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A insubsistência da decisão proferida nos autos do REsp nº 602.068 em face da inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº2.170-36/2001

A insubsistência da decisão proferida nos autos do REsp nº 602.068 em face da inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº2.170-36/2001

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I - Introdução

O objetivo do presente texto é perquirir a inconstitucionalidade do artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, que teria autorizado em seu bojo a capitalização mensal dos juros em contratos de mútuo bancário celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da Medida Provisória 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001 e, por conseguinte, a insubsistência da decisão contida no REsp 602.068

Tratava-se, aquele Recurso Especial, de recurso interposto pelo Banco Santander S/A, que foi às falas do E. Superior Tribunal de Justiça para questionar a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano, a vedação à capitalização mensal, a legalidade da comissão de permanência e a possibilidade de repetição de indébito, em ação revisional de contrato de crédito em conta-corrente proposta por uma empresa.

O recurso foi julgado pela Segunda Seção daquela Corte. Quanto aos juros remuneratórios, os ministros da Seção lembraram que o STJ tem entendimento assente no sentido de que, com a edição da Lei nº 4.595/64, não se aplicam as limitações fixadas pelo Decreto 22.626/33, de 12% ao ano, aos contratos celebrados com instituições.

Com relação à comissão de permanência, a Segunda Seção aplicou a Súmula 294, cujo enunciado diz que "não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato".

E quanto à capitalização, os ministros entenderam que não seria possível porque o contrato foi celebrado antes da vigência da MP 1.963-17/2000, com última reedição sob nº 2.170-36/2001. Mas, pasmem, também entenderam que seria possível para contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data de publicação da MP.

Entretanto, o entendimento não prevalece quando posto defronte às eivas inconstitucionais que recaem à Medida Provisória, conforme vai adiante.


II – As inconstitucionalidades do diploma legal

O entendimento esposado no REsp 602.068 é aquele proferido por alguns julgadores de primeira instância, de que desde a edição da Medida Provisória nº 1.963, e a partir de sua 17ª reedição, em 30 de março de 2000, é autorizada a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano. A Medida Provisória indigitada culminou na edição de nova Medida Provisória, de nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, cujo artigo 5º manteve a possibilidade de capitalização de juros em período inferior a 01 (um) ano, dispositivos esse que ainda estaria em vigor em razão do disposto na Emenda Constitucional nº 32/01.

Entretanto, essa não é a solução adequada. É que a inconstitucionalidade milita em desfavor do diploma, tanto que o Min. Sydnei Sanches proferiu voto favorável à suspensão dos efeitos do artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/01 nos autos da ADIN 2316-1, em trâmite perante o E. Supremo Tribunal Federal.

ADIN 2316-1, DECISÃO DA LIMINAR:

"Após o voto do Senhor Ministro Sydney Sanches, Relator, suspendendo a eficácia do artigo 005º, cabeça e parágrafo único da Medida Provisória nº 2170 – 36, de 23 de agosto de 2001, pediu vista o Senhor Ministro Carlos Velloso. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Maurício Corrêa. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio."

Plenário, 03.04.2002.

Realmente, são várias as inconstitucionalidades em torno do dispositivo. Primeiro porque não atendem os requisitos de urgência e relevância descritos no artigo 62, "caput", da Constituição Federal.

Primeiramente, a Medida Provisória pretendeu dispor sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, conforme se vê de seu título. Deram providências complementares quanto à capitalização de juros em períodos inferiores a 01 (um) ano.

Entretanto, não se pode reputar urgente uma disposição que trate de matéria há muito discutida na jurisprudência nacional que, por sua vez, manifesta entendimento francamente contrário a essa possibilidade. Logo, haveria de haver o crivo do Poder Legislativo e a implementação dos debates necessários em razão dos reflexos que a medida leva à sociedade.

Ademais, a inexistência de urgência e relevância também se reflete no fato de que a capitalização de juros mencionada no dispositivo está restrita às instituições financeiras. Quer dizer que a urgência só se verifica para os próprios beneficiados da norma, já que, para todos os demais, representa verdadeiro descompasso entre a prestação e a contra-prestação, além de onerar um contrato que por natureza desiguala os contratantes (de adesão).

A jurisprudência já tratou do assunto, especificamente quanto à inconstitucionalidade do artigo 5º da Medida Provisória 2.170/01, que teria autorizado a capitalização de juros em períodos inferiores a 01 (um) ano, a exemplo do que consta em TRF 4ª R. – AC 2001.71.00.004856-0 – RS – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon – DJU 11.02.2004 – p. 386/387.

Nem se diga que não seria possível a aferição dos quesitos de relevância e urgência pelo Poder Judiciário. Conforme já consagrado pelo E. STF, essa competência é, em princípio, dos Poderes Executivo e Legislativo. Todavia, se tais requisitos – relevância ou urgência – evidenciarem-se improcedentes, no controle judicial, o Tribunal deverá decidir pela ilegitimidade constitucional da medida provisória [1].

É o caso do artigo 5º da Medida Provisória, de nº 2.170-36/2001. Tanto que já foi objeto de apreciação jurisprudencial, conforme visto acima. Ora, é possível analisar desde logo que a regulamentação do anatocismo só interessa às próprias instituições financeiras e, dada sua controvérsia e a existência de um diploma legal anterior, necessita passar pelo crivo do Poder Legislativo e pelos debates necessários.

Outro ponto a ser observado é a eficácia da Medida Provisória indigitada. O artigo 62, §3º, da Constituição Federal, acrescentado pelo artigo 1º da Emenda Constitucional 32/01, determina que, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável uma vez por igual período, as medidas provisórias perdem sua eficácia.

Logo, não obstante o artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32/01 dizer que as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuarem em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional, o artigo 1º da mesma Emenda Constitucional nº 32/01 introduziu o §3º ao artigo 62 da Constituição Federal, que regra que as medidas provisórias terão eficácia por 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por mais 60 (sessenta) dias, quando então perderão eficácia se não convertidas em lei pelo Congresso Nacional.

E, tendo-se em conta que a Medida Provisória nº 2.170/36/01 foi editada em 23 de agosto de 2001, conclui-se que sua última reedição só poderia acontecer em 23 de outubro de 2001, do que decorre que gerou efeitos até 23 de dezembro de 2001. Não foi convertida em lei, portanto, perdeu sua eficácia (parou de gerar efeitos), nos molde do artigo 62, §3º, da Constituição Federal, muito embora ainda continua vigendo, conforme o artigo 2º da EC 32/01.

Afasta-se, com isso, a aplicabilidade ao caso do artigo 2º da Emenda Constitucional 32/01, já que tal dispositivo relata apenas a permanência da vigência de Medias Provisórias editadas em data anterior à promulgação daquela reforma constitucional, até que outra medida provisória posterior as revogue ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional, não fazendo qualquer menção quanto à eficácia.

Poder-se-ia constatar certa contradição na conclusão acima ao se fazer a seguinte indagação: é possível uma norma viger sem eficácia? Certamente que sim, pois a vigência da norma está ligada à sua existência no ordenamento jurídico, enquanto que eficácia está estreitamente relacionada à produção de efeitos jurídicos.

Há diferenças indeléveis entre vigência e eficácia. Conforme lecionado por EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM, eficácia é o atributo imanente à norma jurídica, consubstanciado na produção de efeitos positivos, enquanto que vigência significa a própria existência da norma jurídica, não se confundindo, pois, com a validade – timbre da legalidade – nem com a eficácia – aptidão para produzir efeitos jurídicos [2].

A jurisprudência já analisou o tema, dando-lhe procedência. Veja-se a respeito TJPE – EDcl 83557-0/03 – Rel. Des. Bartolomeu Bueno de Freitas Morais – DJPE 19.11.2003


III – Conclusão

Pelo exame dos argumentos alinhavados, não há como não se concluir pela inconstitucionalidade do artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001. Tal conclusão está amparada em farto entendimento jurisprudencial, incluindo-se aí do próprio Supremo Tribunal Federal, que está para concluir julgamento da liminar quista nos autos da ADIN nº 2316-1, onde foi proferido voto favorável pelo Min. Sydnei Sanches.

Nota-se, aí, que há grandes chances de êxito àqueles que demandarem a revisão de seus contratos bancários com fundamento na ilegalidade da cumulação de juros em períodos inferiores a 01 (um) ano.


Notas

1 STF – ADI 1.647-4 – PA – TP – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 26.03.1999) (RET 8/41): ADIns 162-DF, Moreira Alves, 14.12.1989; e 1.397-DF, Velloso, RDA 210/294. STF – ADI 1647 – TP – Rel. Min. CARLOS VELLOSO – DJU 26.03.1999 – p. 1)

2 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira, Dicionário Jurídico Tributário, pgs. 95 e 253, 4ª edição, Ed. Dialética, São Paulo, 2003.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERGAMINI, Adolpho. A insubsistência da decisão proferida nos autos do REsp nº 602.068 em face da inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº2.170-36/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 454, 4 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5772. Acesso em: 28 mar. 2024.