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O fornecimento do serviço essencial de água e sua suspensão

O fornecimento do serviço essencial de água e sua suspensão

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Os Serviços Essenciais são aqueles nos quais se atribuem todo o desenvolvimento de uma sociedade e a geração de riqueza de um país inteiro. Estes serviços estão dispostos em Lei, e sua falta ou interrupção geram verdadeiras catástrofes, porém, não ferem o CDC.

RESUMO: Os Serviços Essenciais são aqueles nos quais se atribuem todo o desenvolvimento de uma sociedade e a geração de riqueza de um país inteiro. Estes serviços estão dispostos em Lei, e sua falta ou interrupção geram verdadeiras catástrofes, e não ferem somente o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, ao tratar-se de fornecimento de água, existem hipóteses em que o ordenamento jurídico brasileiro a autoriza.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. SERVIÇOS PÚBLICOS 3. PRINCÍPIOS NORTEADORES 4. LEGISLAÇÃO APLICADA 5. O SERVIÇO ESSENCIAL DE ÁGUA 5.1 – HIPÓTESES DE LEGALIDADE NA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA 5.2 – HIPÓTESES DE ILEGALIDADE NA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Palavras- Chave: SERVIÇOS ESSENCIAIS. FORNECIMENTO DE ÁGUA. SUSPENSÃO.


1. INTRODUÇÃO 

  O conceito de serviço público engloba tanto o sentido estrito, como o sentido amplo. A definição de serviços públicos essenciais trazidos pela Lei nº 7.783/89, considera serem os serviços ou atividades essenciais aqueles indispensáveis à vida e ao desenvolvimento de uma sociedade, seguido pela análise dos princípios regentes da Administração Pública.

  Os atributos dos serviços públicos e a sua relação com o Código de Defesa do Consumidor, bem como o fator essencialidade e continuidade tem primordial importância no ordenamento jurídico brasileiro. Deve-se destacar que as obrigações impostas ao ente público ou às concessionárias são devidas à importância do serviço que prestam, bem como, o significado e o alcance da continuidade do serviço público para a coletividade.

No entanto, ao tratar como sendo uma prática abusiva, a suspensão do fornecimento do serviço público essencial pela falta de pagamento do usuário, o Código de Defesa do Consumidor estará entrando em conflito com a Lei nº. 8.987/95, que regula o regime das concessões e permissões, em seu artigo 6º, §3º, inciso II, ao dispor que não caracteriza o descumprimento da continuidade, quando o serviço for interrompido por inadimplência, por caracterizar como sendo interesse da coletividade.

Aqueles que são favoráveis à suspensão do serviço, sustentam que o inadimplemento do usuário causa prejuízos ao prestador de serviços, e este não é obrigado a prestar o serviço gratuitamente. Por outro lado, aqueles que são contrários à suspensão, alegam que os serviços públicos essenciais são indispensáveis à sobrevivência humana.

É mister, por fim, fazer referência ao Código de Defesa do Consumidor ao tratar da proteção dos usuários frente as fornecedoras ao estabelecer que, os usuários não poderão ser submetidos a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça ao serem cobrados, e também ao assegurar que os serviços públicos devem ser prestados adequadamente e contínuos quando se tratar de serviços essenciais.


2. SERVIÇOS PÚBLICOS

O conceito de serviço público no Direito Brasileiro não se apresenta na doutrina de forma unânime, pois há várias questões que podem ser levadas em consideração na formação de seus elementos de constituição, quer pela variedade de aspectos para sua conceituação, quer pela necessidade de elevar um dado elemento constitutivo, privilegiando assim uma determinada situação vivenciada pela sociedade.

  Para alguns doutrinadores, há dois meios para conceituação de serviço público, em sentido amplo e em sentido restrito. Aqueles que adotam o conceito de serviço público em sentido amplo consideram que serviço público é toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas, ou seja, qualquer atividade exercida pelo Estado.

  Na mesma linha, o autor Hely Lopes Meirelles conceitua serviço público da seguinte maneira:

"Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado". (MEIRELLES, 2000:306)

O serviço público em sentido estrito é definido como aquele necessário a vida coletiva, onde há um Estado que atende aos interesses e bem estar social da coletividade através do fornecimento de serviços essenciais, sendo insuscetíveis de prestação por particulares, como por exemplo: fornecimento de água e energia elétrica. 

No entanto, a titularidade do serviço continua pertencendo ao Estado, apenas a sua execução é delegada ao particular.

  O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua serviço público da seguinte forma, in verbis:

"Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de direito público - portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais - instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo".

Para a ilustre Maria Sylvia Zanella di Pietro, serviço público é:

"(...) toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público".

Assim, para conceituação de serviço público deve ser considerado, essencialmente, o atendimento pelo Estado das necessidades coletivas mais imediatas, seja através da ação direta do poder público ou através de seus delegados, por permissão ou concessão, para que forneçam serviços indispensáveis ao bom desenvolvimento social.

  Com base no atendimento às necessidades de interesse coletivo, que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) cuidou em seu capítulo IV, titulado "Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação de danos", dos serviços públicos.

Existe na doutrina e jurisprudência uma grande discussão sobre que tipo de serviço público pode ser considerado essencial, uma vez que todo serviço público carrega em si um traço de essencialidade. 

No entanto, pode-se dizer que são aqueles que sua falta ou interrupção geram verdadeiras catástrofes, são revestidos de urgência e precisam ser fornecidos de forma contínua, ou seja, os relativos à segurança, saúde e educação.

Como não existe uma legislação específica que regulamente e defina  quais são os serviços públicos essenciais, é usada pelos doutrinadores a Lei 7.783/89, chamada “Lei de Greve”, uma vez que “Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.”.

O artigo 10 desta Lei elenca o rol de serviços essenciais. São eles: “I - Tratamento e abastecimento de água; Produção e distribuição de  energia elétrica, gás e combustíveis; II - Assistência médica e hospitalar; III -¬ Distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV ¬ Funerários; V ¬ Transporte coletivo; VI ¬ Captação e tratamento de esgoto e lixo      VII ¬ Telecomunicações; VIII ¬ Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX ¬ Processamento de dados ligados a serviços essenciais; X ¬ Controle da tráfico aéreo; XI ¬ Compensação bancária.”

O art. 11 da “Lei de Greve” dispõe que “as necessidades inadiáveis da comunidade são aquelas, que não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.

Assim, o fornecimento de água, energia elétrica e telefonia estão incluídos como serviços ou atividades essenciais, certamente, porque são atividades que atendem às necessidades inadiáveis da população. Nota-se, que alguns desses serviços são de utilização obrigatória, por exemplo, ligação ao sistema de água encanada, a rede pública de esgoto, etc. Isso ocorre devido ao interesse estatal pela saúde pública.

Sobre a natureza dos serviços essenciais entende o doutrinador Luis Antonio Rizzatto Nunes que “Há no serviço considerado essencial um aspecto real e concreto de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação" (2000:207).

Ou seja, tais citados serviços são considerados essenciais pois são indispensáveis a vida moderna, e servem para suprir as necessidades básicas dos indivíduos e a ausência de qualquer um deles coloca em risco a sobrevivência da sociedade, atingindo a qualidade de vida da população e sua dignidade humana, diante disto, existem específicos princípios que regem a administração pública que são utilizados para garantir e manter o equilíbrio entre a urgência do fornecimento desses serviços e sua manutenção.


3. PRINCÍPIOS NORTEADORES

A finalidade dos serviços públicos é favorecer a acessibilidade e pôr os cidadãos em igualdade de condições de usufruto. Devido a sua importância social, os serviços públicos são regidos por determinados princípios, que devem ser observados na sua execução.

Entre eles encontra-se o Princípio Constitucional da Legalidade que está expresso na Constituição Federal como determinação legal e de observação obrigatória, em dois momentos, no artigo 5º, inciso II, onde garante a liberdade dos cidadãos, quando prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que não seja previsto em lei, com objetivo de regular o comportamento dos cidadãos e dos órgãos do governo, visando à manutenção da paz social e da segurança jurídica e, em um segundo momento, no artigo 37, caput, como o princípio que deverá ser obedecido por toda a Administração Pública, em todos os níveis. 

  Pelo princípio da legalidade, entende-se que, ao contrário do particular, que pode fazer tudo que não seja proibido em lei, a Administração Pública só poderá agir segundo as determinações legais. Neste contexto, vale ressaltar ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

"(...) é o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei." (1995:47)

Baseadas neste princípio é que as concessionárias de serviços públicos pautam-se para que, em caso de inadimplência, possam suspender o fornecimento dos serviços realizados. 

 No caso das concessionárias de serviço de fornecimento de água, tal medida é capitaneada pelo inciso I do artigo 55 do Decreto 553/76, que assim determina:

“Art. 55- O fornecimento de água ao imóvel será interrompido nos seguintes casos, sem prejuízo de aplicação das multas previstas neste Regulamento:

I – falta de pagamento das tarifas.”

Já a Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, em seu artigo 40, inciso V, também dispondo o seguinte sobre a legalidade de suspensão do fornecimento de água ao usuário inadimplente:

“Art. 40 – Os serviços poderão ser interrompidos pelo prestador nas seguintes hipóteses:

(...)

V- inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água, do pagamento das tarifas, após ter sido formalmente notificado”

Neste prisma e pautado neste princípio é que a concessionária de fornecimento de água e coleta de esgoto sanitário se baseia para suspender o fornecimento de água dos usuários inadimplentes.

Em contrapartida tais interrupções vêm trazendo inúmeras repercussões na sociedade, principalmente quando a interrupção do fornecimento desse serviço essencial ao usuário-consumidor é utilizada como forma de coação ao pagamento, extrapolando os limites da legalidade e ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana.

Pelo princípio da dignidade da pessoa humana entende-se aquele onde a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica.

Com efeito, a ideia de dignidade da pessoa humana está na base do reconhecimento dos direitos humanos fundamentais. Só é sujeito de direitos a pessoa humana. Os direitos humanos fundamentais são o "mínimo existencial" para que possa se desenvolver e se realizar. 

  Diante disso, há dois prismas, o primeiro em relação à possibilidade de suspensão do serviço em obediência ao princípio da legalidade, posto que a não interrupção do fornecimento sem a devida contraprestação gera o enriquecimento sem causa do devedor, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço.

  E, em outra visão, deve-se atender ao princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana onde, por ser um serviço essencial, deve estar à disposição da população, vez que o direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.

No melhor entendimento, a questão deve ser analisada no caso concreto, onde o Direito Civil deve se aproximar cada vez mais do Direito Constitucional, convertendo a sua visão individualista tradicional em uma visão coletiva.

  Isso porque, apesar da previsão legal, o fornecimento dos serviços essenciais por falta de pagamento, podem se tornar, no caso concreto, violador do princípio da dignidade da pessoa humana caso a cobrança seja abusiva e exponha o cidadão a qualquer tipo constrangimento.

Já pelo princípio constitucional da eficiência, entende-se como aquele que impõe o direcionamento da atividade administrativa no sentido de auferir o máximo de efeitos positivos aos administrados. Hely Lopes Meirelles conceitua da seguinte forma:

“o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros."

Assim, ao transportar a noção da eficiência para os serviços públicos tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor, tem-se que os serviços prestados pela Administração Pública devem cumprir sua finalidade no caso concreto, não bastando a mera adequação ou disponibilidade do serviço público oferecido.

Nesse sentido, Luiz Antônio Rizzato Nunes afirma que:

"A eficiência é um plus necessário da adequação. O indivíduo recebe serviço público eficiente quando a necessidade para a qual ele foi criado é suprida concretamente. É isso que o princípio constitucional pretende." 

Portanto, é esse o direcionamento que o princípio da eficiência deve alcançar no campo da Administração Pública, obrigando não só o ente público, mas também aqueles concessionários e permissionários a respeitar os contornos conferidos pela lei, a fim de que o serviço púbico oferecido possa atingir plenamente os efeitos almejados pelos consumidores.

Ou seja, a eficiência consiste em buscar com objetividade o melhor resultado com o menor dispêndio, tornando os serviços mais baratos e, portanto, mais acessíveis aos usuários, coibindo o desperdício do dinheiro público.


4. LEGISLAÇÃO APLICADA

O Código de Defesa do Consumidor foi criado especificamente para proteger determinados sujeitos (consumidores) nas relações de consumo, atendendo a um mandamento constitucional.

A relação contratual entre concessionárias de serviços públicos essenciais, como a de água e esgoto, e seus usuários, deve ser disciplinada pela Lei 8078/90, o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que esta Lei define o conceito de fornecedor, nele incluindo as pessoas jurídicas de direito público.

 Sendo assim, nas relações contratuais e extracontratuais, se for caracterizada uma relação de consumo com a presença de fornecedor e consumidor final, esta relação será disciplinada pela lei consumerista. 

O art. 6º, inciso X, da Lei 8078/90, por sua vez, declara como direito básico do consumidor: a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral, ou seja, segundo  o CDC, os serviços públicos essenciais não são passíveis de interrupção, mesmo que esteja inadimplente o consumidor

O próprio artigo 22, da referida Lei dispõe:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

Portanto, as concessionárias de serviços públicos são obrigadas a implantar a manutenção, modernização e fiscalização de suas estações, sub-estações, distribuidores, redes e sistemas de canalização, etc, bem como de todos os equipamentos instalados em tais locais, para segurança dos consumidores que estão próximos de tais instalações.

  Outrossim, impõe o Código de Defesa do Consumidor que em casos de descumprimento de alguma dessas obrigações específicas das concessionárias de serviços públicos, há o dever de reparar os danos causados. Confira-se:

“Art. 22. (...)

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.”

  A adequação, a eficiência e a segurança da prestação do serviço público são atributos inerentes a todo e qualquer serviço prestado ao consumidor, o legislador apenas quis explicitar uma exigência requerida para todo serviço ainda mais relevante, por se tratar de serviço público.

Se  não bastasse o Código de Defesa do Consumidor expressar no seu art. 22 que os serviços essenciais devem ser contínuos, seu artigo 42 energicamente veio para não permitir qualquer forma de coação ou ameaça por parte do credor com o intuito do devedor saldar sua dívida, analisemos:

“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor não inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”

No entanto, a questão da continuidade dos serviços públicos essenciais tem gerado muita controvérsia doutrinária e jurisprudencial, pois a lei consumerista estabelece que a prestação dos serviços essenciais deve ser de forma contínua, e por outro lado, a Lei 8987/95, que trata sobre concessão e permissão da prestação de serviços públicos, dispõe que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua suspensão em face da inadimplência do consumidor.

A esses argumentos, acrescente-se ainda, a diferença obrigatória que deve ser feita entre o direito de crédito da concessionária e a possibilidade de corte no fornecimento do serviço público.

Ademais, no ordenamento jurídico brasileiro, conforme o art. 175 da Constituição Federal, os serviços públicos são passíveis de concessão ou permissão, mediante pagamento de tarifa, o que é regulamentado pela Lei 8987/95.

Nestas modalidades de transferência de obrigações, a titularidade do serviço público contínua sendo do Estado, apenas o exercício é concedido a terceiro. O concessionário irá executar o serviço, nas condições fixadas pelo Poder Público, sob a garantia contratual de um equilíbrio econômico e financeiro.

Cabe a concessionária a responsabilidade civil objetiva quanto aos eventuais danos causados aos seus usuários, ou seja, a responsabilidade do fornecedor do serviço público independe de qualquer discussão sobre a extensão da culpa.

À pessoa jurídica prestadora de serviço público, aplica-se inteiramente o teor do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, verbis:

“Art. 37.  A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Deste modo, as concessionárias responderão, nos termos da teoria do risco, pelos danos causados aos consumidores, ao poder concedente ou a terceiros, sem que haja qualquer diminuição da exclusão ou responsabilidade, podendo, inclusive, determinar a solidariedade.

  Também por se tratar de responsabilidade objetiva, a concessionária do serviço público exime-se de responsabilidade quando for comprovada a culpa exclusiva do usuário ou de terceiro, caso fortuito ou de força maior.

  Nesse sentido, o art. 7º da Lei 8987/95 dispõe um rol de direitos e obrigações dos usuários, e neste diapasão, incumbiu-se à concessionária prestar contas também aos usuários, nos termos definidos no contrato, assim como facultado restou aos destinatários finais o exercício da ação fiscalizadora, assegurando-lhes o acesso inclusive a registros contábeis, conforme artigo 31, em seus incisos III e IV da Legislação acima mencionada, veja-se:

“Art. 31. Incumbe à concessionária:

III - prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato;

IV - cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão”

Assim, várias são as prerrogativas dispostas aos usuários ou consumidores de serviços públicos concedidos, visto que além da proteção inserida na própria Constituição Federal, também há disposições regulamentadoras em Leis Especiais que garantem o exercício pleno de defesa dos usuários contra possíveis defeitos verificados no fornecimento de serviços públicos.


5. O SERVIÇO ESSENCIAL DE ÁGUA

O ser humano para viver necessita de certas condições materiais mínimas, tais como: alimentação, moradia, vestuário, etc. Parte dessas necessidades imediatas são satisfeitas por meio da fruição dos serviços públicos essenciais, em especial, o fornecimento de água

A água é um bem de domínio público, destinada ao consumo humano e está juridicamente regulada pelo Código de Águas, Decreto nº. 24.643, de 1934. 

Não há esforço em reconhecer que as atividades higiênicas necessárias à manutenção da vida estão associadas à qualidade da água e infra-estrutura sanitária existentes no meio ambiente.

A competência privativa para legislar sobre água é da União conforme artigo 22, IV da Constituição Federal. Outrossim, também está presente na enumeração do art. 10, I da Lei 7.783/89 e portarias ministeriais. Ao analisar essa questão, Sílvio de Salvo Venosa observa:

“A água deve ser vista como bem de domínio público e recurso natural de valor econômico, segundo o art. 1º da Lei nº. 9.433/97. A captação, tratamento e distribuição devem ser remunerados. (...) Há todo um aparato jurídico que deve ser levado em conta no exame do direito das águas, não só privatístico, nosso campo de estudo, como também administrativo e penal de amplo aspecto.”.

Assim, o direito à água pode ser considerado um direito fundamental porque corresponde às exigências mais elementares da dignidade humana (viver com saúde, higiene e boa qualidade de vida), sendo pressuposto desta, pois a água é condição essencial para se viver. Dessa forma, o direito à água preenche os dois requisitos necessários para ser considerado direito fundamental, pois pode ser equiparado a um direito fundamental previsto no catálogo (direito à vida) e serve para concretizar o princípio da dignidade humana.

Desse modo, é crível concluir que o fornecimento de água contínuo e seguro contribui para que todos tenham uma vida digna, permitindo a existência do ser humano com saúde e boa qualidade de vida. Assim, tornam-se imprescindíveis e fundamentais a todos os cidadãos como um direito ao mínimo existencial.

No entanto, tal fornecimento essencial não é gratuito, valendo ressaltar que o entendimento unânime do Supremo Tribunal Federal e do Egrégio Superior Tribunal de Justiça afirma que “os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio." (REsp 914.828/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 17/05/2007).

Veja-se:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA OU PREÇO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. A controvérsia em exame foi analisada recentemente pela Primeira Seção deste Tribunal, na ocasião do julgamento dos EREsp 690.609/RS, de relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon, DJ 07.04.2008, que, acompanhando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmou posicionamento no sentido de que a natureza jurídica das contraprestações cobradas por concessionárias de serviço público de água e esgoto não é de taxa, mas, sim, de tarifa ou preço público, razão por que deve ser aplicada a prescrição vintenária nos termos da legislação de Direito Civil.

2. Recurso especial provido.” (REsp 1179478 / RS, Rel. Min. Mauro Capbell Marques, DJ 23/11/2010)

“TRIBUTÁRIO. SERVIÇO DE COLETA OU TRATAMENTO DE ESGOTO. PREÇO PÚBLICO. CONSTITUCIONALIDADE. PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA.

I - Ocorrência do necessário prequestionamento, visto que a questão constitucional em debate foi devidamente discutida no acórdão recorrido.

II - O quantitativo cobrado dos usuários das redes de água e esgoto é tido como preço público. Precedentes. 

III - Agravo regimental improvido” (RE 544.289-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 19.6.2009)

5.1 HIPÓTESES DE LEGALIDADE NA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA

Como já dito, apesar de ser considerado um serviço essencial, de caráter urgente e indispensável à vida do ser humano, o fornecimento de água não é gratuito e sua conservação depende do pagamento das contrapartidas relativas ao consumo medido e faturado. 

Verificada a inadimplência do consumidor, afigura-se legítimo o "corte", na esteira da dicção do artigo 6º, § 3º, da Lei 8.987/95, in verbis:

“Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

(...)

§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

(...)

 II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.” 

Ou seja, o não pagamento das cobranças realizadas pelo fornecedor, suporta a interrupção, que constitui exercício regular de direito da concessionária, sobretudo quando se trata de consumidor inadimplente contumaz. 

Neste sentido, a Lei 11.445/07 também autoriza a suspensão deste serviço:

“Art. 40.  Os serviços poderão ser interrompidos pelo prestador nas seguintes hipóteses:

(...)

V - inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água, do pagamento das tarifas, após ter sido formalmente notificado.

(...)

§ 2o  A suspensão dos serviços prevista nos incisos III e V do caput deste artigo será precedida de prévio aviso ao usuário, não inferior a 30 (trinta) dias da data prevista para a suspensão.”

A Súmula 83 do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, dispõe:

“É lícita a interrupção pela concessionária, em caso de inadimplência do usuário, após aviso prévio, na forma da lei.”

Ou seja, se o consumidor estiver inadimplente, constarem débitos recentes, e tiver sido previamente notificado, a suspensão no seu fornecimento do serviço essencial de água é lícita.

Tal entendimento é unânime e pacificado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, como se pode perceber pela coleção de Jurisprudências recentes que seguem:

 “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA. REVOGAÇÃO.

CORTE DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. INADIMPLÊNCIA. POSSIBILIDADE.

(...)

3. Esta Corte tem decido pela legalidade da interrupção do fornecimento de água devido à inadimplência do consumidor, após aviso prévio e desde que não se trate de débitos antigos consolidados, porquanto a essencialidade do serviço não significa a sua gratuidade; mesma orientação adotada pelo aresto impugnado.

(...)” 

(REsp 1159948 / RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJe 19/04/2011)

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RAZÕES DOS ACLARATÓRIOS NÃO APONTAM NENHUM DOS VÍCIOS PREVISTOS NO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA

RECURSAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284/STF.

(...)

3. Com efeito, o acórdão embargado é suficientemente claro ao

consignar que: (i) a jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de ser lícito à concessionária interromper o fornecimento de água se, após aviso prévio, o usuário permanecer inadimplente, nos termos do art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95; e (ii) "admitir o inadimplemento por um período indeterminado e sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos inclusive no princípio da modicidade. (...)”

(Resp 1.062.975, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Turma, Dje 29/10/2008)

“ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA – CORTE POR FALTA DE PAGAMENTO, APÓS AVISO PRÉVIO – LEGALIDADE – LEI N. 8.987/95 E LC N. 170/87 - SÚMULA 83/STJ.

(...)

2. Na relação jurídica entre a concessionária e o consumidor, o pagamento pelo serviço de abastecimento é contra-prestação, e o serviço pode ser interrompido em caso de inadimplemento, desde que antecedido por aviso.

3. 'A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da isonomia e ocasiona o enriquecimento sem causa de uma das partes, repudiado pelo Direito (interpretação conjunta dos arts. 42 e 71 do CDC).' (REsp 684.020/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 30.5.2006).

Recurso especial não-conhecido.” 

(REsp 678.044/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJU de 12.03.07)

Parte da doutrina e jurisprudência se posicionou no sentido de ser legítima a suspensão do serviço público essencial em virtude da falta de pagamento, desde que haja prévia notificação ao consumidor. Assim, a empresa que responde pelo serviço interromperia seu fornecimento após um prazo médio de trinta dias. 

Os que se filiam à corrente doutrinária que defende o corte no fornecimento do serviço essencial de água na hipótese de inadimplemento sustentam que a gratuidade não é presumível, não havendo obrigação por parte do Poder Público em prestar serviços de forma contínua se o consumidor não efetua o pagamento do que é devido.

No mais, o Egrégio Supremo Tribunal Federal entende que ao ser notificado o consumidor inadimplente do possível corte em seu fornecimento de água, tal fato não lhe gera dano moral:

“CORSAN. FORNECIMENTO DE ÁGUA. DÉBITO. SUSPENSÃO. INEXISTENCIA DE ILICITUDE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. IMPROCEDÊNCIA.

Dano moral não configurado, quando da existência de débito perante a requerida, o que não permite concluir qualquer agressão a direito de personalidade do autor. Ademais, houve notificação por parte da demandada, quanto à suspensão do fornecimento de água, como se pode verificar no documento da fl. 14. Não obstante, dispõe o Regulamento dos Serviços de Água e Esgoto da CORSAN, em seu art. 104:

‘Art. 104 - O fornecimento de água será suspenso nos seguintes casos:

d) falta de pagamento de conta(s) mensal (ais).’ 

(...)

Diante dessas razões, não cabe à requerida o dever de indenizar, uma vez que não comprovado o suposto dano moral.

RECURSO DESPROVIDO.” (AI 785290 / RS, Julgamento: 24/05/2010, Relator:  Min. Dias Toffoli)

Ademais, sendo o fornecimento de água tratada um serviço público de extrema necessidade para a população, a sua continuidade depende da contraprestação, sob pena da falência do próprio sistema.

No entanto, há controvérsias, uma vez que a interrupção do serviço essencial em função da inadimplência do consumidor, descaracteriza o princípio da continuidade, levando-se em consideração que a continuidade do serviço essencial ocorre não apenas no interesse do consumidor, mas também, no interesse da coletividade.

5.2 HIPÓTESES DE ILEGALIDADE NA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA

A descontinuidade do fornecimento de água ao consumidor inadimplente configura uma afronta ao caráter essencial do serviço público de água, diante dos princípios já expostos e em razão disso, os Tribunais Superiores entendem que este meio de coação ao usuário não é legal.

O poder público ou seus delegados (concessionárias) tem direito ao crédito em função da prestação do serviço público, no entanto, utilizar a suspensão do serviço essencial como forma de compelir o usuário ao pagamento da tarifa extrapola os limites da legalidade.

Na cobrança de dívidas, o credor não deve agir abusivamente. Por isso, os prestadores de serviços públicos devem utilizar os meios legais para receber seu crédito, podendo, inclusive, incluir o nome do devedor inadimplente nos bancos de dados do SERASA, SPC e cobrar judicialmente a dívida.

Além do mais, a descontinuidade dos serviços essenciais está em posição diametralmente oposta à consecução do bem comum, erigido na Constituição da República como princípio fundamental.  

Assim, o Superior Tribunal de Justiça dispõe:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. INVIABILIDADE DE SUSPENSÃO DO ABASTECIMENTO NA HIPÓTESE DE DÉBITO PRETÉRITO. IRREGULARIDADE NO HIDRÔMETRO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da impossibilidade de suspensão de serviços essenciais, tais como o fornecimento de energia elétrica e água, em função da cobrança de débitos pretéritos.

(...)

4. Agravo Regimental não provido.”

(AgRg no Ag 1381452 / SP, Relator: Ministro Herman Benjamin, DJe 04/05/2011)

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DÉBITOS ANTIGOS. IMPOSSIBILIDADE.

1. Embora seja lícita a suspensão do fornecimento de água por nadimplemento do usuário, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os EAg 1.050.470/SP, decidiu no sentido da impossibilidade de suspensão de serviços essenciais, tais como fornecimento de água, em razão de débitos antigos, em relação aos quais a prestadora dos serviços deve utilizar-se dos meios ordinários de cobrança (DJe 14.9.2010).

2. Recurso especial não provido.”

(REsp 831467 / RS, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 14/12/2010)

“ADMINISTRATIVO. ÁGUA. FORNECIMENTO. ART. 6º, § 3º, II, DA LEI Nº 8.987/95. CORTE. DÉBITO ANTIGO. ILEGALIDADE.

1. O princípio da continuidade do serviço público, assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, deve ser temperado, ante a regra do art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. Precedentes.

2. A prestação de serviço de água não pode ser interrompida por existência de débito anterior consolidado contraído por antigo usuário.

3. Agravo regimental não provido.”

(AgRg no REsp 1.133.507/RJ, Relator: Min. Castro Meira, DJe 29/4/10)

Ou seja, diante de débitos pretéritos, a concessionária de fornecimento de água não está autorizada a suspender o serviço público essencial.

Da mesma forma, as Turmas do STJ firmaram sua jurisprudência em que o atual usuário do sistema de água não pode ser responsabilizado pelo pagamento de débitos pretéritos realizados pelo usuário anterior, sendo certo que o débito de água é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel. A obrigação não é propter rem.


6.  CONCLUSÃO 

Os serviços públicos são atividades que a lei atribui ao Estado com a finalidade de satisfazer as necessidades coletivas. Dentre esses serviços, existem aqueles que assumem maior relevância social, sendo considerados essenciais, pois têm como finalidade principal atender as necessidades mais imediatas e indispensáveis à sobrevivência humana.

Atualmente, a interpretação das normas legais tem sido feitas com base nos princípios constitucionais, que deixaram de ser meras normas programáticas, especialmente o princípio da dignidade humana, e serve de fundamento para impedir a suspensão dos serviços indispensáveis à vida.

Cabe à legislação ordinária regular o adequado fornecimento de serviços públicos seja diretamente pelo Estado, seja através das concessionárias de serviços.

O Código de Defesa do Consumidor também dispõe em seu artigo 22, que a prestação de serviço público deve ser adequada, eficiente e segura, e quanto aos essenciais, este funcionar de forma contínua, e a Lei nº 8.987/95 (lei de concessões) dispõe em seu art. 6º, §1º, que o serviço adequado é “aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.

No entanto, a mesma Lei de Concessões prevê, em seu art. 6º, a possibilidade de suspensão do serviço público como forma de punição ao devedor inadimplente.

Ou seja, apesar de existir lei prevendo, expressamente, a possibilidade de interrupção do fornecimento de serviço público essencial (água, energia elétrica e telefonia) por inadimplência, tal ato é contrário aos princípios da dignidade humana e do direito fundamental dos consumidores de terem serviços públicos essenciais prestados de forma contínua.

A jurisprudência unânime de nossos Tribunais Superiores entende que as fornecedoras não estão impedidas a suspender o serviço quando da existência de débitos recentes perante a concessionária após o aviso prévio, uma vez que, apesar de essencial, o fornecimento de água não é gratuito.

Sendo assim, ilícito é o corte do fornecimento de água quando o usuário possui débitos ou dívidas que foram contraídas por morador anterior e antigo do imóvel em discussão, o que garante a harmonia entre os princípios e os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988 e as Leis Ordinárias que regulam a matéria.


7. REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1994.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

JUSTEN FILHO, Marçal. Concessão de serviços públicos: Comentários à Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 e à Lei nº 9.704 de 7 de julho de 1995. São Paulo: Dialética, 1997.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992

NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. (direito material) art. 1º a 54. São Paulo: Saraiva, 2000.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.



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