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A capitalização de juros

A capitalização de juros

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A capitalização de juros, também chamada de anatocismo, ocorre quando os juros são calculados sobre os próprios juros devidos. É proibida pelo art. 4º do Decreto 22.626/33, excetuando-se o caso das instituições financeiras, que podem exigir a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, diante do que foi autorizado pela MP 1.963-17/2000.

A capitalização de juros, também chamada de anatocismo, ocorre quando os juros são calculados sobre os próprios juros devidos. Outras denominações para “capitalização de juros”: “juros sobre juros”, “juros compostos” ou “juros frugíferos”. Normalmente, os juros capitalizados estão presentes nos contratos de financiamento bancário.

Capitalização dos juros significa juros compostos, em oposição aos juros simples. Enquanto naqueles os juros se incorporam ao capital ao final de cada período de contagem, nestes tal não ocorre. No caso de se incorporar, a taxa de juro do novo período incidirá sobre o quantum de juros do período anterior, porque incide sobre o capital total (capital inicial mais o juro que a ele se incorporou). É chamada capitalização de juros porque é a ação de tornar os juros em capital.

Ensinou Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro, 8ª edição, São Paulo, Saraiva, 2011, pág. 409):

“O anatocismo consiste na prática de somar os juros ao capital para contagem de novos juros. Há, no caso, capitalização composta, que é aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Em resumo, pois, o chamado ‘anatocismo’ é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos.”

Sabe-se que o Decreto 182, de 5 de janeiro de 1938, proibiu a prática de anatocismo, já vedada pelo artigo 253 do Código Comercial.

Não permitiu o Decreto 22.626, a cobrança de juros de juros, reprimindo assim anatocismos. Ficou proibida a utilização de juros compostos.

O anatocismo é considerado capitalização de juros. Dessa forma o Decreto 22.626, chamada de  Lei de Usura, proibiu a contagem de juros dos juros.

Camilo Nogueira da Gama (Penhor rural, 2ª edição, n. 38) interpretou o citado diploma como não proibindo a capitalização quando expressamente estipulada. Contra essa opinião tivermos a posição de Orozimbo Nonato, alegando que a vedação se caracterizava (RE 17.785).

A matéria foi objeto da Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, onde se dizia que: É vedada a capitalização de juros ainda que expressamente convencionada.

Em vários julgamentos o Supremo Tribunal federal ratificou a citada Súmula (RTJ 92/1; 341,89/608 e 99/854). Admitiu-se a sua não incidência quando lei especial adote critério de fixação e contagem de juros, como ensinou o Ministro Djaci Falcão, no julgamento do RE 96.875, RTJ 108/282.  

Tal opinião ficou assente na Súmula 596 do STF.

Dizia-se nessa Súmula que as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privados, que integram o sistema financeiro nacional.

Entendeu-se que essa Súmula não afasta a aplicação da Súmula 121 (RE 100.336, Relator Ministro Néri da Silveira, DJU de 24 de maio de 1985).

A razão da Súmula 121/STF não é outra senão vedar a remuneração absurda que a fórmula financeira desenvolvida pelo pastor protestante inglês Richard Price, produz num contrato de empréstimo de qualquer espécie (cheque especial, CDC, financiamento habitacional, capital de giro, empréstimos, crédito consignado, etc.). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, editou a Súmula 93 na matéria.

Ali ficou dito que a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros. Isso porque o Decreto-lei 167, artigo 5º , admitia, especialmente, a capitalização.

Embora o Supremo Tribunal tenha decidido que a lei n° 4.595/64 derrogou a Lei da Usura no tocante ao limite da taxa de juros para instituições financeiras (súmula n° 596], a Lei de Reforma Bancária não derrogara a Lei da Usura no tocante à proibição da capitalização de juros. Somente seria possível a capitalização quando lei especial a permite, como as leis que disciplinam o crédito rural, crédito industrial e crédito comercial, desde que seja também pactuada (lei que permita é requisito necessário mas não suficiente). Nesse sentido se editou a súmula n° 93 do Superior Tribunal de Justiça: “A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”.

Podem-se citar duas ementas, a exemplo, que resumem a posição atual do Superior Tribunal de Justiça neste tema:

“DIREITOS COMERCIAL E ECONÔMICO. FINANCIAMENTO BANCÁRIO. JUROS. TETO DE 12% EM RAZÃO DA LEI DE USURA. INEXISTÊNCIA. LEI 4.595/64. ENUNCIADO DA SÚM. 596/STF. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. EXCEPCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. ENUNCIADO DA SÚM. 282/STF.

I – [...]

II – Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por Lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei 4.595/64 o art. 4° do DEC 22.626/33. O anatocismo, repudiado pelo verbete da Súm. 121/STF, não guarda relação com o enunciado da Súm. 596 da mesma Corte. [...]” [RESP n° 164935/RS, decisão de 16/06/1.998, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira]

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça publicou a Súmula 539, onde se dizia que “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31 de março de 2000, desde que expressamente pactuada”. A matéria foi objeto de julgamento nos REsp 1.112.879; REsp 1.112.880 e REsp 973.827.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, no rito dos recursos repetitivos, o entendimento de que a capitalização de juros (conhecida como juros sobre juros) nos contratos de mútuo somente é possível com previsão contratual.

A seção já havia reconhecido, em 2015, a necessidade de prévia pactuação nos contratos para a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual, jurisprudência que foi consolidada na Súmula 539 do STJ, onde se dita que é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, a partir de 31 de março de 2000 (MP 1.963-17/2000, reeditada como MP 2.170 – 36/2001), desde que expressamente pactuada.

Segundo o ministro relator do processo, Marco Buzzi, a capitalização de juros é permitida, mas exige a anuência prévia do mutuário, que deve ser informado das condições antes de assinar um contrato com a instituição financeira.

O ministro destacou que a previsão legal da cobrança não significa que ela seja automática, como defenderam o banco HSBC e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que atuou como amicus curiae no processo.

 “A existência de uma norma permissiva, portanto, é requisito necessário e imprescindível para a cobrança do encargo capitalização, porém não suficiente/bastante, haja vista estar sempre atrelado ao expresso ajuste entre as partes contratantes, principalmente em virtude dos princípios da liberdade de contratar, da boa-fé e da adequada informação”, argumentou o ministro.

A exceção, que ainda está sendo discutida no STJ, são os financiamentos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) que utilizam a Tabela Price. No REsp 951.894, afetado como recurso repetitivo, a Corte Especial vai decidir sobre a existência ou não da capitalização de juros na própria fórmula matemática da Tabela Price.

O Superior Tribunal de Justiça, como maior guardião da lei federal, ainda publicou a Súmula 541 onde se vê:

Súmula 541

“A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” (REsp 973.827 e REsp 1.251.331).

Consagrou-se o entendimento de que a taxa mensal contratada, multiplicada por doze, superando a taxa anual pactuada, resultará na conclusão de que foram pactuados juros capitalizados mensalmente. Sendo esse entendimento, é permitida a cobrança de juros capitalizados em periodicidade mensal, desde que expressamente pactuada, o que ocorrerá quando a taxa anual de juros ultrapassarem o duodécuplo da taxa mensal.

Tem-se que, no direito brasileiro, a capitalização anual de juros é permitida, podendo ser cobrada, mesmo por quem não for instituição financeira, a teor do artigo 591 do Código Civil.

É proibida pelo art. 4º do Decreto 22.626/33 a capitalização de juros, excetuando-se o caso das instituições financeiras que podem exigir a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, diante do que foi autorizado pela MP 1.963 – 17/2000. 

A atual jurisprudência do STJ vem admitindo a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, com base no art. 5° da Medida Provisória n. 2.170-36/01, mas somente se assim tiver sido expressamente pactuado como exemplifica o seguinte precedente:

“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO REGIMENTAL – CONTRATO BANCÁRIO – FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – JUROS REMUNERATÓRIOS – COMPENSAÇÃO DE VALORES – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA 284/STF – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS – PACTUAÇÃO – COMPROVAÇÃO – SÚMULA 7/STJ – DESPROVIMENTO.

1 – Com relação à limitação dos juros remuneratórios, à comissão de permanência e à compensação, a decisão ora atacada ressaltou a deficiência na fundamentação, porquanto o recorrente não indicou qualquer dispositivo legal tido por violado. Aplicável, portanto, a Súmula 284/STJ. Precedentes.

2 – Este Tribunal já proclamou o entendimento no sentido de que, nos contratos firmados posteriormente à edição da MP 1.963-17/2000, de 31 de março de 2000 (atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001), admite-se a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente pactuada. In casu, não restou comprovada a pactuação da capitalização mensal nos autos, nas instâncias ordinárias, de forma que correto o afastamento de sua cobrança. Ademais, no que pertine à prova de previsão contratual, esta Corte entende que a discussão acerca da existência de tal encargo exige o reexame do conjunto fático-probatório, absolutamente vedado nesta seara, a teor da Súmula nº 07/STJ.

3 – Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp 741906, Ministro JORGE SCARTEZZINI, T4 – QUARTA TURMA, 03/11/2005, DJ 21.11.2005 p. 257).

Lembro, por fim, que o Supremo Tribunal Federal declarou, em 2015, a legalidade da cobrança de juros sobre juros em operações de crédito com prazos inferiores a um ano. Os ministros julgaram um recurso em que se discutia a constitucionalidade da medida provisoria já noticiada, editada em 2000, que prevê a capitalização de juros nesses prazos.

No julgamento, não se discutiu a possibilidade de haver capitalização de juros nas operações inferiores a um ano, mas sim se os requisitos de relevância e urgência, necessários a edição das MPs, estavam presentes no momento da edição do ato normativo. A questão da capitalização mensal de juros é objeto de outro processo em tramitação no STF, a ADIn 2316, que está pendente de conclusão.

Como foi declarada a repercussão geral sobre o tema, a decisão vale ainda para mais 13,5 mil ações judiciais sobre o mesmo tema.

O relator , ministro Marco Aurélio Mello, votou pela inconstitucionalidade da medida provisória. Mello opinou para “suspender a eficácia da medida provisória” que, mesmo após 14 anos, não foi convertida em lei ou rejeitada. Ele disse que a regra foi “editada para viger por período limitado”. Para o relator, não foram constatados os requisitos de urgência e relevância para que a medida provisória fosse editada. O julgamento foi feito no bojo do RExt 592.377.

O ministro Teori Zavascki discordou do retor, avaliando que a norma era relevante por tratar de regulações de operações do sistema financeiro. Para o ministro Teori, declarar a inconstitucionalidade da medida seria atuar sobre o passado, atingindo milhares de operações financeiras. Apenas o relator votou pela inconstitucionalidade da norma citada.

Em verdade, a medida provisória trouxe uniformidade ao tema, pois antes havia um cenário incerto na matéria, em prejuízo do princípio da segurança jurídica.

A jurisprudência tem casos recentes de vedação à capitalização de juros, como no caso do FIES. Consoante informou o site Migalhas, em 9 de junho de 2017.

O TRF da 3ª região deu parcial provimento a uma apelação e decidiu que não cabe capitalização dos juros no Contrato de Abertura de Crédito para FIES - Financiamento Estudantil.

"Além da impossibilidade de capitalização dos juros, a autora da ação alegava que nesse tipo de contrato devem ser aplicadas as normas do CDC para exclusão de cláusulas que considerava abusivas, tais como a pena convencional de 10% sobre o valor do débito apurado em caso de inadimplemento.

Citando jurisprudência consolidada do STJ, a relatora, desembargadora Federal Cecília Mello, disse que não se admite a capitalização de juros nos contratos de crédito educativo pelo fato de não haver norma específica autorizando a aplicação de tal espécie remuneratória. Dessa forma, considera-se nula a cláusula contratual que permite a capitalização mensal dos juros.

Todavia, segundo a magistrada, na mesma decisão do STJ (REsp 1.155.684), ficou definido que não se aplicam as disposições do CDC aos contratos de FIES.

Assim, a decisão entendeu que as demais cláusulas apontadas como abusivas pela autora também devem permanecer válidas, pois estão redigidas de acordo com a legislação e também porque o princípio da força obrigatória dos contratos deve prevalecer, já que não foi constatado nenhum vício na elaboração do contrato."


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A capitalização de juros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5108, 26 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58375. Acesso em: 28 mar. 2024.