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A função social dos contratos em uma perspectiva civil-constitucional

A função social dos contratos em uma perspectiva civil-constitucional

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A partir das transformações políticas que culminaram no nascimento do Estado Social, o contrato assume nova roupagem, preocupando-se mais com os interesses sociais, deixando de apresentar-se como um mero instrumento de realização individual dos contratantes.

Resumo: O presente estudo objetiva analisar as mudanças ocorridas no Direito Civil, impulsionadas pelo fenômeno da constitucionalização, que, em conseqüência, tornou necessária a releitura do direito contratual. Isso porque os contratos não mais refletem o modelo que vigorava no Estado Liberal, cujo princípio central era o da autonomia da vontade. A partir das transformações políticas que culminaram no nascimento do Estado Social, o contrato assume nova roupagem, preocupando-se mais com os interesses sociais, deixando de apresentar-se como um mero instrumento de realização individual dos contratantes. O contrato adota uma função social, que privilegia a proteção dos valores existenciais em relação aos interesses meramente patrimoniais.

Sumário: Introdução. 1. Constitucionalização do Direito Civil. 2. Autonomia da vontade e a "crise" do contrato. 3. A função social dos contratos. Conclusão. Referências bibliográficas


INTRODUÇÃO

O Direito, enquanto ciência social, sofre os reflexos decorrentes das diversas transformações da sociedade ocorridas ao longo do tempo.

Tais mudanças influíram de forma decisiva no mundo jurídico, principalmente, com a transformação do Estado Liberal, baseado em idéias individualistas e iluministas do final do século XVIII, pelo Estado Social, fruto da sociedade massificada e do pós-guerra, que visa ao respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade material e à funcionalização dos institutos jurídicos.

As reivindicações sociais levaram o antigo Estado mínimo a tornar-se Estado interventor e social; capaz de impedir a exploração e os abusos praticados pelos economicamente mais fortes sobre os mais fracos, tutelando os interesses sociais, de modo plural.

Em sede de Brasil, pode-se constatar que tais transformações conduziram à elaboração da Constituição Federal de 1988, ao elevar a dignidade da pessoa humana a fundamento da República, na busca de uma sociedade livre, justa e solidária.

A Carta Magna de 1988 provocou um repensar, em decorrência das transformações nos antigos pilares do Direito Civil, quais sejam, a propriedade, a família e o contrato.

O modelo de contrato do Estado Liberal, cujo princípio nuclear era o da autonomia da vontade, não conseguiu dar respostas adequadas aos anseios e às necessidades da sociedade atual.

O contrato, em sua arquitetura tradicional, configurou um instrumento de exercício de poder. A liberdade meramente formal mostrou-se como um meio hábil para a expansão capitalista e para a exploração dos indivíduos hipossuficientes.

Já no Estado Social, que tem na dignidade da pessoa humana o seu principal fundamento, coloca-se, ao lado da autonomia da vontade e da liberdade, novos princípios contratuais como o da boa-fé, do equilíbrio econômico e da função social.

O norte do presente trabalho aponta para a necessidade de repensar o instituto do contrato, através de uma visão constitucional, modificando o significado do comportamento contratual, no âmbito coletivo, para que se concretize a justiça social da Constituição.

Propõe-se a revisita ao instituto do contrato, passando pela sua forma clássica até se chegar ao Direito Civil contemporâneo, dando maior ênfase à sua funcionalização, implicando na derrubada de dogmas, como autonomia da vontade e relatividade dos efeitos dos contratos.

Busca-se enfatizar a imprescindibilidade de uma nova orientação sobre o direito contratual e seu papel na efetivação da justiça contratual.


1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

Como ponto de partida, faz-se necessária uma breve análise histórica referente ao papel desempenhado pelo Código Civil de 1916, desde sua promulgação até o advento do Código Civil Brasileiro de 2002.

O Código Civil de 1916 tem suas raízes nas doutrinas individualista e voluntarista, inspiradoras do Código Napoleônico e de diversas outras codificações do século XIX.

Na virada do século XVIII para o século XIX, o Direito Privado consagrou o indivíduo como valor jurídico fundamental de proteção. Então, tratou de regular, sob o ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito.

As principais relações jurídicas tuteladas restringiam-se, basicamente, ao sujeito contratante e ao proprietário. Estes nada mais aspiravam do que a libertação de todos os antigos privilégios feudais, passando a ter ampla liberdade para contratar, circular riquezas, adquirir bens, como uma forma de representação da ampliação da própria inteligência e personalidade, sem intervenção legal. O Código Civil Brasileiro era a Constituição do Direito Privado.

Em um primeiro momento, na Europa, na segunda metade do século XIX, e no Brasil, a partir dos anos 20, entra em declínio a era de segurança e estabilidade que o Código Civil Brasileiro de 1916 instituiu ao sujeito de direito nas suas relações econômicas.

Instaurava-se um período em que novas demandas afloravam, como reflexo de diversos fatos históricos, tais como: a Primeira Guerra Mundial, que resultou em problemas no fornecimento de mercadorias e em demasiada agitação popular; os movimentos sociais; e, o processo de industrialização crescentes do século XIX.

Logo após a promulgação do Código Civil de 1916, inicia-se a primeira fase intervencionista do Estado, na qual se promove a edição de leis extravagantes que objetivassem o reequilíbrio do quadro social delineado pela consolidação de novas classes econômicas formadas na ordem liberal e que reproduziam os ideais da Revolução Francesa.

As novas leis eram tidas como de caráter excepcional, visto que introduziam princípios outros que não os consagradores do Código Civil de 1916, permitindo que situações pudessem ser reguladas pelo Estado sem que fosse alterada substancialmente a centralidade e a exclusividade do Código Civil de 1916. Teriam estas leis, portanto, "caráter emergencial", sendo incapazes de afetar os pilares do direito civil, mantendo-se o caráter de exclusividade do Código Civil de 1916.

Em uma segunda fase, iniciada no Brasil a partir do anos 30, a leitura do Direito Civil foi motivada pela política legislativa do Welfare State, que teve assento constitucional em 1934 e cuja expressão, na teoria das obrigações, se constituiu no fenômeno do dirigismo contratual.

O Estado passou a intervir com maior freqüência e intensidade na ordem jurídica, mediante a contínua criação de um grande número de leis extracodificadas que já não apresentavam mais um "caráter emergencial", de excepcionalidade. Estas passaram a tutelar, de forma muito abrangente, uma vasta gama de situações não abordadas pelo Código Civil de 1916.

Diante desta nova concepção, que ampliou o alcance das leis excepcionais, surgem as chamadas leis especiais, apresentando um caráter de especialização das respectivas matérias. Áreas específicas inteiras passaram a ser reguladas, apresentando um contexto legal técnico, objetivo e finalista, abalando a exclusividade do Código Civil na aplicação do direito nas relações privadas.

A terceira etapa intervencionista do Estado na ordem jurídica brasileira tem início com a Constituição de 1946, que seguiu as tendências das Cartas Políticas e Constituições do pós-guerra, nas quais se inseriram normas e princípios que instituíram deveres sociais no desenvolvimento da atividade privada, passando a limitar a sua autonomia, a propriedade e o controle dos bens.

Novos textos constitucionais começam a incorporar e definir princípios atinentes às matérias antes abordadas apenas pelo Código Civil, passando as mesmas a apresentar um caráter constitucional. Esta profunda alteração, se deve à preocupação que o legislador teve em estabelecer um modelo jurídico que protegesse o sujeito de direito, garantindo a estabilidade das normas, principalmente, com as modificações causadas pela legislação especial que tutelavam uma nova realidade de interesses sociais e econômicos preestabelecidos pelo Estado.

É através da promulgação da Constituição de 1988 pode se vislumbrar uma terceira fase de intervenção do Estado, também conhecida como a era dos estatutos, como forma de expressar as novas características da legislação especial ou extravagante.

A interpretação jurídica das relações privadas do Código Civil deu-se de acordo com a análise e os valores tutelados na Carta Magna, que serviu como uma "opção legislativa concordatária" diante de tamanha desordem nas relações privadas, dos riscos e do impacto social causados pelo ordenamento que vigorava, juntamente com inúmeros diplomas setoriais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor ou a Lei de Locações, apresentaram-se como "verdadeiros arcabouços normativos", introduzindo regras processuais, princípios normativos, tipos penais, normas de direito administrativo, o que gerou a subtração, quase que na totalidade, de alguns setores da atividade privada, antes insuficientemente reguladas pelo Código Civil de 1916.

Durante o século XIX, quando se afirmam os fenômenos do constitucionalismo e da codificação, a relação existente entre a Constituição e o Código Civil demonstrava uma estruturação muito precisa. A Constituição e o Código formavam dois universos distintos, paralelos, que se relacionavam sob o aspecto formal, ou seja, quando uma norma da Constituição tivesse um sentido absolutamente contrário à regra codificada ocorreria (e ainda ocorre) o fenômeno da revogação pela incompatibilidade entre norma hierarquicamente inferior com a superior, sendo este o único ponto de entrelaçamento entre a Constituição e o Código Civil.

A Constituição surgiu como um documento político que teria por finalidade meramente a definição de normas de organização e competência estatal, não incidindo sobre os demais ramos do direito, salvo em situações excepcionais e marginais. Tal entendimento predominava, tendo-se em vista o caráter de instabilidade política deste momento histórico, sendo o campo do Direito Constitucional dominado pelo "princípio da instabilidade".

Por outro lado, o Código Civil era visto como um documento estável e permanente, importando em uma referência "firme e imutável" para o direito comum. "Diante da instabilidade incondicional, tivemos, por exemplo, em 90 anos, seis Constituições e apenas um Código Civil". A Constituição fazia parte do chamado Direito Público, enquanto que o Código integrava o Direito Privado (autônomo, irretocável e auto-suficiente).

Paulo Luiz Netto LÔBO ressalta a razão de ser desta forma de pensar e interpretar o Código Civil de forma apartada da Constituição.

O direito civil, ao longo de sua história no mundo romano-germânico, sempre foi identificado como o locus normativo privilegiado do indivíduo, enquanto tal. Nenhum ramo do direito era mais distante do direito constitucional do que ele. Em contraposição à Constituição política, era cogitado como constituição do homem comum, máxime após o processo de codificação liberal.

Sua lenta elaboração vem perpassando a história do direito romano-germânico há mais de dois mil anos, parecendo infenso às mutações sociais, políticas e econômicas, às vezes cruentas, com que conviveu. Parecia que as relações jurídicas interpessoais, particularmente o direito das obrigações, não seriam afetados pelas vicissitudes históricas, permanecendo válidos os princípios e regras imemoriáveis, pouco importando que tipo de Constituição política fosse adotada.

Para a melhor compreensão do Direito Civil-Constitucional necessária se faz a análise e o reexame da tradicional separação entre Direito Público e o Direito Privado e do papel da Constituição Federal no âmbito do Direito Civil.

A dicotomia Direito Público e Direito Privado é resultado de uma noção historicamente condicionada, segundo os critérios que refletem a realidade da vida sócio-político-econômica de cada época e lugar.

O sustentáculo fundamental do liberalismo que, pressuposta a separação entre o Estado e a sociedade civil, relegava ao Estado a tarefa de manter a coexistência pacífica entre as esferas individuais, para que atuassem livremente, conforme suas próprias regras, entrou em crise desde que o Poder Público passou a intervir quotidianamente na economia. Diante de um Estado intervencionista e regulamentador, que dita as regras do jogo, o direito civil viu modificadas as suas funções e não pode mais ser estimado segundo os moldes do direito individualista dos séculos anteriores.

[...]

os códigos civis perderam a posição central que desfrutavam no sistema, verdadeiras constituições em que se figuravam, acarretando a redução do espaço reservado ao contrato e à propriedade, institutos chave do liberalismo. Além disso, a concepção de proteção da vida individual – construção em que se subjaz a autonomia individual em sentido absoluto – deu lugar à noção de integração do homem na sociedade, substituindo-se, por força da industrialização, à figura do indivíduo isolado aquela da associação. A evolução do direito civil também se explica, pois, como efeito da influência das grandes correntes do pensamento, em particular, da marcada tendência a uma justiça social em maior proporção, decorrente, principalmente, do alastramento do trabalho subordinado

[...]

Conseqüentemente, a separação do direito em público e privado, nos termos em que era posta pela doutrina tradicional, há de ser abandonada. A partição, que sobrevive desde os romanos, não mais traduz a realidade econômico-social, nem corresponde à lógica do sistema, tendo chegado o momento de empreender a sua reavaliação.

Os estudos mais recentes dos civilistas têm demonstrado a falácia da visão estática, atemporal e desideologizada do Direito Civil, que deve refletir e ser apto a responder aos anseios e dificuldades da sociedade de sua época.

Atualmente, identificam-se inúmeros pontos em comum entre o público e o privado, sem que se possa precisar uma delimitação entre ambos, confundindo-se o interesse público e o interesse privado. Esta convergência manifesta-se em todos os campos do ordenamento jurídico, seja "em virtude do emprego de instrumentos privados por parte do Estado em substituição aos arcaicos modelos autoritários, seja na elaboração da categoria dos interesses difusos ou supra-individuais, seja no que tange aos institutos privados, na atribuição de função social à propriedade, na determinação imperativa do conteúdo de negócios jurídicos, na objetivação da responsabilidade e na obrigação legal de contratar".

Desta forma, ao contrário do que se acreditava classicamente, o Direito Público e o Direito Privado não se apresentam como campos opostos dentro do Direito.

Não cabe ver o direito privado, e principalmente o direito civil, como uma espécie de antítese do direito público, como um lugar em que os particulares estejam a salvo das ingerências do Estado, como um topos uranon (para lembrar Platão) da liberdade e da autonomia. A própria atividade do Estado, contemporaneamente, não deve ser pautada pela cega subordinação do indivíduo, mas pela atuação do valor constitucional do respeito à dignidade da pessoa humana (Constituição de 1988, art. 1°, III)".

Destarte, entende-se que ao se "acolher a construção da unidade (hierarquicamente sistematizada) do ordenamento jurídico significa sustentar que seus princípios superiores, isto é, os valores propugnados na Constituição, estão presentes em todos recantos do tecido normativo, resultando, em conseqüência, inaceitável a rígida contraposição direito público – direito privado".

Hodiernamente, trabalha-se com a idéia de sistema jurídico, conceituado como "uma rede hermenêutica, axiológica e hierarquizada de princípios e valores jurídicos e também de decisões jurisprudenciais", "cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição".

Como enuncia Maria Amália Dias MORAES, é "[...] evidente que aquela divisão perdeu muito da ortodoxia e rigidez compartimentada, que visualizava o direito privado como um sistema fechado, reflexo da separação entre estado e sociedade, na concretização de um dos mais caros postulados do liberalismo".

Diante da complexidade cada vez maior das instituições e relações jurídicas hodiernas, apresenta-se latente a necessidade de se repensar a distinção entre o Direito Público e Direito Privado, tendo-se por base a existência do ordenamento jurídico como um "todo", como um sistema organizado hierarquicamente, tendo em seu vértice máximo a Constituição Federal, "cujo alcance conduz à necessidade de abandonar a separação do direito em público e privado, posta pela doutrina tradicional".

A dicotomia público-privado ficou superada diante do surgimento de outras categorias de interesses, decorrentes da multiplicidade e complexidade de relações entre o indivíduos do grupo social com o Estado e com terceiros.

Neste sentido, Maria Celina B. M. TEPEDINO sustenta que o

[...] direito privado e direito público tiveram modificados seus significados originários: o direito privado de ser âmbito da vontade individual e o direito público não mais se inspira na subordinação do cidadão. A divisão do direito, então, não pode permanecer ancorada àqueles antigos conceitos e de substancial – isto é, expressão de duas realidades herméticas e opostas traduzidas pelo binômio autoridade-liberdade – se transforma em distinção meramente "quantitativa": há institutos onde é prevalente o interesse dos indivíduos, estando presente, contudo, o interesse da coletividade; e institutos em que prevalece, em termos de quantitativos, o interesse da sociedade, embora sempre funcionalizado, em sua essência, à realização dos interesses individuais e existenciais dos cidadãos.

Paulo NALIN apresenta sete elementos metodológicos que devem ser observados para se alcançar o entendimento acerca da metodologia da constitucionalização do direito, que passarão a serem analisados.

O primeiro baseia-se na própria regra jurídica, em sentido amplo, passando a técnica legislativa, do tipo hermético (preceito e sanção), às cláusulas gerais, abrangentes e abertas. Isso levando-se em conta que um sistema jurídico dito fechado não se compatibiliza com a necessária elasticidade das normas de tendências sociais. A Constituição Federal de 1988 é repleta de dispositivos "ávidos a serem concretizados com base na experiência hermenêutica".

O segundo seria a redução do contexto técnico da linguagem utilizada nos textos legais. "O comprometimento legislativo com a linguagem vulgar, a qual se distancia do apuro técnico e específico do Código Civil, implica maior eficácia das regras constitucionais e infra-constitucionais, sobretudo, realizando o comando constitucional de se construir um Estado Social Democrático de Direito (CR, art. 1°), democratizando-se o Direito com a funcionalização da linguagem técnico-jurídica".

O terceiro diz com o caráter das normas jurídicas, que além da intervenção para o ‘desencorajamento’ de condutas indesejadas ("sanções negativas"), o Estado deve primar pelo ‘encorajamento’ de condutas desejadas, através de um "ordenamento promocional finalizado por sanções positivas ou premiais".

O quarto mostra-se através do condicionamento dos efeitos patrimoniais dos atos jurídicos (em sentido lato) à realização de valores superiores, como a dignidade da pessoa humana (CR, art. 3°, inc. III). O intérprete deve indagar-se, primeiramente, se um determinado contrato resguarda tais valores, para após decidir sobre a eficácia do mesmo. Isto implica o "distanciamento do individualismo e da patrimonialidade contratual, justificada no Código Civil e que avança, não em sentido de `revogar’ tal opção ideológica do legislador da época, mas no do relocá-lo e recondicioná-lo na moldura dos direitos fundamentais à pessoa humana". Ou seja, o Código Civil deve ser interpretado à luz da Constituição Federal.

O quinto consiste na necessidade de se revisitar as fontes do Direito e na reafirmação da prevalência da Constituição, em face do Código Civil, como forma de revitalizar a lei civil, atualizando-a, objetivando a conservação e renovação constante dos institutos civilísticos. A prevalência da regra constitucional sobre as demais regras se justifica tendo-se em vista a manutenção da unidade do sistema e, principalmente, em função do resgate ideológico, proporcionado pela Constituição Federal de 1988.

O sexto encontra-se no chamado "novo contratualismo", que revela a fórmula pela qual a sociedade exterioriza os seus interesses sócio-políticos por intermédio da negociação legislativa, através de leis setoriais (matéria em especial) e especiais (grupo ou pessoas em particular). Um exemplo seria a Convenção Coletiva de Trabalho, onde as forças do capital e do trabalho "legislam" em causa própria. Outro exemplo seria o da Convenção Coletiva de Consumo, prevista no art. 107 do CDC.

O último elemento versa sobre a possibilidade da aplicação plena, irrestrita, incondicionada e direta das normas constitucionais às relações interprivadas, na medida em que se reconhece um ordenamento unitário com normas constitucionais como regras de conduta, postas no sentido de funcionalização dos institutos infraconstitucionais.

O respeito à Constituição não requer apenas a observância de procedimentos para feitura da norma infraconstitucional, implica, também, na imposição de que o seu conteúdo reflita os valores insculpidos na própria Constituição. De qualquer sorte, mesmo que o legislador ordinário deixe de observar estas premissas, caberá ao juiz e ao intérprete proceder à adequação da legislação, através da interpretação sistemática, verificando sempre o espírito da Carta Maior.

A guiar a atividade do intérprete não deve ser a sua teimosa orientação subjetiva, mas, antes, o cumprimento da sua tarefa de respeitar e, com a própria ação, de realizar a legalidade constitucional.

Isso significa a presença na compreensão do texto jurídico de uma dupla tendência: a orientada a entender o fenômeno considerado no texto e aquela, estritamente conexa à primeira, sensível ao princípio da justiça. Toda compreensão tem as suas raízes "em uma disposição de fundo de quem compreende" e que pode ser designada como "asserção axiológica". De um lado, atenção ao fenômeno, ao dado concreto a ser colhido na mutável e complexa realidade, e, de outro, exigência de asserir valores (asserção, justamente, "axiológica"): os intérpretes, se não são copiadores e repetidores, são autores, criadores "sem mediações", "extraindo do princípio do direito e trabalhando em torno das fontes do direito"; por isso todos eles são garantes, de modo qualitativamente igual, da adequação do que é interpretado. É uma chamada à autoridade e à responsabilidade da interpretação individual e coletiva que não é útil no atual momento histórico.

A constitucionalização do Direito Civil importou na emigração dos princípios básicos contidos no Código de 1916 para a Constituição Federal, que passou a ocupar posição central dentro do ordenamento jurídico, "transformando-se em um satélite do sistema constitucional".

Nesta mesma linha de pensamento Ricardo ARONNE aduz

[...] que a Constituição é o esteio axiológico normativo do sistema implica dizer que toda legislação infraconstitucional não pode ser lida sem o seu suporte, a qual daria, em sede de teoria da argumentação, o sentido de ética do discurso.

Todo o sistema se constitucionaliza neste sentido, sucumbindo qualquer argumento em sentido de hiperinterpretação uma vez que é inviável o raciocínio não interpretativo, em qualquer seara do conhecimento, sem interpretação. A compreensão de qualquer norma já implica em interpretá-la.

A Carta Magna de 1988 produziu uma inversão ao eleger a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Social Democrático de Direito, destituindo o direto civil de seu caráter eminentemente patrimonialista, herdado do século XIX e inspirador do Código Civil de 1916. O patrimônio deve submeter-se à pessoa, somente se legitimando enquanto meio de realização desta.

Maria C. B. M. TEPEDINO chama a atenção de que "a transformação não é de pequena monta. Ao invés da lógica proprietária, da lógica produtivista, empresarial (em uma palavra, patrimonial), são os valores existenciais que, porque privilegiados pela Constituição, se tornam prioritários no âmbito do direito civil".

Neste passo, temos o surgimento do fenômeno da repersonalização do Direito Civil, que coloca o ser humano, em todas as sua dimensões, como o fim maior a ser tutelado pelo ordenamento jurídico.

A ‘repersonalização’ conduz ou decorre, consoante a ótica do discurso jurídico, de uma translúcida "publicização" do Direito Privado, pela elevação da pessoa ao centro protetivo do sistema jurídico, patamar esse ocupado antes pela titularidade e pelo contrato, cujos paradigmas de leitura clássica se fragmentam, pela sujeição à dignidade da pessoa humana.

Ao se referir aos que por ventura não compactuem com o método de interpretação calcado na leitura do direito civil à luz da Constituição, Maria C. B. M. TEPEDINO adverte que a negação de

[...] tal atitude hermenêutica significa admitir um ordenamento

assistemático, inorgânico e fragmentado, no qual cada núcleo legislativo responderia a tecido axiológico próprio, desprovido da unidade normativa, traduzindo-se em manifesto desrespeito ao princípio da legalidade constitucional.

Conclui-se que o direito civil do século XX passou por um processo de publicização do "privado", antes construído basicamente e quase que com exclusividade à luz da autonomia da vontade privada (que tinha a função garantir), pelo intervencionismo estatal nesta área, fulminando com a "tradicional dicotomia aferível pelo critério de interesses".

Através da constitucionalização do direito civil, busca-se não apenas investigar a inserção do direito civil na Constituição, mas dela estabelecer os fundamentos de sua validade jurídica. Tendo-se a Constituição Federal como o vértice máximo e conformador de toda e qualquer criação, interpretação e aplicação da legislação civil, necessário se faz o entendimento de que "deve o jurista interpretar o código segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com freqüência (e ainda ocorre)".

Pietro PERLINGIERI complementa este pensamento acerca deste papel da Constituição, que deve ser atribuído e reconhecido, quando leciona que

O respeito à Constituição, fonte suprema, implica não somente a observância de certos procedimentos para emanar a norma (infraconstitucional), mas, também, a necessidade de que o seu conteúdo atenda aos valores presentes (e organizados) na própria Constituição.

O Código Civil não pode mais ser visto como uma categoria superior de "Carta" constitucional, como acontecia nos diplomas oitocentistas. Este antigo paradigma não mais se impõe, tendo-se presente o império de uma Constituição normativa que coloca no centro do ordenamento a pessoa humana, consagrando a ela um valor preeminente. Deste modo, a pessoa humana (os valores existenciais) coloca-se no ponto máximo do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que este valor paute todos os setores do direito.

A leitura do Código Civil à luz da Constituição Federal implica no distanciamento do individualismo e da patrimonialidade do direito contratual, mas não no sentido de "revogar" tal posição, mas sim em recondicioná-la aos direitos e garantias constitucionais que primam pela proteção à pessoa humana.

A Constituição da República assumiu, em relação a este problema, uma posição diversa. Uma coisa é ler o Código Civil naquela ótica produtivista, outra é relê-lo à luz da opção "ideológico-jurídica" constitucional, na qual a produção encontra limites insuperáveis no respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.

Entretanto, diante de um "novo" Código Civil, cuja entrada em vigor acabou de se dar, sobre o qual algumas ponderações devem ser tecidas, no contexto da epistemologia metodológica adotada.

O Código Civil de 2002 coloca-se como um contra-senso dentro da chamada era da descodificação, eis que a fragmentação existente no Direito Civil não se apresenta como um problema a ser resolvido. De qualquer forma, seria inviável a regulação de toda a matéria cível em um só corpo legislativo, o que representaria um retrocesso a um sistema fechado idealizado na época do Estado Liberal.

A unicidade do sistema jurídico e, por via de conseqüência, do Direito Civil, é decorrente e efetuada a partir da existência da Constituição Federal, que configura o fundamento máximo de validade e coerência do ordenamento como um todo.

[...] se o Código não se moldar à leitura constitucional, enquanto base axiológica e normativa da tecitura jurídica vigente e vinculante, deverá ser retirado do ordenamento, por não receptividade constitucional ou inconstitucional superveniente.

Sem pretender entrar na discussão dos aspectos negativos ou positivos da atual codificação, é premente que se perceba que a essência do "novo" Código preservou as mesmas bases do Código de 1916. A manutenção dos alicerces da codificação anterior é reconhecida por Miguel REALE (Coordenador-Geral do Projeto), ao afirmar que o Código Civil representa a "Constituição do homem comum".

Como já disse, foi fixado o critério de preservar, sempre que possível, as disposições do Código atual, porquanto de certa forma, cada texto legal representa um patrimônio de pesquisa, de estudos, de pronunciamentos de um universo de juristas. Há, por conseguinte, todo um saber jurídico acumulado ao longo do tempo, que aconselha a manutenção do válido e eficaz, ainda que em novos termos.

[...]

Por outro lado, o Projeto se distingue pela maior aderência à realidade contemporânea, com a necessária revisão dos diretos e deveres dos cinco personagens do Direito Privado tradicional: o proprietário, o contratante, o pai de família e o testador.

Em outra obra do autor, analisando o tema, este volta a expressar o espírito de manutenção do Código Civil de 1916, ao referir que "a comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, como já se terá notado, não obstante o seu constante empenho em adequar a Lei Civil às exigências de nosso tempo, sempre preferiu preservar a estrutura da ora em vigor, enriquecendo os seus títulos com novos institutos e figuras.

Necessária se faz a leitura do Código Civil de 2002 com base no pensamento contemporâneo, devendo igualmente se impor aos intérpretes o necessário e incessante percorrer da análise hermenêutica sob a ótica da constitucionalização.

Judith Martins COSTA reconhece a necessidade de se proceder à interpretação do Novo Código à luz da Constituição Federal de 1988, ao constatar que: "O Projeto de Código configura uma estrutura que está apta para receber os valores constitucionais e trazer para o seu interior essas matérias de Direito Civil que a Constituição tem tratado."

O estatuto civil que ora nos rege não deve funcionar como um entrave à efetivação da Constituição, devendo preocupar-se em um primeiro plano com a dignidade da pessoa, sendo aplicado como um instrumento de emancipação do ser humano.

Do anteriormente exposto, conclui-se que o Direito Civil contemporâneo apresenta-se como um direito renovado, tendo por base o fenômeno chamado "constitucionalização", que implica grosso modo no reconhecimento da incidência de valores, princípios e normas constitucionais no direito civil.

Tal premissa não configura apenas uma tendência metodológica e sim uma preocupação constante e necessária com a construção de um ordenamento jurídico apto a responder aos problemas e desafios da sociedade contemporânea. Entre estes encontra-se o direito contratual que, além de importar em operações de cunho econômico, esteja atento e voltado à promoção do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988).

Por derradeiro, cabe observar, que se o Código Civil, enquanto estatuto fundamental das relações privadas, precisa e deve refletir o espírito da Constituição, a esta compete presidir a organização do material normativo, facilitando a comunicação de princípios assecuratórios do exercício de direitos e liberdades, às fontes infraconstitucionais e, pois, ao Código Civil.

Mesmo quando o legislador ordinário permanecer inerte a estas premissas metodológicas insculpidas pela constitucionalização do Direito Civil, devem os operadores do direito proceder à necessária e inadiável tarefa de adequar a legislação civil à norma maior.

O instrumento para alcançar tal propósito está na interpretação dotada de particular sensibilidade constitucional que, em última análise, observa a essência e o sentido da Constituição, concretizando os princípios fundamentais e tendo em vista a permanente e incessante busca pela concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido são as palavras de Juarez FREITAS, para quem uma correta interpretação, deve ter presente uma

[...] perspectiva vitalizante e renovadora que considera o sistema jurídico como sendo uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Lei Maior.

Resta inevitável concluir que o Direito Civil atual é indubitavelmente diferente daquele que vigorava no período oitocentista. E é justamente através da Constituição Federal que deve-se buscar a renovação do direito privado, na medida em que as normas consideradas privadas invadem a Carta, reforçando a invalidade da perspectiva dicotômica dos clássicos ramos jurídicos, "nos quais a modificação dos padrões constitucionais passa a iluminar o direito privado".


2. AUTONOMIA DA VONTADE E "CRISE" DO CONTRATO

O surgimento do contrato não se apresenta de uma forma nítida na História, confundindo-se com o surgimento da própria sociedade humana, desde os grupos sociais mais primitivos.

Tão velho como a sociedade humana e tão necessário como a própria lei, o contrato se confunde com as origens do Direito.

Superado o estágio primitivo da barbárie, em que os bens da vida eram apropriados pela força ou violência, e implantada a convivência pacífica em face dos bens utilizáveis na sobrevivência e desenvolvimento do homem, o contrato se fez presente, de maneira intensa, nas relações intersubjetivas, como projeção natural da vontade e do consenso. E quanto mais se ampliaram os grupamentos civilizados e mais volumoso se tornaram os negócios de circulação de riquezas, mais constante e decisivo se mostrou o recurso ao contrato, em todos os níveis da sociedade.

Hoje pode-se dizer que nenhum cidadão consegue sobreviver no meio social sem praticar diariamente uma série de contratos.

Para os romanos, o vínculo que se estabelecia na relação contratual possuía uma origem estritamente objetiva, que correspondia à possibilidade de recorrer-se a actio, para se fazer cumprir o no contrato estipulado. Desta forma, o negotium contractus não continha uma conotação subjetiva, no sentido de rejeitar-se à vontade acordada, e sim, exclusivamente, representava uma garantia de recurso à autoridade estatal.

O direito romano não conheceu o contrato como categoria geral, até porque inexistia o direito subjetivo como os modernos desenvolveram. A tipicidade romana das actiones não comportava uma figura genérica a que se conduzissem, por subsunção, as espécies contratuais. Se o pretor não admitia a actio para determinadas convenções, elas simplesmente não existiam como contratos; eram pactos nus (pacta nuda).

A partir da Idade Média, com a significativa influência do direito canônico e da moral cristã, modifica-se profundamente a conceituação do contrato, que assume o papel de instituto de conotação subjetiva, derivado da vontade livre do indivíduo que tivesse capacidade para contrair obrigações, deixando-se de lado o aspecto do formalismo exacerbado.

Cláudia Lima MARQUES, em sua obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor, quando analisa as mudanças ocorridas na teoria do direito contratual, conclui que as principais origens da doutrina da autonomia da vontade encontram-se no Direito Canônico, ao defender a validade e a força obrigatória da promessa por si própria; na teoria do Direito Natural, que fornece a base filosófica da ética da liberdade e do dever de Kant; na

Revolução Francesa, através dos princípios da Teoria do Contrato Social; e, por fim, no liberalismo econômico, que encontrava no contrato um instrumento de circulação de riquezas.

Autonomia de vontade, liberdade individual e propriedade privada, transmigraram dos fundamentos teóricos e ideológicos do Estado Liberal para os princípios de direito, com pretensão a universalidade e intemporalidade.

Considere-se o mais brilhante dos pensadores da época, Kant, especialmente na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, onde distingue o que entende por autonomia de heteronomia. A autonomia é o campo da liberdade, porque os seres humanos podem exercer suas escolhas e estabelecer regras para si mesmos, coletivamente ou interindividualmente. A heteronomia, por seu turno, é o campo da natureza cujas regras o homem não pode modificar e está sujeito a elas.

Assim, o mundo ético, em que se encartaria o direito, seria o reino da liberdade dos indivíduos, enquanto tais, porque a eles se dirige o princípio estruturante do imperativo categórico kantiano. Na fundamentação filosófica kantiana, a autonomia envolve a criação e aplicação de todo o direito.

O Voluntarismo Jurídico, surgido na Baixa Idade Média por influência dos filósofos do século XVIII, tem seu apogeu no século XIX, devendo sua formulação científica aos juristas da pandectista alemã. Ao contrário de muitos institutos jurídicos, o contrato não veio de Roma; o voluntarismo, o objetivismo romano restou invertido, pois, agora, se o mero consenso obriga e o descumprimento constitui pecado, as palavras, expressão do subjetivismo, não podem ser quebradas.

Conforme a concepção desenvolvida pelos alemães, dentre eles Savigny, a vontade humana apresenta-se como um fator essencial na criação, modificação e extinção dos direitos e obrigações, representando o discurso de Rousseau, no Senado Francês, síntese perfeita do princípio voluntarista da intangibilidade do conteúdo dos contratos, ao afirmar que a lei nada mais pode acrescentar, nem subtrair de um contrato em curso.

Neste mesmo sentido, são pertinentes as palavras de Franscisco dos Santos AMARAL NETO, quando afirma que o individualismo apresenta-se como um sistema segundo o qual as normas jurídicas são obras dos indivíduos e não da sociedade, que um sistema jurídico resulta da atividade individual.

Para Fernando NORONHA, no terreno contratual, o voluntarismo apresenta-se como manifestação jurídica do individualismo burguês, apresentando como seus princípios fundamentais a liberdade contratual e a obrigatoriedade ou vinculatividade do contrato.

Afirma-se que, no voluntarismo jurídico contratual, o princípio basilar, absorvendo os acima citados, "foi o pacta sunt servanda, elevado às suas conseqüências máximas, nada obstante, pode significar, em alguns casos, descompasso entre o conteúdo do contrato e a realidade fática e circunstancial que envolve a relação jurídica entre os contratantes".

Neste contexto, tem-se como princípio basilar o da igualdade (correspondente à isonomia perante a lei), que se afigurou indispensável para a construção de um mercado em busca da livre contratação, "em que os indivíduos não estivessem subordinados a limitações de disposição, foi respondida pela técnica do sujeito de direito único: era-se proprietário, contratante, pai de família", sem quaisquer outros atributos diferenciadores.

O contrato era tido como instrumento de circulação de riquezas, constituindo-se em adequado e legítimo mecanismo para que a classe em ascensão (burguesia) tivesse, à sua disposição, um meio legal para obter da classe aristocrática em decadência a tradição do bem jurídico mais importante para aquele sistema jurídico que era o real imobiliário.

[...]

Vale frisar que a concepção moderna de justiça contratual encontrava seu ápice no livre exercício da vontade individual, única fonte legítima, conforme se viu, de produção de justiça.

[...]

A exploração desacerbada, pelo liberalismo clássico, do exercício da autonomia da vontade (liberdade contratual), entra em processo autofágico. O homem contratante acabou no final do século passado e início do presente, por se deparar com uma situação inusitada, qual seja, a da despatrimonialização das relações contratuais, em função de uma preponderante massificação, voltada ao escoamento em larga escala, do que se produzia nas recém-criadas indústrias.

Este modelo liberal do contrato não resiste ao novo paradigma que surge, desenvolveu no futuro imediato, e se desenvolve na atualidade, principalmente por força de dois macrofatores: o surgimento do Estado social e de uma sociedade de massas.

Acontecimentos decorrentes, principalmente, da Revolução Industrial, alteram bastante este quadro do direito contratual. A urbanização, conseqüência do crescimento exponencial da população, da migração do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida que o desenvolvimento econômico de base industrial propiciou, e a progressiva concentração capitalista decorrente essencialmente da concorrência econômica e da luta pela competitividade, pela racionalização, por melhores condições de produção e distribuição.

A sociedade de massa, neste final de século XX, multiplicou a imputação de efeitos negociais a um sem número de condutas, independentemente da manifestação de vontade dos obrigados.

O contrato é, pois, fenômeno onipresente na vida de cada um. Até mesmo quando se está dormindo, consome-se bens ou serviços fornecidos em massa.

O resultado de tudo isso encontra-se na massificação da sociedade, ou seja, nas cidades transformadas em gigantescas colméias; nas fábricas, com produção em série; no ramos das comunicações, rádio, televisão; nas relações de trabalho, com o advento das Convenções Coletivas, enfim, nas relações de consumo, com contratos padronizados e de adesão.

Com efeito, o princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato. Mas, isso, nem sempre é verdadeiro. Pois a igualdade que reina no contrato é puramente teórica (cf. Ripert, ob. e loc. cits.) e, via de regra, enquanto o contratante mais fraco no mais das vezes não pode fugir à necessidade de contratar, o contratante mais forte leva uma sensível vantagem no negócio, pois é ele quem dita as condições do ajuste.

Conseqüentemente, os contratos que antes eram realizados apenas por determinadas pessoas, estipulando cada uma delas as cláusulas que desejassem, passam a ser realizados em grandes quantidades, devido à crescente demanda, como, por exemplo, dos contratos de locação, compra e venda à prazo etc.

Diante desta massificação dos contratos há a necessidade de agilização dos negócios jurídicos. Surge, então, uma técnica de realização desses contratos denominada por Sailleles de contratos de adesão, cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo contratante mais forte, cabendo a parte mais fraca a opção de aceitar ou não.

Nesse novo contexto contratual, a moldura descrita pelo Code e códigos, perde o contrato, em definitivo, com os fatos da vida; a tão festejada liberdade contratual não dava mais conta de explicar o fenômeno da falta de liberdade material, mas não jurídica, daquele que contratava por adesão. E por liberdade contratual na época clássica do contrato, entendia-se a possibilidade de se contratar ou não, a escolha do outro contratante e, sobretudo, a eleição do conteúdo do contrato.

Nas palavras de Ricardo ARONNE

Advém, nesse contexto, a Revolução Industrial com a política liberalista vindo esmagar massas arrastadas ao proletariado,fermentando a inquietação destas contra o individualismo, de modo a questionar o mundo de então sobre a questão social, promovendo, conseqüentemente, uma reviravolta no sistema de então.

A padronização contratual foi uma alternativa que teve uma explicação razoável, ante a nova situação na qual se encontrava a sociedade (representada pelas figuras do fabricante-empregador e dos empregados-consumidores), porém, a elaboração de contratos de adesão deu margem a vários abusos, inclusive pelo fato de que vigorava o princípio da igualdade das partes, apesar da completa disparidade com a realidade.

Arnoldo WALD estabeleceu uma interessante relação entre o contrato no passado e no presente, ao afirmar que, no passado, o contrato era uma espécie de ilha, independente e alheia aos acontecimentos, sempre a prevalecer sobre eventuais modificações fáticas e legislativas, já na atualidade, porém, o contrato transforma-se em um bloco de direitos e obrigações para ambas as partes.

Diante deste quadro, nota-se que a era da estabilidade e segurança é fortemente atingida pelos movimentos sociais e pelo processo de industrialização, no século XIX, aliados às vicissitudes do fornecimento de mercadorias e à agitação popular, intensificados pela Primeira Guerra Mundial, que atingiram profundamente o direito, tornando-se inevitável a necessidade de intervenção estatal cada vez mais acentuada na economia.

O poder público, impulsionado por pressões pela massa empregados, que se uniram em associações de defesa de seus interesses, que deram origem aos sindicatos e partidos populares hodiernos, assim como pela coletividade de consumidores, acabou por elaborar normas jurídicas de ordem pública econômica, buscando o restabelecimento do equilíbrio da relação contratual.

O contrato que tem modelo liberal como seu paradigma, cujo princípio máximo é a autonomia da vontade, reflete, na verdade, um momento histórico que não corresponde mais à realidade atual.

Essa concepção tradicional do contrato, que tem na vontade a única fonte criadora de direitos e obrigações, formando lei entre as partes, sobrepondo-se à própria lei, bem como a visão do Estado ausente, apenas garantidor das regras do jogo, estipuladas pela vontade dos contratantes, já há muito vêm tendo seus pilares contestados e secundados pela nova realidade social que se impõe.

Dessa forma, o contrato se transforma para se adequar às exigências da nova realidade, passando, no dizer da Professora Cláudia Lima Marques, ‘de espaço reservado e protegido pelo direito para a livre e soberana manifestação da vontade das partes, para ser um instrumento jurídico mais social, controlado e submetido a uma série de imposições cogentes, mas eqüitativas’.

Na verdade, as transformações sociais sempre influenciaram sobremaneira o mundo jurídico. Assim, o contrato vem sofrendo mudanças significativas, que iniciaram, de maneira mais intensa, no período do pós-guerra. Inicialmente, temos a primeira guerra mundial, época em que, realmente, se deu a passagem para o século XX no que diz respeito ao mundo de idéias e concepções. A partir de então, a sociedade começou a passar por processos como o aumento da população mundial, o que deu margem a novas relações jurídicas, massificadas ou coletivas; acarretando, também, um grande desequilíbrio social.

Posteriormente, com a segunda grande guerra, foram aprofundadas as transformações, levando o Estado social, onde a preocupação, no âmbito do direito dos contratos, passou a ser mais com o coletivo, com o interesse da sociedade, deixando de lado a concepção do contrato como instrumento de realização meramente individual. O contrato passou, então, a ter função social, num fenômeno semelhante ao ocorrido com a propriedade. Essa mudança, onde a noção de eqüidade, de boa-fé e de segurança, enfim, de justiça, passaram a ser o centro de gravidade da teoria dos contratos, levou à chamada socialização da teoria contratual.

Ocorre, então, uma completa alteração do eixo interpretativo do contrato, que ao invés de ser visto como resultado da intenção das partes e da satisfação de seus interesses, passa a representar um instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade. Logo, os particulares não têm a capacidade, como acreditavam os clássicos, de autodeterminação, mas que o Estado, através de lei, é que pode aceitar a livre organização privada.

Desta forma, a autonomia privada funciona como um poder jurídico particular, traduzindo-se na possibilidade do sujeito agir com intenção de criar, modificar ou extinguir situações jurídicas próprias ou de outrem, mas não se apresenta como um poder originário.

Já a autonomia da vontade é o princípio pelo qual o querer do indivíduo produz efeitos de lei, quando não for contrário à ordem pública, às normas positivas de Direito e ao interesse social.

O princípio da autonomia da vontade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos a de criarem relações na órbita do direito, desde que submetam às regras impostas pela lei, e seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam. Desse modo, qualquer pessoa capaz pode, através de livre manifestação de vontade, tendo objeto lícito, criar relações a que a lei empresta validade.

O poder conferido aos indivíduos de exercitarem seus interesses através da autonomia da vontade não se expressa como um poder ilimitado. A liberdade de manifestação de sua vontade jurídica sofre limitações que foram expressa ou implicitamente estabelecidas pelo Direito em defesa da organização do Estado, de suas instituições, dos interesses da coletividade.

Segundo o princípio da autonomia da vontade, o contrato aperfeiçoa-se pela convergência de duas ou mais manifestações de vontades, portanto, se os sujeitos as externaram livre e conscientemente e se observadas todas as disposições legais, a lei as faz obrigatórias, impondo a reparação de perdas e danos na hipótese de inadimplemento contratual.

Dirige-se no sentido de uma reconstrução do próprio sistema contratual orientada no sentido de libertar o conceito de contrato da idéia de autonomia privada e admitir que, além da vontade das partes, outras fontes integram o seu conteúdo. A nova concepção atenta para o dado novo de que, em virtude da política interventiva do Estado hodierno, o contrato, quando instrumenta relações entre pessoas pertencentes a categorias sociais antagônicas, ajusta-se a parâmetros que levam em conta a dimensão coletiva dos conflitos sociais subjacentes.

O significado e o alcance do contrato reflete-se nas relações econômicas e sociais de cada momento histórico. O modelo clássico (liberal e tradicional) apresenta-se inadequado aos atos praticados na atualidade, porque são distintos os seus fundamentos, configurando-se uma barreira às mudanças sociais. O conteúdo conceitual e material e a função do contrato mudaram, para adequá-lo às exigências da concretização de uma justiça social, que não é só dele, mas de todo o Direito.

Quais são as críticas que se podem fazer à autonomia privada? Sob o ponto de vista filosófico, alega-se que é a expressão do mais puro individualismo, e que a esse individualismo se contrapõe tendências sociais da Idade Contemporânea. O homem é um ser social que vive, necessariamente, em grupo, o que lhe impõe inevitáveis restrições e condicionamentos na sua capacidade de agir. Também, sob o ponto de vista moral, demonstra-se que os princípios da liberdade e da igualdade não se realizam harmonicamente. A igualdade perante a lei é meramente formal; no campo material, as desigualdades são profundas.

A autonomia privada é derivada do ordenamento jurídico estatal, devendo ser exercida nos limites fixados. Com o propósito de dar ao equilíbrio social sentido mais humano, conduziu-se a política legislativa, primeiramente nos países europeus e posteriormente no Brasil, que representa uma limitação da autonomia privada, o que acabou resultando na criação de novas figuras jurídicas, que excederam o modelo clássico de contrato e impulsionaram à necessidade de revisão do seu próprio conceito.

Por último, a idéia do Direito Privado, o seu princípio fundamental, que é autonomia privada, tem por objeto basicamente as relações patrimoniais, aquilo que se chama ‘a lógica proprietária’. Essa idéia cede espaço à noção de que o Direito Privado constitui também, e fundamentalmente, o lugar de tutela de valores existenciais e não apenas de patrimoniais.

Dessa forma, a jurisprudência mais recente dos tribunais alemães e portugueses legitima o princípio da autonomia privada pelo princípio do livre desenvolvimento da personalidade, que tanto impulsionou a civilística alemã desde o início do século, e que se vincula estreitamente a um princípio constitucional, que é o princípio da dignidade da pessoa.

Isso denota um Direito Privado diverso daquele da época liberal, eis que eleva-se ao mesmo patamar do interesse particular a defesa dos mais fracos, "passa a ser um direito tutelador, delimitador, coibindo abusos".

No contexto de todas estas mudanças sociais, Paulo Luiz Neto LÔBO esclarece

O Estado liberal assegurou os direitos do homem de primeira geração, especialmente a liberdade, a vida e a propriedade individual. O Estado social foi impulsionado pelos movimentos populares que postulam muito mais do que a liberdade e a igualdade formais, passando a assegurar os direitos do homem de segunda geração, ou seja, os direitos sociais.

Todavia, o maior golpe, contra o modelo liberal do contrato foi desferido quando surgem os chamados direitos de terceira geração, que possuem natureza transindividuais, protegendo-se interesses que ultrapassam as figuras das partes que figuram na relação negocial, ditos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Quando se trata de crise do contrato ou mesmo de crise do Direito Civil, isso se refere a crise dos conceitos arcaicos da doutrina conservadora e comprometida com um sistema que não mais é o vigente, pois se abordada cientificamente a questão, com espeque na metodologia, o que se observa é uma evolução do Direito Civil, inserido em um sistema móvel e aberto, que evolui junto com a sociedade para o qual existe, na medida em que é móvel.

Há uma desvalorização do princípio da autonomia privada, uma vez que se esvazia o papel da vontade, enquanto elemento nuclear, "[...] para ceder lugar a comportamentos automáticos ou socialmente típicos que ocupam o posto da manifestação volitiva. É o que basta para, mais uma vez, confirmar a crise pela qual passa a clássica definição do contrato."

O contrato, portanto, transforma-se para adequar-se ao tipo de mercado, ao tipo de organização económica em cada época prevalecente. Mas, justamente, transformando-se e adequando-se do modo que se disse, o contrato pode continuar a desempenhar aquela que é – e continua a ser – a sua função fundamental na âmbito das economias capitalistas de mercado: isto é, a função de instrumento da liberdade de iniciativa económica. Está agora claro que as transformações do instituto contratual, que designámos em termos da sua objectivação, não contrariam, mas antes secundam, o princípio da autonomia privada, desde que se queira ter deste princípio uma noção realista e correcta [...].

Cabe salientar que o Estado Social não excluiu o princípio da autonomia da vontade. Em verdade, "o que houve foi a redução de sua importância, já que o mesmo era considerado um dogma inafastável na teoria contratual clássica e que tal visão não se coaduna mais com o momento histórico em que vivemos."

A suavização do princípio da autonomia privada, no entanto, não significa o seu desaparecimento, pois permanece sendo imprescindível que exista segurança nas relações jurídicas criadas pelo contrato. Não há mais a obrigatoriedade quando as partes se encontram em patamares diversos e dessa disparidade ocorra proveito injustificado de uma parte em detrimento da outra..

Indiscutivelmente, o contrato é um dos principais instrumentos de circulação de riquezas. Todavia, ao regular os interesses das partes, não pode ser considerado um elemento de outra dimensão, desvinculado do contexto social do qual é constituído. Afinal, o contrato é relação jurídica que, por excelência, mais contribui para a distribuição de bens suscetíveis de valoração econômica.

Como instrumento hábil à circulação de riquezas, o contrato deve também se notabilizar, na sociedade pós moderna, como instrumento de proteção aos interesses socialmente relevantes.

Segundo Mônica Yoshizato BIERWAGEN, a desigualdade material entre as partes contratantes não passou despercebida pelo atual Código Civil, ao estabelecer novos limites à autonomia da vontade, impondo que

[...] seu exercício deverá objetivar e se dar em razão da função social do contrato; proibindo e tornando anuláveis determinados conteúdos que representem uma desigualdade substancial entre as partes (enriquecimento sem causa, lesão nos contratos bilaterais, contrato estabelecido em estado de perigo); exigindo transparência, lealdade e correção nos negócios (princípio da boa-fé).

O Código Civil de 2002, atento a essa tendência de amenização do rigor do princípio da autonomia da vontade, incorporou em seu texto a cláusula rebus sic standibus aos contratos de execução continuada e diferida (art.478 a 480), bem como os institutos da lesão (art.157) e do estado de perigo (art.156), que possibilitam a intervenção do Estado, seja para resolver, seja para revisar as cláusulas contratuais as quais se vincularam as partes contratantes.

Desta forma, o Estado Social, que tem na dignidade da pessoa humana o seu maior fundamento, colocando ao lado da autonomia da vontade e da liberdade princípios como os da boa-fé objetiva e da tutela do hipossuficiente, em busca da justiça substancial, com o deslocamento da relação contratual da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança, visando sempre o interesse social.

A boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação "refletiva", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.

O princípio da boa-fé objetiva reflete uma verdadeira socialização da teoria contratual, decorrente das mudanças sociais ocorridas, concretizando os deveres de igualdade e dignidade constitucionalmente tutelados.

Com efeito, o princípio da boa-fé representa, no modelo atual de contrato, o valor da ética: lealdade, correção e veracidade compõe o seu substrato, o que explica a sua irradiação difusa, o seu sentido e alcance alargados, conformando todo o sistema contratual e, assim, repercutindo sobre os demais princípios, na medida em que a todos eles assoma o repúdio ao abuso da liberdade contratual e que tem dado lugar à ênfase excessiva no individualismo e no voluntarismo jurídicos.

O mesmo se pode dizer dos princípios do equilíbrio econômico do contrato, da eqüidade e da proporcionalidade que podem ser concretizados através da incidência dos institutos da lesão e da onerosidade excessiva superveniente.

Segundo Clotilde Bernadete ZANZI, ocorre a lesão quando inexiste a comutatividade da prestação, ou seja, quando uma das partes contratantes se aproveita da outra, dada a sua inexperiência ou estado de necessidade.

Para que se possa configurar a ocorrência da lesão é necessária convivência de dois aspectos: um objetivo e um subjetivo. Do ponto de vista objetivo, a lesão requer a presença de prestação desproporcional a que uma das partes se vincula. O subjetivo apresenta-se como o aspecto deficitário de uma das partes, o que requer inexperiência para que o ato seja considerado como praticado em estado de lesão.

Em sentido parecido, temos a aplicação da teoria da imprevisão (onerosidade excessiva superveniente), decorrente da antiga cláusula rebus sic standibus, através da qual "quando acontecimentos extraordinários provocam radical modificação no estado de fato contemporâneo à formação do contrato, acarretando efeitos imprevisíveis, dos quais decorre onerosidade excessiva no cumprimento da obrigação".

De acordo com este princípio, a justiça contratual torna-se um dado relativo não somente ao processo de formação e manifestação da vontade dos declarantes, mas sobretudo relativo ao conteúdo e aos efeitos do contrato, que devem resguardar um patamar mínimo de equilíbrio entre as posições econômicas de ambos os contratantes.

Diante destas assertivas, denota-se que "valor jurídico maior a ser tutelado, conforme atual noção da justiça contratual, é o equilíbrio, ante o cânone constitucional da solidariedade. Frustrado o equilíbrio, no início ou no curso da execução das recíprocas obrigações, violada a solidariedade (o primeiro implica a segunda) deverá o Judiciário recepcionar a pretensão revisionista [...]".

Todos estes institutos registrados a título exemplificativo, na disciplina dos contratos, objetivam realizar e garantir à pessoa a efetiva dignidade tutelada pela Carta Maior, através da busca da igualdade substancial entre as partes contratantes e da proporcionalidade entre os direitos e as obrigações estabelecidos no contrato.

Como aponta Michele GIORGIANNI, o texto constitucional se refere à iniciativa e à atividade economicamente privada está se referindo aos instrumentos, não com relação aos fins, haja vista que determina expressamente, em seu art. 41, parágrafo primeiro, que a iniciativa não pode jamais ser contrastante com a atividade social, e, no parágrafo segundo, que a atividade econômica privada deve ser voltada ao atendimento dos fins sociais.

Conclui-se, que o contrato de hoje necessita ser visto e compreendido sob um "[...] novo enfoque, direta ou indiretamente tutelar dos interesses difusos e coletivos, e não como um negócio jurídico unicamente dirigido à satisfação dos interesses privados dos contratantes".

Portanto, o negócio jurídico pode ser fixado em seu conteúdo, segundo a vontade das partes. Contudo, esta vontade "[...] apresenta-se auto-regrada em razão e nos limites da função social, princípio determinante e fundamental que, tendo origem na valoração da dignidade humana (art.1° da CF), deve prescrever a ordem econômica e jurídica".

[...] Neste contexto traçado pela Constituição, não restam dúvidas de que estamos muitos distantes daquele Estado abstencionista, fundado no pressuposto ideológico de que a garantia do interesse individual pelo próprio interessado através do exercício de sua autonomia privada é a força motriz do bem-estar social. Ao contrário, no atual quadro constitucional, a atividade econômica privada por excelência, está condicionada à realização de finalidades que importam à coletividade (e não à soma, repartida, dos indivíduos), como seja a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I), que assegure "a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social" (art. 170, caput). São os princípios acima identificados que conferem à intervenção do Estado nas relações econômicas, intersubjetivas "um sentido de unificação e de coerência [...].

Da leitura da Constituição Federal de 1988, se pode verificar a coexistência dos princípios da liberdade e da igualdade em idêntica hierarquia dentro do ordenamento jurídico, devendo ambos ser interpretados e aplicados levando em consideração última a dignidade da pessoa humana.

Atualmente se observa a liberdade em patamar de concreticidade isonômico ao da igualdade. Ambos os princípios advém para a concretização da dignidade da pessoa humana, ganhando sentido naquele e conseqüente valoração diferida no caso concreto, alinhando-se por relativização mútua, em concordância prática. Neste mesmo prisma tanto a igualdade como a liberdade têm apreensão material no sistema, implicando tratamento desigual para os desiguais, ou restrição de liberdade para sua própria realização, no sentido da garantia humana, na acepção intersubjetivada".

Assim, afigura-se imprescindível que qualquer regra ou estipulação contratual se coadune e exprima a vontade descrita na normativa constitucional, colaborando para o desenvolvimento da pessoa humana e tutelando a sua dignidade.


3. A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

A funcionalização dos institutos jurídicos configura uma matéria indispensável numa perspectiva constitucional de releitura do Direito Civil e, conseqüentemente, dos contratos em geral. Para a melhor compreensão deste fenômeno, importante se faz uma análise de suas razões de ser, de suas origens.

A partir Renascimento, com o advento da progressiva positivação do Direito pelo Estado, os juristas europeus, com notável exceção dos ingleses, passaram a exercer a função social de explicar o Direito vigente à época, mas sem o intuito de transformá-lo e sim com vistas à sua conservação.

Contudo, posteriormente à segunda metade do século XIX, uma nova visão da realidade começa a ser delineada. Segundo Karl LARENZ, Jhering, em seu livro Der Zweck in Recht, ou El fin en el Derecho, possui o mérito histórico, muito antes dos demais pensadores do Direito de sua geração, de ter percebido as insuficiências da pandectista e ter analisado esta tendo em vista os problemas da sua época, deslocando o eixo do problema do legislador, como indivíduo, para a sociedade, como grandeza determinante.

Nesta obra que permaneceu inacabada, Jhering argumenta que a "jurisprudência dos conceitos", que tinha a finalidade de discutir a norma jurídica por ela mesma, não mais servia, eis que cada norma jurídica deveria conter um conteúdo determinado, em função da sociedade, em seu benefício, devendo esta ser a razão de ser da norma jurídica.

Rudolf von JHERING afirma que não se precisa ser nenhum profeta para prever que a concepção social do Direito Privado substituirá, pouco a pouco, a individualista. Chegará o tempo em que a sociedade não mais reconhecerá à pessoa o direito de simplesmente acumular a maior quantidade de riquezas possíveis, de reter para si terras capazes de alimentar milhares de homens, como não se permite o direito de vida e morte que tinham os pater familias no Direito Romano.

Na mesma esteira, Otto von GIERKE elabora obra intitulada La Función Social Del Derecho Privado, apresentando-se como apologista de reformas sociais, criticando fortemente o Projeto de Código Civil Alemão que estava sendo elaborado. A crítica se deu particularmente contra o caráter individualista, afirmou, entre outras coisas, que a liberdade ilimitada de contratar se arruína em si mesma, por consistir em arma formidável nas mãos do forte contra o débil, configurando-se em um forte meio de opressão social.

Contudo, "a função social do direito privado preconizada por Jhering permaneceu nas páginas dos livros e revistas doutrinárias, não chegando a sensibilizar o legislador do Direito Civil.", o que deixa nítida a lentidão com que se produzem as mudanças jurídicas.

A partir da experiência das duas Grandes Guerras Mundiais, que obteve-se um importante golpe contra o individualismo exacerbado. Os juristas perceberam que os problemas, provenientes das relações econômicas, não importavam apenas às pessoas individualmente, mas também e fundamentalmente ao Estado e às comunidades.

Percebeu-se que o princípio da igualdade de todos perante a lei restava vazio, por apresentar-se apenas como uma igualdade formal, igualdade "no papel". No campo material, as desigualdades sociais se mostravam cada vez mais gritantes e profundas. A liberdade descomedida levou segmentos sociais mais carentes de recursos, sem poder de barganha, a acentuados desníveis econômicos, por vezes chegando à miséria.

Desta forma, começou-se a discutir um direito de cunho mais social, visando à criação de regras que efetivamente protegessem a parte mais fraca da relação contratual. Para que isso ocorresse era fundamental a existência de uma força superior a de todos os indivíduos isoladamente, que veio a ser a força do Estado, que passou a interferir nas relações privadas, com o intuito de proteger a parte mais fraca – a parte hipossuficiente.

Com a organização da sociedade civil e a pressão por ela formada junto ao poder público diante das abusividades cometidas por empregadores nas relações de prestação de serviços e de fornecedores nas relações de venda de bens fabris, as normas jurídicas de ordem pública foram promulgadas com o desiderato de minimizar o desequilíbrio contratual existente entre o predisponente e o aderente.

[...]

Após o período de guerras mundiais e a elaboração de normas internacionais que culminaram com a Declaração da Organização das Nações Unidas – ONU, de 1948, o pensamento jurídico se perfilou no sentido de se conceder uma maior relevância à pessoa na relação jurídica. As liberdades públicas foram ampliadas, obtendo-se instrumentos mais eficientes de tutela da pessoa e de seus interesses extrapatrimoniais. As normas jurídicas de ordem pública proliferaram porque as relações intersubjetivas ficaram cada vez mais heterogêneas, ante o crescimento quantitativo das contratações, inclusive dos chamados negócios jurídicos inominados.

O contrato, em decorrência destas transformações sociais, altera-se para se adequar às exigências desta nova realidade, passando "de espaço reservado e protegido pelo direito para a livre e soberana manifestação das vontades das partes, para ser um instrumento jurídico mais social, controlado e submetido a uma série de imposições, mais eqüitativas".

O egoísmo e os interesses individuais têm de ser colocados a serviço da coletividade, pois o egoísmo que conhece somente a si mesmo, que só busca o próprio bem, não construirá o mundo, porque toda realização pessoal, como o é o contrato, tem uma missão a cumprir que é a concretização segundo o espírito da instituição que governa a sociedade. Em uma sociedade organizada, o exercício de direitos subjetivos não deve sair da função a que correspondem; do contrário, seu titular os desvia de seu destino, cometendo um abuso de direito.

No Estado Social, passou a existir uma preocupação maior com o aspecto coletivo, com o interesse da sociedade, atribuindo-se menor relevância a concepção de contrato como um mero instrumento de realização individual. Nesta medida que se pode afirmar que o contrato passou a exercer uma função realmente social.

A doutrina da função social emerge, assim, como uma dessas matrizes, importando em limitar institutos de conformação nitidamente individualistas, de modo a atender os ditames do interesse coletivo, acima daqueles do interesse particular, e, importando, ainda em igualar os sujeitos de direito, de modo que a liberdade que a cada um deles cabe, seja igual para todos.

O modelo clássico de contrato, de cunho individualista e voluntarista, dá lugar a um modelo novo, que privilegia a concretização material de princípios e valores constitucionais voltados, em uma última análise, à efetivação da dignidade da pessoa humana, rompendo-se com aquela idéia de ser o contrato apenas um instrumento da realização da autonomia da vontade privada, para desenvolver uma função social.

O apego exagerado à declaração de vontade, o tomar o indivíduo em si e por si, como se fosse uma entidade que pudesse viver com auto-suficiência, é substituído pela pessoa encadeada à comunidade em que atua, confundindo-se indivíduo e meio social. Os fatores internos, de cada um, já não podem ser materializados sem que seja pensada a finalidade social do ato manifestado.

Para Teresa NEGREIROS, o princípio da função social do contrato encontra respaldo constitucional no princípio da solidariedade, ao exigir que contratantes e terceiros cooperem entre si, respeitando situações jurídicas anteriormente já constituídas, ainda que pendentes de eficácia real, mas desde que sejam conhecidas as existências das mesmas pelas pessoas envolvidas.

[...] A sobrevivência do homem sempre dependeu da coexistência no amplo cenário da sociedade humana. A dimensão social do homem impõe que o direito proteja o indivíduo também no contratar, quando ele adquire bens para o seu desenvolvimento e manutenção pessoal ou de sua família. O homem é um ser único, mas que se apresenta em várias dimensões, a saber: a materialidade, a espiritualidade, a individualidade e a sociabilidade. A presença de cada uma delas não se dá de forma isolada. Antes, exige interação completa, um entrelaçamento entre os quatro aspectos mencionados, necessários para que o ser humano cresça e se desenvolva em harmonia, tendo a compreensão dos demais e do ordenamento jurídico em particular de que o perfeito equilíbrio está no respeito a cada uma das extensões do ser do homem.[...]

Segundo Antônio Junqueira AZEVEDO, a noção de função social do contrato condiz com a de um preceito que se destina a integrar os contratos em uma ordem social, visando impedir tanto aqueles que causam prejuízo à coletividade quanto os que lesam pessoas indeterminadas.

[...] A idéia de função social do contrato está claramente determinada pela Constituição, o fixar como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro [...]

Necessária se faz uma correlação entre os princípios da função social da propriedade e do contrato, levando-se em conta que tanto a propriedade como o contrato, em suas formas originais e clássicas, se manifestaram com exacerbado individualismo e com a idéia de intangibilidade.

[...] uma vez que o contrato tem, entre outras funções, a de instrumentalizar a aquisição da propriedade. Se a esta não é mais reconhecido o caráter absoluto e sagrado, a condição de direito natural e inviolável do indivíduo, correlatamente ao contrato também inflete o cometimento - ou o reconhecimento – de desempenhar função que transpassa a esfera dos meros interesses individuais.

Foi importante a profunda repercussão que alcançou o princípio da função social da propriedade, através do fenômeno da funcionalidade condicionadora de seu uso. Neste ponto, importante se faz a atenção dos juristas e legisladores para compreenderem que não é apenas esse instituto que possui uma função social a cumprir, mas sim que este princípio projeta-se a outros institutos de Direito Privado, condicionando-os e impregnando-os em suas essências.

Igualmente indubitável é, no entanto, também que a nossa ordem jurídica (a constituição econômica da economia social de mercado, em oposição à sociedade liberal de empresários) atribui ao mesmo tempo ao contrato, aos direitos patrimoniais, à propriedade sobre o solo, o capital e aos meios de produção e a constituição de associações de natureza econômica uma função social global – eles são concebidos como meios de partilha justa dos bens, de uma constituição patrimonial justa e como uma garantia de existência .

Neste sentido, são as palavras de Arnoldo WALD, ao concluir que "tendo a palavra propriedade uma conceituação ampla, o mesmo princípio haveria de ser aplicado aos direitos de crédito, ou seja, às obrigações e, conseqüentemente, aos contratos".

A aplicação do interesse coletivo de uma propriedade é o motivo pelo qual se emprega a mesma idéia para o contrato entre particulares. Todavia, quanto à propriedade, não se pode olvidar estar ela inserida em quadro de indefinição dos sujeitos com os quais se relaciona o proprietário, sendo ordinário ao pensamento jurídico a abstração da sua natureza erga omnes.

A idéia do coletivo proprietário em oposição ao individual proprietário não é criação da doutrina, eis que, só para citar a atual constituição, segundo o seu art. 186, e seus incs. I a IV,"(...) condiciona a fruição individual do proprietário ao atendimento dos múltiplos interesses não proprietários" impondo"(...) a utilização racional das reservas naturais, as relações de trabalho derivadas da situação proprietária, o bem-estar desses mesmos trabalhadores,(...)". A propriedade urbana segue a mesma linha de preocupação com o coletivo, ao pôr em relevo a ordenação da cidade e o seu plano diretor (art. 182,§ 2°).

Ao contrato, porém, parece não se ajustar muito bem a concepção coletiva, especialmente se encarada do ponto de vista da relação jurídica de um direito subjetivo obrigacional do credor frente a um dever jurídico do devedor. Os atores da relação jurídica obrigacional são conhecidos, remontando esta ciência subjetiva ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato.

O que se revela, nesse passo, é a mitigação do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, consagrado em nosso sistema contratual, mas que se encontra em xeque, na sua perspectiva dogmática, especialmente em relações que tocam o mercado. É um fenômeno das relações contratuais de massa. Assim, o sentido do interesse coletivo na relação contratual interprivados se torna mais evidente naquelas que trazem implicações ao mercado relevante, e, de outra banda, notadamente esmaecido, na medida em que se defronta com um contrato de efeitos restritos às partes. Só o caso concreto poderá elucidar tal conotação, sendo inviável, a priori, colorir a relação jurídica negocial com o interesse coletivo.

Pelo princípio tradicional da relatividade dos contratos, entende-se que o contrato produz efeitos somente em relação aos contratantes, ou seja, somente o patrimônio das partes poderia ser afetado com o ajuste firmado, haja vista que os seus efeitos não poderiam atingir terceiros, tratando-se de res inter alios acta. Somente em regime de exceção poderia se atingir bens de terceiros, como, por exemplo, as estipulações em favor de outra pessoa.

O princípio da relatividade dos efeitos do contrato, num cenário em que a vontade ocupa o centro natural de todas as atenções, traduz um dos mais importantes corolários da concepção voluntarista do contrato. Não surpreendendo, portanto, que os conceitos de "parte" e de "terceiro" sejam também eles deduzidos a partir da referência à vontade: é "parte" do contrato aquele cuja vontade deu origem ao vínculo contratual; é "terceiro" aquele cuja vontade, pelo contrário, é um elemento estranho à formação do contrato em causa [...].

É possível identificar duas ordens de problemas cujas soluções questionam a aplicação do princípio da relatividade dos contratos: o primeiro seria a posição do terceiro como vítima de um dano consecutivo ao inadimplemento de uma obrigação contratual, da qual não tenha participado como parte; e, o segundo, comportaria a posição da parte credora na relação contratual frente a terceiro que colabora para o inadimplemento da obrigação assumida pelo co-contratante devedor no contrato.

Constata-se que, seja como vítima, seja como ofensor, a figura do terceiro implica em uma re-análise do princípio da relatividade dos efeitos do contrato à luz da funcionalização do mesmo.

Através do estudo da função social dos contratos, nota-se um esvaziamento do princípio da relatividade dos contratos, pois o contrato "passa a ser entendido como ‘operação econômica distributiva’ à medida que seus efeitos econômicos são evidenciados perante toda a sociedade".

[...] o princípio da função social encontra fundamento constitucional no princípio da solidariedade, a exigir que os contratantes e terceiros colaborem entre em si, respeitando as situações jurídicas anteriormente constituídas, ainda que as mesmas não sejam providas de eficácia real, mas desde que a sua prévia existência seja conhecida pelas pessoas implicadas. Numa sociedade que o constituinte quer mais solidária, não deve ser admitido que, sob o pretexto de que o direito de crédito é um direito relativo, possa tal direito ser desrespeitado por terceiros, que argumentam não ter consentido para a sua criação.

Para Paulo NALIN, funcionalizar, na perspectiva instituída pela Constituição Federal de 1988, importa em

[...] oxigenar as bases (estruturas) fundamentais do Direito com elementos externos à sua própria ciência. Sociologia, Filosofia, Economia, Antropologia, Biologia, Psicanálise, História e especialmente a Ética, acabam, neste prisma interdisciplinar, se revelando como instrumentos de análise do Direito em face de sua função, com o objetivo de atender às respostas da sociedade, em favor de uma ordem jurídica e social mais justa. É romper com a auto-suficiência do Direito, hermético em sua estrutura e tecnicismo, outrora mais preocupado com os aspectos formais das regras, do princípio e do instituto, que com sua eficácia social. Por isso, a função perseguida é social.

Desta forma, a noção de função social do contrato convida o intérprete a deixar de lado a leitura do Direito Civil sob a ótica clássica, baseada na doutrina voluntarista, e a buscar valores sociais existenciais do homem, sempre tendo em vista a realização da dignidade da pessoa humana. Neste contexto, "é a função social do contrato que torna o contrato um fenômeno transcendente dos interesses dos contratantes individualmente considerados [...]".

Segundo Eduardo Sens dos SANTOS, a função social do contrato requer dois elementos, ou seja, para poder se dizer que um contrato cumpre a sua função social são necessários dois requisitos: um interno e um externo.

O primeiro deles é a adequada ponderação entre os três princípios fundamentais de direito contratual: a autonomia privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. Sem que estejam bem balanceados esses três princípios na relação contratual não se pode dizer que o contrato cumpriu a sua função social, pois será mera imposição de uma parte; ou então será um contrato abusivo e desleal, quando faltar observância ao princípio da boa-fé objetiva; ou será um contrato injusto quando não atentar para o princípio do equilíbrio contratual.

Mas, todos estes princípios têm, eminentemente, uma relação com o conteúdo do contrato, ou seja, com a parte interna do acordo de vontades e que diz respeito, na maioria dos casos, apenas ao interesse privado.

Para que se conceba um conceito adequado de função social do contrato é preciso que se busque também um elemento externo ao contrato. Por isso não basta apenas aquela relação de proporcionalidade entre os princípios. É necessário que com o contrato se atinja o bem comum.

E o bem comum, para se dar uma breve explicação, não pode ser entendido como o bem somente dos indivíduos, tampouco como o bem somente do todo, deve ser visto como o bem do todo e o bem dos indivíduos.

Em sentido semelhante é o pensar de Paulo NALIN, segundo o qual a função social divide-se em: intrínseca e extrínseca. Sendo a primeira relativa à observância dos princípios da igualdade material, eqüidade e boa-fé objetiva pelos contratantes, todos decorrentes da cláusula constitucional da solidariedade. Já a segunda, se ocuparia das repercussões do contrato no campo das relações sociais, tendo em vista as repercussões do contrato a titulares outros que não somente aqueles imediatamente envolvidos na relação de crédito e débito.

O Código Civil de 2002 estabelece no seu art. 421 que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". Desta maneira, percebe-se que, em verdade, se funcionalizou a liberdade contratual e não o contrato em si, "pondo em nível de condicionante (note-se não se tratar de condição sine qua non) o exercício da liberdade de contratar (princípio geral para os contratos) ao que o Código denomina de razão e limites da função social".

A função social do contrato, conforme Eduardo Sens dos SANTOS, não se apresenta como uma inovação, uma criação do novo Código Civil Brasileiro, "mesmo porque a Constituição já a previa junto à função social da propriedade. Ao contrário, como princípio que é, existe independentemente de lei e dispensa referência expressa [...]".

Em verdade, após a Constituição Federal de 1988 é que o núcleo do contrato passa a residir "na solidariedade e a sua causa codivide espaço entre interesses patrimoniais inerentes ao contrato, enquanto instrumento de circulação de riquezas, e os interesses sociais". É no texto constitucional que se localiza o princípio da função social do contrato, ao conformar, no art. 170, caput, a livre iniciativa à justiça social.

O valor da justiça social, expresso no Texto fundamental, no sentido e nos limites antes traçados, há de incidir no direito civil contribuindo, em sede interpretativa, para individuar o conteúdo específico que, concretamente, devem assumir as cláusulas gerais das quais é cravejada a legislação: da eqüidade à lealdade (correttezza), do estado de necessidade à lesão (stato di bisogno) e à causa não imputável, da diligência e boa-fé, etc. O preceito de igualdade poderá incidir sobre a individuação do conteúdo das mesmas cláusulas gerais que contribuem para a definição dos institutos fundamentais do direito civil, como a "função social" para a propriedade e a "utilidade social" para a iniciativa econômica privada, de maneira a realizar uma eqüitativa harmonização entre o interesse individual e aquele geral.

A teoria geral dos contratos passou a ter como base a noção de eqüidade, boa-fé e segurança, que concretiza a chamada socialização da teoria contratual. Funcionalizar o contrato implica, sobretudo, em atribuir ao instituto jurídico uma utilidade ou impor-lhe um papel social, "[...] atinente à dignidade da pessoa humana e à redução das desigualdades culturais e materiais [...]".

[...] a nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância [...]

Cabe indagar quais são as conseqüências da inobservância do princípio da função social do contrato para efeitos jurídicos, tendo e vista a ausência de disposição legal a respeito disso.

O contrato que não cumpre a sua função social, em um primeiro momento, como negócio jurídico já foi reconhecido por meio da valoração social, gera efeitos jurídicos (atributivos, circulatórios e existenciais), de modo a ter suplantado o estrato da inexistência.Todavia, os efeitos que proporciona acabam sendo nocivos aos operadores contratuais, ou, ao menos, a uma das partes contratantes ou, ainda, à coletividade, esquadrinhando-se no campo da invalidade jurídica (nulidade ou anulabilidade).

[...]

A nulidade se dirige à salvaguarda de valores superiores tutelando interesses gerais, ao passo que a anulabilidade se dirige à proteção dos interesses individuais das partes.

[...]

Surge, assim, a necessidade de se buscar no seio da doutrina mais especializada, uma solução que se mostre adequada e possibilite que se conclua pela nulidade do negócio contratual que escapa de sua função social. A resposta que se afigura mais adequada é o reconhecimento da nulidade virtual, como uma hipótese aceitável no contexto da teoria da nulidades.

Apesar da imprecisão do conceito de função social do contrato, sabe-se aberto a variações interpretativas frente a um caso concreto.

O Centro de Estudos Judiciários do Conselho Federal de Justiça Federal, realizou a edição de enunciados referentemente a possíveis interpretações do novo Código Civil. No tocante ao art. 421 visualizam-se as seguintes interpretações:

21 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito;

22 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas;

23 – Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Da leitura dos enunciados acima se pode perceber o reconhecimento pela comunidade jurídica, da importância da função social do contrato refletida como uma cláusula de caráter geral, que gera efeitos de preservação e efetividade do cumprimento de princípios gerais do direito, levando à conservação do contrato e da justiça, eis que propicia a redução do alcance da autonomia da vontade diante de interesses individuais e de terceiros.

Não obstante, a aplicabilidade da função social dos contratos ainda tem se mostrado escassa na jurisprudência. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul percebe-se a utilização da função social dos contratos, embora sua aplicabilidade, num contexto geral, ainda não veio a se efetivar com a abrangência que este princípio deverá alcançar no processo evolutivo do pensamento civil contemporâneo.

EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO E CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS GERAIS DA BOA-FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO.

1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada.

2. Novação em se tratando de relação negocial continuada, é perfeitamente possível em se tratando de relação negocial continuada, e perfeitamente possível examinar-se o contrato originário e seus subsequentes, pois se tratam de mera continuidade negocial.

3. Revisão contratual e limitação dos juros. Os juros encontram-se limitados em 12% a.a., não em função da aplicação do art. 192, § 3º da CF, uma vez que o STF já decidiu que esta norma possui eficácia contida, nem da chamada Lei da Usura (Decreto nº 22.626), e sim, pelo art. 51, IV do CDC, bem assim, em razão de toda a legislação pátria que historicamente adotou como parâmetro razoável de juros remuneratórios o percentual de 12% ao ano.

4. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Filio-me a corrente que entende ser o contrato de abertura de credito e o contrato de confissão de dívida como contratos de adesão, eis que suas cláusulas foram preestabelecidas unilateralmente pela instituição financeira, que e economicamente mais forte, sem que o autor pudesse discutir ou modificar substancialmente o conteúdo destas.

5. Capitalização. Vedada a capitalização dos juros, com base na Súmula 121 do STF.

6. Juros moratórios. O percentual a ser observado é aquele de 6% ao ano, na forma dos artigos 1.062 e 1.262 do CC, quando não houver pactuação. Em havendo disposição expressa acerca dos juros moratórios, esses ficarão em 1% ao mês.

7. Multa. A multa contratual representa o ressarcimento pelo atraso no cumprimento da obrigação e deve ser fixada em 2% sobre o saldo devedor. Preliminar rejeitada. recursos desprovidos.

Neste caso de contrato de abertura de crédito e confissão de dívida, houve a utilização do princípio da função social do contrato ao lado do princípio da boa-fé, como fundamentação do decisum. Entendeu-se pela limitação da taxa de juros em doze por cento ao ano, levando-se em conta o previsto pela norma consumeirista.

Como visto, através das cláusulas gerais da boa-fé e da função social do contrato, os julgadores decidiram contrariamente à orientação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) n° 004-DF, que autorizou as instituições financeiras à cobrança de juros em patamares superiores aos constitucionalmente previstos.

LOCAÇÃO. FIANÇA. IMPENHORABILIDADE. CONTRATO ANTERIOR AS LEIS NS 8.009/90 E 8.245/91 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO FIRMADO ANTERIORMENTE A LEI N. 8.009/90, COM A VIGÊNCIA DESTA.

O imóvel residencial do fiador se tornou impenhorável, e não se torna penhorável, porque a Lei n° 8.245/91, posterior também a fiança firmada, e que pelo artigo 82, inseriu o inciso VII no art. 3 da Lei de Impenhorabilidade, exatamente porque se trata de uma exceção, e tem a característica de direito material, prevalecendo, então, a norma da impenhorabilidade que marcou imóvel para residência da família, com base na natureza de direito público e social, não permitindo que haja retroatividade para prejudicar direito adquirido e tão importante para a dignidade da pessoa. Orientação adotada nos EI n° 195028717. Apelo desprovido, por maioria. Voto vencido.

Na decisão supra, se visualiza o princípio da função social do contrato quando os julgadores entenderam pela impenhorabilidade do bem de família do fiador, levando em conta o princípio da dignidade da pessoa humana.

Os valores existenciais imanentes à habitação como direito fundamental, migram para a relação concreta através do uso de cláusulas gerais, com amplo impacto na leitura da norma infraconstitucional.

Depreende-se da jurisprudência gaúcha, que a função social dos contratos já vem embasando, embora de forma tímida, as decisões. O que se faz imprescindível é o reconhecimento de que "a função social tem um peso específico, que é o de entender-se a eventual restrição à liberdade contratual não mais como uma ‘exceção’ a um direito absoluto [...]".

O que se deve ter em mente é o equilíbrio que se busca entre os princípios da liberdade (autonomia da vontade) e da igualdade (material), ou melhor, o reconhecimento de que tais princípios encontram-se em igualdade hierárquica dentro do ordenamento jurídico vigente.

Nosso regime há de primar pelo equilíbrio evocado pelo conteúdo social positivado no Estado Democrático de Direito moldado na Constituição Brasileira. Liberdade e igualdade concorrem, relativizando-se tópica e axiologicamente, em prol do princípio da dignidade da pessoa humana. Os excessos admissíveis pelos extremos não encontram respaldo em nosso sistema constitucional.

A função social do contrato surge para proporcionar maior equilíbrio nas relações contratuais, tornando-as mais próximas do ideal de justiça, através da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Somente os contratos que cumprem a sua função social são dignos da tutela do Direito.


CONCLUSÃO

O presente trabalho analisa a alteração da função do contrato ao longo de sua evolução histórica.

A transformação do pensamento individualista e iluminista advindo da Revolução Francesa em uma visão intervencionista do Estado Social, franquia a tutela dos interesses e anseios da população como um todo e não apenas da classe dominante.

Na esteira dos movimentos constitucionais pós-modernos, o Brasil promulgou a Constituição Federal de 1988, de caráter nitidamente intervencionista, colocando a dignidade da pessoa humana como fundamento da República.

Em decorrência, a alteração do paradigma de caráter patrimonialista ao da pessoa humana, rompe a divisão radical que existia entre o Direito Público e o Privado, ademais, pelo fato do Direito ter que situar o ser humano em relação a todos os demais socialmente considerados.

Através da hierarquização valorativa e principiológica do sistema como um todo, indispensável se faz uma releitura do ordenamento à luz da Constituição Federal, derrogando ou revogando as regras contrárias aos seus preceitos, que são hierarquicamente superiores a todos os demais.

Na concepção tradicional de contrato, havia a exacerbada preocupação com a segurança jurídica, sendo protegida pela crença de que aquele que é livre não pode, ao submeter-se a um contrato, deixar de honrá-lo, mesmo porque quem diz contratual diz justo.

O modelo contratual construído no Estado Liberal, que tinha na autonomia da vontade a única fonte criadora de direitos e obrigações, não corresponde mais à realidade atual, tendo seus princípios sido alterados.

Na visão contemporânea, produto das inúmeras alterações sociais e da massificação das relações contratuais, ao contrário, o princípio da autonomia da vontade não configura algo absoluto, convivendo com outros princípios igualmente importantes para a melhor interpretação e solução dos conflitos resultantes de relações contratuais.

Hodiernamente, qualquer norma ou cláusula contratual deve espelhar a normativa constitucional, como modo de aplicação e legitimação. Desta forma, novos princípios surgem, entre eles o da boa-fé objetiva, o da tutela do hipossuficiente e o da equivalência das prestações contratuais, sempre em busca da igualdade material e da justiça contratual.

Segundo a perspectiva civil-constitucional, a aplicação ao contrato dos novos princípios contratuais levou à quebra da hegemonia que era atribuída à autonomia da vontade. Tais princípios encontram fundamento na Constituição Federal de 1988, seja como desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, seja como princípios instrumentais da ótica solidarista, seja como corolários do valor social da livre iniciativa, seja, por fim, na condição de princípios componentes da ordem econômica constitucional da qual o contrato é parte integrante.

Contudo, em plena virada para o século XXI, ainda se sustenta a suma aplicação do princípio da autonomia da vontade, não dando a mínima importância a valores e princípios constitucionais que efetivamente vieram a modificar a moldura do contrato, incluindo-se neste plano, a relativização das obrigações, a despatrimonialização e a função social do contrato.

O que importa hoje não é mais a exigência pura e simples do cumprimento das cláusulas contratuais, pois o Estado interventor obriga que as relações sejam pautadas pela confiança, lealdade, boa-fé, não onerosidade excessiva, sem abuso de direito da parte mais forte economicamente sobre a mais vulnerável.

Várias são as possibilidades encontradas para o contratante prejudicado buscar a proteção de seus direitos enquanto pessoa, não apenas nos casos de vício de vontade e consentimento. Para que um contrato faça jus à tutela do Direito é necessário que observe a sua destinação social.

Desta forma, o contrato, além de desempenhar a função de propiciar a circulação de riquezas – função econômica -, possui uma função social.

A flexibilização e a funcionalização do contrato configuram imperativos, no sentido de sintonizarem a lei ao fato social, na busca da justiça e da realização da dignidade da pessoa humana, cerne de todo o ordenamento jurídico. Assim, apenas o contrato que cumpre a sua função social merece tutela constitucional.

Por fim, impõe-se uma releitura do Direito Civil e, dentro disto, do direito contratual, através de sua constitucionalização, levando sempre em conta a emancipação da pessoa humana, fim último do trabalho do jurista.


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Abstract: The present study aims to analyze the changes occurred in Civil Rights, levered by the phenomenom of constitutionalization, wich, in consequence, made necessary the review of the contractual right. This happens for the contracts no longer reflect the model that was in use during the Liberal State, in wich the central principle was the autonomy of will. With the political transformations that culminated in the birth of Social State, the contract assumes a new appearance, giving more importance to the social interests, no longer being a mere instrument of individual realization to the contractants. The contract acquires a social role, wich benefits the protection of the existential valve in relation to the merely patrimonial interests.


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GUIMARÃES, Haina Eguia. A função social dos contratos em uma perspectiva civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 481, 25 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5814. Acesso em: 17 maio 2024.