condominial

Cômputo dos condôminos inadimplentes:formação do quórum qualificado de 2/3 (dois terços) para a alteração de convenção condominial

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O quórum qualificado de 2/3 (dois terços) exigido pelo art. 1.351 do Código Civil para alteração da convenção deve ser calculado com base no total de condôminos adimplentes, excluídos, pois, os inadimplentes.

O Código Civil prevê em seu artigo 1.351 que “ Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção...”.

            Nota-se que o diploma legal em evidência faz alusão expressa à necessidade dos votos de 2/3 (dois terços) dos condôminos para fins de alteração da convenção condominial.

            Lado outro, o mesmo diploma legal garante o direito ao voto somente aos condôminos adimplentes. Confira-se:

Art. 1.335. São direitos do condômino:

[omissis]

III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.

         Portanto, somente os condôminos quites com suas obrigações condominiais podem exercer o direito ao voto.

            Nesse diapasão, imagine-se a situação hipotética de um condomínio contendo 99 (noventa e nove) unidades pertencentes respectivamente a 99 (noventa e nove) condôminos. Nesse caso, à luz do art. 1.351 do Código Civil, seriam necessários os votos favoráveis de 66 (sessenta e seis) condôminos para alteração da convenção condominial, que correspondem precisamente a 2/3 (dois terços).

            Imagine-se, agora, que 34 (trinta e quatro) condôminos estão inadimplentes, de modo que apenas 65 (sessenta e cinco) estiam aptos ao voto, consoante dispõe o art. 1.335, III do Código Civil. Nessa hipótese, não seria possível atingir o quórum qualificado de 2/3 (dois terços) para a alteração da convenção. Nesse senário, como resolver esse impasse?

            Evidentemente, a inadimplência de alguns condôminos não pode inviabilizar deliberações que exijam quórum qualificado, seja para alterar a convenção condominial ou para qualquer outra finalidade, sob pena de prejudicar toda a massa condominial, mormente no que tange às deliberações necessárias para o bom desenvolvimento do condomínio.

            Não discrepando desse entendimento, vale a pena conferir o seguinte excerto doutrinário:

Resta saber se deve ser levado em conta, para composição global do quorum, o condômino impedido de votar. Não teria sentido que os inadimplentes, em razão de seu impedimento, inviabilizassem diversas deliberações relevantes para a vida condominial, como a realização de obras no edifício (art. 1.341), a alteração da convenção de condomínio (art. 1.351), [...]. Haveria duplo prejuízo aos condôminos pontuais, tanto por terem de adiantar a parte dos inadimplentes como por não conseguirem quórum para deliberações relevantes para a vida condominial. Sensato o entendimento de que diversos quoruns exigidos pelo Código Civil, como os acima referidos, sejam calculados sobre o número de condôminos aptos a votar, excluídos os inadimplentes (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso – 7ª ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2013., p. 1.351 – grifou-se).

         Como se vê, em obra coordenada pelo ex-Ministro do Pretório Excelso Cezar Peluso, chegou-se à conclusão de que os condôminos inadimplentes devem ser excluídos do cômputo para o cálculo dos diversos quóruns qualificados exigidos pelo Código Civil, desde e inclusive no tocante à alteração da convenção.

            Verifica-se, primo ictu oculi, que esse entendimento é o mais plausível tendo em visto o que prevê o Código Civil a respeito do tema.

            Ora, se o Código Civil criou vários quóruns e, ao mesmo passo, vedou o voto do condômino inadimplente, nada mais sensato do que excluir os condôminos inadimplentes para o cômputo da formação do quórum exigido.

            Especificamente sobre a alteração da convenção condominial, apresenta-se salutar transcrever mais um excerto extraído da obra coordenada pelo Dr. Cezar Peluso:

A grande novidade da lei é a exigência cogente, prevalecente sobre a convenção, de quorum de maioria qualificada (2/3) para alterar a convenção de condomínio. A regra incide também sobre as convenções anteriores ao atual CC, pois, como já visto, não são elas simples contratos, mas atos-regra geradores de direito estatutários, sujeitos à imediata submissão às normas de ordem pú­blica. Visa a lei a manter maior estabilidade para a convenção, o que se mostra discutível do ponto de vista da dinâmica das relações entre condôminos.

Dispõe o preceito que a alteração depende dos votos de dois terços dos condóminos. A f­ração se calcula não apenas sobre os condôminos presentes à assembleia, mas sobre a totalidade dos condôminos aptos a deliberar, excluídos, portanto, os inadimplentes (op. cit., p. 1392).

         A remansosa jurisprudência dos tribunais pátrios também vem assinalando que para fins de formação de quórum qualificado, mesmo que diga respeito à alteração da convenção, devem ser excluídos os condôminos inadimplentes, computando, portanto, tão-somente os adimplentes. A esse respeito, confira-se:

CONDOMÍNIO. ALTERAÇÃO DE CONVENÇÃO CONDOMINIAL. QUÓRUM. CONDÔMINOS INADIMPLENTES. Pretensão das autoras, condôminas, à anulação da nova norma condominial.

1. A exclusão dos condôminos inadimplentes da votação não pode obstar a configuração do quórum necessário à aprovação de alteração de Convenção, sob pena de impedir deliberações essenciais à administração do Condomínio. O melhor entendimento é aquele que considera, para o estabelecimento do quórum, apenas os condôminos aptos a votar.

2. Nota-se que apenas poderiam votar na assembleia impugnada vinte e dois moradores, do total de trinta. Estiveram presentes na assembleia quinze condôminos, que representam mais de 2/3 do quórum exigido para aprovação da alteração na convenção do Condomínio (art. 1.351, primeira parte, do CC). Assim, sob diversos enfoques, o aspecto formal da assembleia, pela qual houve a aprovação de nova Convenção, foi observado. [...] (TJ-SP - APL: 92517242820088260000 SP 9251724-28.2008.8.26.0000, Relator: Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 11/06/2013, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/06/2013 – grifou-se)

DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. ANULATÓRIA. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. CONDÔMINO INADIMPLENTE. DIREITO DE VOTO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O Estatuto originário do condomínio réu prevê que o direito de voto (tanto para a Assembléia Geral Ordinária como para a Extraordinária) está condicionado à pontualidade do pagamento da contribuição condominial; razão pela qual, o quorum para deliberação deverá ser calculado sobre o número de condôminos aptos a votarem, excluídos os inadimplentes. [...] (TJ-DF - APC: 20080210060877, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 28/01/2015, 3ª Turma Cível, Publicado no DJE: 09/02/2015 - grifou-se)

        

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONVALIDAÇÃO DE ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA - DESTITUIÇÃO DE SÍNDICO - BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - DEFERIMENTO - OBSERVÂNCIA DAS REGRAS ESTATUÍDAS PELA CONVENÇÃO CONDOMINIAL E PELA LEI N.º 4.591/64 - EXCLUSÃO DE VOTOS DE CONDÔMINOS INADIMPLENTES - QUORUM ATINGIDO - MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL - REDUÇÃO PARA VALOR RAZOÁVEL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO."(TJPR - 18ª C.Cível - AC 294619-6 - Curitiba - Rel.: Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira - Unânime - J. 07.07.2006 – grifou-se)

         Percebe-se que doutrina e jurisprudência andam de mãos dadas no que diz respeito ao tema em tela. E não poderia ser diferente, porquanto condôminos inadimplentes não poderiam, jamais, inviabilizar a formação de quórum necessário para tomadas de decisões relevantes para o destino do condomínio.

            Nem se diga, como contra-argumentação, que a solução mais plausível seria computar o voto dos condôminos inadimplentes e permitir que estes votassem livremente nas assembleias quando exigido quórum qualificado. Tal permissão implicaria hialina ofensa ao art. 1.335, III do Código Civil, não olvidando a possibilidade de a convenção também dispor de regra idêntica, o que acarretaria dupla violação.

         Com base nisso pode-se concluir, com inegável segurança, que o quórum qualificado de 2/3 (dois terços) exigido pelo art. 1.351 do Código Civil para alteração da convenção deve ser calculado com base no total de condôminos adimplentes, excluídos, pois, os inadimplentes.


Autor

  • Lucas Mello Rodrigues

    Mestre em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa (UAL) com reconhecimento do título no Brasil pela Universidade de Marília (Unimar). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná (CEULJI/ULBRA). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual e Cível. Aprovado no Exame da OAB na primeira vez que o realizou, quando ainda cursava o 9º período do curso de Direito. Aprovado em 1º lugar para o cargo de Oficial de Diligências do Ministério Público do Estado de Rondônia (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, onde exerceu a função por 2 (dois) anos. Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Ministério Público Federal - MPF (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado em 1º lugar para Estagiário de Direito do Ministério Público do Trabalho - MPT (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado para o cargo de Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (nomeado, renunciou à vaga). Aprovado para o cargo de Agente de Sistema de Saneamento da Companhia de Águas e Esgoto de Rondônia - CAERD (nomeado, renunciou à vaga). Sócio-proprietário do escritório Lucas Mello Rodrigues Sociedade Unipessoal de Advocacia. Autor do livro "Projeção da Autonomia Privada no Processo Civil e sua contribuição para a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva: autonomia privada e processo civil". Tem vários artigos publicados, inclusive em periódico de circulação nacional. É autor do anteprojeto da Lei 1.232, de 28 de julho de 2016, que "dispõe sobre o atendimento prioritário às pessoas idosas e demais pessoas que especifica nos estabelecimentos comerciais, de serviços e similares de Alto Paraíso [RO], e dá outras providências".

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