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A morosidade na conclusão do inquérito policial que enseja dano moral: o inquérito policial sob a óptica da vítima e o princípio da dignidade da pessoa humana

A morosidade na conclusão do inquérito policial que enseja dano moral: o inquérito policial sob a óptica da vítima e o princípio da dignidade da pessoa humana

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Os direitos do indiciado estão bem resguardados pelo Código de Processo Penal e pela Constituição Federal, e suas prescrições normativas de prazos para a conclusão do procedimento. Mas e quando a demora atinge os interesses do ofendido, com excessiva demora? Há que se pensar a respeito.

Quando é verificado um delito, um homicídio, um estupro, um sequestro ou uma ameaça, quaisquer destes que podem não ter seus agentes prontamente identificados, os inquéritos policiais, muitas vezes, não têm a celeridade que as vítimas ou seus familiares esperam para a elucidação dos fatos e descoberta da autoria.

O inquérito policial possui prazo, ditado por lei, para a sua conclusão, e, conforme o Código de Processo Penal (art. 10), deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

Vê-se que o legislador, ao estipular o prazo de conclusão da fase investigativa, considerou os direitos do indiciado, somente deixando de lado o ofendido e seus familiares, que porventura buscam a elucidação dos fatos. As disposições legais que determinam e estabelecem o prazo para a conclusão do inquérito policial estão todas voltadas a assegurar os direitos do indiciado, preso ou não.

Ainda que o Código de Processo Penal elenque, em seu artigo 6º, as providências cabíveis pela autoridade policial, logo que se torna conhecida a prática de infração penal, por uma ou outra razão, o que se nota é que muitas das que propiciariam a elucidação dos fatos não são tomadas a tempo de alcançar a prova preservada. A demora das providências necessárias para a colheita de provas e encerramento do inquérito torna angustiada a vida daqueles que esperam a elucidação do delito.

A vítima, que passou da fase em que detinha o poder de buscar, até com as próprias mãos, a reparação do dano, viu-se neutralizada quando o Estado se torna o detentor do monopólio da força, e o direito penal ganha um caráter estritamente retributivo. Mais atualmente, na legislação processual pátria, a vítima volta a ter alguns de seus interesses contemplados pela legislação processual penal.

Prova disso é a aprovação da Lei nº 11.690/2008, que altera o Código de Processo Penal e que traz uma abordagem voltada à vítima e à sua segurança, incluindo no texto legal a necessidade de comunicação dos atos processuais relativos ao ingresso e saída do acusado da prisão, por exemplo, bem como quanto à designação de data para audiência e sentença, possibilitando, ainda, que o ofendido seja encaminhado para atendimento multidisciplinar, nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde.

Todavia, a vítima ainda não é levada em consideração na persecução penal, em especial, quanto ao prazo de conclusão do inquérito policial.

O Estado, a quem incumbe a segurança pública, conforme os preceitos da Constituição Federal de 1988, art. 144, de irresponsável, historicamente, hoje, responde pelos danos causados a seus administrados, de forma objetiva, nos ditames do artigo 37, § 6º, que estabelece que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A demora na conclusão do inquérito, que causa angústia à vítima, ou seus familiares, e fere sua dignidade, possui relação direta com a omissão do Estado na prestação dos serviços de segurança pública, evidente em razão da falha na atuação persecutória.

Os danos decorrentes da demora na conclusão do procedimento investigativo, ou demora na realização das diligências que acarretam o seu arquivamento, são presumidos à vítima ou seus familiares, que esperam seja solucionado/elucidado o ato criminoso. A falta de elucidação dos fatos à vítima ou sua família fere o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme prescreve a Constituição Federal, art. 1º, III, impondo ao Estado a sua reparação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008.

BRASIL. Código de processo penal, 1941.

BRASIL. Constituição, 1988.


Autor

  • Liz Rejane Souza Tazoniero

    Advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, possui pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário UNIRONDON, possui aprimoramento em Direito Processual Civil. É facilitadora da prática de Justiça Restaurativa nos ditames da Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 225, de 31 de maio de 2016.

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