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Apreensão de veículo por atraso de pagamento do IPVA é ilegal e abusivo

Apreensão de veículo por atraso de pagamento do IPVA é ilegal e abusivo

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O Estado pode apreender veículo por atraso de pagamento do IPVA? Não seria ofensa ao princípio da proibição do tributo com efeito de confisco? A apreensão sumária não atenta contra o devido processo legal?

“A democracia, longe de exercitar-se apenas e tão somente nas urnas, durante os pleitos eleitorais, pode e deve ser vivida contínua e ativamente pelo povo, por meio do debate, da crítica e da manifestação em torno de objetivos comuns" (Ministro Luiz Fux)

RESUMO:  O presente ensaio tem por escopo precípuo analisar, de forma não exauriente, a ilegalidade da apreensão dos veículos automotores por atraso no pagamento de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. Visa, ainda, a analisar todos os princípios derivados do superprincípio do devido processo legal, de viés fundamental, artigo 5º, inciso LIV, segundo o qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Palavras-Chave: Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores. Atraso de pagamento. Devido processo legal. Autoridade de Trânsito. Apreensão de veículos. ilegalidade. Abuso de autoridade. Configuração.

Resumen: este ensayo pretende analizar eventual no exauriente la ilegalidad de la incautación de vehículos de motor por demora en el pago de impuestos sobre la propiedad de vehículos de motor. Visa sigue analizando todos los principios derivados de la superprincípio del debido proceso, sesgo fundamental, artículo 5, apartado LIV, por el que nadie podrá ser privado de libertad o de su propiedad sin el debido proceso.

Palabras clave: impuesto sobre la propiedad del vehículo de Motor. Retraso en los pagos. Debido proceso de ley. Autoridad de tránsito. Incautación de los vehículos. ilegalidad. Abuso de autoridad. Configuración.

SUMÁRIO:   1. DAS NOTAS INTRODUTÓRIAS. 2. DA APREENSÃO PREVISTA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. 3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 230 DO CTB. 3.1. Princípio da legalidade.  3.2. Princípio do não confisco. 3.3. Da matéria sumular do Supremo Tribunal Federal. 3.4. Direito de Propriedade. 3.5. Princípio da dignidade da pessoa humana. 3. 6. Da violação ao sagrado Direito ao Trabalho. 3.7. Princípio do devido processo legal. 4.  DO PROCEDIMENTO CORRETO ESTATAL DO ATRASO DO IPVA. 5. DAS AÇÕES PROPOSTAS PELO CONTRIBUINTE LESADO. 6. DO PROJETO DE LEI nº 4.276 EM MINAS GERAIS. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. DAS  NOTAS  INTRODUTÓRIAS.

É legal apreender veículo com tributos em atraso em uma blitz da polícia?

Em Minas Gerais – Estado que atrasa o pagamento dos servidores públicos, desrespeita o cidadão e avilta a Administração Pública, viola acintosamente as normas da Organização Internacional do Trabalho, notadamente a Convenção nº 117 da OIT, que estabelece as medidas necessárias para assegurar que todos os salários ganhos sejam devidamente pagos aos empregados e servidores, além da Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, no seu § 1º, artigo 459, que prevê normas fixando como dia do pagamento, o 5º dia útil do mês subsequente ao do vencimento, retém dolosamente os salários de parte dos servidores, pratica apropriação indébita, comete ato de improbidade administrativa, art. 11 da Lei nº. 8.429/92, às vezes com o beneplácito do sistema de Justiça – o governo opressor determina a intensificação das blitze para apreender veículos automores que estão em atraso com o Imposto sob propriedade de veículos automotores, o famigerado Imposto sobre a Propriedade de Veículos  Automotores.

IPVA é um imposto cobrado anualmente pela Receita Estadual. A divisão do bolo tributário é baseado no artigo 158, inciso III,  da Constituição da República de 1988.

Destarte, metade do dinheiro arrecadado fica no município no qual o veículo foi emplacado, a outra parte vai para os cofres públicos para ser aplicado em diversas áreas, como saúde e educação.

O correto mesmo é que todos pagassem seus impostos rigorosamente em dia, e que houvesse contrapartida por parte do estado, em especial aplicação na saúde, educação e segurança pública, sem desvios e sem corrupção.

No caso do IPVA, o interessante seria que o estado cuidasse bem das estradas e das rodovias para evitar os acidentes que vitimizam milhares de pessoas anualmente.

Pois bem. O Certificado de Registro e Licenciamento de veículo é um documento expedido pelo DETRAN, e que concede o direito de livre circulação do veículo automotor.

Trata-se de um documento de porte obrigatório, que deve ser apresentado à autoridade de trânsito sempre que for solicitado, sob penas administrativas, como multa, perda de pontos na carteira e apreensão do veículo em caso do não licenciamento.

Destarte, o artigo 133 da Lei nº 9.503/97 dispõe sobre a obrigatoriedade do porte do Certificado de Licenciamento Anual, sendo o porte dispensado quando, no momento da fiscalização, for possível ter acesso ao devido sistema informatizado para verificar se o veículo está licenciado, com nova redação determinada pela Lei nº 13.281, de 2016.


2. DA APREENSÃO PREVISTA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

A lei nº 9.503/97, que define o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 230, determinada as medidas administrativas, em caso da não emissão do documento para o exercício atual.

Art. 230. Conduzir o veículo:

V – que não esteja registrado e devidamente licenciado; Infração – gravíssima; Penalidade – multa e apreensão do veículo; Medida administrativa – remoção do veículo

Desta feita, o Estado condiciona a emissão do licenciamento à quitação do tributo. Trata-se de norma cogente, mas abusiva e arbitrária.


3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 230 DO CTB

A norma do artigo 230 do CTB é contaminada pelo vício da inconstitucionalidade, devendo ser impugnada por qualquer juiz de direito, no controle difuso da constitucionalidade da norma.

E por que a norma é inconstitucional?

Passaremos a enfrentar os argumentos principiológicos acerca do alegado.

3.1. Princípio da legalidade

A Constituição da República aduz no seu artigo 5º, inciso II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.

O excelso professor Rafael Rocha, ensina com maestria que:

"Existe um princípio no Direito administrativo – o princípio da legalidade – que diz que a Administração pública (Federação, Estado e Município) só pode fazer o que está na Lei, e o administrado (pessoas físicas ou jurídicas) pode fazer tudo que a Lei não proíbe. Nesse sentido, percebe-se que o Estado, ao apreender um veículo por estar com IPVA atrasado, age em total desacordo com a legalidade".

Como bem leciona Hely Lopes Meirelles:

 “a legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.

3.2. Princípio do não confisco

Juridicamente falando, confisco é o ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença judicial, fundados em lei.

Para Goldschmidt, confisco é “o ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, o confisco apresenta o caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contrário à lei.”

A Constituição da República estabelece em seu artigo 150, inciso IV, o Princípio do Não-Confisco Tributário, assim redigido:

“sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.

3.3. Da matéria sumular do Supremo Tribunal Federal

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, já enfrentou a questão em apreço, firmando entendimento pelo impedimento de tal medida, ao julgar inconstitucional o Estado apreender bens com o fim de receber tributos.

Senão vejamos:

SÚMULA 70 - É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

SÚMULA 323 - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

SÚMULA 547 - Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Denota-se que súmulas suprarreferidas são radicalmente contrárias à realização de blitz com a finalidade de apreender veículos com atrasos em pagamento do IPVA, por ser cabalmente inconstitucional.

Por analogia, é como se o cidadão contribuinte não pagasse o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbano - IPTU, e o município tivesse que expulsar o morador de sua residência, colocar os seus móveis para fora da casa, porque deixou de pagar o imposto.

3.4. Direito de Propriedade

Percebe-se, claramente, que a Constituição da República de 1988, eleva à categoria de direito fundamental, à propriedade, assim, descrevendo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII – é garantido o direito de propriedade.

Por sua vez, o Código Civil, regulamenta o direito de uso da propriedade, em seu artigo 1.228, in verbis:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Destarte, o direito à propriedade recebe proteção constitucional, como direito fundamental, é protegido pelo Código Civil, quando consagrada o seu pleno uso, assegurando a legítima defesa pelo desforço imediato, desde que o faça logo e ainda pelo direito penal, artigo 161, quando tipificada a conduta de alteração de limites ou esbulho possessório, e ainda enumera outras tantas lesões delitivas, sendo, portanto, crimes contra o patrimônio.

3.5. Princípio da dignidade da pessoa humana

A Carta Magna, logo no seu artigo 1º deflagra:

Art. 1º- A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, assinala o princípio da humanidade e da dignidade já no seu preâmbulo:

"Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (…). Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (…).

INGO SARLET define dignidade da pessoa humana da seguinte forma:

(…) por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humano (…).

Num caso concreto, imagina-se a cena de uma abordagem policial a um veículo cujo condutor esteja transportando sua família, e constata que o condutor está inadimplente com o pagamento do IPVA. Logo, o carro é apreendido e acionado o guincho, e de repente se forma uma aglomeração, por exemplo, numa praça pública, no centro da cidade, e a família, com filhos menores, com bagagens se desloca a pé sob os olhares censurados do público, com ensaios de vaias e risos cínicos da população, e todo mundo ali documentado todo o acontecimento para postarem nas redes sociais, e num pequeno espaço de tempo o mundo todo toma conhecimento dessa cena. Aqui estão confiscados os bens, a imagem, a honra, a dignidade, a intimidade, e toda sorte do direito de personalidade do cidadão e de sua família. Existe constrangimento maior que isso?

3. 6. Da violação ao sagrado Direito ao Trabalho.

Trabalho é um dos direitos do cidadão brasileiro, assegurado pelo artigo 6º da Constituição da República, de 1988.

Quando se aprende um veículo táxi ou uma motocicleta utilizada como mototáxi, de um trabalhador, o estado acaba por decretar a pena de morte da família deste trabalhador.

Contribui para engrossar os quase 14 milhões de desempregados neste país da impunidade e da ingovernabilidade.

3.7. Princípio do devido processo legal.

O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República anuncia que " ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal."

O devido processo legal é garantia de liberdade, é um superprincípio que emanam os subprincípios da ampla defesa, do contraditório, da liberdade de locomoção, da igualdade, da paridade de armas, além de outros.

O devido processo legal, derivado da fórmula do due process of law, ainda conta com a adesão da Declaração dos Direitos Humanos de 12 de dezembro de 21948 e Pacto de São José da Costa Rica, consoante enunciados infracitados, curiosamente informados ambos no artigo 8º:

Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Art. 8º Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

Pacto de São José da Costa Rica: Art. 8º – “Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (…)”

O devido processo legal, se materializa através das direitos fundamentais:

1) da segurança jurídica do processo

2) do acesso à jurisdição

3) da igualdade processual material

4) do contraditório

5) da ampla defesa

6) do duplo grau de jurisdição

7) da justiça da decisão e, finalmente

8) da duração razoável e da efetividade do processo


4.  DO PROCEDIMENTO CORRETO ESTATAL DO ATRASO DO IPVA.

A meu sentir, em havendo atraso no pagamento de tributos atinentes ao IPVA, deveria o Estado lançar mão da Ação de Execução Fiscal para cobrar aquilo que lhe é devido, e não confiscar arbitrariamente os bens do contribuinte.

O correto é proceder como ocorre no caso de IPTU. O município protesta e deflagra a ação de cobrança fiscal.

Assim, a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, conforme prevê os artigos 1º e 2º, do referido estatuto normativo, in verbis:

Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de maço de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.

§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.


5. DAS AÇÕES PROPOSTAS PELO CONTRIBUINTE LESADO

Todo cidadão, que teve ou vai ter seu veículo apreendido numa blitz da Policia, primeiro deve lançar mão de uma ação de restituição do veículo, pleiteando a liberação das taxas de guincho e das despesas com as diárias do depósito. Deve em seguida propor ação contra o Estado, com fincas no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Destarte, deve o estado responder por danos materiais e morais, cumulativamente, Súmula 37 do STJ.

Danos materiais, porque o veículo fica normalmente exposto a chuva e sol, e acaba sofrendo avarias.

Se no momento da restituição o veículo estiver faltando algum acessório, como para-brisas, equipamento de som, diminuição de combustível, algumas peças, ou até mesmo arranhões, deve o servidor responder por peculato-apropriação ou desvio, artigo 312 do Código Penal, que prevê pena de reclusão e veto de dosimetria de 02 a 12 anos de prisão.

Danos morais pelo tamanho da dor e sofrimento do condutor e sua família em face do constrangimento e do vexame que passou vendo seu bem apreendido arbitrariamente pelo Estado.

E ainda indenização pelos lucros cessantes, em razão tempo que ficou sem o seu veículo.

O carro deixou de ser objeto de luxo e passou a ser necessidade da família. É nele que o trabalhador vai ao trabalho, ou leva filhos à escola, faz feiras, realiza compras, viagens ou ainda o utiliza como instrumento de trabalho como no caso dos taxistas ou mototaxistas.


6. DO PROJETO DE LEI Nº 4.276 EM MINAS GERAIS

Segundo matéria divulgada no Portal O Tempo, em 15 de junho de 2017, da repórter Aline Diniz:

Um Projeto de Lei (PL) que começa a tramitar na Assembleia Legislativa pode mudar essa situação e evitar que os inadimplentes fiquem pé. Se o PL 4.276 virar lei, a emissão do documento não poderá mais estar ligada ao pagamento do imposto, e a apreensão de veículos será vetada.

Segundo o deputado estadual Alencar da Silveira Jr. (PDT), autor da proposta, uma lei estadual de 2003 determina que nenhum veículo possa ser licenciado sem o pagamento do IPVA. O parlamentar argumenta, no entanto, que a Constituição proíbe que Estado, União e municípios usem tributos com efeito de confisco de bens. “É ilegal a apreensão de veículos com o intuito coercitivo de cobrar o imposto. Para burlar isso, o Estado condiciona a liberação do documento ao pagamento do IPVA, ou seja, vão ter o carro recolhido por não terem o CRLV, por causa do débito com o IPVA

Apresentaremos o referido projeto de lei, para melhor elucidação:

PROJETO DE LEI Nº 4.276/2017

Dispõe sobre a proibição de recolhimento, retenção ou apreensão do veículo pela identificação do não pagamento do imposto.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Não haverá recolhimento, retenção ou apreensão do veículo pela identificação do não pagamento do imposto, exceto, se existir outra hipótese de recolhimento ou retenção prevista na Lei Federal 9.503/97.

Parágrafo único – O não pagamento do imposto, até as datas limites fixadas, sujeita o infrator às penalidades estabelecidas na Seção VII, Arts. 99 a 101 da Lei Estadual nº 7.799 de 19 de dezembro de 2002, bem como a lavratura do competente auto de infração, por servidor do Estado com Poder de Polícia, a ser realizada no local onde se verificou o débito.

Art. 2º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Sala das Reuniões, 15 de maio de 2017.
Deputado Alencar da Silveira Jr. – PDT

Justificação: O IPVA, imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, pode ser definido como um tributo sobre a propriedade de veículos sujeitos a registro e licenciamento, tem previsão constitucional e é cobrado anualmente pela Receita Estadual. No entanto, essa conduta é arbitrária e ilegal, pois tem o intuito coercitivo de cobrança do tributo.

Nesse sentido, confisco é o ato pelo qual se apreendem ao fisco bens pertencentes a outrem. Assim, a Constituição Federal determina em seu Art 150, IV que: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – utilizar tributo com efeito de confisco”.

Dessa forma, fica claro que o princípio do não confisco garante que o Estado não pode utilizar os tributos para retirar os bens do cidadão, e até mesmo o STF já tratou dessa questão, no sentido de considerar inconstitucional apreender bens com o fim de receber tributos:

“Súmula nº 70: É INADMISSÍVEL A INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO MEIO COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO.”.

“Súmula nº 323: É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS.”.

“Súmula nº 547: NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DÉBITO ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS.”.

Por que seria diferente com os veículos?

Ademais, o Art. 5º da Carta Magna, garante, à inviolabilidade do direito à propriedade, a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Ou seja, o Estado é limitado ao exercer desapropriação e proibido de realizar confisco através de impostos. Destarte, apesar de toda legislação vigente, é comum que haja apreensão de veículos em blitz, por falta de pagamento de IPVA, constrangendo os proprietários de veículos a verem seus carros sendo levados para o pátio do DETRAN, carregados por um guincho.

No Supremo Tribunal Federal, vozes como a do Ministro Maurício Corrêa (ADIN 1.654-7 AP), seguido de votação unânime na casa no caso em que julgou-se constitucional uma norma que impedia a apreensão do veículo por débito de IPVA, é brilhante: “Inaceitável, como visto, que o simples débito tributário implique apreensão do bem, em clara atuação coercitiva para obrigar o proprietário do veículo a saldar o débito. O ordenamento positivo disciplina as formas em que se procede à execução fiscal, não prevendo, para isso, a possibilidade de retenção forçada do bem. Correta a lei, portanto, ao obstar a ação estatal que claramente seria abusiva, ilimitando a sanção ao não licenciamento, tema afeto à regularidade do veículo para fins de circulação e regulado por lei federal.”.

Observa-se que não há forma de se ilidir ou desafiar o Direito de Propriedade em razão do atraso no pagamento de Imposto, sobretudo, do IPVA. O Estado dispõe de meios coercitivos próprios e legítimos para cobrança de tributos, como é o caso da inscrição em dívida ativa e execução fiscal, sendo inadmissível o recolhimento do veículo para que o proprietário se veja obrigado e coagido em pagar o tributo. Se utilizarmos da comparação, seria a mesma situação se o Estado expulsasse os proprietários de uma residência por atraso no IPTU, ou ainda, de forma ainda mais esdrúxula, seria como o recolhimento do veículo pelo não pagamento de multa, que também é um tributo.

Por certo, o procedimento adequado para a cobrança em caso de inadimplemento de tributo, inclusive o IPVA, seria a notificação do contribuinte, instauração de procedimento administrativo fiscal, onde seria assegurado a ampla defesa e contraditório e em seguida, se esgotada a fase administrativa com a constituição definitiva do crédito tributário, a inclusão do débito em dívida ativa.

A partir da análise supracitada, em uma leitura sistemática, evitando que a prática administrativa, mesmo que completamente equivocada, se torne cotidiana, não parece restar dúvidas sobre a inconstitucionalidade e o completo desamparo jurídico existe no recolhimento do veículo pelo atraso no pagamento do Imposto sobre propriedade de Veículo Automotor.

– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Defesa do Consumidor e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c artigo  102, do Regimento Interno.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

"(...) Num caso concreto, imagina-se a cena de uma abordagem policial a um veículo cujo condutor esteja transportando sua família, e constata que o condutor está inadimplente com o pagamento do IPVA. Logo, o carro é apreendido e acionado o guincho, e de repente se forma uma aglomeração, por exemplo, numa praça pública, no centro da cidade, e a família, com filhos menores, com bagagens se desloca a pé sob os olhares censurados do público, com ensaios de vaias e risos cínicos da população, e todo mundo ali documentado todo o acontecimento para postarem nas redes sociais, e num pequeno espaço de tempo o mundo todo toma conhecimento dessa cena. Aqui estão confiscados os bens, a imagem, a honra, a dignidade, a intimidade, e toda sorte do direito de personalidade do cidadão e de sua família. Existe constrangimento maior que isso?(...)

De tudo que ficou exposto, fica claro que vivemos num modelo de estado de direito, onde todos devem obediência às normas jurídicas.

Não se fecha os olhos para a necessidade de o estado de cumprir os seus fins sociais. Mas não se ignora que a bilateralidade normativa exige lealdade de via dupla. Se ao cidadão cabe cumprir com sua responsabilidade, ao estado também não é permitido transgredir a lei, sob pena de se tornar mostro da própria sociedade.

Assim, é assegurado a todo cidadão a livre a circulação, com ou sem os seus bens.

Voltando ao tema central, a Carta Magna proíbe de forma peremptória, no artigo 150, inciso IV, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a utilização de tributo com efeito de confisco.

E o ente estatal que apreende um veículo com atraso no pagamento de IPVA, comete ato abusivo e arbitrário, uma espécie e execução indireta na cobrança dos tributos.

Imagina se cada Município resolvesse confiscar a casa de cada morador por atraso de pagamento de IPTU?

Como ficou explicitado, a apreensão de veículos por falta de pagamento de tributos afronta o princípio do devido processo legal, nas suas ramificações da legalidade e dignidade da pessoa humana, além de vilipendiar os direitos inerentes ao trabalho e à propriedade.

Como bem salientou a justificativa do projeto de lei Nº 4.276/2017,

(...) Observa-se que não há forma de se ilidir ou desafiar o Direito de Propriedade em razão do atraso no pagamento de Imposto, sobretudo, do IPVA. O Estado dispõe de meios coercitivos próprios e legítimos para cobrança de tributos, como é o caso da inscrição em dívida ativa e execução fiscal, sendo inadmissível o recolhimento do veículo para que o proprietário se veja obrigado e coagido em pagar o tributo. Se utilizarmos da comparação, seria a mesma situação se o Estado expulsasse os proprietários de uma residência por atraso no IPTU, ou ainda, de forma ainda mais esdrúxula, seria como o recolhimento do veículo pelo não pagamento de multa, que também é um tributo. Por certo, o procedimento adequado para a cobrança em caso de inadimplemento de tributo, inclusive o IPVA, seria a notificação do contribuinte, instauração de procedimento administrativo fiscal, onde seria assegurado a ampla defesa e contraditório e em seguida, se esgotada a fase administrativa com a constituição definitiva do crédito tributário, a inclusão do débito em dívida ativa (...)

Para que o Estado tenha condições de exigir do contribuinte qualquer responsabilidade, é necessário que primeiro cumpra com sua obrigação, de aplicar bem as rendas e verbas públicas, com lisura e moralidade, transparência, sem corrupção, sem desvios de dinheiro, sem prejuízo ao erário público, é preciso que assuma seu inarredável compromisso de pagar seus servidores em dia, que não retenha dolosamente os vencimentos dos trabalhadores, que não se aproprie indebitamente dos salários de seus servidores.

É mister que cuide bem das vias públicas, das sinalizações, dos direitos dos pedestres, dos ciclistas, que pense mais nos condutores, que acabe com a fábrica de multas, que seja mais social e menos capitalista, e mais, que tenha a autoridade de trânsito a coragem de descumprir uma norma quando esta se apresenta em flagrante descompasso com o sistema de garantias, quando esta norma for claramente inconstitucional, muito embora fosse desarrazoado exigir dessas autoridades de trânsito, verdadeiras e insofismáveis assessores de maçanetas, marionetes de fácil manipulação, capachos de governos autoritários e boçais, amantes de cargos e de distintivos, frágeis folhagens que andam de um lado para o outro, em direção onde o vento assopra, falsos gestores que apenas escuta o chilrear do pássaro, sem saber de qual direção vem, vivem a apreciar a passagem da carruagem, sem saber do seu destino, batem palmas sem saber qual o seu real significado. Vivem num mundo de fantasias, sabem que existem estrelas, que elas incandescem, mas são incapazes de apreciar a real beleza de sua luminosidade. Enfim, são poetas rudes, insipientes e descontentes, que se encantam facilmente pela escuridão da vida.  


DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: RT, 2003.

Projeto quer proibir confisco do carro de devedor de IPVA.. Disponível em http://www.otempo.com.br/cidades/projeto-quer-proibir-confisco-do-carro-de-devedor-de-ipva-1.1486121. Acesso em 15/06/2017, às 13h28min.

ROCHA, Rafael. É ilegal apreender veículo com tributos em atraso em uma blitz. Orientação completa para se defender. Disponível em https://rbispo77.jusbrasil.com.br/artigos/363162961/e-ilegal-apreender-veiculo-com-tributos-em-atraso-em-uma-blitz. Acesso em 15 de junho de 2017, às 14h06min.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.


Autor

  • Jeferson Botelho Pereira

    Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

    Autor do livro <em>Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: atividade sindical complexa e ameaça transnacional</em> (JH Mizuno). Participação nos livros: "Lei 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia", "Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS 236/2012", e "Atividade Policial" (coord. Prof. Rogério Greco), da Impetus. Articulista em Revistas Jurídicas.

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PEREIRA, Jeferson Botelho. Apreensão de veículo por atraso de pagamento do IPVA é ilegal e abusivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5102, 20 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58525. Acesso em: 29 mar. 2024.