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A controvérsia acerca da incidência, ou não, do IPI na importação de veículo automotor para uso próprio

A controvérsia acerca da incidência, ou não, do IPI na importação de veículo automotor para uso próprio

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O STF pacificou a controvérsia concluindo pela incidência do IPI na importação de veículos por pessoas físicas para uso próprio, e, ainda, pela inaplicabilidade do princípio da não cumulatividade.

Resumo: O Imposto sobre Produtos Industrializados tem hoje uma importante função arrecadatória entre os impostos federais. Além disso, também possui relevante função extrafiscal e regulatória do mercado, especialmente de regulação do comércio exterior. Assim, o presente artigo irá analisar se há ou não sujeição do referido imposto em virtude de importação de veículo automotor para consumo próprio.

Palavras-chave: Tributário. IPI. Importação. Consumidor final. Não Cumulatividade.


I – INTRODUÇÃO

O assunto do presente trabalho sempre teve assento no cotidiano da Justiça Federal e sempre foi objeto de discordância entre Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Muito recentemente, o STF, no Reurso Extraordinário 723.651/PR, julgado sob o regime de repercussão geral, pacificou a controvérsia concluindo pela incidência do imposto sobre produtos industrializados – IPI, especificamente na importação de veículos por pessoas físicas para uso próprio, e, ainda, pela inaplicabilidade do princípio da não cumulatividade.


II – O IPI NA IMPORTAÇÃO DE BENS POR PESSOA FÍSICA PARA CONSUMO PRÓPRIO

O tema em comento sempre foi obscuro na jurisprudência, havendo muitos debates sobre a questão.

Uma das correntes, encabeçada por Procuradores da Fazenda Nacional e que ganhou destaque nos Tribunais Regionais Federais, defende o pagamento do tributo, uma vez que há o produto industrializado (veículo automotor), o sujeito passivo (importador) e o desembaraço aduaneiro, todos os pressupostos necessários de acordo com a lei de regência, não havendo, portanto, qualquer elemento a afastar a existência de relação jurídico-tributária.

De outra banda, há a corrente que defende que o IPI é não cumulativo, não se podendo exigi-lo, pois o importador é consumidor final, não contribuinte do imposto, e, por isso, não poderia compensar o tributo em operações subsequentes.

A Primeira Seção do STJ, em 25/02/2015, sob o regime dos recursos repetitivos, consolidou jurisprudência no sentido de que: "não incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, tendo em vista que o fato gerador do referido tributo é a operação de natureza mercantil ou assemelhada e, ainda, por aplicação do princípio da não cumulatividade” (REsp 1396488/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 17/03/2015).

No âmbito do STF, o Plenário não havia apreciado a questão a fundo, existiam apenas julgamentos da Primeira e da Segunda Turma, referentes a agravos regimentais, que consolidaram o entendimento no sentido de não incidência do IPI na importação de veículo automotor por pessoa física, que seja importador não habitual, para consumo próprio, ante a limitação constitucional ao poder de tributar imposta pelo princípio da não-cumulatividade. Conforme os seguintes acórdãos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO PARA USO PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Não incide o IPI em importação de veículo automotor, por pessoa física, para uso próprio. Aplicabilidade do principio da não cumulatividade. Precedentes. II - Agravo regimental improvido.

(RE 550170 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 07/06/2011, publicado no DJe de 04/08/2011)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PESSOA FÍSICA. USO PRÓPRIO. 1. Não incide o IPI em importação de veículo automotor, para uso próprio, por pessoa física. Aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RE 501773 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, publicado no DJe de 15/08/2008)

Todavia, em 12/04/2013, o Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão versada no Recurso Extraordinário 723.651/PR interposto por um cidadão com o objetivo de reformar julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e, assim, ver reconhecido o direito de que pessoa natural que não atua na compra e venda de automóveis, importando veículo para o uso próprio, não está sujeito à incidência do IPI.

E, em 04/02/2016, o Plenário do STF, por maioria, apreciando o tema da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, e fixou a seguinte tese:

"Incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio" (RE 723651, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-164 DIVULG 04-08-2016 PUBLIC 05-08-2016).

Em observância ao caráter vinculante da decisão proferida pelo Pretório Excelso, o novo entendimento proferido por aquela Corte passa a ser aplicado em todos os órgãos do Poder Judiciário.

Para analisar e compreender o tema é necessário primeiramente estudar os elementos do tributo em questão, ou seja, saber quem é o contribuinte do imposto e qual seu fato gerador. De acordo com o artigo 51 do Código Tributário Nacional, o legislador definiu como contribuinte do IPI: (I) o importador ou quem a lei a ele equiparar; (II) o industrial ou quem a lei a ele equiparar; (III) o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; (IV) o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão.

Assim, o exercício de atividade mercantil ou assemelhada não é condição obrigatória para que a pessoa natural ou jurídica seja considerada como contribuinte, não há distinção nesse sentido, uma vez que fora incluído no rol do artigo 51 do CTN o importador.

Lê-se, no artigo 46 do CTN, que o imposto, de competência da União, tem como fato gerador o desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira – inciso I. Ademais, o IPI incide sobre o produto industrializado em si, conforme expressa dicção do artigo 153, inciso IV, da Carta da República, bem como do artigo 46 do CTN. E o que é produto industrializado? Segundo o parágrafo único do artigo 46 do CTN, é aquele que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo, no caso em análise o veículo automotor.

Fixadas essas premissas, passa-se ao estudo do princípio da não cumulatividade. Esse princípio existe em impostos que sejam plurifásicos, que tenham várias fases ou operações. Assim, consiste na possibilidade de se compensar o que for devido em cada fase ou operação com o montante exigido nas anteriores, segundo o estabelecido no artigo 153 § 3º, inciso II, da CF/88[1].

Dessa forma, garante-se a compensação do IPI pago nas operações anteriores nas hipóteses de incidência em cadeia, evitando o efeito cascata da tributação. Pergunta-se: há mais de uma incidência na questão do IPI na importação de veículo por pessoa física para uso próprio? A resposta só pode ser negativa. Trata-se de operação monofásica, isto é, única. Não há operação anterior, nem posterior. O importador consumidor final vai pagar o tributo com base tão somente nessa operação, qual seja, a importação.

O princípio da não cumulatividade pressupõe a existência de uma incidência plurifásica com cobrança nas operações anteriores. Logo, se nada foi cobrado, nada há de ser compensado. Portanto, não há que falar em aplicação do aludido princípio.

Por fim, ressalta-se que o Plenário do STF, com base na função regulatória de mercado do IPI e no princípio da isonomia, destacou que a cobrança do IPI na importação de veículo para consumo próprio promove igualdade de condições tributárias entre o fabricante nacional de veículos, que fica sujeito ao imposto no território brasileiro, e o fabricante estrangeiro, garantindo-se a livre concorrência. Do contrário, o veículo automotor produzido no Brasil passaria a concorrer em desvantagem com os importados, pois apenas os nacionais seriam tributados pelo IPI.


III – CONCLUSÃO

Conclui-se que, quando se trata de importação de veículo automotor por pessoa natural para consumo próprio, analisando o disposto na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional sobre o IPI, estão presentes todas as características da relação jurídico-tributária, a saber: o importador (sujeito passivo/contribuinte do imposto), o desembaraço aduaneiro (fato gerador) e o veículo automotor (produto industrializado).

Na importação de produto industrializado (veículo automotor) no exterior, para consumo próprio, há uma única exação do IPI. Destarte, não havendo operações posteriores passíveis de tributação, não há que falar em princípio da não cumulatividade.

A incidência do IPI em virtude de importação de veículo automotor para uso próprio está em consonância com a finalidade extrafiscal do tributo, com o princípio da isonomia e com a livre concorrência, pois coloca a produção nacional em igualdade com a estrangeira.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm>. Acesso em: 20 mar. 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 mar. 2017

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário: completo. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.


Notas

[1] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) IV - produtos industrializados; (...) § 3º O imposto previsto no inciso IV: (...) II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Felipe Fernandes Valente. A controvérsia acerca da incidência, ou não, do IPI na importação de veículo automotor para uso próprio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5140, 28 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58011. Acesso em: 28 mar. 2024.