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Loteamentos fechados

Loteamentos fechados

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INTRODUÇÃO

O modo convencional de loteamento é a divisão voluntária do solo em unidades edificáveis (lotes), com abertura de vias e logradouros públicos, na forma da legislação pertinente. Esse loteamento fica sujeito as normas civis estabelecidas pela União (CC e Lei 6.766/79, com a alteração introduzida pela Lei 9.785/99) e normas urbanísticas impostas pelo Município na legislação edilícia adequada às peculiaridades locais. As unidades loteadas e compromissadas à venda regem-se por normas especificadas de Lei Federal, tendentes a compelir os contratantes ao cumprimento do avençado e a regulamentar a forma do contrato e de sua rescisão. Assim, o loteamento urbano convencional está disciplinado por legislação própria - federal - municipal - que ordena desde a sua formação até a alienação e utilização das unidades edificáveis, dos espaços livres e das vias públicas de uso comum do povo.

Diversamente, os loteamentos especiais, também conhecidos por "condomínio horizontal" ou "loteamento fechado" vêm sendo implantados sem que haja um normativo adequado para esse tipo de empreendimento, quer federal ou mesmo local regulamentador de seus aspectos urbanísticos. Tais loteamentos são bem diferentes dos convencionais, pois as áreas de domínio público tem utilização privativa por seus moradores.


1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PARCELAMENTO DE SOLO URBANO

O Decreto Lei 58/37, foi a primeira lei brasileira que tratou de regulamentar a questão do parcelamento do solo para fins urbanos.

Entretanto esse objetivo foi atingido de forma secundária, uma vez que a meta-jurídica do contido nesse diploma legal era a regulamentação da venda de terrenos a prazo.

Tendo em vista a má técnica legislativa empregada, o Decreto Lei 58/37, foi constantemente derrogado, para se aprimorar e se adequar as necessidades sociais.

Foi o Decreto Lei 58/37 derrogado pelo Decreto 3.079/38, Decreto Lei 1.068/39, Decreto Lei 271/67 e finalmente pela Lei 6.766/79, atual Lei de Parcelamento de Solo Urbano.

Em relação ao parcelamento de solo rural, esse diploma legal continua em pleno vigor.

Ao se analisar cada um desses normativos, há de se levar em conta a realidade social que presenciava o legislador, quando os mesmos foram editados.

Merecem especial atenção o Decreto Lei 58/37 e a atual lei de Parcelamento de Solo Urbano 6.766/79, sobre os quais teceremos algum comentário:

Quando da elaboração do Decreto Lei 58, cuja publicação do mesmo ocorreu no ano de 1.937, a preocupação maior do legislador, tinha por escopo a realidade social das pessoas que vindas do campo para a cidade, ou mesmo no próprio campo, eram enganadas ao adquirir terrenos à prestações. Essa era a realidade social da época.

Foi desatento o legislador com os problemas que poderiam advir de situações como a prevista no artigo 3º do referido Decreto-Lei 58/37, ou seja, a inalienabilidade dos espaços livres, que foram considerados pela doutrina e jurisprudência, como bens reservados do loteador, diga-se de passagem, reservados pelo mesmo, para as finalidades previstas em Lei, em face da restrição legal.

Artigo 3º do Dec. Lei 58/37

"Art. 3. A inscrição torna inalienáveis por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e planta."

Tal regulamentação à respeito dos espaços livres só veio merecer atenção do legislador pátrio no ano de 1.967, conforme disposto no artigo 4º do Decreto Lei 271/67.

Artigo 4º do Dec.Lei 271/67

"Art. 4º. Desde a data da inscrição do loteamento passam a integrar o domínio público do município as vias e praças e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo."

Tal fato, a inalienabilidade, gerou problema de ordem jurídica e pública, pois, como já dissemos, é resultado de má técnica legislativa.

Sobre o tema, decidiu o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo:

"A inteligência do artigo 3º do Decreto Lei 58/37, não autoriza afirmar públicos os imóveis que integram parcelamento registrado segundo suas regras e que tenham sido designados pelo loteador como área reservada. " ( Apelação Cível 20.932-0/0 - Tupi Paulista - publicado no Diário Oficial do Estado aos 22/06/1995).

Em 1.979, face ao crescimento populacional das cidades, a proliferação de loteamentos clandestinos, e a necessidade de adaptação da Lei de Parcelamento de Solo, tão falha, foi promulgada a Lei 6.766, que dentre outras lacunas do Decreto Lei 58/37, estabeleceu que as áreas públicas, registrado o loteamento passam a integrar o domínio do município.

Artigo 22 da Lei 6.766/79

"Art. 22. Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo."

Como podemos observar, sempre que se legislou sobre o parcelamento de solo, a questão das áreas de domínio público, historicamente, pela forma como foi tratado por nossos legisladores, sempre foi alvo de muita polêmica.


2. CONCEITO

O autorizado mestre, Hely Lopes Meirelles, ensina:

"Os loteamentos especiais estão surgindo especialmente nos arredores das grandes cidades, visando descongestionar as metrópoles. Para esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que oriente sua formação, mas nada impede que os Municípios editem normas urbanísticas adequadas a essas urbanizações. E tais são os denominados ‘loteamentos fechados’, ‘loteamentos integrados’, ‘loteamentos em condomínio’, com ingresso só permitido aos moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e serviços urbanos próprios, para auto-suficiência da comunidade. Essas modalidades merecem prosperar. Todavia, impõem-se um regramento legal prévio para disciplinar o sistema de vias internas (que em tais casos são bens públicos de uso comum do povo) e os encargos de segurança, higiene e conservação das áreas comuns e dos equipamentos de uso coletivo dos moradores, que tanto podem ficar com a Prefeitura como com os dirigentes do núcleo, mediante convenção contratual e remuneração dos serviços por preço ou taxa, conforme o caso"(1)

Para o Prof. José Afonso da Silva:

"A denominação de ‘loteamento fechado’ vem sendo atribuída a certa forma de divisão de gleba em lotes para edificação, que, embora materialmente se assemelhe ao loteamento, na verdade deste se distancia no seu regime como nos seus efeitos e resultados. Não se trata, por isso de instituto do parcelamento urbanístico do solo, ainda que possa ser considerado uma modalidade de urbanificação, porque se traduz num núcleo populacional de caráter urbano. Modalidade especial de aproveitamento do espaço, não pode o Direito Urbanístico desconhecê-la, a despeito de reger-se por critérios do Direito Privado entre nós, sob forma condominial.

‘Então o chamado ‘loteamento fechado’ constitui modalidade especial de aproveitamento condominial de espaço para fins de construção de casas residenciais térreas ou assobradadas ou edifícios. Caracteriza-se pela formação de lotes autônomos com áreas de utilização exclusiva de seus proprietários, confinando-se com outras de utilização comum dos condôminos. O terreno, assim ‘loteado’, não perde sua individualidade objetiva, conquanto sofra profunda transformação jurídica...

‘O regime jurídico dessa modalidade de desenvolvimento urbano, como acabamos de indicar é o Direito Privado, com base no art. 8º da Lei 4.591/64, com natureza jurídica, como visto, de condomínio privado." (2) (grifos do próprio autor).

Ainda sobre o tema, preleciona o Prof. Caio Mário da Silva Pereira, autor da Lei de Condomínios, que anota:

"Diversamente da propriedade horizontal típica, em que a cada unidade se vincula apenas a cota ideal do terreno e partes comuns, aqui existe uma unidade autônoma, uma parte de terreno edificado, uma parte de terreno reservado como de utilidade exclusiva para jardins ou quintal e ainda a fração ideal sobre o que constitui o condomínio.

‘Discriminar-se-ão, ainda, as áreas que se constituem em passagem comum para as vias públicas ou para as partes utilizadas entre si, ou os caminhos de acesso à praia, a ponte, a lugar aprazível" (3)

O Registrador Imobiliário, Elvino Silva Filho, que foi durante muitos anos Oficial do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Campinas, SP. , hoje aposentado, tem por seguinte definição de loteamento fechado:

"O loteamento fechado consiste na subdivisão de uma gleba em lotes destinados a edificação ou formação de sítios de recreio, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos, devendo ser essa gleba cercada ou murada em todo o seu perímetro de modo a manter sob controle o acesso aos lotes.

Atente-se, antes de mais nada, a que o loteamento fechado é um loteamento comum, aprovado o projeto pela Prefeitura Municipal, conseqüentemente devendo ser registrado no Registro de Imóveis, em cumprimento aos requisitos previstos na Lei 6.766, de 19.12.79.

O adquirente do lote de terreno será proprietário de um imóvel perfeitamente individuado, numerado e localizado com as suas características e confrontações. Conseqüentemente, poderá edificar no lote adquirido e exercer todos os direitos compreendidos no direito de propriedade.

Algumas restrições, porém, se impõem ao seu direito de propriedade, as quais ele deve, previamente conhecer e a elas se submeter, pela circunstância de adquirir um lote de terreno em um loteamento fechado.

Dessas restrições podemos destacar, desde logo, seu direito de acesso ao lote adquirido, o qual é controlado em uma portaria ou portão de ingresso ao loteamento, e também sua contribuição para a

manutenção das vias de comunicação e logradouros constantes do loteamento.

A grande questão quer surge no loteamento fechado está, exatamente, nas vias de circulação e nos logradouros públicos.

Dissemos acima que a Prefeitura Municipal, ao aprovar um projeto de loteamento fechado, deverá fazê-lo nos mesmos moldes, nos mesmos termos e com as mesmas exigências como o faz com um loteamento comum.

Muito embora o loteamento fechado esteja localizado, na maioria das vezes, fora do perímetro urbano, destinando-se à formação de chácaras ou sítios de recreio, não se pode desprezar a circunstância de ele vir, algum dia, a integrar o perímetro urbano. A municipalidade ao aprová-lo, deverá localizá-lo dentro de seu plano de expansão urbanística, fornecendo as diretrizes para o uso do solo previsto no art. 6º da Lei 6.766/79." (4)


3. DEFINIÇÃO DO AUTOR

Com respeito aos autores que conceituaram sobre o tema, parece-nos mais acertada a definição do Registrador, Elvino Silva Filho, uma vez que, segundo nosso entendimento:

Loteamento fechado é o parcelamento do solo urbano, feito com fundamento nos preceitos estabelecidos pela Lei 6.766/79, tendo por diferencial do chamado loteamento convencional, a associação dos adquirentes dos lotes, por terem objetivos comuns.

Em verdade, nos loteamentos fechados, existem as áreas privativas, que correspondem ao próprio terreno adquirido, e as áreas de domínio público.

Por acordo firmado com o Município, os adquirentes de lotes passam a administrar as áreas de domínio público.

E, para que assim seja feito, estes se associam.

Para custeio da manutenção das áreas de domínio público os associados que também são proprietários de lotes no loteamento, pagam taxa associativa, que tem por fato gerador a propriedade de unidade imobiliária e por objetivo a manutenção das referidas áreas públicas, independentemente do Poder Público competente.

Em relação as primeiras, não há controvérsia. Em relação as áreas de domínio público é que esta se estabelece.

Senão vejamos:

O loteamento é aprovado pelos Orgãos competentes e acompanhado pelos documentos elencados no artigo 18 da Lei 6.766/79, é procedido observadas as formalidades legais, o registro do loteamento pelo Oficial Registrador do Cartório imobiliário da situação do imóvel.

Registrado o loteamento, com fundamento no artigo 22 do citado diploma legal, as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, passam a integrar o domínio do Município.

A partir dessa premissa, como se pode entender, com fundamento em lei tão clara, que os adquirentes de lotes no chamado "loteamento fechado", simplesmente ignorando a situação de loteamento registrado com fundamento na lei 6.766/79, possam simplesmente murar toda a extensão do loteamento, e partir desse fato, passar a cuidar das áreas de domínio público, como se fossem "bens de uso comum" cuja previsão somente existe na Lei 4.591/64?

Não há qualquer possibilidade de o assim entender.

Na realidade a situação existente é de inércia da Administração Pública através de seus Poderes constituídos e de tomada de atitudes de um determinado grupo social (adquirentes de lotes), que apenas pretendem o bem estar individual e familiar.

As leis existentes que tratam de parcelamento de solo, não tem por previsão, empreendimento com essas características.


4. O MUNICÍPIO E AS ÁREAS DE DOMÍNIO PÚBLICO NO "LOTEAMENTO FECHADO"

Sendo do domínio do Município, poderá ele restringir seu uso exclusivamente aos proprietários dos lotes de um loteamento, autorizando o seu fechamento perimetral?

Entendemos que sim.

E qual seria o mecanismo necessário para que esse fim seja atingido?

Tanto através da permissão de uso, ou da concessão de uso. Por ato administrativo o Município, poderia transferir o uso dos bens de seu domínio aos proprietários dos lotes do loteamento fechado.

Através desses dois institutos de Direito Administrativo, portanto, tem o Município o instrumentos necessários para a outorga do uso das vias, das praças e dos espaços livres, dentro do loteamento fechado aos adquirentes dos lotes.

Não se pode olvidar, neste assunto, apenas a título de ilustração, a concessão de uso como direito real resolúvel prevista na legislação federal, no art. 7º do Dec. Lei 271, de 28.2.67.

Ainda, que assim não fosse, atualmente vários municípios de forma subsidiária, regulamentaram a situação dos "loteamentos fechados", dentre eles, Itapetininga, é uma das cidades do Estado de São Paulo, que não mais padece com este tipo de problema.


5. REGULAMENTO NO "LOTEAMENTO FECHADO" DE USO DAS VIAS E ESPAÇOS LIVRES

A permissão, ou a concessão de uso pela Prefeitura Municipal das vias e praças e espaços livres, nos loteamentos fechados, aos proprietários dos lotes, gera para eles a obrigação de mantê-los e conservá-los, além de outras obrigações decorrentes do uso em comum desses espaços livres, tais como coleta de lixo, rede elétrica e de iluminação, pavimentação, rede de água e esgotos, etc.

Outras obrigações, ainda surgem, pela própria circunstância de ser um loteamento fechado, tais como a manutenção de portaria, serviços de vigilância e segurança, rede telefônica de comunicação interna, etc.

Esses serviços comuns aos proprietários dos lotes custam dinheiro e necessitam ser administrados e, consequentemente, regulamentados.

É nesse ponto - no regulamento da vida comunitária do uso das vias e espaços livres - que o loteamento fechado se assemelha ao condomínio, ensejando a expressão adotada nas leis municipais "administração das áreas comuns sob regime de condomínio".

O regulamento do uso dessas vias e espaços livres assemelha-se, portanto, e muitíssimo, à convenção de condomínio prevista no artigo 9º da Lei 4.591, de 16.12.64.

O regulamento da vida comunitária do loteamento fechado é, assim, fundamental para a existência desse tipo de loteamento.


6. PRINCIPAL DIFERENÇA ENTRE O CONDOMÍNIO ESPECIAL PREVISTO NA LEI 4.591/64 E O LOTEAMENTO FECHADO

O diferencial entre os dois tipos de empreendimentos é que o primeiro, se caracteriza pela necessidade de vinculação da venda da propriedade à construção, ainda que futura. Não se pode afirmar a existência de condomínio especial desprovido de construção.

Há ainda de se levar em consideração que, no condomínio especial, a construção, diferentemente do disposto no Código Civil Brasileiro, é o objeto principal da venda, sendo a fração ideal do terreno, objeto acessório.

No segundo, a venda da propriedade tem por objeto única e exclusivamente o terreno, não havendo qualquer vinculação de construção a propriedade adquirida.

O terreno é objeto central da venda, sendo qualquer construção nele realizada mero acessório.


7. TEM DECIDIDO NOSSOS TRIBUNAIS

1. LOTEAMENTO - Despesas condominiais - Convenção de condomínio

"Ementa: Apenas o condomínio organizado na forma da Lei 4.591/64 autoriza a cobrança de despesas condominiais nos moldes nela previstos.

          Não se enquadra naquele diploma loteamento em que alguns proprietários aprovam convenção condominial não registrada no Cartório de Imóveis.

          É de ser ressalvado o direito dos proprietários assim organizados de cobrar do proprietário de lote as despesas dos serviços que àquele título fizeram em proveito dele, direta ou indiretamente, pena de enriquecimento sem causa. Recurso Provido." Ap s/ Rev. 495.732-00/0 - 3ª Câm. - 2º TACivSP - j. 23.12.1997 - Rel. Juiz João Saletti. (5)

          2. CONDOMÍNIO - Inexistência - Loteamento

          "Ementa: Demonstrado que o apelante não possui natureza jurídica de condomínio, aberto ou fechado, mas sim de loteamento, o mero registro de arremedo de convenção condomínial não pode alterar sua natureza jurídica, inexistente o condomínio, as assembléias tem mero caráter de reuniões civis." Ap. s/ Rev. 485.859-00/2 - 6ª Câm. - 2º TACivSP - j. 30.07.1997 - Rel. Juiz Carlos Stroppa. (6)

          3. DESPESAS CONDOMINIAIS - RESPONSABILIDADE - Obrigações propter rem.

          "Ementa: As despesas de condomínio constituem responsabilidade propter rem do proprietário, seqüela, portanto, que acompanha o bem, seja ele de quem for." Ap. s/ Rev. 481.960-00/4 - 6ª Câm. - 2º TACivSP - j. 11.06.1997 - Rel. Juiz Carlos Stroppa. (7)

          4. LOTEAMENTO - AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO CONDOMINIAL - Vias públicas.

          "Ementa: Deixando de lado a inaplicabilidade da Lei 4.591, o loteamento que se autodenomina condomínio não pode cobrar do morador a conservação e limpeza das ruas, porque estas, como bens de uso comum do povo, devem ser limpas e conservadas pelo Poder Público." Ap. s/ Rev. 486.090-00/0 - 8ª Câm. 2º TACivSP - j. 17.07.1997 - Rel. Juiz Narciso Orlandi. (8)

          5. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO - Loteamento - Infra-estrutura - Custos - Repasse - Contrato padrão - Compromisso de compra e venda.

          "Ementa Oficial: Direito Civil. Loteamento do solo urbano (Lei 6.766/79). Cláusula contratual que permite o repasse de custos das redes de água e esgoto aos adquirentes dos imóveis. Validade. Inexistência de vedação na Lei. Recurso provido.

          I - A Lei 6.766/79, que trata do parcelamento de solo urbano, não veda o ajuste das partes no tocante à obrigação de custear redes de águas e esgoto nos loteamentos, sendo válida, portanto, cláusula contratual que preveja o repasse dos custos de tais obras aos adquirentes dos lotes.

          II - O que a Lei 6.766/79 contempla, no seu artigo 26, são disposições que devem obrigatoriamente estar contidas nos compromissos de venda e compra de lotes, requisitos mínimos para a validade desses contratos, o que não significa que outras cláusulas não possam ser pactuadas. Em outras palavras, além das indicações que a lei prescreve como referências obrigatórias nos contratos, podem as partes, dentro das possibilidades outorgadas pela lei de pactuar o lícito razoável é possível, convencionar outras regras que as obriguem." REsp 43.735-SP - 4ª T. do STJ - j. 12.11.1996 - rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira - m.v. (9)

          6. BLOQUEIO DE MATRÍCULA - Condomínio deitado - Condomínio de Solo - Incorporação - Especificação - Loteamento - Princípio de Especialidade - Transcrição Antiga - Descrição imperfeita - Desmembramento - Disponibilidade quantitativa e qualitativa - Nulidade.

          "1. Admite-se descrição imperfeita constante de antigos registros desde que tal descrição seja mantida na abertura de matriculas, desde que haja elementos mínimos para determinar a situação do imóvel, e desde que o bem seja alienado ou onerado por inteiro.

          2. Gleba maior com descrição incompleta não pode originar glebas menores com descrições completas sem que haja anterior processo judicial de retificação.

          3. Não se admite a possibilidade de construção e incorporação de ‘condomínio deitado’ quando não exista vinculação do terreno a construção, ainda que esta seja apenas projetada ou licenciada na forma da lei.

          4. É possível o ‘loteamento fechado’, devendo ser aprovado em consonância com a Lei 6.766/79 e os bens de domínio público somente podem ser destinados ao uso exclusivo dos proprietários dos lotes de terreno por permissão ou concessão municipais, previstas em lei municipal própria. (grifo nosso).

          5. Para alteração da especificação do condomínio, exige-se a anuência da totalidade dos condôminos. Proc. 001536/96 - Campos de Jordão - DOJSP - 27.09.1996 - Parecer - Francisco Eduardo Loureiro. (10)

DESAFETAÇÃO - Área Institucional. Loteamento. Bem de uso comum do povo.

          "Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Desafetamento de área institucional de bem de uso comum do povo. Impossibilidade diante do artigo 180, VII, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade decretada." ADIn 35.918-0/0 - Orgão Esp. - TJSP - j. 11.06.1997 - Rel. Des. Cunha Bueno. (11)


CONCLUSÕES DO AUTOR

O loteamento fechado difere do loteamento convencional tão somente no tocante as áreas de domínio público, quanto ao demais é parcelamento de solo que tem previsão legal através da Lei 6.766/79.

O direito atribuído aos adquirentes de lote, nessa espécie de loteamento, decorre de ato da Administração, que pode ser conferido através da permissão de uso ou da concessão de uso pelo Município.

É importante que fique claro no projeto de loteamento, nele incluído as plantas, memoriais descritivos das áreas de domínio público e lotes, contrato padrão onde constarão por certo as restrições convencionais, Decreto Municicipal onde além das restrições legais, constem as convencionais, e porque não dizer o regulamento interno, esclarecimento detido do que se pretende no loteamento à ser aprovado pelo Município.

Tal acautelamento tem por escopo evitar "Ação Direta de Insconstitucionalidade", tendo por fundamento jurídico o desvio de finalidade dos bens públicos através da desafetação e por fundamento legal o contido no artigo 180, inciso VII, da Constituição do Estado de São Paulo.

Ainda que todas as cautelas possíveis, a ação referida poderá ser interposta.

Emprestadas palavras já escritas por José Carlos de Freitas, para melhor elucidar esse tópico:

"Sobre o tema, acompanhamos o Tribunal Paulista.

E mesmo que não tenham sido implantados os parques, jardins, áreas verdes e afins, ‘nada altera para eles a proteção criada pela legislação dos loteamentos, na medida em que a tutela ecológica se faz não só em relação a situação fática presente, mas também visando a implantação futura dos melhoramentos ambientais’, pois, caso contrário, ‘estar-se-á em franca afronta à proteção do meio ambiente, no que ele tem de maior realce para a vida cotidiana das pessoas, isto é, a garantia dos cidadãos, já tão frágil e incompleta, de viverem em condições mais favoráveis (ou menos desfavoráveis) de salubridade’.

A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, num primeiro momento, entendeu ser vedada a averbação de desafetação dessas áreas públicas. Hoje, prevalece posição contrária, de que não compete ao Juiz corregedor permanente nem ao registrador a verificação administrativa de eventual inconstitucionalidade de lei municipal autorizadora da desafetação, devendo, pois, ser feita a averbação. (grifo nosso).

Essa orientação, todavia, não inibe a discussão em sede de jurisdição contenciosa (ação direta de inconstitucionalidade ou ação civil pública)." (12)

Continuando em nossa conclusão, o ato da Administração Municipal que conferir esse direito aos adquirentes de lote em "loteamento fechado" deverá delimitar precisamente quais são esses direitos e quais os deveres da entidade associativa, que se responsabilizar pela manutenção das coisas comuns.

Essas associações formadas com o objetivo de manter as coisas públicas no loteamento fechado deverão ter seus preceitos estabelecidos em Regulamento Interno, delegando funções, atribuindo direitos e deveres, não somente aos proprietários, mas também aos moradores desse empreendimento.

O regulamento interno a que fazemos alusão é documento que tem por objetivo regular os direitos e deveres dos adquirentes dos lotes no "loteamento fechado".

Domina na Jurisprudência pátria o sentimento de suprir a lacuna deixada na lei, reconhecendo a cobrança das chamadas "despesas condominais", por analogia as despesas do condomínio especial, por essas associações.

Entendemos, entretanto ainda, que qualquer legislação municipal, que não seja específica para o caso concreto, mas que trate genéricamente dos "loteamentos fechados" é INCONSTITUCIONAL.

Não pode ser outra a interpretação desse preceito legal, senão haveria verdadeira burla a legislação federal que rege o parcelamento de solo urbano.

A constituição de 1.988, além de proclamar textualmente no artº 1º que o nosso Estado é do tipo federativo, afirma no artº 18:

"A organização política administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

Por conseqüência, a Constituição brasileira reparte competências entre as pessoas jurídicas de direito público interno que compõem o Estado brasileiro, repartição essa traçada pela constituição de 1988 de forma bastante complexa.

O que parece proporcionar nossa repartição de competências é a predominância do interesse, cabendo à União as matérias de interesse nacional ou geral, aos Estados as matérias de interesse regional e ao Município as de interesse local.

"Segundo José Afonso da Silva, é ainda muito difícil isolar o que seja de interesse nacional do que seja de interesse regional. Em face dessa dificuldade os Estados modernos utilizam outros princípios para repartir competências no Estado Federal. Reserva-se à União a legislação geral e aos Estados e Municípios a legislação supletiva, complementar, ‘a legislação dos pormenores que preenchem as lacunas ou desenvolvem os princípios gerais da legislação federal" (13)

Diante do aludido, fica evidente que somente a UNIÃO é competente para legislar sobre o parcelamento do solo urbano, cabendo ao MUNICÍPIO apenas legislar sobre matéria que for de interesse local.

Não pode o Município, utilizar-se como escudo o fato de ter o poder de regulamentar sobre a ordenação de seu território, no que tange aos aspectos urbanísticos para criar nova forma de parcelamento de solo, não previsto, vez que, não tem competência para legislar sobre o assunto.

"Loteamento fechado" é uma criação da sociedade que não tem escopo em legislação federal, cabendo a União, quando for o caso, legislar sobre a matéria.

Entretanto, resta-nos por consolo, a evidência de que a mutabilidade do direito sempre deflui de antecedente costume social que, por sua constância se transforma em efetiva norma legal.

Com o "loteamento fechado" não será diferente, o legislador chegará ao ponto de ficar acuado, e não tendo como mais protelar questão tão importante para a sociedade, regulamentará de forma definitiva tal questão.

Esperamos que as falhas que se observam historicamente na legislação que trata do parcelamento do solo no Brasil, quando da elaboração desse texto legal, sejam levadas em consideração.

Por fim, é preciso que frisemos que, todos os mecanismos para a estruturação legal do "loteamento fechado" estão presentes em nossa legislação esparsa, cabendo apenas ao legislador o trabalho de aprimoramento do sistema para que o parcelamento de solo tenha a conotação legal que socialmente, desde os tempos mais remotos, em todas as civilizações conhecidas, sempre teve.


NOTAS

  1. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Municipal Brasileiro. Citado por MEIRELLES, Hely Lopes Loteamento Fechado, Revista de Direito Imobiliário nº 9 - janeiro-junho de 1982, São Paulo, RT.
  2. SILVA, José Afonso da, Direito Urbanístico Brasileiro, 1ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1981, pp. 400-402.
  3. PEREIRA, Caio Mário da Silva, Condomínio e Incorporações, Forense, 1965, p. 59.
  4. SILVA FILHO, Elvino, Loteamento fechado e condomínio deitado, Revista de Direito Imobiliário nº 14 - julho-dezembro de 1984, São Paulo, Ed., Revista dos Tribunais.
  5. Revista de Direito Imobiliário nº 42 - setembro-dezembro de 1997, São Paulo, RT, p. 208
  6. Revistra de Direito Imobiliário nº 42 - setembro-dezembro de 1997, São Paulo, RT, p. 210vº.
  7. Revistra de Direito Imobiliário nº 42 - setembro-dezembro de 1997, São Paulo, RT, p. 211.
  8. Revista de Direito Imobiliário nº 42, setembro-dezembro de 1997, São Paulo, RT, p. 212.
  9. Revista de Direito Imobiliário nº 41 - maio-agosto de 1997, São Paulo, RT, p. 108.
  10. Revista de Direito Imobiliário nº 41, maio-agosto de 1997, São Paulo, RT, p.153.
  11. Revista de Direito Imobiliário nº 46, janeiro-junho de 1999, São Paulo, RT, p.245.
  12. FREITAS, José Carlos de, Bens Públicos de loteamentos e sua proteção especial, Revista de Direito Imobiliário nº 46 - janeiro-junho de 1999, São Paulo, RT, p. 189.
  13. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, citado por FERRARI, Regina Maria Macedo Nery, Controle da constitucionalidade das leis municipais, 2ª ed. , S.Paulo, RT. p.35.

BIBLIOGRAFIA

1. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery, Controle da constitucionalidade das leis municipais, 2ª ed., 1994, São Paulo, ed. RT.

2. FREITAS, José Carlos de, Bens Públicos de loteamentos e sua proteção especial, Revista de Direito Imobiliário nº 46 - IRIB - janeiro-junho de 1999, São Paulo, ed., RT.

3. IRIB - Revista de Direito Imobiliário nº 41 - maio-agosto de 1997, São Paulo, ed., RT. , pgs. 108 e 153.

4. IRIB - Revista de Direito Imobiliário nº 42 - setembro-dezembro de 1997, São Paulo, ed., RT. , pgs. 208, 210vº, 211 e 212.

5. IRIB - Revista de Direito Imobiliário nº 46 - janeiro-junho de 1999, São Paulo, ed., RT. , p. 245.

6. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Municipal Brasileiro, citado por MEIRELLES, Hely Lopes, Loteamento Fechado, Revista de Direito Imobiliário nº 9 - IRIB - janeiro-junho de 1982, São Paulo, ed., RT.

7. NEGRÃO, Theotonio, com a colaboração de GOUVÊA, José Roberto Ferreira, Código Civil e legislação civil em vigor, 18ª ed. , atualizada até 5 de janeiro de 1999, ed., Saraiva.

8. OLIVEIRA, Juarez de, Constituição da República Federativa do Brasil, 15ª ed., 1995, São Paulo, ed., Saraiva.

9. PEREIRA, Caio Mário da Silva, Condomínio e Incorporações, 1965, ed., Forense.

10. SILVA FILHO, Elvino, Loteamento fechado e condomínio deitado, Revista de Direito Imobiliário nº 14 - IRIB - julho-dezembro de 1984, São Paulo, ed., RT.

11. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª ed., revista, 1995, São Paulo, Malheiros Editores.

12. SILVA, José Afonso da, Direito Urbanístico Brasileiro, 1ª ed., 1981, São Paulo, ed., RT.


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Texto elaborado originalmente como trabalho para Curso de Mestrado da Universidade Metodista de Piracicaba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINI, Celso. Loteamentos fechados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/582. Acesso em: 28 mar. 2024.