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A incorporação imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor.

A vinculação da oferta quanto à diferença de metragem entregue em relação ao previsto no memorial descritivo e no material publicitário

A incorporação imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. A vinculação da oferta quanto à diferença de metragem entregue em relação ao previsto no memorial descritivo e no material publicitário

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A vinculação da oferta nas relações consumeristas reflete uma necessidade de transparência e boa-fé na publicidade e nas relações contratuais. O fornecedor do produto ou serviço, nos moldes do CDC, obriga-se completamente à publicidade veiculada.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como foco o estudo do instituto da incorporação imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor, visando a demonstrar a partir da principiologia trazida pela Lei Consumerista a mudança na teoria geral dos contratos, trazendo resultados práticos de maior justiça social, resguardando os direitos dos consumidores hipossuficientes, quando lesados, face à superioridade dos fornecedores.

No primeiro capítulo deste artigo, há um breve relato histórico sobre a origem da necessidade mais acentuada de se proteger o consumidor, tendo como ponto de partida os primórdios das revoluções industriais e tecnológicas, a difusão do capitalismo, a complexidade nas relações econômico-sociais e o consumo em massa, desdobramentos do próprio momento histórico e evolução social.

Após esse breve relato histórico, aborda-se a ideia de Direito Civil-Constitucional e a mudança no pensamento do direito privado com o advento do Código de Defesa do Consumidor e dos princípios da boa-fé objetiva e função social dos contratos, ponto de partida da nova teoria do direito contratual, relativizando princípios basilares dos contratos como o princípio da pacta sunt servanda e a autonomia da vontade, diante das incontestáveis mudanças no pensamento jurídico, inclusive com o deslocamento do direito privado para um viés mais social.

No segundo capítulo, aborda-se o instituto da incorporação imobiliária de forma geral, a partir da Lei nº 4.591/64 regulamentada pelo Decreto 55.815/65 e modificada pela Lei nº 4.864/65, cujo objetivo era coibir abusos praticados pelos construtores e incorporadores no exercício de suas atividades empresariais. O capítulo visa a explanar os objetivos do contrato de incorporação imobiliária, ou seja, obter, pela venda antecipada dos apartamentos, o capital necessário para a construção do prédio/ condomínio horizontal, através de uma promessa de compra e venda de imóvel futuro.

Adiante, mostra-se a importância do registro da incorporação imobiliária, bem como do memorial descritivo, como forma até mesmo de proteção do consumidor/ adquirente da unidade futura de apartamento. 

Em seguida, no terceiro capítulo, são apresentadas as justificativas para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas que tenham por base esta espécie de negócio imobiliário denominado como compra de imóvel na planta, ou incorporação imobiliária, a partir do diálogo das fontes, convivendo ambas as legislações, no caso concreto, de forma harmônica. 

Neste mesmo capítulo, ainda, traz-se o conceito de consumidor do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor e o conceito de fornecedor do artigo 3º do Código do Consumidor, a fim de mostrar a incontroversa possibilidade de aplicação da legislação em comento nas incorporações imobiliárias.

Derradeiramente, neste mesmo capítulo, são elucidados os conceitos de publicidade, publicidade enganosa e o princípio da vinculação da oferta quanto ao apresentado no material publicitário colocado à disposição do consumidor na fase pré-contratual, homenageando o princípio da transparência, prevista no Codex, que se traduz na necessidade de prestar ao consumidor informações claras, precisas e corretas, conforme dispõe o artigo 30 do CDC.

No capítulo conclusivo, serão estudadas as opções alternativas previstas na legislação do consumidor em caso de descumprimento da oferta no que tange a metragem prometida no memorial descritivo e no material publicitário, fazendo parte integrante do contrato ainda que o mesmo não venha a prever tais informações posteriormente. Mostra-se a importância do conceito de vício quantitativo, principalmente quando constatada a supressão de metragem quando da entrega do imóvel pelo incorporador ao adquirente em desconformidade com o previamente estipulado.  

Como consequência, caso seja constatado que a área entregue foi menor do que a anunciada, terá o consumidor o direito de exigir a complementação da área (quando possível), receber o valor correspondente a área faltante ou até mesmo desfazer o negócio com a indenização das respectivas perdas e danos, alternativas condicionadas a escolha do próprio consumidor/ adquirente lesado. 


1.O CONTEXTO HISTÓRICO ACERCA DA PRINCIPIOLOGIA DO PROTECIONISMO AO CONSUMIDOR

A observação rigorosa das relações de consumo se fez necessária, de uma forma mais acentuada, nos primórdios das revoluções industriais e tecnológicas, surgindo, notoriamente, a premência de uma legislação específica que regulasse tais relações sociais cada vez mais difundidas.

Segundo Sérgio Cavalieri Filho, para se concluir a origem desse ramo autônomo que é o Direito do Consumidor, é mister observar com especial atenção o período da Revolução Industrial, haja vista que antes do referido período a produção era deveras limitada em razão de sua forma artesanal e balizada ao núcleo familiar ou a uma pequena porção de pessoas[1].

Diante deste cenário, com a utilização de maquinários pesados tendo seu ponto de partida no período da Revolução Industrial, o fabricante, que anteriormente dominava todos os meios da cadeia produtiva, passou a não possuir mais total controle sobre essa, em consequência do aumento da produção e distribuição de produtos e serviços.

Neste sentido, Fernando Costa de Azevedo assinala que

A preocupação com o estabelecimento, nos ordenamentos jurídicos nacionais, de uma tutela das necessidades e interesses dos consumidores se consolidou na segunda metade do século XX, fruto das transformações ocorridas no sistema capitalista de produção de bens e serviços.[2]

O consumo em massa, principalmente após a Segunda Guerra Mundial e a difusão do capitalismo coligado com o rápido crescimento do comércio mundial foram gradativamente rompendo fronteiras e aumentando em larga escala o grau de complexidade nas relações econômico-sociais.

Neste diapasão, houve um afastamento acentuado entre os consumidores de produtos e serviços e os fornecedores destes, obviamente, sendo os primeiros extremamente desprotegidos e, regra geral, sendo deixados à mercê dos fornecedores, os quais detinham um poder econômico e técnico incomparavelmente superior, capaz de fazer prevalecer seus interesses na relação consumerista.

Fernando Costa de Azevedo esposa sobre a necessidade de se equilibrar a relação de consumo, ao aduzir que:

A origem do direito do consumidor está associada, assim, à necessidade de se corrigir os desequilíbrios existentes na sociedade de produção e consumo massificados. Com efeito, o sistema de produção em série está baseado no planejamento dessa produção pelos fornecedores, o que torna estes sujeitos mais fortes do que os consumidores, pois, além do poder econômico, detém ainda os dados (as informações) a respeito dos bens que produzem e comercializam.[3]

Neste contexto, contar apenas com o regramento de direito privado do Código Civil, em sua concepção clássica, era deveras insuficiente para defender os consumidores hipossuficientes contra as beligerantes práticas corriqueiras dos fornecedores. O Estado, nessa toada, se viu obrigado a interferir, veementemente, na defesa dos consumidores, visando um equilíbrio entre as partes discrepantes, no intuito de estabelecer a paz social, objeto maior do direito.

A promulgação do Código de Defesa do Consumidor, por meio da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 marcou substancialmente um avanço na proteção dos direitos dos consumidores em âmbito nacional, através de um regramento específico, vindo inclusive a garantir com mais efetividade algo que já se encontrava expresso na Carta Magna de 1988, conforme se pode notar através da leitura de vários dispositivos.

O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil traz o rol dos direitos e garantias fundamentais e estabelece de forma expressa a necessidade de garantir a defesa do consumidor, constituindo necessidade basilar do ordenamento jurídico.[4]

No tocante ao direito do consumidor, a Constituição Federal não se limitou ao regramento da cláusula pétrea do artigo 5º, mas também trouxe à baila uma necessidade de maior transparência nas relações de consumo, por se tratar, inclusive, de um dos fundamentos da ordem econômica prevista no celebrado artigo 170, V da Lei Maior.[5] 

Ainda, dada à importância que o legislador atribuiu à temática, volta-se a mencioná-la no artigo 150 da Carta Maior, dessa vez sobre a necessidade de que estejam esclarecidas informações no tocante a tributação das mercadorias ou serviços.[6]

Desta forma, a importância da tutela dos direitos do consumidor mostra-se imprescindível para igualar as partes de uma relação desigual como é a relação de consumo, de modo que o Estado, por imposição da Constituição Federal, criou um regramento específico a fim de evitar que o consumidor hipossuficiente, tanto em âmbito econômico quanto técnico e jurídico, ficasse à mercê dos fornecedores infinitamente superiores em sua posição negocial.

1.1A importância da concepção de Direito Civil-Constitucional

Com advento da Constituição Federal de 1988, durante a vigência do ultrapassado Código Civil de 1916, tornou-se forçoso concluir que tal regramento aos poucos foi se tornando obsoleto ao desenvolvimento da sociedade e ao próprio desenvolvimento do ordenamento jurídico. A grande questão, no entanto, seria uma harmonia entre os conceitos novos e emergentes e o mínimo de segurança que se espera do ordenamento jurídico, a fim de regular a vida em sociedade pacífica.

Outrossim, necessário ressaltar que a mudança de perspectiva trazida pela vindoura Constituição Federal de 1988, à época, trouxe importantes conceitos ao erigir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, trazendo, ainda, como corolário a retirada do patrimônio do centro do Direito Civil, acolhendo novos conceitos inovadores com a funcionalização do direito privado, a partir, principalmente do conceito de função social da propriedade, se estendendo a outros institutos, inclusive aos contratos. 

Nas palavras de Rodrigo Azevedo Toscano de Brito:

O direito privado, hodiernamente, não só na experiência brasileira como também em outros países, aparece caracterizado pela existência do polissistema legislativo, de modo que o Código Civil não tem mais a força unificadora do mundo jurídico privado, como se viu em outras épocas. Além disso, e por meio dos próprios microssistemas legislativos, visualiza-se uma maior intervenção estatal nas relações privadas.[7]

Nesse teor de ideias, a sociedade do século XX, movida pela inevitabilidade de acompanhar as novas particularidades econômicas trazidas pela Revolução Industrial, viu-se compelida a agir de forma diversa daquela preordenada durante o Estado Liberal.

O Estado Liberal, em síntese, primava pelo acesso do direito privado apenas aos membros da burguesia, sendo regramento suficiente à época, porquanto prezava, sobretudo, o patrimônio.

O direito privado, neste contexto, passou por uma transformação relevante no tocante ao seu caráter subjetivista e individualista, adquirindo uma roupagem mais social, levando em conta os acontecimentos sociojurídicos da sociedade contemporânea.

Ainda, na visão do supracitado jurista:

Este, portanto, foi o desenho legislativo do século XX, especialmente em sua segunda metade. Não se vislumbra, assim, a morte nem mesmo a crise do direito privado no nosso ordenamento. Realmente, passou-se a verificar um intervencionismo estatal maior, não configurando isso, no entanto, simplesmente a publicização do privado a ponto de se falar em crise. Há, na verdade, um deslocamento dos temas tradicionalmente caracterizadores do direito privado para o texto constitucional. Isso ocorre em face de uma evolução renovadora, para que o direito privado possa se acomodar a uma nova realidade social, hoje extremamente cambiante.[8]

Tanto é verdade que o direito privado passou a se preocupar, influenciado pelo pensamento do legislador constitucional de 1988, com matérias como o Direito de Família, propriedade, contratos, e até mesmo as relações de consumo.

Nesta toada, a Constituição Federal deixou de ser meramente uma carta de cunho político, passando a ter incidência em diversos âmbitos do ordenamento jurídico, inclusive no direito privado.

Ainda, levando-se em consideração as conclusões de Azevedo Brito sobre os dizeres de Jaquín Arce y Flórez-Valdés:

Deve-se ter em mente que o direito civil-constitucional compõe-se de um conjunto de normas e princípios integrados na Constituição relativos à proteção da pessoa em si mesma e suas dimensões fundamentais, familiar e patrimoniais, na ordem de suas relações jurídicas privadas gerais.[9]

Ressalta-se, no entanto, que não há uma sobreposição do direito público ao direito privado, nem mesmo uma obrigatoriedade do segundo observar os ditames do primeiro de forma a se perder. Na verdade, o que ocorre é uma complementação a fim de regular e adaptar o direito privado tornando-o compatível com as exigências sociais que se observaram com o decorrer do desenvolvimento social.

De modo conclusivo, o direito civil como estava esquematizado no ordenamento jurídico não se mostrava mais suficiente ao deslinde dos conflitos modernos, especialmente os conflitos de massa que passaram a se verificar com mais frequência. Desta forma, se faz necessário o estudo de dois microssistemas importantes que regulam um desses tantos conflitos na sociedade atual, quais sejam: a Lei de Condomínios e Incorporações, que trata dos pilares dos contratos de incorporação imobiliária e o Código de Defesa do Consumidor que visa resguardar os direitos do adquirente hipossuficiente, necessitando, ainda, antes de adentrar ao estudo destes, uma análise breve sobre a teoria contratual.

A nova teoria contratual e a boa-fé objetiva: releitura dos princípios basilares do contrato autonomia da vontade das partes e o princípio pacta sunt servanda.

Diante das incontestáveis mudanças no pensamento jurídico, inclusive com o deslocamento do direito privado para um viés mais social, a partir da concepção de direito civil-constitucional, verificou-se uma feição nova no direito civil como um todo, não se limitando apenas, como antigamente, à proteção do patrimônio particular do indivíduo. Tais reflexos foram também percebidos no que tange às mudanças ocorridas na própria teoria contratual, que sofreu mudanças decorrentes de uma necessidade de se primar pelo bem-estar coletivo.

Para melhor vislumbrar tão importantes e essenciais transformações, é mister fazer um breve cotejo acerca da teoria contratual clássica e a nova teoria contratual.

O contrato é um importante instrumento de viabilização das operações econômicas, e, por tal razão, mostra-se tão relevante que o direito sempre esteja se adequando às sucessivas e constantes transformações socioeconômicas que se dão em cada momento histórico que as influenciam.

Com a mudança da teoria tradicional para a nova teoria contratual, que, salienta-se, não visa uma exclusão completa do conceito clássico, esta atingiu mais significativamente os conceitos centrais do contrato, como o princípio da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, dado as substanciais reformulações trazidas, sobretudo com a ideia de boa-fé objetiva e função social dos contratos, trazendo inovação principalmente na estrutura da circulação de bens e riquezas.

Na concepção de Luis Roldão de Freitas Gomes,

O contrato em muitos aspectos já não é o que era, encarnou nele um novo espírito, e essa metamorfose apresenta-se tão complexa, tão rica de cambiantes, com movimentos desencontrados de avanço e recuo, que o observador sente embaraço em definir bem e diagnosticar as suas tendências por vezes contraditórias. A evolução moderna dos contratos é como caudaloso mar que invade a terra e progride sempre, no seu jogo perpétuo de fluxo e refluxo.[10]

Neste contexto, as mudanças trazidas provieram especialmente da intervenção estatal e da necessidade de racionalização nas contratações, no mesmo passo em que as ideias clássicas precisavam de certa relativização para se enquadrar num contexto contemporâneo, principalmente no que tange aos contratos em massa que se tornaram cada vez mais comuns.

Oportuno trazer à baila o entendimento de Melhim Namem Chalhub:

No contexto dessa nova realidade, a liberdade de contratar deve ser exercida coerentemente com a função social do contrato, de forma que se viabilize a realização da operação econômica no interesse das partes contratantes, mas em harmonia com o interesse social. Não mais se vê o contrato como instrumento de concorrência de interesses, mas como instrumento de convergência ou uma relação de parceria entre os contratantes; privilegia-se a boa-fé objetiva como um elo de colaboração em face do fim objetivo (da obrigação) que visam as partes, uma "bitola geral de comportamento" no tráfego jurídico, perquirindo-se, na interpretação dos contratos, se as cláusulas ajustadas correspondem, ou não, ao modo de se comportar das pessoas de bem, segundo o juízo crítico da sociedade.[11]

Os princípios contratuais que norteiam a relação contratual devem ser compreendidos e interpretados dentro de uma análise da realidade social em que foram elaborados e inseridos, isto, pois, o direito é reflexo das ideologias sociais.           

Ante a inobscurecível lição de Orlando Gomes:

Em relação aos contratos nos moldes clássicos, empresta maior significação às normas sobre o acordo de vontades, detendo-se na disciplina cuidadosa da declaração de vontade e dos vícios que podem anulá-la [...] Em relação aos contratos nos moldes contemporâneos, que se realizam em série, a preocupação é a defesa dos aderentes, mediante normas legais que proíbam cláusulas iníquas.[12]

Outrossim, pode-se compreender a aplicação dos princípios clássicos que defendiam, sobretudo, o pensamento liberalista formando uma convicção de que a justiça contratual, para que fosse amplamente perseguida e concretizada, deveria ser exercida individualmente pelas partes, uma vez que se obrigariam de acordo com a sua vontade exprimida no instrumento particular. 

Corroborando com essa afirmação, Orlando Gomes aduz que

O liberalismo econômico, a ideia basilar de que todos são iguais perante a lei e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que o mercado de capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia, que favorecem a denominação de uma classe sobre a economia considerada em seu conjunto, permitiram fazer-se do contrato o instrumento jurídico por excelência da vida econômica.[13]

Entretanto, com o processo econômico caracterizado principalmente pelo desenvolvimento das forças produtivas, surgiu a ideia de contrato que serviria a todos os tipos de relações entre sujeitos de direito e a qualquer pessoa independentemente de sua posição ou condição social. A classe à qual os contratantes pertenciam já não mais se mostrava relevante, importando apenas os parâmetros de troca, a equivalência das mercadorias.[14]     

Como norte do sistema liberal presente no revogado Código Civil de 1916, havia a ideia de liberdade, igualdade e fraternidade, lema da revolução francesa, no qual se basearam os princípios base da relação contratual. Este foi o ponto de partida dos princípios fundamentais sobre os quais se ergueu todo o sistema contratual clássico, ou seja, o chamado princípio da autonomia da vontade e o princípio da força obrigatória dos contratos.

Naturalmente, o contrato visto por uma concepção social não mais poderia manter de forma tão rígida o princípio da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, especialmente se considerarmos que a função social do contrato se tornou instrumento basilar para garantir a perseguição dos legítimos interesses individuais pautados na probidade e na mais escorreita boa-fé.

Originalmente, o princípio da autonomia da vontade tratava-se do poder das partes de estipular livremente, como melhor lhes conviesse, mediante acordo expresso de vontades, a disciplina de seus interesses particulares, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Tal ideia envolve além da liberdade de criação do contrato propriamente dito, também a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contraente e de fixar o conteúdo do contrato. Entretanto, atualmente essa liberdade tem sido relativizada e condicionada pelas normas de ordem pública, principalmente pautando-se pelos bons costumes e pela possibilidade de revisão judicial dos contratos.

Em vista disso, Melhim Namem Chalhub leciona que

O pressuposto dessa intervenção é que a igualdade das partes é apenas uma presunção e a liberdade contratual é apenas formal, justificando a presença do Estado para substituir a igualdade formal por uma igualdade substancial das partes, "reduzindo a vontade do forte e abrindo espaço aos interesses do fraco", como assinala Arruda Alvim, que chama a atenção para o fato de que essa intervenção se manifesta desde logo nos "setores críticos do direito", notadamente o trabalhista, previdenciário, de locação, da comercialização de imóveis loteados e se fez para assegurar que o contrato viesse a "representar aquilo que as partes efetivamente poderiam querer, mas que, diante da liberdade contratual, o forte lograva obter o que o fraco não queria, nem desejava, mas o que acabava 'aceitando' pois era importante ou vital mesmo realizar o contrato”.[15]

A atual realidade contratual vincula a liberdade contratual a critérios restritivos, como são os casos das leis sobre o compromisso de compra e venda, as incorporações imobiliárias e o Código de Defesa do Consumidor.

Tal ideia também foi relativizada com a nova teoria contratual, por força do princípio da força obrigatória dos contratos, também conhecido como pacta sunt servanda, o qual estabelece que os contratos, uma vez firmados, devem ser cumpridos, sendo que a quebra do contrato resta caracterizada pelo simples descumprimento do mesmo.

Vê-se que por este segundo princípio, entendia-se que o contrato criava lei entre as partes, vinculando-as a partir de sua celebração. Partindo desse pressuposto, uma vez celebrado o contrato, as partes estariam obrigadas a cumprir o estabelecido como se fossem preceitos legais imperativos, ainda que o ali disposto fosse abusivo ou excessivamente oneroso a uma das partes.

Melhim Namem Chalhub disserta sobre a relativização da força obrigatória dos contratos, entendendo que

[...] em certas circunstâncias, admite-se seja excepcionado o princípio segundo o qual o contrato faz lei entre as partes. É o caso de, após a celebração do contrato, sobrevirem acontecimentos extraordinários, que não poderiam ser previstos pelas partes quando da celebração e que causem a uma das partes onerosidade excessiva, extrapolando o risco normal do negócio. A excessiva onerosidade poderia implicar, em certas circunstâncias, o afrouxamento do vínculo contratual e admitir a revisão do contrato ou sua resolução.[16]

Destarte, como resultado da análise acima proposta, conclui-se que o pacta sunt servanda perdeu sua força e assumiu novos contornos, no mesmo contexto do princípio da autonomia da vontade, uma vez que o disposto no contrato não mais é considerado lei entre as partes, abrindo espaço para que o julgador o interprete de forma conveniente aos princípios de lealdade, eticidade e boa-fé.

Orlando Gomes assevera que houve uma ampla preocupação legal em proteger determinadas categorias de pessoas para compensar juridicamente a debilidade de sua posição contratual em comparação à superioridade da outra parte contratante, visando eliminar o desequilíbrio[17].

Nesse sentido, o supramencionado autor afirma:

A suposição de que a igualdade formal dos indivíduos asseguraria o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse a sua condição social, foi desacreditada na vida real. O desequilíbrio tornou-se patente [...] a interferência do Estado na vida econômica implicou, por sua vez, s limitação legal da liberdade de contratar e o encolhimento da esfera da autonomia privada, passando a sofrer crescentes cortes, sobre todas, a liberdade de determinar o conteúdo da relação contratual. A crescente complexidade da vida social exigiu, para amplos setores, nova técnica de contratação, simplificando-se o processo de formação, como sucedeu visivelmente nos contratos em massa, e se acentuando o fenômeno da despersonalização.[18]

Por outro lado, Eros Roberto Grau, em sua crítica à idéia de novo paradigma contratual, aduz que

[...] na medida em que o ordenamento jurídico atribui maior força vinculante ao contrato, porque impõe sanções ao seu descumprimento e passa a intervir para tutelar a parte pretensamente mais fraca, faz com que o contrato continue a desempenhar, exatamente, a mesma função que sempre lhe foi reservada. A objetivação e a despersonalização do contrato, como veremos adiante, embora signifiquem mudanças, em nada alteram sua essência e o papel que desempenha no sistema.[19]

Adiante, Eros Grau conclui:

No plano individual, dentro do quadro das relações contratuais, a proteção devotada pelo novo paradigma de contrato aos consumidores é, nitidamente, proteção da parte que detém menor força negocial. Não se nega, é evidente, que a massificação da produção e do consumo reclama o controle, pelo Estado, do poder normativo privado que entidades de classe ou setoriais exercem, produzindo direito posto “privado”, impondo sua vontade a partes débeis, fragilizadas. Isso, contudo, não consubstancia nenhuma mudança qualitativa, distinta daquela que afetou a teoria geral do contrato quando a impactou a normatividade do Welfare State. Os consumidores são protegidos não por solidariedade, como querem alguns; vale dizer: a proteção de que gozam não é produto de sentimento de solidariedade, porém expressiva de uma estratégia para a promoção da fluência do mercado.[20]

 Como se pode perceber, a teoria clássica não mais se mostrava suficiente para dirimir as controvérsias contratuais da sociedade contemporânea, especialmente no que tangia aos abusos cometidos pelo polo contratual economicamente mais forte na relação negocial, surgindo, nesta toada, a premente necessidade de se impor restrições à liberdade das partes por meio do Estado intervencionista.

Desenvolveu-se, nesse contexto, leis e legislações visando amenizar a desigualdade contratual. O Estado passou a ditar normas impondo certos conteúdos aos contratos, proibindo a inclusão de certas cláusulas prejudiciais à parte em desvantagem.

Partindo desta nova concepção, a teoria contratual contemporânea resume-se em uma espécie de renovação da teoria contratual clássica, posto que mantém plenamente vigentes os princípios contratuais tradicionais da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda, caracterizando-se, entretanto, de forma relativizada, fazendo também a inclusão de caracteres sociais que se consolidaram com o advento do Código Civil de 2002.

O Código Civil vigente consagra a idéia de “Direito Civil Constitucional”, voltado, acima de tudo, à tutela do interesse social, estabelecendo princípios norteadores dos negócios jurídicos que causaram grande inovação no pensamento jurídico como a noção de função social, a confiança nas relações contratuais, as cláusulas abusivas e a boa-fé negocial.

Os princípios já existentes anteriormente à vigência do Código de Defesa do Consumidor, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, disseminaram-se no chamado direito privado, atingindo substancialmente os contratos em suas variáveis espécies. O Código Civil, a partir da criação de normas que deveriam observar a boa-fé (artigo 422 CC/02[21]) e a função social dos contratos (artigo 421 CC/02[22]), permitiu atribuir aos contratos tanto na fase pré-contratual quanto na sua execução, uma nova forma de justiça social.

Destarte, é inegável a relevância jurídica do contrato nesta era contemporânea, tendo sido inevitavelmente necessária a relativização de princípios clássicos para se reconhecer o valor social do contrato. A intervenção estatal na economia e nos contratos foi uma forma garantidora de se coibir quaisquer práticas abusivas, de acordo com a obrigatoriedade de se observar as normas de ordem pública que limitam a autonomia da vontade, regulando assim a atividade econômica.

Tal fenômeno jurídico denomina-se dirigismo contratual, característica inerente ao Estado Social, que visa a sobreposição dos interesses coletivos sobre os interesses particulares.

No ensinamento de Elpídio Donizetti e Felipe Quintella[23] o Estado pode intervir na relação contratual em três esferas, sendo elas: para impor a contratação, para impor ou proibir cláusulas, ou para reaver o conteúdo do ajuste. Neste sentido, ensinam:

Adaptado à nova realidade jurídica, o vetusto princípio da autonomia da vontade se transmuda em princípio da autonomia da vontade privada, segundo o qual o Direito respeita a liberdade contratual e a liberdade de contratar das partes, mas se reserva um espaço de atuação com o intuito de intervir na relação contratual, sempre que necessário, para garantir a dignidade dos contratantes e, assim, promover a função social do contrato.[24]

No mesmo sentido aduz Fran Martins:

Interfere o Estado em assuntos que dizem respeito ao bem estar social, deixando ainda mais largo campo para que, de modo privado, possam as partes livremente contratar. Esse fato, não é novo, apenas tendo sido ultimamente ampliado, dadas as radicais transformações sócio-econômicas dos povos nos últimos anos. O próprio Código Civil francês, que consagrou o princípio da autonomia da vontade, já havia, também, estipulado restrições a esse princípio, ao estatuir, no art. 6º, que “não se pode derrogar, por convenções particulares, leis que interessem à ordem pública e aos bons costumes”, e quando o Estado interfere na livre manifestação da vontade dos contratantes, impondo regras que deverão ser por eles cumpridas, o faz tendo em vista assegurar o equilíbrio social, que deve ser superior aos interesses de ordem privada.[25]

Adiante, Fran Martins conclui:

[...] nota-se uma nítida linha condutora vinculando a função social da propriedade, do contrato e da empresa. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa fé.[26]

Luiz Roldão de Freitas Gomes levanta a questão que a intervenção estatal por via do dirigismo contratual restringiu enormemente as relações contratuais, levando muitos a, nostalgicamente, augurarem crise ou morte do contrato, entretanto, entende que houve uma transformação, mas não o propalado declínio.[27]

Desta forma o indigitado autor, aduz:

O contrato, transformado transitoriamente em arena de egoísmo, tinha de voltar a ser o que sempre fora – a sede da justiça comutativa. Esse conceito aristotélico, o equilíbrio das recíprocas vantagens e sacrifícios dos contratantes, não podia deixar de fazer ouvir a sua voz mais uma vez, e a justiça tomou lugar da força, a igualdade substituiu a liberdade.[28]

Por conseguinte, vale ressaltar que o intervencionismo excessivo deve ser evitado, respeitando até onde for possível a iniciativa dos contratantes, conquanto a permissão do intervencionismo do Estado nas relações contratuais se dá através da proibição de cláusulas abusivas e a revisão dos contratos pelo judiciário. A justificativa para tal intervenção se traduz fundamentalmente em dois pilares: a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, concomitantemente com outros princípios da relação negocial como a proteção da dignidade da pessoa humana, a teoria da onerosidade excessiva, dentre outros importantes caracteres do Direito Civil.

1.2.O princípio da boa-fé objetiva

A boa-fé trata-se de uma concepção ética que tem como fundamento a honestidade nas relações entre as pessoas para um convívio pacífico perante a sociedade.

Conforme dispõe o artigo 422 do Código Civil, os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa fé.

Comentando sobre tal dispositivo transcrito Alberto Gosson Jorge Junior disserta que

Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração – deverá constituir-se em poderosa ferramenta para que o interprete e os profissionais do direito possam determinar intervenções – seja propondo ou declarando a nulidade do negocio jurídico, seja simplesmente alterando cláusulas abusivas com a preservação do negocio, quando constatado vicio ou desequilibro decorrente de desvio ético no comportamento de qualquer das partes.[29]

Ao ditar no que consistiria a boa-fé num sentido lato, Gilberto Carlos Maistro nos traz que:

[...] age de “boa-fé” a parte contratante que se mantém fiel ao pactuado e que, para tanto, desde a fase pré-contratual pauta sua conduta na retidão. Na verdade, respeita a “boa-fé” a conduta caracterizada pela lealdade com relação ao outro contratante, e em respeito à confiança que deve ser reciprocamente desenvolvida e mantida, fazendo com que as partes possam desenvolver apenas justas expectativas e essas, com regra, restem protegidas de indevidas frustações.[30]

A boa-fé que se persegue nas relações contratuais é a chamada boa-fé objetiva, ou boa-fé negocial. Não se fala, nestes casos, na necessidade de observação da boa-fé subjetiva, que segundo conceitua Judith Martins-Costa, trata-se do estado de consciência ou convencimento individual de obrar em conformidade ao direito, sendo normalmente aplicável à matéria possessória.[31] 

Considera-se boa-fé subjetiva aquela em que “deve o interprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antiética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem”.[32]

Destarte, a boa-fé subjetiva denota principalmente a ideia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável sobre uma situação que entende o sujeito ser regular. Crença esta que repousa seja no próprio estado subjetivo de ignorância, seja numa errônea aparência de certo ato.[33]

Gilberto Carlos Maistro Junior, nesta mesma linha de pensamento entende que a boa-fé subjetiva “consiste em uma situação afeta à seara do psicológico, verdadeiro estado de ânimo ou do espírito do agente que realiza determinado ato ou vive dada situação certo da inexistência de qualquer vício”.[34]

Por outro lado, a chamada boa-fé objetiva ou boa fé negocial é um princípio geral de direito que leva em consideração normas de conduta que devem ser seguidas pelas partes em uma relação jurídica, ou ainda, uma forma hermenêutica das declarações de vontade dos envolvidos em um negócio jurídico que deve ser considerado individualmente em cada caso concreto, de modo a viabilizar sua correta aplicação.

Neste sentido Lucíola Fabrete Lopes Nerilo conceitua boa-fé objetiva como sendo padrões mínimos de conduta socialmente recomendados, posto que nas relações jurídicas obrigacionais interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança que as pessoas normalmente neles depositam.[35]

Assevera Judith Martins-Costa:

Diversamente, ao conceito de boa-fé objetiva, estão subjacentes as ideias e ideais que animaram a boa-fé germânica: a boa-fé com regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e principalmente na consideração para com os interesses do alter visto como membro de um conjunto social que é juridicamente tutelado. Aí se insere a consideração para comas expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no ouro pólo da relação obrigacional.[36]

Neste diapasão, a boa-fé objetiva, na verdade, baseia-se em regras de conduta pautada na honestidade, na retidão e na lealdade. Partindo desse pressuposto chega-se a conclusão lógica de que o conteúdo de tais regras não é possível fixar com exatidão, dependendo sempre de uma análise do caso concreto.

Deve-se encará-la como uma regra de caráter técnico-jurídico, pois dá alçada a solução de casos eivados de particularidades, que convive com um sistema jurídico aberto, ensejando a sua própria permanente construção e controle.[37]

Na lição de Judith Martins-Costa, por boa-fé objetiva se quer significar

segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da commun Law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo, meramente subjuntivo.[38]

A análise da boa-fé objetiva decorre de uma atividade judicante, sem necessariamente a mediação das normas jurídicas. Não se faz necessário seguir estritamente o previsto em lei, dado a sua objetividade, podendo o magistrado decidir de acordo com o que melhor couber em cada caso específico.

Tem sua aplicabilidade mais frequente nas relações consumeristas, bem como as obrigacionais e contratuais, sendo fundamental para que as partes de um negócio jurídico possam agir com lealdade e probidade.

Antonio Manoel da Rocha e Menezes de Cordeiro entende que a fonte da fenomenologia da eficácia negocial

[...] reside não na norma que mande respeitar os negócios, mas no próprio negócio em si. A enumeração dos factos-fonte dos deveres de actuar de boa fé resulta dos estudos efectuados: o início de negociações preliminares, a existência de um contrato, ou da sua aparência, a conexão de terceiro com uma obrigação ou desaparecimento de um negócio.[39]

Complementando tal raciocínio, argumenta que o direito seria uma forma de obrigar os contratantes para que eles não desviem dos seus propósitos, que em ponderação social emerge da situação negocial em que se acham colocados, não devendo assumir comportamentos que contradigam os deveres de lealdade, nem calar ou falsear deveres de informação.[40]  

Ainda, conforme a visão de Menezes de Cordeiro, a aproximação entre confiança e boa-fé constitui um passo da ciência jurídica que não mais se pode perder, entretanto

só se torna produtivo quando, à confiança, se empreste um alcance material, que ela, por seu turno, comunique a boa-fé. Nessa via, avulta a tentativa, logo encetada por H. Eichller, de lhe descobrir raízes éticas as quais, na linha por ele preconizada para distinguir moral e direito, não remeteriam, no entanto, a confiança para o foro interno exclusivo.[41]

A importância da concepção de confiança nas relações jurídicas, não deve ser uma transposição mecânica para o direito, mas sim, um poderoso fator de redução da complexidade social, sendo que, nos dizeres do indigitado autor,

O conhecimento dos esquemas dogmáticos permite, por excelência, simplificar e ordenar os factores condicionantes da decisão. Numa sociedade denominada pela impessoalidade, como é de norma seqüência das revoluções industriais, as reduções permitidas pela confiança num contrato celebrado não advêm tanto de expectativas de comportamento regular da outra parte, como da segurança inculcada pela inserção do pacto em canais jurídicos, cujo percurso se encontra pré-determinado.[42]

Desta forma, positivado em nosso ordenamento jurídico encontra-se a necessidade de observância do principio da boa-fé objetiva, tendo ampla aplicação prática, levando-se em consideração nas negociações jurídicas e nos contratos os conceitos de eticidade e lealdade que regem o sistema da nossa codificação,assim como a moral, a confiança nas condutas, a honra e a fundada justa expectativa das pessoas em suas negociações que devem estar pautadas pela honestidade.

Tem-se, como noção básica das relações jurídicas, a persecução da justiça social e da equidade, não apenas no plano ideal da igualdade formal. Os ditames da boa-fé objetiva e a função social do contrato impõem uma circulação de riqueza mais equilibrada e igualitária, com uma fiscalização e intervenção do Estado com observância das normas de ordem pública. Não se pode mais aceitar nos tempos atuais a vigência tão-somente do princípio do pacta sunt servanda, principalmente levando-se em conta as situações de desequilíbrio dos pólos contratuais, como ocorre na relação de consumo e na incorporação imobiliária.

Essa nova visão, baseada neste importante princípio, impõe o exercício equânime e razoável dos direitos contratuais. A visão ultrapassada e limitada do contrato como sendo a única fonte de inspiração para a análise da validade e eficácia da relação não mais deve vigorar, e os ditames da justiça e da equidade devem estar sobrepostos para busca da efetiva paz social.

Segundo Alinne Arquette Leite Novais, a crise da concepção clássica do contrato somente teve uma solução mais tangível na década de oitenta à edição da nova ordem constitucional e de seu reflexo mais importante até agora no campo contratual: o Código de Defesa do Consumidor, que se propõe a restringir e regular, através de normas imperativas, o espaço antes reservado totalmente para a autonomia da vontade, instituindo como valor máximo a eqüidade contratual. Desta forma, pode-se concluir que com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o princípio da boa-fé objetiva foi introduzido no nosso ordenamento jurídico como máximo balizador dos contratos de consumo.[43]

Nesse diploma legal foi consagrado, então, o princípio da boa-fé objetiva de forma expressa através dos artigos 4º, III[44] e 51, IV[45] ambos do Código de Defesa do Consumidor. Desse modo, foi elaborado um novo regramento, como forma de tutelar as relações contratuais advindas desta nova realidade social.

1.3.A função social do contrato

Dispõe o artigo 420 do Código Civil que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Tal regramento constitui uma projeção, no específico domínio contratual, do valor constitucional expresso como garantia fundamental insculpida no 5º, XXIII, da Constituição Federal de 1988, uma vez que o contrato tem, dentre outras inúmeras funções, a de instrumentalizar a aquisição de propriedade. Se já não mais se reconhece à propriedade o caráter de direito absoluto, sagrado e inviolável do indivíduo, correlatamente ao contrato, não seria diverso, sendo necessário desempenhar função que traspassa a esfera dos meros interesses individuais.[46]

De acordo com Alberto Gosson Jorge Junior:

A liberdade de contratar revela, exclusivamente, a liberdade que cada um tem de realizar contratos, ou se não os realizar, de acordo com sua exclusiva vontade. Já a liberdade contratual traz considerações da “livre disposição de interesses” pelas partes do negócio, uma vez que essa liberdade pode vir a ser limitada por normas de ordem pública que digam qual o percurso cogente de determinadas cláusulas contratuais.[47]

Hodiernamente, entende-se que os poderes do titular de um direito subjetivo estão condicionados ao atendimento da respectiva função social a qual se destina.  Portanto, na visão de Judith Martins-Costa, o direito subjetivo de contratar e a forma de seu exercício também são afetados pela funcionalização, isto porquanto 

[...] indica a atribuição de um poder tendo em vista certa finalidade ou a atribuição de um poder que se desdobra como dever, posto concedido para a satisfação de interesses não meramente próprios ou individuais, podendo atingir também a esfera dos interesses alheios.[48]

Urge entender que a propriedade privada de hoje, não possui mais os mesmos contornos que inspirou o antigo pensamento do Código Civil. O conceito foi reconstruído, dando extrema relevância para a influência que decorre da tendência a funcionalizar os institutos de direito.

No sistema jurídico atual, não apenas a propriedade está vinculada a um viés social, mas também outros institutos como a posse e os contratos, mostrando definitivamente que a noção de uma funcionalização do direito é algo inevitável, afastando qualquer prática emulativa que não traga qualquer utilidade para os institutos jurídicos.

Caio Mario ao entender que o direito é princípio de adequação do homem à vida social, afirmou que “os bens são dados aos homens, que os devem usar em termos que correspondem a esta concessão”.[49]

Não se trata de uma abstração de direito, o princípio da funcionalização é algo concreto com aplicações práticas.

A importância econômica e social do princípio da função social, não se verifica apenas em detrimento das imposições que estipula, mas principalmente pela consequência que acarreta para os sujeitos das relações jurídicas, ao deixar de cumprir a finalidade social inerente ao contrato.

 Segundo Marcos de Alcino de Azevedo Torres:

Funcionalizar determinado instituto é inserir algo dinâmico na sua estrutura. Mesmo na visão “jurídica” de função exige-se uma atividade, que se exercita não no interesse próprio ou não somente no interesse próprio, mas exclusivamente, ou conjuntivamente no interesse de outrem.[50]

Nesta toada, a função social é, evidentemente, e na literal dicção do artigo 420, uma condicionante posta ao princípio da liberdade contratual. Na sua concreção o juiz poderá, avaliadas e sopesadas as circunstâncias do caso, determinar, a título exemplificativo a nulificação de cláusulas contratuais abusivas.[51]

Conforme entende Rodrigo de Azevedo Toscano de Brito, houve a queda do voluntarismo. A autonomia da vontade que antes era um princípio contratual soberano cedeu espaço à intervenção estatal. O direito contratual com a nova realidade social alhures examinada teve de adaptar-se e ocupar uma nova função, visando a realização da justiça social e do equilíbrio contratual.[52]

Neste sentido, a função social do contrato é um meio de limitação da autonomia da vontade, fixando limites à liberdade contratual, de modo que ante de pensar nos efeitos contratuais pretendidos com a celebração do contrato, deve o direito se ater aos interesses da coletividade como forma de equilíbrio dos polos da relação negocial.

É certo, partindo da ideia de funcionalização do direito privado que, antes do exercício do direito de contratar, é necessário que esta relação passe pelo crivo da função social do contrato, que busca um equilíbrio entre a liberdade de contratar e o interesse coletivo, de modo que não haja um desequilíbrio acentuado como antes se verificava. De forma conclusiva, conforme pontua Rodrigo Azevedo Toscano de Brito, há uma preeminência do interesse geral sobre o interesse particular.[53] 


2.PROLEGÔMENOS ACERCA DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

A expansão nos centros urbanos trouxe às grandes metrópoles a necessidade das edificações em condomínios como solução dos problemas da habitação e de concentração comercial, ensejando, de acordo com o entendimento de Orlando Gomes, “o exercício de uma atividade profissional através de relações contratuais tão freqüentes e importantes que determinaram a tipificação do negócio jurídico denominado, na lei, contrato de incorporação imobiliária”.[54]

Por intermédio deste contrato, obriga-se alguém a promover a construção de edifício dividido em unidades autônomas para distintos adquirentes da respectiva fração ideal do terreno, sob o regime de condomínio especial.

Ainda conforme lição do supramencionado Orlando Gomes, conceitualmente, dispõe que “o contrato de incorporação tem como objeto a operação jurídica de venda de uma unidade autônoma de edifício construído, em regime de condomínio especial, por pessoa habilitada”.[55]

Os principais aspectos jurídicos sobre a incorporação imobiliária encontram-se disciplinados na Lei nº 4.591/64 regulamentada pelo Decreto 55.815/65 e modificada pela Lei nº 4.864/65.

 O espírito da criação da Lei supramencionada era coibir abusos praticados pelos empreiteiros, denominação utilizada antes da existência jurídica do instituto da incorporação imobiliária, que por diversas vezes promoviam o lançamento de projetos de edificação sem quaisquer condições de levá-lo adiante e, consequentemente, prejudicavam consideravelmente os candidatos à aquisição das unidades residenciais.[56]

De acordo com o entendimento de Rodrigo Azevedo Toscano de Brito:

a Lei de condomínios e incorporações tem um caráter cogente e atua dirigindo a atividade do incorporador e os contratos por ele levados a cabo, inclusive com escopo de equilibrar a relação contratual, tendo em vista a hipossuficiência econômica e técnica, na maioria das vezes, do adquirente em relação ao incorporador.[57]

O Código Civil Brasileiro de 2002 disciplina em seu texto legal o instituto do condomínio edilício nos artigos 1.331 a 1.358, sem comprometer em nada a vigência da Lei de Condomínios e Incorporações nº 4.591/64 em relação ao regramento das incorporações. Isto, porquanto, o advento do Código Civil não revogou a parte concernente às incorporações imobiliárias.

Entende-se por incorporação imobiliária, de acordo com o artigo 28 da Lei nº 4.591/64[58], o negócio jurídico celebrado, de um lado, pelo incorporador que se obriga a realizar, por si ou por terceiros, a construção de determinadas unidades imobiliárias em edificação coletiva bem como proceder a transmissão da propriedade e da posse dessas unidades aos respectivos adquirentes, e de outro lado, em contrapartida, os adquirentes que possuem o dever jurídico de pagar o preço referente às unidades se comprometeram a adquiri-la.

Economicamente, a incorporação é um empreendimento que visa obter, pela venda antecipada dos apartamentos, o capital necessário para a construção do prédio/ condomínio horizontal.

Nesta toada, o contrato de incorporação pretende a promoção e a construção de condomínios horizontais, compostos de unidades autônomas destinadas à alienação em momento anterior ao término da obra, tratando-se primordialmente da compra de uma promessa de coisa certa e futura.

Condomínio é o instituto jurídico que ocorre quando existe um domínio de mais de uma pessoa simultaneamente sobre o mesmo bem, ou parte do mesmo bem.

A formalização desse negócio jurídico se dá mediante celebração de diferentes contratos, como por exemplo, o compromisso de compra e venda e o contrato de construção, os quais, embora tenham autonomia funcional, guardam estreita correlação, na medida em que exercem suas funções de maneira articulada para consecução da finalidade última da incorporação.[59]

Nos dizeres de Melhim Namem Chalhub

O negócio jurídico da incorporação tem como causa a produção de um bem imóvel e a constituição de um direito de propriedade, promovendo a mutação do direito de propriedade incidente sobre o terreno num outro direito de propriedade, que terá como objeto unidades autônomas assentadas em planos horizontais sobre esse terreno, fragmentando a propriedade do terreno em frações ideais, que passarão a incidir também sobre as partes da edificação que têm vocação para a propriedade em comum. Essa é a causa do negócio jurídico da incorporação: a constituição de direito de propriedade sobre a edificação, em frações ideais, e sobre as unidades imobiliárias integrantes dessa edificação, atribuindo o direito sobre essas unidades àqueles que, nos termos dos respectivos títulos, vierem a se tornar titulares de direito de propriedade sobre elas.[60]

O objetivo principal desta figura jurídica é, sobretudo, a conclusão do edifício e a transferência definitiva da titularidade das unidades autônomas aos respectivos adquirentes das frações ideais e, por conseguinte, a constituição do condomínio sobre as áreas de utilização comum com a consequente averbação da construção no Registro de Imóveis.

Para que a incorporação imobiliária se aperfeiçoe de acordo com as nuances legais, há a expressa exigência do registro do memorial de incorporação, sendo que, após tal providência, fica estabelecido ius in re oponível erga omnes, delineando as obrigações das partes contratantes que devem atender as peculiaridades do negócio jurídico consistente na entrega de coisa futura da forma como consta no memorial descritivo levado a registro.

Cabe ressaltar que o memorial descritivo, assim como o projeto, é parte integrante e indispensável do compromisso de compra e venda de unidade autônoma e, como consequência de tamanha importância, pontua Alexandre Guerra que, ao lado do construtor, o incorporador é também responsável pela fiel execução do projeto e do constante no memorial de incorporação com todas as suas especificações.[61]

Conforme elucida o artigo 31 da Lei de Condomínios e incorporações[62], nenhuma incorporação poderá ser posposta à venda sem a indicação expressa do incorporador. Diante disto, deve a identificação do incorporador permanecer indicada ostensivamente no local da construção e, independente da forma por que seja constituída, toda incorporação terá um ou mais incorporadores solidariamente responsáveis.

Alexandre Guerra verbera que o incorporador tem a faculdade de optar pela fixação de um prazo de carência. Neste sentido, caso utilize desta faculdade, poderá desde que dentro deste prazo desistir do empreendimento, apenas havendo que restituir as prestações eventualmente pagas pelos adquirentes, devidamente corrigidas. Entretanto, não optando por essa permissiva legal ou desistindo do empreendimento fora do referido prazo, o incorporador terá que restituir não apenas as quantias pagas, mas, igualmente deverá indenizar os pretensos adquirentes das unidades autônomas.

A intenção de desistência deverá ser comunicada por escrito a todos os adquirentes devendo também ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis no qual a incorporação foi previamente registrada.[63]

Tal autorização legal justificável, conforme entendimento de Hamid Charaf Bdine Junior afasta a incidência do artigo 51, IX do Código de Defesa do Consumidor que veda ao fornecedor a possibilidade de reservar-se o direito de não concluir o contrato, sem que direito igualitário seja conferido ao consumidor adquirente, ainda que o CDC tenha plena aplicação às incorporações imobiliárias.[64]

Adiante, Hamid Charaf Bdine Junior elucida que

A desistência, nesses casos, tem o condão de afastar o perigo de o adquirente ver-se vinculado a um contrato de êxito duvidoso. Mesmo que o risco ficasse a cargo do incorporador, que seria obrigado a ressarcir os consumidores se o avaliou mal, não se pode desconsiderar a afirmação de que ao adquirente não convém o contrato que o empreendedor considera de baixo índice de viabilidade. Vale dizer, a regra do art. 34 permite ao incorporador evitar riscos para ele, mas também para o consumidor, o que efetivamente se deseja.[65]

Nesse cenário, a incorporação imobiliária se extingue como bem salientado por Alexandre Guerra, pela conclusão da obra, pelo adimplemento das obrigações, por acordo das partes ou pelo inadimplemento por qualquer dos contratantes, podendo ser desde o atraso de pagamentos das prestações ajustadas contratualmente, até a não execução ou entrega da obra.[66]

Orlando Gomes leciona que o contrato de incorporação imobiliária resolve-se, como todo contrato sinalagmático, por inexecução oriunda do inadimplemento de obrigação essencial por uma das partes. Nessa perspectiva, aponta como mais frequente a resolução por atraso no pagamento das prestações, que segundo o indigitado autor, tem como consequência

[...] a dificuldades na condução do empreendimento, atingindo seu interesse legítimo e justificado de receber “opportuno tempore”, de todos, tais prestações. Eis porque, constituindo-se, pode o incorporador intentar a ação resolutória na qual se restituem as partes ao “status quo ante”. Assim sendo, desconstitui-se, com a resolução, a aquisição da fração ideal do terreno, se operada com pagamento total do preço, resolvendo-se, pela mesma razão, a relação jurídica de construção, se o atraso se der em relação às prestações do preço da mesma fração. O contrato é único, não se admitindo propriedade de unidade autônoma sem propriedade do terreno, e vice-versa. Aplica-se, em resumo, a regra “resoluto jure dantis resolvitur jus accipientis”. Se a resolução houver sido causada, no caso de atraso no pagamento da fração ideal do terreno, pelo adquirente ou promissário comprador, perderá quanto empregou na aquisição da unidade autônoma, no caso contrário, terá direito a exigir, do incorporador alienante, o reembolso do que pagou.[67]

Quanto à extinção pela conclusão da obra, o que definirá a conclusão será a expedição do habite-se, que consiste em um ato administrativo emanado de autoridade competente que autoriza o início da utilização efetiva de construções ou edificações destinadas à habitação. Alexandre Guerra pontua sobre este tema que

ainda que o prédio se encontre fisicamente terminado, a obrigação legal imposta ao incorporador não se encerrará até que obtenha, assim cumprindo mais uma prestação contratual que lhe é imposta. Ainda, convém salientar que após a obtenção do Habite-se, o incorporador tem, ainda, a obrigação de requerer a averbação da construção do prédio perante o Registro de Imóveis, objetivando a individualização e discriminação das unidades.[68] 

Embora apenas o habite-se encerre a incorporação, a atividade do incorporador se encerra com o término da obra e a entrega das chaves aos adquirentes das unidades autônomas da edificação, a fim de que estes sejam investidos na posse e na propriedade do bem, efetivando as promessas dos que tenham liquidado seus preços por meio das escrituras de compra e venda.

Conforme assevera Alexandre Guerra, deve-se convocar os adquirentes a procederem à vistoria nas unidades com o recebimento das chaves:

Nota-se que as chaves poderão ser recebidas ainda que verificadas irregularidades nesta vistoria, desde que o faça com ressalvas, podendo os adquirentes das unidades, se assim desejarem, adiar o recebimento até o cumprimento das obrigações e irregularidades apontadas. Impende consignar que a vistoria e o recebimento das chaves não significam, necessariamente, a quitação prestada em favor do construtor. Logo, não desonerará, por si só, o incorporador/construtor de responsabilidades decorrentes de vícios ocultos.[69]

Por fim, antes de adentrar ao próximo item deste estudo, necessário trazer à baila a Lei nº 10.931/04 que, objetivando afastar dos adquirentes de unidades os riscos intrínsecos a incorporação imobiliária, instituiu um regime jurídico com o intuito maior de proteger o acervo patrimonial correspondente às incorporações imobiliárias, atribuindo aos adquirentes meios efetivos de solução de problemas decorrentes de falência ou recuperação judicial da empresa incorporadora, de modo que todo o conjunto de direitos e obrigações do empreendimento fica efetivamente vinculado à consecução do negócio.

O regime da afetação patrimonial na incorporação imobiliária foi introduzido no direito positivo brasileiro através da Medida Provisória 2.221, de 04.09.2001, com o objetivo maior de resgatar a confiança dos consumidores no mercado imobiliário, abalado por grave crise de credibilidade desencadeada pela decretação da falência da Encol S.A. Engenharia, Indústria e Comércio, visando, sobretudo, assegurar direitos aos adquirentes de unidades autônomas de edifício em construção no caso de falência ou insolvência civil do incorporador.[70]

Segundo Alexandre Guerra, conceitualmente.

patrimônio de afetação é a segregação patrimonial de bens do incorporador para uma atividade específica. Visa assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos adquirentes futuros, mesmo caso ocorra a falência ou insolvência do incorporador. Constitui-se mediante registro de um termo no memorial de incorporação [...] A doutrina diz que a natureza jurídica de garantia real instituída fica limitada ao comprometimento exclusivo da operação de crédito, cujo produto será integralmente destinado à consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes, como informa o parágrafo 3º do artigo 31-A da Lei nº 4.591/64.[71]

De acordo com os ensinamentos de Mauro Antônio Rocha, no regime da afetação, o incorporador constitui patrimônio de afetação, pelo qual o terreno, as acessões e os demais bens e direitos vinculados à incorporação são apartados no seu patrimônio geral e destinados exclusivamente à construção do empreendimento. Deste modo, os bens e direitos afetados respondem apenas pelas dívidas e obrigações da incorporação, e não se comunicam com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio do incorporador.[72]

Portanto, os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem o patrimônio de afetação constituído na incorporação imobiliária.

Conclusivamente, a afetação torna indisponíveis os bens e direitos segregados do patrimônio, que somente poderão ser objeto de garantia real em operações de crédito para captação de recursos integralmente destinados à consecução do empreendimento.[73]

2.1.O contrato de compromisso de compra e venda de unidade futura

O compromisso de compra e venda é uma das modalidades contratuais mais amplamente utilizadas nas incorporações imobiliárias, sua tipificação em nosso ordenamento jurídico pátrio se deu, sobretudo, com o advento do Decreto-Lei 58/37.

Acerca do contexto histórico legislativo, pontua Eduardo Tristão que

[...]o compromisso de compra e venda surgiu no ordenamento jurídico brasileiro inserido num contexto de crescente desenvolvimento urbano. Dentro de tal conjuntura, a alta demanda por imóveis para moradia atraiu o interesse da iniciativa privada em parcelar o solo urbano em lotes, oferecendo-os ao público, para aquisição. Até a promulgação do citado Decreto-lei, os lotes eram ordinariamente alienados por intermédio da chamada promessa de venda, negócio jurídico desenvolvido a partir de figura análoga do direito uruguaio, cujas flagrantes imperfeições frequentemente expunham os promitentes compradores ao mais completo desamparo.[74]

Seja na compra e venda, seja no compromisso sempre que se falar em coisa futura, há que se distinguir a emptio spei (compra de uma esperança) da emptio rei speratae (compra de uma coisa esperada).

Na emptio spei, a coisa futura, objeto do negócio, pode não vir a existir; o objeto é a esperança; mesmo assim, o contrato não é viciado, aperfeiçoando-se de imediato, se revestindo de natureza aleatória, ou seja, quando a prestação pode deixar de existir em virtude de um acontecimento incerto e futuro, que de acordo com a explicação de Fran Martins, a contraprestação somente será devida se ocorrer este evento futuro, contrato comumente celebrado nas relações securitárias.[75]

Nesta outra, emptio rei speratae, a coisa futura deve vir a existir, sob pena de desfazimento do contrato com as consequentes reparações civis. 

No tema vertente, é fora de dúvida que a coisa futura é da espécie emptio rei speratae, ou seja, compra de uma coisa esperada.

Até a edição do supramencionado Decreto-Lei que introduziu a figura do compromisso de compra e venda no universo jurídico, aos adquirentes somente se atribuía direitos obrigacionais decorrentes da celebração de um contrato com o incorporador imobiliário.

Orlando Gomes justifica maior regulamentação pela necessidade de proteção daqueles que adquiriam terrenos loteados em prestações, uma vez que, anteriormente, caso o compromissário comprador deixasse de efetuar o pagamento de uma parcela pactuada, perdia de imediato o direito a todas as parcelas já adimplidas, além de que não haveria nenhuma medida capaz de forçar o adimplemento do compromitente-vendedor para a celebração do contrato definitivo, de modo que a relação se encerrava apenas com o direito a indenização por perdas e danos.[76]

A Lei 649/49 estendeu o regime geral das promessas de compra e venda aos imóveis não loteados, desde que não se pactuasse arrependimento e estivesse devidamente registrado o compromisso no cartório de registro de imóveis.

Com o advento da Lei do parcelamento do solo, nº 6.766/79, o artigo 25 previu que os compromissos de compra e venda que atribuam direito à adjudicação compulsória são irretratáveis, gerando direitos reais oponíveis contra terceiros, se devidamente registrados, celebrados tanto por escritura pública quanto por instrumento particular. 

Conforme esposa Paulo Dias de Moura Ribeiro, promessas de compra e venda sem a previsão de cláusula de arrependimento, desde que levadas a registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, dão ao promissário comprador direito real à aquisição do imóvel, o que não está apenas previsto no artigo 1.417 do CC/02, como também está lançado no rol taxativo do artigo 1.225 do mesmo diploma legal. Na visão do indigitado autor:

Segue da leitura das regras apontadas que tais promessas devem sempre ser irretratáveis para que possam ser qualificadas como um direito real, que assegure àquele que se compromete a adquirir uma titularidade sobre um determinado bem imóvel. [77]

Maria Helena Diniz, ao entender que o compromisso de compra e venda aproxima-se de uma espécie de contrato preliminar, conceitua o compromisso de compra e venda como sendo:

[...] o contrato pelo qual o compromitente-vendedor obriga-se a vender ao compromissário-comprador determinado imóvel, pelo preço, condições e modos avençados, outorgando-lhe a escritura definitiva assim que ocorrer o adimplemento das obrigações; por outro lado, o compromissário-comprador, por sua vez, ao pagar o preço e satisfazer todas as condições estipuladas no contrato, tem direito real sobre o imóvel, podendo reclamar a outorga da escritura definitiva, ou sua adjudicação compulsória, havendo recusa por parte do compromitente-vendedor ou a terceiro, a quem direito deste foram cedidos. Do que se infere esse novo contrato aproxima-se do pré-contrato ou contrato preliminar de venda, por que seu resultado prático é adiar a transferência do domínio do bem compromissado, até que preço seja totalmente pago.[78]

Com tal posicionamento concorda Paulo Dias de Moura Ribeiro ao elucidar que “nem poderia ser de outra forma, porque a promessa de compra e venda de imóvel sem cláusula de arrependimento é um contrato preliminar pelo qual os contratantes assumem a obrigação de celebrar um contrato definitivo de compra e venda”.[79]

Embora detenha alguns aspectos similares à modalidade de pré-contrato, não se pode atribuir essa nomenclatura ao compromisso de compra e venda. Isto, porquanto, o contrato preliminar gera tão somente obrigações em âmbito obrigacional, gerando uma obrigação de fazer consistente na celebração de um contrato definitivo, daí ser o compromisso uma modalidade diversa de contrato, por estar arrolada taxativamente com um direito real oponível erga omnes.

Neste sentido, Eduardo Tristão aduz:

A tendência atual é a de conferir ao direito real do compromissário comprador tratamento cada vez mais próximo ao do titular do direito de propriedade. Na realidade, deve-se frisar que a posição contratual do compromissário comprador com contrato registrado é mais forte mesmo do que a do mero comprador, sem contrato registrado.[80]

Conforme se pode notar, o compromisso de compra e venda contém os elementos caracterizadores do contrato de compra e venda, entretanto, as partes contratantes por conveniência e oportunidade não efetuam de imediato o contrato definitivo, como é o caso da venda de coisa futura consistente na construção de unidades de apartamento, onde o bem em si ainda não existe no mundo fático.

A aquisição da fração ideal do terreno, ou a constituição, nessa cota-parte, de direito real de promitente comprador, é conditio juris para a aquisição da unidade autônoma como propriedade isolada. Constitui obrigação indeclinável do incorporador, a ser incluída no contrato de incorporação, a de transmitir ao adquirente a propriedade dessa fração ideal.

Vale ressaltar que, nulo é o contrato de incorporação imobiliária no qual não se constitua direito real, não valendo, por conseguinte, quando a promessa de venda contenha cláusula de arrependimento. Somente a promessa irretratável, averbado à margem do registro da incorporação confere incontestável e plena eficácia ao contrato de incorporação imobiliária. Embora a venda ou a promessa irrevogável de venda da fração ideal do terreno não sejam contratos autônomos em relação ao de incorporação imobiliária, mas simples elementos do conteúdo da relação jurídica a que dá vida, aplicam-se as regras desses dois contratos que não se choquem com as que regem prestações típicas de outros contratos presentes também no seu contexto.[81]

É mister se destacar que o compromisso de compra e venda que contenha cláusula de arrependimento não constituirá direito real, de modo que poderá o compromitente-vendedor voltar atrás e desfazer o negocio jurídico, desde que pague a indenização de perdas e danos sofridas pelo compromissário-comprador.

 Nos dizeres de Maria Helena Diniz

[...] todavia, pela súmula 412 do STF, no compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo juros moratórios e encargos do processo. Se não constar no compromisso essa cláusula, ou se pactuada a cláusula de irrevogabilidade e assentado o compromisso no registro imobiliário, o vendedor não poderá arrepender-se, tendo o comprador direito de proceder judicialmente para obter a adjudicação compulsória do imóvel compromissado, havendo recusa da outorga da escritura definitiva. [82]

Os efeitos jurídicos que um compromisso de compra e venda, sem que seja pactuada cláusula de arrependimento, são, de forma sintetizada, os mesmos efeitos dos direitos reais, ou seja, oponibilidade erga omnes, pois todo direito real é oponível contra terceiros; transmissibilidade aos herdeiros; direito de sequela, pois uma vez vinculado ao imóvel, o compromissário tem poder de buscar o bem das mãos de quem quer que injustamente o detenha; e a imissão na posse e adjudicação compulsória.

Nesta toada, Maria Helena Diniz bem preceitua que o compromisso de compra e venda se cumpre

Pela escritura definitiva, que não é instrumento de outro negócio, mas a forma de um ato devido que expressa o cumprimento da obrigação oriunda de contrato no qual o intento negocial das partes foi definido e a atribuição patrimonial, determinada.[83]

Pela complexidade da incorporação imobiliária, além do contrato de incorporação propriamente dito, diversos outros contratos podem ser celebrados, como por exemplo, o contrato de permuta ou promessa de permuta de terreno e unidades autônomas do empreendimento imobiliário, ou o contrato de financiamento, tanto pelo próprio incorporador para realização da obra do empreendimento, quanto pelos adquirentes para obtenção de crédito e, consequentemente, adquirir a unidade pactuada, dentre outros, não se limitando apenas ao compromisso de compra e venda, ainda que este seja um instrumento fundamental para que a relação se aperfeiçoe. 

Conforme os ensinamentos de Eduardo Tristão, para a transferência do direito real de domínio do bem imóvel avençado mediante compromisso de compra e venda basta o pagamento integral das parcelas do preço, tal qual ocorre com os bens móveis submetidos ao regime da compra e venda com reserva de domínio. A averbação do instrumento de quitação serve justamente para consolidar no patrimônio do compromissário comprador um direito que economicamente já lhe era próprio, independentemente da celebração ulterior de qualquer avença contratual.[84]

Em outras palavras, reconhece-se que o compromisso de compra e venda não tem por objeto a celebração futura de um contrato definitivo de compra e venda, de modo que as declarações negociais nele inseridas destinam-se imediatamente à alienação de bem imóvel, uma vez quitado o preço de aquisição, e, trazendo ao tema específico deste estudo, uma vez também concluída a obra pelo incorporador imobiliário.

2.2.O registro imobiliário da incorporação e o memorial descritivo

O registro imobiliário brasileiro é regulamentado pela Lei nº 6.015/73, denominada Lei de Registros Públicos, republicada com as alterações trazidas com advento da Lei nº 6.140/74 e Lei nº 6.216/75. A atividade registrária, atribuída aos Ofícios de Registro de Imóveis, está subordinada às normas de serviços extrajudiciais editadas pela Corregedoria Geral de Justiça. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público e detém fé pública.

A Lei nº 6.015/73 tem por finalidade determinar a forma de escrituração dos atos translativos ou declaratórios de propriedade imóvel e demais atos constitutivos de diretos reais, desta forma, o objetivo maior que se busca com registro imobiliário é a segurança jurídica, trazendo autenticidade para a produção de efeitos dos atos jurídicos que se desenvolverão em torno do imóvel a ser incorporado, gerando no ordenamento jurídico uma presunção relativa de veracidade quanto ao teor do declarado e transcrito.

O Registro de Imóveis, partindo desta contextualização, opera como um sistema que visa garantir a segurança das operações imobiliárias. No caso das incorporações cumpre funções de extrema importância, haja vista que as incorporações encerram grande densidade social e têm como traço marcante a oferta pública de imóveis.

Por este motivo, conforme o entendimento de Melhim Namem Chalhub, o legislador constituiu proteções peculiares a esta espécie de negociação jurídica, ajustadas à especificidade dessas situações, atento, sobretudo, aos riscos a que possam sujeitar-se os adquirentes:

A incorporação imobiliária está vinculada a esse sistema, pois, tendo como causa a constituição de direito de propriedade sobre determinada edificação e suas unidades imobiliárias, resulta claro que é para o Registro de Imóveis que haverão de convergir todos os contratos e demais atos relativos à incorporação que digam respeito à especialização do imóvel, com a constituição da nova modalidade de propriedade gerada pela incorporação, bem como os atos que digam respeito à atribuição dessa propriedade ao adquirente da unidade imobiliária assim gerada.[85]

Ainda, neste mesmo sentido:

Com efeito, todos os atos relativos a direitos reais imobiliários, decorrentes da incorporação, têm que ser registrados ou averbados no Registro de Imóveis, a saber: averba-se a demolição do imóvel que eventualmente estiver construído no terreno sobre o qual será erigido o edifício; registra-se o memorial de incorporação; averba-se o instrumento particular de ajuste firmado pelo incorporador e pelo pretendente à aquisição; registra-se a hipoteca ou a propriedade fiduciária constituída para garantia de eventual financiamento da construção; registram-se as promessas de compra e venda de unidades; averba-se a construção da nova edificação; registram-se a individualização e discriminação das unidades, inclusive a instituição do condomínio especial e, enfim, assentam-se todos os demais atos que digam respeito à constituição desses direitos reais relativos à edificação e às suas unidades, bem como as mutações que sofrerem esses direitos.[86]

Antes de ser efetuado o registro no Cartório, é imprescindível que o projeto da construção tenha sido definitivamente aprovado pela prefeitura local e expedido o alvará de construção, sendo certo que este não supre de forma alguma o registro no ofício de imóveis e sua não efetivação constitui contravenção penal punível na forma da Lei.

A Lei assegura a todos o acesso ao Registro de Imóveis independentemente de qualquer formalidade, com o propósito de examinar os atos constantes de qualquer matrícula constante em seus registros, conferindo, portanto, plena visibilidade e publicidade a todos os direitos reais incidentes sobre os imóveis.

Ressalta-se que a Lei dispensa aos adquirentes o regime protetivo do Código de Defesa do Consumidor, como se verá. O incorporador somente está autorizado a proceder a comercialização das unidades autônomas após levar o memorial descritivo ao arquivamento no Registro de Imóveis, conforme preceitua o artigo 32 da Lei de Condomínios e Incorporações, não sendo possível cogitar a possibilidade de cláusula contratual que preveja a dispensa de tal exigência por parte do incorporador. [87]

Nesta perspectiva, para proteção do adquirente é essencial que sejam examinadas as peças do Memorial de Incorporação, para que se certifique da regularidade da titulação relativa ao imóvel, entre outros aspectos de natureza jurídica, técnica e econômica.

Conforme pontuam Daniel Orfale Giancomini e Flavia Orsi Leme Borges, o incorporador não pode se furtar ao registro da incorporação imobiliária, diante da necessidade de observância dos princípios da dignidade, segurança, proteção dos interesses econômicos do consumidor e transparência das relações de consumo. O registro demonstra a regularidade e a boa-fé do negócio jurídico. Além disto, certo é na legislação vigente (artigo 32 da Lei de Condomínios e Incorporações) que o incorporador apenas poderá negociar as unidades após o devido registro.[88]

Ainda, os autores supra elucidam sobre o artigo 66 da Lei de Incorporações Imobiliárias que a ausência de registro:

[...] é contravenção relativa a economia popular, punível na forma do art. 10 da Lei n. 1521/51, o incorporador ao negociar frações ideais de terreno, sem previamente satisfazer as exigências constantes da Lei 4591/64. Como se trata de contravenção penal relativa à economia popular, o interesse envolvido é difuso, conforme determina o art. 81, parágrafo único, I, do CDC, de forma que qualquer pessoa elencada no art. 82 do mesmo diploma legal pode defender os interesses dos consumidores que, potencialmente, estão sujeitos a aderir à incorporação imobiliária que não está respeitando as normas específicas, cabendo ainda salientar a importância da participação do ministério público. [89]  

Sobre a necessidade de registro imobiliário, necessário ressaltar que a aquisição do direito de propriedade imobiliária no direito brasileiro não se aperfeiçoa com o simples acordo de vontade manifesto contratualmente, posto que os direitos pessoais apenas geram direitos inter partes, entretanto, não gera direito de domínio. Desta forma, para que se constitua um direito real e oponível erga omnes, ou seja, contra todos, é indispensável no nosso ordenamento jurídico que se efetive o registro imobiliário perante cartório competente.

Sobre o tema, pontua Marcelo Terra: “O direito real nasce com o registro do contrato na Serventia Imobiliária, razão por que se admite, em lei, o registro do contrato, objetivando imóvel ainda não existente fisicamente, mas já reconhecido e especializado no âmbito jurídico”.[90]

Melhim Namem Chalhub entende que na apreciação do sistema de proteção ao adquirente de imóvel em incorporações imobiliárias:

[...] não se pode desprezar o Registro de Imóveis. É verdade que o sistema do Registro não opera no âmbito das relações obrigacionais, mas é o Registro de Imóveis que encerra os mecanismos relativos à validade e eficácia dos atos constitutivos e translativos de direitos reais sobre imóveis, em geral. Portanto, a proteção do adquirente, no que tange a esses aspectos, está também ligada às funções do Registro de Imóveis.[91]

Quanto ao memorial descritivo da incorporação, este detalha todas as características técnicas do imóvel, bem como material a ser utilizado, modelos e marcas devendo ser registrado junto com o incluso projeto no cartório competente antes da negociação das unidades autônomas com terceiros. Com essa precaução todo aquele que estiver interessado no imóvel poderá verificar o constante no memorial antes de efetivar o negócio sobre o bem que porventura venha a ser adquirido, tornando-se, pois, ciente da existência ou não de máculas na execução do imóvel avençado.

No entendimento de Alexandre Guerra, os principais efeitos do registro do memorial de incorporação, de responsabilidade do incorporador são:

(i) servir como proposta irrevogável de contrato, detalhando os compromissos e obrigações do incorporador perante os adquirentes das unidades; (ii) atender ao requisito da publicidade da incorporação imobiliária, passando a valer erga omnes caso não haja o exercício de desistência do empreendimento e (iii) tornar-se documento público, de modo a ser possível a qualquer interessado a obtenção de cópias e verificação do cumprimento das obrigações legais e contratuais assumidas pelo incorporador.[92]

Sobre a necessidade de registro do memorial de incorporação, Melhim Namem Chalhub elucida que:

Ao arquivar o memorial de incorporação no Registro de Imóveis, o incorporador estabelece os referenciais que nortearão a criação de novas unidades imobiliárias, sendo certo que, ressalvada a hipótese de denúncia prevista no art. 34 da Lei 4.591/1964, a manifestação de vontade do incorporador estabelecerá, definitivamente, uma vinculação entre o terreno para o qual está projetado o edifício e as futuras unidades imobiliárias que nele serão erigidas.[93]

No memorial descritivo será enunciada a identificação do objeto de cada compromisso de compra e venda, ou seja, conterá a fração ideal do terreno e a descrição de cada unidade autônoma que a ela se vincular, bem como indicar as obrigações essenciais do incorporador nesse contrato, notadamente o projeto, parte integrante do memorial deverá ser executado, a especificação dos materiais que deverão ser aplicados na obra e o valor da obra expresso em orçamento também não poderão ser omitidos.

Por este ângulo, a publicidade é complemento indispensável do contrato e do memorial descritivo, é requisito que se cumpre mediante o assentamento no Registro de Imóveis da situação do imóvel.

Por outro lado, não é apenas o memorial de incorporação ou o contrato que devem ser levados ao assentamento do cartório de registro de imóveis, mas também a construção é outro importante aspecto formal que deve ser registrado ma mátricula do imóvel para que possam ser individualizadas e discriminadas as unidades autônomas constantes no empreendimento. Ainda que esteja materialmente concluída a construção, Melhim Namem Chalhub nos esclarece que sem tal formalidade “a unidade imobiliária não terá existência legal se sua construção não for averbada e se sua individualização não for assentada no Registro de Imóveis”.[94]

Deste modo, o legislador vedou ao incorporador imobiliário negociar sobre unidades autônomas antes de registrada a incorporação no Registro de Imóveis, e exigiu para o registro , além do título de domínio do terreno, também a apresentação do projeto de construção aprovado, memorial descritivo das especificações da obra e minuta da convenção condominial, devendo também serem arquivadas em cartório juntamente com as certidões de regularidade judicial e fiscal do incorporador.[95]

Ademais, é certo que o número desse registro constasse obrigatoriamente dos anúncios, impressos, publicações, propostas, contratos, referentes ao empreendimento.

Por fim, o registro de todos os requisitos da incorporação imobiliária faz nascer a unidade imobiliária com identidade própria, integrante de um conjunto de unidades autônomas, sendo requisito essencial para que o incorporador possa negociar as unidades autônomas que futuramente serão construídas. Estão inseridos no registro todos os documentos de natureza jurídica, técnica econômica e empresarial, como forma de oferecer ao possível adquirente avaliar com precisão o que estão cogitando comprar e assim avaliar de forma consciente os riscos do negócio.


3.A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

Conforme restará demonstrado, não há como negar a condição de fornecedor ao incorporador imobiliário, a Lei dispensa ao adquirente de imóvel “na planta”, fenômeno conhecido como incorporação imobiliária, o mesmo sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que numa interpretação sistemática, preenche todos os requisitos específicos para caracterizar-se como o consumidor tutelado pelo artigo 2º do CDC.

Segundo elucida Leandro Leal Ghezzi, a incorporação imobiliária deve seguir o regramento previsto na Lei de Incorporação Imobiliária nº 4.591/64 naquilo que tem de específico, no entanto

[...] a ela também se aplica o Código de Defesa do Consumidor, que imprimiu à Lei da Incorporação imobiliária uma nova concepção de contrato, da qual ele próprio é fruto. Essa concepção é marcada pela socialização da teoria contratual, pela imposição da boa-fé objetiva e pelo intervencionismo do Estado e suas conseqüências são, fundamentalmente, a limitação da liberdade contratual e a relativização da força obrigatória dos contratos, a proteção da confiança e dos interesses legítimos e uma nova noção de equilíbrio das relações contratuais. Desta forma, coloca-se sob o alcance do Código de Defesa do Consumidor os incorporadores adquirentes, potenciais e efetivos, de unidades autônomas de incorporação imobiliárias, de forma que os primeiros podem assumir agora também a condição de fornecedores de produtos (a unidade autônima) e de serviços (a construção), ao passo que os últimos podem ser considerados consumidores. [96]

A proteção jurídica dispensada ao adquirente de imóvel objeto da incorporação imobiliária deve ser de forma irrestrita, principalmente se levado em conta que o consumidor adquirente da unidade autônoma não tem a possibilidade de discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do negócio no momento da celebração do contrato.

É evidente que esses tipos de contratos trazem vantagens as incorporadoras, mas ninguém duvida de seus malefícios para os contratantes hipossuficientes. Estes aderem sem conhecer de fato o teor das cláusulas, confiando nas empresas que as pré-elaboraram e na proteção jurídica.

Nesse passo, as cláusulas contratuais que transfiram o risco do empreendimento do incorporador ao adquirente são abusivas e eivadas de nulidade absoluta, o que busca afastar a legislação consumerista.

Diante dos elementos caracterizadores da nova teoria dos contratos já tratada neste estudo, é impossível não se observar a importância das mudanças nas formas de contratação trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor neste contexto.

Antes de adentrar ao tema, necessário salientar que não são todas as relações imobiliárias que o Código de Defesa do Consumidor tem sua aplicabilidade, entretanto, não se pode olvidar que o construtor ou incorporador pode em diversas circunstâncias negociais ser considerado fornecedor de que se trata o artigo 3º do CDC, assim como os adquirentes, desde que sejam destinatários finais, enquadrar-se-ão perfeitamente no conceito de consumidor da referida Lei, disposto do artigo 2º.

Neste mesmo sentido esposa Rodrigo de Azevedo Toscano de Brito:

Diante do passo dado neste item, quisemos frisar que os contratos imobiliários não ficaram afastados do âmbito de incidência do CDC. Muito pelo contrário. Antes, as partes envolvidas nas contratações aqui analisadas tinham obrigações apenas relativas a cada contrato em si. Hoje, dentro do espectro do CDC, como ficou assente passos atrás, ampliou-se o panorama obrigacional, que vai desde a fase pré-contratual até a fase pós-contratual, principalmente dos fornecedores, os quais devem ter em mente os fundamentos principiológicos do CDC, tais como lealdade e a boa-fé, guias inafastáveis das relações jurídicas modernas. Além disso, tendo-se em vista a importância social dessas contratações e muitas vezes a falta de atualização legislativa sobre cada uma delas, não se pode negar a importância que tem o CDC na compreensão de suas bases atuais. [97]

Dentre as situações jurídicas no ramo imobiliário onde se admite a aplicação das normas consumeristas, uma das mais significativas, tendo em vista a densidade social e larga utilização nos negócios imobiliários no Brasil, está a chamada incorporação imobiliária, por ser inegavelmente um contrato de massa, que merece uma maior atenção das normas protecionistas de que se trata o diploma do consumidor, assim como observância dos princípios da nova teoria contratual que tanto engrandeceu a ideia de justiça contratual.

Certo é que antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, poucas eram as normas que traziam em seu bojo as tendências da nova teoria contratual, daí a relevância do estudo do microssistema do consumidor para uma melhor compreensão dos elementos inovadores trazidos pela teoria.

Normalmente, os contratos que tem por objetivo as relações de consumo são contratos em massa, seja através da contratação por adesão, seja através de demais contratações gerais onde o fornecedor do bem a ser adquirido se encontre numa posição negocial superior ao adquirente. Desta forma, não se pode confundir a relação de consumo que detém proteção própria dado aos seus próprios caracteres, com os contratos paritários que não possuam natureza consumerista, e, portanto não devem ser enquadrados neste contexto de protecionismo a fim de igualar as partes discrepantes entre si.

O contexto em que a aplicabilidade do CDC é plena criou-se a partir da constatação que na atual sociedade de consumo por diversas vezes o consumidor é vítima de abusos por parte dos fabricantes ou fornecedores de produtos e serviços. Com o escopo de evitar tal arbitrariedade, é de rigor a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, diploma este que tem como precípuo objetivo resguardar os direitos do consumidor, o qual invariavelmente é tido como a parte hipossuficiente da relação consumerista, por razões de ordem técnica e econômica. É inegável a importância de tal legislação específica, que tem o intuito central de lidar com os conflitos de consumo, afastando as beligerantes atitudes de alguns fornecedores.

Outrossim, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, no entanto, tem sido objeto de discussões doutrinárias acaloradas, dadas as diversas divergências nos posicionamentos dos autores que se manifestaram sobre a temática. Rodrigo de Azevedo Toscano de Brito traz o posicionamento que o objetivo do CDC não foi o de proteger todo contratante que se encontre em posição de inferioridade, mas sim, a criação de normas que regulem contratos firmados, invariavelmente entre consumidores e fornecedores.[98]

Por outro lado, Nelson Nery Junior, afirma que pelo fato da teoria geral dos contratos ser considerada uma norma de sobredireito, tendo sua manifestação dos novos conceitos esposados pioneiramente pelo CDC, no capítulo VI do título I, deve ser aplicado a toda e qualquer relação jurídica de direito privado, seja ela civil, comercial ou de consumo. [99]

Neste mesmo contexto, embora Rodrigo de Azevedo Toscano de Brito afaste de sua ideologia a aplicação do CDC nas relações que não sejam estritamente de consumo, admite que em contrapartida “não se pode olvidar que há uma tendência geral doutrinária, jurisprudencial e legislativa no sentido de buscar, ao máximo, o equilíbrio das relações contratuais, escopo principal do CDC”.[100]

 Desta forma, conclui-se que havendo uma situação de patente desequilíbrio na relação contratual, ainda que não seja de consumo, na ausência de outra norma que regulamente a matéria no caso concreto, mister se faz a aplicação dos princípios que regem o Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor não anula regramento específico acerca das incorporações imobiliárias tampouco qualquer outro ramo do direito, isto porque, assim como afirma Cláudia Lima Marques “diante do atual pluralismo pós moderno de um direito com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre as Leis no mesmo ordenamento jurídico, como exigência para um sistema jurídico eficiente e justo”.[101]

Rodrigo Toscano Azevedo de Brito soma que “o que se nota, de uma forma geral é um completo afastamento dos ideais individualistas que ainda se constatam no Código Civil e uma aproximação a uma teoria mais social, buscando fundamentalmente, o equilíbrio da relação contratual”.[102]

Quanto à incidência do Código de Defesa do Consumidor especificamente nas incorporações imobiliárias, Melhim Namem Chalhub entende que:

O sistema de proteção dos adquirentes de unidades imobiliárias no regime das incorporações sustenta-se nos mesmos princípios do sistema de proteção do consumidor, e ambos encontram fundamento, basicamente, nos princípios constitucionais da isonomia, do devido processo legal e da garantia da propriedade privada, observada sua função social, os quais, por sua vez, inspiram-se nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.[103]

Ainda:

Ressalta, por fim, o Código de Defesa do Consumidor, que veio sistematizar as ideias caracterizadoras do atual estágio da evolução da teoria contratual, realçando a função social do contrato e privilegiando a boa-fé objetiva e o equilíbrio do contrato. O Código de Defesa do Consumidor equipara o contrato de incorporação ao contrato de consumo, suprindo eventuais lacunas do sistema de proteção estruturado pela Lei das Incorporações, notadamente no que tange às cláusulas gerais[...][104]

Mesmo que a incorporação imobiliária não se enquadre expressamente dentre os atos de consumo tutelados pelo Codex, de acordo com uma leitura abrangente pode-se concluir que a legislação consumerista tem plena efetividade nas incorporações imobiliárias. É o que se pode extrair da lição de Sergio Cavalieri Filho ao tratar sobre o fornecedor/ incorporador:

Quando ele vende e constrói unidades imobiliárias, assume uma obrigação de dar coisa certa, e isso é da essência do conceito de produto; quando contrata a construção dessa unidade, quer por empreitada quer por administração, assume uma obrigação de fazer, o que se ajusta ao conceito de serviço. E sendo essa obrigação assumida com alguém que se posiciona no último elo do ciclo produtivo, alguém que adquire essa unidade imobiliária como destinatário final, para fazer dela a sua moradia e da sua família, está formada a relação de consumo que torna impositiva a aplicação do Código do Consumidor porque as suas normas são de ordem pública. Havendo circulação de produtos ou serviços entre fornecedor e consumidor, teremos relação de consumo necessariamente regulada pelo Código do Consumidor. [105]

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão proferido pelo eminente Ministro Ruy Rosado, já se pronunciou sobre o tema, firmando o entendimento de que se aplica o CDC nas incorporações imobiliárias, por ter contribuído com cláusulas gerais que realçam a justiça contratual, principalmente através do principio da boa-fé objetiva.[106]

Alexandre Guerra entende que a proteção jurídica dispensada ao aderente, prevista do Código de Defesa do Consumidor deve incidir de forma ilimitada. Isto por que, sendo um contrato, em regra, de natureza adesiva, não haverá possibilidade de imposição de representante pelo incorporador para o adquirente em tais negócios jurídicos. Será vedada qualquer cláusula que autorize o incorporador a alterar unilateralmente o conteúdo ou qualidade do contrato após sua celebração, sob pena de nulidade absoluta, conforme artigo 51, XIII, do CDC[107], e também nula, por se tratar de cláusula abusiva a hipótese de transferência do risco do empreendimento do incorporador ao adquirente.[108]

É notório com a análise do contexto histórico e jurídico em que o Código de Defesa do Consumidor se insere que o diploma tem como pressuposto primordial uma maior atenção à vulnerabilidade do consumidor nas relações contratuais de consumo, visando uma forma compensatória e estabelecendo diretrizes materiais coma aplicação do princípio contratual da boa-fé objetiva amoldando os efeitos da relação obrigacional à concepção social do contrato. O propósito, conforme amplamente salientado, é de assegurar o equilíbrio da relação contratual, não para a vontade individual dos contratantes, mas sim para os reflexos e expectativas sociais que estes contratos de consumo geram em âmbito social e econômico.

Nesse sentido, Melhim Namem Chalhub disserta que:

[...] o Código de Defesa do Consumidor enuncia as bases fundamentais da defesa do consumidor, entre as quais vale destacar, além do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, tudo isso sustentado nos princípios da boa-fé e do equilíbrio das relações entre consumidores e fornecedores.[109]

Da mesma forma que ocorre em qualquer contrato de consumo, na incorporação imobiliária a proteção do Código de Defesa do Consumidor também se manifesta contra as práticas abusivas, tanto na fase pré-contratual como também se estende a fase onde já há um contrato em vigência entre as partes, e, por fim, à fase pós-contratual.

Daniel Orfale Giancomini e Flávia Orsi Leme Borges corroboram com este entendimento:

Na elaboração dos contratos, não são permitidas as clausulas abusivas, nos termos dos artigos 51 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. Ainda, após a entrega da obra, o fornecedor continua sendo responsável pela sua segurança e qualidade, podendo ser responsabilizado por vícios e defeitos. [110]

Ultrapassada esta breve síntese acerca da plena aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à incorporação imobiliária, sem, contudo, prejudicar a vigência do disposto na lei específica de incorporações ou no Código Civil, sendo possível o diálogo das fontes, serão pormenorizadas as temáticas relevantes ao tema, à luz do Código de Defesa do Consumidor.

3.1.Cotejo entre Direito Civil e Direito do Consumidor

Historicamente, conforme já narrado no capítulo introdutório, o surgimento do Código de Defesa do Consumidor se deu em um período de grande defasagem do Direito Civil face à realidade social.

Por tal razão, com a edição do código de defesa do consumidor lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, era inevitável que seu caráter principiológico contagiasse o direito privado, levando Adalberto Pasqualotto a fazer a importante indagação no seu estudo sobre o tema, partindo do desencontro de ideias sobre os limites de aplicações do CDC. Tais inovações “deveriam ser contidas na relação de consumo ou se expandir a partir da própria ferramentaria conceitual do CDC, regendo também relações jurídicas extraconsumo?”.[111]

Tal indagação se mostra de extrema relevância, pois, não raras vezes o operador do Direito se vê diante de uma série de comandos normativos conflitantes entre si e até mesmo contraditórios, cuja solução nem sempre encontra uma resposta adequada pela simples aplicação dos critérios tradicionais de superação de antinomias. Ainda, mesmo que os métodos clássicos possam fornecer uma resposta jurídica tecnicamente correta ao caso concreto ou ao estudo do direito, esta aplicação pode conduzir a resultados incoerentes e em confronto com as diretrizes do sistema, em especial com os fundamentos constitucionais e as cláusulas gerais de direito, o que sem dúvidas representa um retrocesso.

Sobre o conflito de normas José Ricardo Alvarez Vianna disserta que:

Para melhor compreensão do assunto, nada mais conveniente do que recorrer a um enfoque prático. Nesse palmar, observa-se que a Teoria do Diálogo das Fontes tem sido bastante aplicada em situações que se sujeitam, concomitantemente, a disposições contidas tanto no Código Civil, quanto no Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a solução não advém dos métodos clássicos, como especialidade, temporalidade ou hierárquico, mas a partir de uma perscrutação, uma investigação, uma análise da situação fática correspondente em cotejo com as normas incidentes. É desse conflito que o operador do Direito irá buscar identificar a finalidade e a essência do bem jurídico, objeto da lide, para formular, num processo simbiótico, a solução que o caso reclama, de acordo com os parâmetros jurídicos que regem a matéria, em sintonia com as diretrizes Constitucionais.[112]

Concernente a aplicação da Lei Civilista e do Código de Defesa do Consumidor, diplomas que são objeto deste estudo, Cláudia Lima Marques reflete sobre quais seriam os diálogos possíveis entre o CDC como lei anterior e especial e o Código Civil que teve sua vigência iniciada posteriormente:

Há o diálogo de influências recíprocas sistemáticas como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei (assim, por exemplo, as definições de consumidor stricto sensu e de consumidor equiparado pode sofrer influências finalísticas do novo Código Civil, uma vez que esta lei nova vem justamente para regular relações entre iguais, dois iguais-consumidores ou dois iguais-fornecedores entre si. No caso de dois fornecedores, trata-se de relações empresariais típicas, em que o destinatário final fático da coisa ou do fazer comercial é um outro empresário ou comerciante, ou com no caso da possível transposição das conquistas do Richterrecht (Direito dos Juízes) alcançadas em uma lei para outra. É a influência do  sistema especial no geral e do geral no especial, um dialogo double sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática).[113]

Conforme citado ainda por Cláudia Lima Marques, o grande mestre de Heidelberg propõe então com sua teoria a convivência de uma solução ao lado da solução tradicional: a coordenação das fontes.

Propõe uma coordenação flexível e útil (effet utile) das normas em conflito no sistema, a fim de ver restabelecida sua coerência, ou seja, uma mudança de paradigma: da retirada simples (revogação) de uma das normas em conflito do sistema jurídico (ou do monólogo de uma só norma possível a comunicar a solução justa) à convivência destas normas, ao diálogo das normas para alcançar a sua ratio, à finalidade narrada ou comunicada em ambas, trata-se do atual e necessário diálogo das fontes (dialogue des sources) a permitir a aplicação simultânea e coerente das plúrimas fontes legislativas convergentes.[114]

A expressão diálogo é utilizada porque há influências recíprocas, isto é, uma aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja uma aplicação complementar, seja uma aplicação subsidiária, seja ainda permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente, como ocorre nas convenções internacionais. É uma forma de se buscar uma solução flexível e aberta de interpretação, ou mesmo a solução mais favorável ao elo mais fraco da relação.[115]

Desta forma, a vigência da Lei Civilista não anula nem revoga o disposto no Código de Defesa do Consumidor, assim como o referido diploma consumerista não pode ser aplicado sem a observância do sistema como um todo. Deve-se analisar sempre o caso concreto e o melhor diálogo para a resolução do problema social trazido ao judiciário.

Da análise da questão, é forçoso concluir que ambas as legislações podem perfeitamente coexistir de forma harmoniosa. Adalberto Pasqualotto por sua vez, entende que, de outra parte,

[...] certas disposições do CC/2002 que estipulem patamar de proteção inferior aos estabelecidos no CDC em nada afetam ao consumidor, em virtude do princípio de que lei especial prevalece sobre a lei geral, enquanto que normas convergentes e complementares ao CDC, eventualmente mais amplas ou benéficas, podem ser aplicadas supletivamente em favor dos consumidores.  [116]

Conforme exemplos pertinentes trazidos por Rodrigo de Azevedo Toscano de Brito algumas considerações devem ser levantadas sobre a aplicação das normas. Primeiramente, deve-se limitar o âmbito de compreensão do raciocínio a compra e venda de imóvel, ou seja, nos contratos firmados entre particulares em condições de igualdade, como ocorre quando um particular vende uma casa, apartamento ou lote de terreno a outro particular, com ou sem a intermediação de um profissional de corretagem; nestes casos, por óbvio não há que se falar em incidência do Código de Defesa do Consumidor, diante da falta de um dos elementos essenciais da relação de consumo, estando tal contratação regida pelo Código Civil.[117]

Entretanto, deve-se atentar para aqueles casos quando de um lado está um vendedor habitual de imóveis e de outro se encontra um comprador eventual. Nessa situação específica, o vendedor se enquadra na posição de fornecedor, seja ele pessoa física ou jurídica, por desenvolver atividade de comercialização, sendo detentor de maior conhecimento técnico e negocial. Por outro lado, o comprador que adquire o imóvel também pode ser visto como o consumidor destinatário final do bem, ensejando a tutela consumerista.[118]

Partindo da visão trazida pelos supracitados juristas, nota-se sem sombra de dúvidas que o incorporador imobiliário assume a figura do fornecedor do Código de Defesa do Consumidor, devendo a relação jurídica denominada incorporação imobiliária, com compra de imóvel na planta seguir os ditames da proteção ao consumidor, que configurará a parte frágil do polo contratual, necessitando de um maior resguardo do que numa relação jurídica estritamente civil. É deste pressuposto inicial que continuaremos este estudo. 

3.2.As figuras do consumidor/ adquirente e fornecedor/ incorporador

Preliminarmente, cumpre dizer, que é incontroverso e pacífico que a relação aqui discutida, é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor.

O conceito de consumidor está positivado no CDC, no artigo 2º, que traz em sua redação que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

De acordo com Cláudia Lima Marques, o legislador brasileiro do Código de Defesa do Consumidor, parece ter em princípio preferido uma definição objetiva de consumidor. Desta forma, torna-se estritamente necessário a análise do termo “destinatário final” constante no texto legal.

Segunda a explicação inicial da supracitada jurista, destinatário final seria “o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (Endverbraucher), aquele que coloca um fim na cadeia de produção e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir na cadeia de serviço”.[119]

De acordo com esta conceituação trazida, o destinatário final através de um ato objetivo, retira o bem do mercado de consumo. É necessário não apenas adquirir o bem, utilizá-lo, ou ser seu destinatário fático, mas, sobretudo, não adquiri-lo para revenda ou para fins comerciais onde o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu.[120] 

Quanto a possibilidade de pessoa jurídica ser consumidora, Arthur Luis Mendonça Rollo entende que o fator determinante da condição de consumidora da pessoa jurídica é a denominada ““vulnerabilidade técnica”, que implica o desconhecimento por parte do adquirente das características do produto ou serviço. Se ela adquire insumos para sua atividade, esse elemento desaparece, descaracterizando sua condição de consumidora”.[121]

Conforme melhor tratado no capítulo anterior, deve-se observar que nem sempre o adquirente será consumidor de que trata o CDC. No contrato de incorporação imobiliária, será consumidor o adquirente da unidade condominial autônoma para uso pessoal ou para terceiros, como por exemplo, compra de unidade em nome dos filhos, sendo essencial que este seja o destinatário final para a plena vigência do CDC. Aquele que compra a unidade condominial para investimento e oportuna revenda, não pode ser enquadrado como consumidor, vez que não se encontra situado no término da cadeia de consumo.[122]

Ademais, o adquirente da unidade autônoma para ser considerado consumidor deve sempre ser a parte vulnerável na relação de consumo, podendo, neste contexto ser tanto um consumidor pessoa física, quanto um consumidor pessoa jurídica, contanto que seja o destinatário final do bem imóvel, levando-se em conta o elemento teleológico.

Quanto à figura do consumidor, o adquirente de imóvel pelo regime das incorporações imobiliárias estará caracterizado na medida em que esteja na posição de destinatário final do imóvel conforme determina o artigo 2º, e se mostre vulnerável em face do incorporador. Por este ângulo, não será equiparado à consumidor aquele que adquire imóvel em razão de sua atividade econômica, assim como aquele que adquire para revender, e não para utilizar como destinatário final. Para caracterização da figura do consumidor, é indispensável que esteja configurada a vulnerabilidade do adquirente, conforme observa Rodrigo Azevedo Toscano de Brito, ao apontar que

A doutrina é uníssona quando refere que o CDC pretendia, realmente atingir a parte mais fraca, aquela que não tem estrutura suficiente para enfrentar as imposições da parte mais forte na relação de consumo, qual seja o fornecedor. Portanto, não há o que discutir neste sentido, desde que a pessoa natural esteja adquirindo ou utilizando o produto ou serviço como destinatário final.[123]

Para o CDC, é considerado como consumidor, ainda, na análise do artigo 4º,I além da parte que adquire ou utiliza o produto como destinatário final,  ainda, o consumidor que seja hipossuficiente ou vulnerável na relação de consumo, causando, desta forma, desequilíbrio que traga vantagens a parte mais forte, ou seja, o fornecedor  ou incorporador.

Neste mesmo sentido, o consumidor deve ser notoriamente o elo mais fraco da relação, ou seja, aquele que impossibilita a presença de um equilíbrio contratual, em face da superioridade técnica ou econômica do fornecedor. Convém ressaltar, deste modo, que a hipossuficiência que o Código, a doutrina e a jurisprudência se referem pode também ser alusiva a ausência de conhecimento técnico sobre o produto ou serviço, possibilitando a colocação do consumidor em situação de extrema desvantagem contratual, ou então relativo à disparidade econômica do consumidor face ao fornecedor, que na maior parte das vezes conta com aparato maior para a defesa de seus interesses, haja vista seu maior poderio econômico. 

Por outro lado, o artigo 3º dispõe:

fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Neste segmento, conforme disserta Cláudia Lima Marques, a definição do artigo 3º é bastante ampla:

Quando ao fornecimento de produtos, o critério caracterizador é desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a comercialização, a produção a importação, indicando também a necessidade de uma certa habitualidade, com a transformação, a distribuição de produtos. Estas características vão excluir da aplicação das normas do CDC todos os contratos firmados entre dois consumidores, não profissionais, que são relações puramente civis, às quais se aplica o CC/2002.[124]

Neste passo Luis Antonio Rizzatto Nunes entende que o termo fornecedor previsto na legislação protetiva é gênero, do qual o fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o comerciante são espécies. Ver-se-á que com esta abrangência dada pelo legislador, pretende-se que todos sejam obrigados ou responsabilizados na eventualidade de evento danoso ao consumidor.[125]

Além disso, o artigo 3º, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor define produto como sendo "qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial".

Para que haja a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de incorporação imobiliária, primeiramente, precisa-se analisar se o adquirente enquadre-se nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor.

Na simples leitura do artigo 3°, conclui-se que as incorporadoras e construtoras são pessoas jurídicas, podendo ser nacional ou mesmo estrangeira que desenvolvem atividade no mercado de consumo. Como se pode notar, fornecedor é um conceito propositalmente abrangente na Lei, sendo toda pessoa física ou jurídica que pratique habitualmente a oferta pública de produtos ou serviços no mercado de consumo

Corroborando com essa assertiva, Alexandre Guerra assevera que:

[...] não é possível negar a condição de fornecedor ao incorporador imobiliário. É ele quem planeja a montagem da incorporação, quem cria o produto imobiliário, quem promove a construção da edificação visando ao produto final (a unidade condominial) objeto da comercialização, em edificações a serem construídas ou em construção (art. 29, LCI). Por outro lado, ocupa o contra pólo da relação jurídica em foco o adquirente da unidade condominial autônoma, que pode ser considerado consumidor, no mais das vezes, mercê do disposto no artigo 2º do CDC.[126]

Assim, é possível concluir-se que a relação jurídica firmada entre incorporadora e adquirente de unidade é uma relação jurídica de consumo, não olvidando, entretanto, o fato de que esta afirmação não tem por conseqüência, a exclusão da incidência de outras normas. Este fato, portanto, cria a possibilidade de incidência cumulativa do Código de Defesa do Consumidor com outras normas atinentes ao caso concreto.

Como anota Melhim Namem Chalhub:

De fato, no rol de atividades que configuram o fornecedor estão a atividade de construção e de comercialização de produtos. É verdade que o incorporador não exerce, necessariamente, a atividade de construção, mas, não obstante, é ele quem faz construir e coordena o negócio da incorporação, sendo, por isso, responsável pela construção, solidariamente com o construtor; está, assim, de maneira indireta, equiparado ao fornecedor, mas, ainda que não o fosse não em razão da atividade de construção e de coordenação do negócio, o incorporador haveria de ser equiparado ao fornecedor em razão da atividade de comercialização dos imóveis integrantes da incorporação, na medida em que o Código de Defesa do Consumidor qualifica o imóvel como produto e inclui a comercialização de produtos entre as atividades que caracterizam a figura do fornecedor. [127]

Do exposto, como corolário, fornecedor trata-se de um conceito deveras abrangente, de modo que embora o texto legal não traga expressamente previsto a figura do incorporador, este, sem sombra de dúvidas está compreendido no conceito geral. Para melhor vislumbrar a sedimentação dessa afirmação, não se pode analisar o incorporador isoladamente como um corretor, mandatário ou gestor de negócios, posto que o incorporador é mais do que isso, pois nele se consagra todas essas atividades, ele é o grande idealizador do empreendimento imobiliário, do projeto e o propulsor do investimento.

Por fim, não é demais ressaltar que o incorporador, conforme depreende o artigo 29 da Lei de Condomínios e Incorporações, pode tanto ser pessoa física quanto pessoa jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetue a construção diretamente, compromissa e efetiva a venda de frações ideais do terreno objeto da incorporação, após devidamente registrada no Cartório de Registro de imóveis, e cumpridas todas as exigências legais e administrativas, conforme visto.  O incorporador exerce suas atividades de maneira profissional, sendo primordial que assim o faça, para a incidência do CDC. 

3.3.A publicidade suficientemente precisa e a vinculação da oferta.

Não seria exagero afirmar que o mercado imobiliário movimenta as esperanças e expectativas das pessoas, tanto para aquelas que almejam realizar o sonho da casa própria, como também aqueles que visam apenas aquisição de imóvel como forma de investimentos nessa área.

O que se vê costumeiramente na prática imobiliária de mercado no que tange a incorporação imobiliária, ou a chamada “compra de imóvel na planta”, são anúncios onde normalmente há uma fotografia digital montada do que será o futuro prédio ou condomínio horizontal, inclusive, na maioria dos grandes empreendimentos o incorporador disponibiliza uma amostra do apartamento decorado no plantão de vendas, bem como maquete da estrutura física da construção, juntamente com todas as áreas comuns e de lazer de forma esquematizada a atrair o interesse do adquirente.

Como corolário, todo este material apresentado ao consumidor no momento da realização da publicidade do empreendimento configura a chamada “oferta”, que consiste uma série promessas que posteriormente, vincularão o incorporador imobiliário, como veremos a seguir.

O § 2º do artigo 31 da Lei 4.591/64, como visto nos capítulos iniciais, é claro ao dispor que nenhuma incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome permanecer indicado ostensivamente no local onde será realizada a construção do empreendimento.

Destarte, será indispensável para a regularidade da incorporação imobiliária que conste o número do registro da incorporação no material publicitário, assim como a indicação do cartório competente para que todo e qualquer interessado possa ter acesso a esta documentação que traz informações essenciais sobre o empreendimento. Salienta-se que toda publicidade ou propaganda escrita destinada a promover a venda das unidades autônomas também é indispensável à regularidade do negócio jurídico, e devem constar expressamente dentre os documentos essenciais. 

Neste diapasão, com o devido registro efetuado perante o cartório competente, o consumidor pode ter acesso inclusive ao memorial descritivo da incorporação, tendo conhecimento das dimensões e materiais a serem utilizados na obra.

O memorial descritivo, conforme pormenorizado no segundo capítulo detalha todas as características do imóvel, assim como o material a ser utilizado, modelos e marcas deve ser registrado no cartório antes da venda do imóvel. Com essa precaução todo aquele que estiver interessado no imóvel poderá verificar o constante no memorial de incorporação antes de efetivar o negócio sobre o bem que porventura venha a ser adquirido, tornando-se, pois, ciente da existência ou não de máculas na execução do imóvel avençado. Neste sentido, a construtora deve se utilizar dos materiais informados ao consumidor, caso contrário poderá valer-se o comprador dos remédios legais.

A publicidade é ato que torna público o empreendimento, que traz visibilidade ao negócio imobiliário viabilizando que potencias consumidores possa vir a se interessar pela aquisição do imóvel na planta. Como a oferta e a publicidade são atos de comércio integrantes da pré-venda e da pós-venda, obrigatoriamente devem seguir os seguintes princípios do Código de Defesa do Consumidor.

Primeiramente, é mister fazer um breve diferenciação do instituto jurídico da oferta no direito privado, com a oferta prevista no Código de Defesa do Consumidor.

O artigo 427 do Código Civil, dispõe que “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”.

Da análise do dispositivo acima transcrito, Luiz Antonio Rizzatto Nunes entende que:

Todavia, como se infere do próprio dispositivo, tanto pode o proponente esquivar-se da oferta, impondo limites e condições na proposta, quanto, dependendo da natureza do negócio, a vinculação inexistir. Além disso,no regime privado, para obrigar o solicitante, a oferta tem de ser firme, precisar a coisa que esta sendo oferecida à venda e compra ter preço certo e ser dirigida a pessoa determinada. No regime do Código Civil os anúncios publicitários por meio de jornais, revistas, catálogos etc. não são oferta de proposta propriamente dita, mas sim um “convite à oferta”, de modo que o proponente não fica vinculado. E, ainda, quando caracterizada a proposta, sua recusa resolve-se em perdas e danos.[128]

Rizzatto Nunes apresenta, ainda, a diferenciação do instituto da oferta prevista no Código de Defesa do Consumidor:

Não é o que ocorre no regime do CDC. A partir de 11 de março de 1991,toda oferta relativa a produtos e serviços vincula o fornecedor ofertante obrigando-o ao cumprimento do que oferecer. Isso é uma decorrência lógica e natural da sociedade de massas que se instalou – e é regra expressa da Lei n. 8078.como se verá. Alias, em caso de descumprimento da oferta, pode o consumidor, inclusive, exigi-la do fornecedor por meio de execução específica,forçada, da obrigação de fazer. E a característica marcante da oferta é dirigir-se a uma gama indeterminada de consumidores. [129]

A oferta do Código de Defesa do Consumidor tem sentido e abrangência de muito maior amplitude do que a proposta do art. 427, do CC/2002, de acordo com o entendimento esposado por Nelson Nery Junior. Não se consideram proposta, no sentido do Código Civil aqueles comportamentos denominados invitatio ad offerendum, por dirigir-se a uma gama indeterminada de pessoas (ad incertam personam) e por faltar-lhe a vontade de contratar.[130]

Conforme se pode notar, é cristalino que a oferta no Codecon tem uma força vinculante infinitamente maior do que na Lei Civilista, isto porque, o fornecedor não pode oferecer uma ilusão ao comprador e depois simplesmente se desincumbir daquilo que foi essencial para o convencimento do consumidor no momento da adesão ao negócio.

Na Lei consumerista ocorre o fenômeno da vinculação, ou seja:

Oferecida a mensagem, fica o fornecedor a ela vinculado, podendo o consumidor exigir seu cumprimento forçado nos termos do art. 35. Se o fornecedor quiser voltar atrás na oferta, não poderá fazê-lo, até porque, como de resto decorre da estrutura do CDC, a oferta tem caráter objetivo. Feita, a própria mensagem que a veicula é o elemento comprobatório de sua exigência e vinculação.[131]

É certo que, de acordo com os ditames do Código de Defesa do Consumidor, na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores, é de rigor a observância do princípio da transparência esculpido pelo artigo 4º, norteador das relações de consumo, nesta acepção, Claudia Lima Marques elucida que “a ideia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor”.[132]

O princípio da transparência se traduz na necessidade de prestar ao consumidor informações claras, precisas e corretas, de acordo com o artigo 30 do CDC[133], tal dispositivo zela pela lealdade e respeito nas relações consumeristas, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase de negociação. 

Deste modo, transparência significa prestar ao consumidor informações corretas e honestas sobre o produto a ser destinado à venda e sobre o contrato firmado, significa a prevalência da lealdade e do respeito nas relações entre consumidores e fornecedores, ainda que na fase pré-contratual.

 Claudia Lima Marques entende que o CDC regula:

[...]aquelas manifestações do fornecedor que tentam atrair o consumidor para a relação contratual, que tentam motivá-lo a adquirir seus produtos e usar os serviços que oferece. Regula, portanto, o Código e a oferta feita pelo fornecedor, incluindo também a publicidade veiculada por ele. O fim destas normas protetoras é assegurar a seriedade e a veracidade destas manifestações, criando uma nova noção de “oferta contratual”.[134] 

Reflexamente ao princípio da transparência, há o dever de informação é oriundo da boa-fé negocial, e altamente valorado frente às complexas negociações contemporâneas e, sobretudo, aos riscos que tais negociações trazem ao pólo frágil da relação negocial. O fornecedor responderá não apenas pela publicidade não cumprida, como também pela falha na informação, estando o consumidor, em ambas as situações, protegido pelo disposto no artigo 35 do CDC.

A publicidade se insere num contexto pré-contratual, visando atrair potenciais consumidores, e por tal razão merece uma maior precaução da lei, a fim de legitimar meios de proteção do consumidor em caso de publicidade enganosa, ou não cumprimento da oferta veiculada no material publicitário.

Claudia Lima Marques considera que a ratio legis do Código de Defesa do Consumidor

[...] é justamente valorizar este momento de formação do contrato de consumo, que passamos a analisar. A tendência atual é de examinar a qualidade da vontade manifestada pelo contratante mais fraco, mais do que a sua simples manifestação: somente a vontade racional, a vontade realmente livre, autônoma e informada, legitima, isto é, tem o poder de ditar a formação, e por conseqüência, os efeitos dos contratos entre consumidor e fornecedor.[135]

Vale dizer que, aquilo que foi a razão de existir do contrato, tornar-se-á obrigatório o cumprimento pelo fornecedor, e, caso assim não seja, o adquirente tem o direito de se proteger das abusivas manobras dos fornecedores/ incorporadores.

Arthur Luis Mendonça Rollo, no mesmo sentido, afirma que a publicidade consiste na divulgação de características de produtos e serviços para aproximá-los dos consumidores. Trata-se da oferta difusa de produtos e serviços, por meio de comunicação de massa. [136]

O artigo 30 do Código de Proteção Consumerista reza que toda publicidade “suficientemente precisa” obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, integrando o contrato que vier a ser celebrado. Entretanto, a publicidade e a oferta vincularão o incorporador imobiliário, ainda que nada a respeito conste no instrumento de compra e venda ou promessa de compra e venda.

Nelson Nery Junior considera que

É importante anotar que o regime da vinculação da oferta ao futuro contrato que vier a ser concluído, faz com que todas as características do produto ou serviço constantes da oferta devam, necessariamente, fazer parte integrante do contrato. Ao fornecedor impõe-se o dever de prestar de conformidade com a oferta feita por ele.[137]

Qualquer que seja a forma de veiculação dessa oferta há o dever de prestar, vale dizer, de realizar o contrato de consumo nos termos e nas condições constantes da oferta colocada à disposição do consumidor. Assim, por exemplo, as informações ou publicidade sobre preços e condições em anúncios, panfletos devem ser respeitados estritamente, pois se não fosse aquilo, não haveria a aproximação com o consumidor.

Nelson Nery Junior, no entanto, complementa que não é qualquer publicidade que vinculará o fornecedor, mas, tão-somente a considerada suficientemente precisa:

Conforme a dicção da lei, somente se considera oferta vinculante a informação suficientemente precisa, quer dizer, aquela que contenha elementos claros para que possam ser identificados os seus termos, tais como marca do produto, condições de pagamento etc.[138]

Necessário trazer a baila que a publicidade, apenas quando suficientemente precisa, passa a ter efeitos de uma oferta, integrando o futuro contrato. Isto significa que meras propagandas como “o melhor empreendimento imobiliário do ABC” não vincularão o fornecedor, por não serem informações passíveis de maior precisão.

Neste seguimento, se o incorporador promete, por exemplo, na publicidade do empreendimento, piso de porcelanato, piscina, salão de festas, churrasqueira, dentre outras, deve cumprir rigorosamente o que foi anunciado. Isso nos leva a certeza de que ainda que o contrato depois, não venha a fazer menção a alguns desses detalhes, o adquirente pode reclamar que se faça em virtude de publicidade anterior, a qual está vinculada à contratação.

É de se concluir que a intenção do legislador foi, por óbvio, trazer uma vedação ao anúncio de mera atração de clientela. Assim sendo, se a publicidade anuncia que serão utilizados pisos da marca “x”, ainda que o contrato depois não venha a mencionar esse detalhe, o adquirente pode reclamar o cumprimento forçado em virtude de publicidade anterior.

A norma expressa claramente que a oferta integra o contrato que vier a ser celebrado, neste sentido, exemplifica Luiz Antonio Rizzatto Nunes:

Suponhamos que uma construtora faça anúncio de venda de apartamentos, que já são entregues com armários embutidos no quarto. Atraído o consumidor, ele adquire o imóvel mediante escritura pública da qual não consta que o bem está sendo entregue com os armários embutidos. E, de fato, recebendo as chaves e tomando posse, o consumidor percebe a falta de armários. Como fica a relação? O outro sentido disposto no art. 30, ao expressar “integra o contrato que vier a ser celebrado” é o de que, uma vez feita a oferta, todos os elementos que a compõe, desde já, integram o contrato a ser celebrado, mesmo que, quando de sua assinatura, o fornecedor omita algum ou alguns elementos que dela constavam. Não resta dúvida de que, no caso do exemplo, a construtora está obrigada a cumprir a oferta, instalando os armários embutidos, exatamente como fora anunciado. De outra forma, caso prefira o consumidor, o contrato de compra e venda poderá ser rescindido, restituindo-se ao comprador a quantia paga, além de eventuais perdas e danos; ou, então, o consumidor pode aceitar outro produto ou prestação de serviços equivalente aos armários faltantes. Ou, ainda, pode pleitear abatimento proporcional do preço.[139]

Ademais, tendo em vista essa forma de veiculação de propaganda, principalmente por meio de anúncios ilustrativos, a construtora não poderá se valer de subterfúgios como “imagem meramente ilustrativa”, comum nas peças de publicidade. Tal menção não ilide a responsabilidade da construtora, uma vez que se trata de oferta, devendo ser cumprido tudo aquilo que estiver no material publicitário. 

A publicidade deve ser honesta, com apresentação verdadeira do produto oferecido, para resguardar ao consumidor uma escolha livre e consciente, não podendo prevalecer a fraqueza ou ignorância da parte hipossuficiente.

A proteção do CDC representa uma considerável inovação no ordenamento jurídico brasileiro, conforme amplamente mencionado no decorrer deste estudo, uma verdadeira mudança na ação protetora do direito. De uma visão liberal e individualista do Direito Civil, passamos a uma visão social, que valoriza a função social do direito, protetor da confiança e das legítimas expectativas nas relações de consumo no mercado.

Cláudia Lima Marques aduz sobre o regramento do artigo 31, que este:

cria para o fornecedor o dever de informar corretamente o consumidor sobre as características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem do produto, bem como informar sobre os riscos que o produto apresenta à saúde e à segurança do consumidor. Assim, pelo art. 31 o fornecedor deve cuidar para que sua oferta e mesmo a apresentação de seu produto assegure informações claras, precisas e em língua portuguesa.

Sobre a questão da publicidade nas incorporações imobiliárias, Sergio Cavalieri Filho comenta que

Sendo assim, o Código do Consumidor incide na fase pré-contratual da incorporação, disciplinando a oferta e a publicidade feita pelo incorporador ou o seu promotor de vendas. Exige que a oferta ou apresentação de seus produtos e serviços assegurem informações claras, corretas e precisas sobre suas características, qualidade e preço (arts. 30 e 31, CDC); veda expressamente a publicidade enganosa ou abusiva por força dos princípios da transparência e da boa-fé, pontos cardiais do Código do Consumidor.[140]

O descumprimento da oferta, na incorporação imobiliária pode ser notado em diversas circunstâncias, por exemplo, anúncios de apartamentos à venda de frente para a praia, quando não se consegue enxergá-la de fato, ou então quando há uma amostra decorada do apartamento, no entanto, os móveis estão todos fora do padrão para darem a falsa ideia de espaço e amplitude, quando na verdade não há. Todos estes atos, e todo o material publicitário não cumprido configuram publicidade enganosa, pois frustram a legítima expectativa criada no consumidor pela oferta do incorporador, mas que não corresponde à realidade.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, acertadamente, tem reputado a publicidade enganosa como causa de rescisão do pré-contrato imobiliário, condenando o vendedor em perdas e danos, principalmente por danos morais pela frustração, engano e humilhação impostos ao consumidor.[141]

Em relação a publicidade promovida pelo incorporador imobiliário, Alexandre Guerra disserta que:

Sobressaio princípio da vinculação segundo o qual o consumidor poderá exigir do fornecedor o cumprimento do conteúdo de comunicação publicitária. Também em relação à publicidade e oferta, sustentamos que as relações jurídicas não podem se afastar, em momento algum, do princípio da boa-fé objetiva, que emana efeitos nas chamadas fases pré-contratual, contratual e pós- contratual. Em relação a publicidade, adere à boa-fé objetiva o princípio da confiança despertada no consumidor diante da massificada das relações, das várias ofertas feitas ao consumidor da publicidade especializada, o consumidor cria expectativas e estas devem ser efetivamente respeitadas até o fim da relação de consumo.[142]

Conforme textualizado, o crescimento acelerado do mercado de consumo fez nascer a premência das contratações em massa dada a dinâmica do próprio mercado que acabou por acelerar as demandas decorrentes da própria evolução social. Entretanto, esse fenômeno trouxe consigo o surgimento de práticas comerciais que passaram a causar prejuízo aos consumidores, dentre aqueles interessados na aquisição de imóveis a serem construídos, sendo essencial uma proteção da parte vulnerável e frágil da relação.

Nesta linha de ideias, Daniel Orfale Giancomini e Flavia Orsi Leme Borges ao explicarem sobre os abusos na fase pré-contratual entendem que:

O artigo 31 do CDC trata do conteúdo da publicidade, determinando que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. [143]

É deveras comum observar na publicidade e na oferta de unidades imobiliárias a colocação de uma pequena planta do apartamento no panfleto destinado ao público. Muitos dos anúncios, no entanto, sequer fazem menção às medidas encontradas em cada ambiente da unidade autônoma, passando erroneamente a impressão de que se trata de um local espaçoso e amplo, quando na verdade, após a construção será bem diferente. Ao agir deste modo, o incorporador não respeita o preceito contido no artigo 31 do CDC, que dispõe que a oferta do produto ou serviço deve assegurar informações corretas, claras e precisas. [144]

Além disso, no tocante ao preço constante na publicidade veiculada, os incorporadores se valem de meios ardis para anunciar o valor em letras grandes, no entanto, anunciam apenas a prestação mais barata que existe para o empreendimento e, em letras pequenas, esclarecem que se trata apenas das parcelas de determinadas unidades, normalmente as do primeiro pavimento que tem seu valor de mercado inferior aos pavimentos mais elevados.

Não há nenhuma proibição legal nesta prática de divulgação dos preços, no entanto, deve ser feita de maneira clara, ainda que seja apenas de uma espécie de unidade, e trazer as informações de modo que seja compreensível a leitura de qualquer pessoa interessada.

Como conseqüência lógica desta situação, o artigo 36 do CDC[145] traz que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor possa identificá-la como tal fácil e imediatamente. A publicidade deve ser claramente identificada pelo consumidor, não podendo o fornecedor se valer de técnicas indiretas, como a publicidade subliminar.

O princípio da “identificação obrigatória da mensagem” como publicitária existe no direito comparado, e tem como foco tornar consciente ao consumidor, ou comprador potencial, que ele é o destinatário de uma mensagem publicitária, patrocinada por um fornecedor com o escopo de promover a venda de seu produto.[146] 

Publicidade, segundo Claudia Lima Marques “é toda informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado”.[147]

Deste modo, a publicidade que desobedecer o regramento do artigo 36, é tida como enganosa ou abusiva, sendo expressamente proibida no texto legal do artigo 37 do mesmo diploma em comento.

A publicidade que não siga com os ditames legais, é considerada enganosa ou abusiva.

Enganosa é a propaganda capaz de induzir a erro o consumidor, mesmo que através de omissões, segundo explica Claudia Lima Marques “A interpretação dessa norma deve ser necessariamente ampla, uma vez que o erro é a falsa noção da realidade, falsa noção esta potencial formada na mente do consumidor por ação da publicidade”.[148]

Pode-se notar que quando a incorporadora coloca a mostra do consumidor uma maquete ou panfleto do condomínio edilício, ou até mesmo disponibiliza um stand de vendas com uma amostra do apartamento decorado (com movéis fora do padrão para dar impressão de espaço), e, posteriormente na entrega do imóvel tais caracteres não são respeitados, está, na verdade, veiculando uma propaganda enganosa a fim de induzir a erro o consumidor. Tal falta de lealdade contratual é severamente punida pelos ditames do Código do Consumidor, restando ao consumidor uma série de faculdades a fim de restabelecer seu direito lesado.

Por sua vez, a publicidade abusiva é aquela tida como antiética, que fere a vulnerabilidade do consumidor e os valores sociais básicos[149], podendo ser conforme parágrafo 2º do artigo 37 do CDC[150] aquela que incite a discriminação, incite a violência, explore o medo ou superstição, se aproveite de deficiência de julgamento e possa induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial à sua saúde ou segurança.

Pelo exposto até aqui, certo é que o incorporador que se valer de meios pouco probos para ofertar as unidades autônomas de seu empreendimento, fazendo uso, principalmente de publicidade enganosa a fim de ludibriar o consumidor a adquirir uma unidade de apartamento, estará vinculado a esta oferta, desde que suficientemente precisa, incorrendo, em caso de descumprimento, nos efeitos do artigo 35 do CDC.

 O diploma do consumidor, consagrando sempre os fundamentais e profundos pilares da boa-fé como forma de reparação ao adquirente lesado, traz opções alternativas, de modo que o consumidor poderá escolher entre exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade, aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente, ou ainda rescindir o contrato, não afastando o direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos, conforme será esmiuçado no capítulo final.


4.AS IMPLICAÇÕES DO DESCUMPRIMENTO DA OFERTA QUANTO AO SUPRIMENTO DE METRAGENS NOS IMÓVEIS ADQUIRIDOS “NA PLANTA”

Conforme elucidado no sistema do Código de Defesa do Consumidor, ao contrário do regramento do Código Civil e da Lei de Condomínios e Incorporações, existem algumas diferenças substanciais na lei de consumo, baseadas, sobretudo, na vulnerabilidade do consumidor e na necessidade de maior proteção na relação caracterizada como de consumo.  

Neste passo, a regra do CDC não é a resolução em perdas e danos da obrigação de fazer inadimplida, como ocorreria numa relação de direito privado puramente tutelada pelo Direito Civil.

No âmbito das relações de consumo, desde que as partes se enquadrem no artigo 2º e 3º do CDC, as perdas e danos são utilizadas como meio de solução do conflito somente subsidiariamente, isto é, diante da preferência do credor ou na impossibilidade do cumprimento da obrigação na forma específica, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, quando se verifica o não cumprimento de publicidade anteriormente veiculada de forma suficientemente precisa, o artigo 35 do CDC traz alternativamente uma série de soluções que estarão subordinadas a escolha do consumidor. É cristalino, neste ponto, que não cabe ao fornecedor a escolha do modo de reparação. 

Isto, porquanto, de nada adiantaria a criação desse novo modelo de oferta se o consumidor não tivesse meios de fazer valer o compromisso nela contido.  

Destarte, a fim de tornar eficaz a vinculação do fornecedor à sua oferta, o CDC colocou à disposição do consumidor algumas opções alternativas para quando houver o desrespeito ao CDC, com o consequente descumprimento do material publicitário. É o que estatui o seu art. 35 do supracitado diploma:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Diante do não cumprimento, abre-se no artigo 35 do CDC, assim como no artigo 18 do mesmo diploma legal, opções alternativas em que o consumidor pode escolher de acordo com sua conveniência, sendo a primeira delas o cumprimento forçado da oferta, o que na maioria das vezes, não pode ser executada por impossibilidade física.

Nesta toada, normalmente o incorporador imobiliário faz constar na maquete e no modelo de apartamento decorado tudo planejado a fim de tornar o negócio mais atraente ao consumidor, de modo que tudo se encaixa perfeitamente. Ocorre que terreno propriamente dito e na unidade efetivamente entregue ao consumidor não é desta forma, pois não haveria espaço físico para tanto.

Deste modo, é na inviabilidade física do empreendimento que se encontram uma série de entraves ao cumprimento da publicidade. Como construir uma quadra onde não há espaço suficiente? Quando o consumidor vai descobrir o vício? São problemas que obviamente a alternativa do inciso I do artigo 35 do CDC não seria capaz de solucionar, mas que podem ser evitados se os fornecedores mal intencionados forem punidos nos termos dos artigos 66 a 68 (infrações penais) e as empresas autuadas pela administração pública nas hipóteses 55 a 59 (sanções administrativas) do Código de Defesa do Consumidor.[151]

Então como seria solucionada pela legislação e jurisprudência tal situação tão corriqueira?

Como salientado, o consumidor é quem tem o poder de decisão, baseando-se nas alternativas propostas pela legislação. Ressalta-se que a norma prevista no artigo 34 do CDC, estabelece que a responsabilidade do fornecedor pelos atos de seus representantes autônomos ou prepostos é solidária, sendo certo que, ainda que a oferta tenha sido veiculada de maneira diferente das orientações do incorporador, uma vez que esta se viabiliza por profissionais de sua escolha não poderá negar o descumprindo àquilo que foi veiculado no mercado.[152]

Daniel Orfale Giancomini e Flavia Orsi Leme Borges explanam que:

[...] podemos incluir os interessados na aquisição de unidades autônomas dentre os consumidores alcançados pelo disposto no artigo 29 do CDC, que equipara todas as pessoas expostas a práticas comerciais à figura do consumidor, ainda que potencialmente. Assim, a simples exposição à publicidade ilícita é suficiente para ensejar a aplicação das normas protetivas da legislação consumerista. [153]

Neste passo, o CDC em se artigo 38 dispõe que não cabe ao consumidor provar que a publicidade foi ilícita ou que não houve cumprimento do que estava previamente anunciado no material publicitário. O Código Consumerista determina a inversão do ônus da prova, mencionando que a prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. Logo, é incumbência do incorporador demonstrar que tudo aquilo que afirma existir nas propagandas é correto.[154]

No que concerne às relações de consumo, deve-se sempre ter em mente os conceitos de hipossuficiência e de vulnerabilidade expandidos no CDC. Isto porque, embora o Direito Processual Civil (artigo 333,I do CC[155]) estipule que o ônus da prova cabe aquele que alega, no Direito do Consumidor, tendo em vista a hipossuficiência do consumidor, estatui-se que, presentes os requisitos, o ônus pode ser invertido, pois o fornecedor é quem detém todo o conhecimento técnico e jurídico acerca do produto ou serviço.

Nesse sentido, temos as palavras de Rizzatto Nunes:

[...]hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo de produto ou do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais e controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc.[156]

Neste diapasão, quando o consumidor visita um stand de vendas de um empreendimento imobiliário, além de receber dos corretores as principais informações contratuais no tocante ao preço e à metragem, depara-se com um apartamento modelo decorado que, muitas das vezes, contém uma série de estratégias de marketing a fim de enganar o consumidor, dentre elas a utilização de vários espelhos para que seja passada ao consumidor a ideia de amplitude, assim como a utilização de móveis em tamanho reduzido para aparentar que o imóvel é maior do que de fato será, o que não é explicado ao consumidor, tampouco percebido com tanta facilidade pelo chamado homem médio.[157]

Sobre esse ponto, a 4ª Turma do STJ em decisão proferida pelo ministro Luis Felipe Salomão em 06 de novembro de 2012, no julgamento do Recurso Especial nº.  1.188.442, entendeu que:

O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume nova feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor.[158]

Especificamente quanto ao problema de metragem, muitas vezes o empreendimento imobiliário no momento da venda, apresenta ao consumidor projetos e plantas contendo as medidas de cada unidade autônoma, e tal informação suficientemente precisa, obrigatoriamente deve constar no memorial descritivo de forma idêntica, para não configurar ato ilícito. Entretanto, ainda que no contrato ou no memorial descritivo conste metragem diversa da ofertada, obriga-se o fornecedor a cumpri-la conforme a promessa na fase pré-contratual.

Embora o apartamento seja vendido como unidade, o cálculo de seu preço é feito em metros quadrados, portanto qualquer diferença constatada caracterizará vício e poderá ser objeto de indenização. A não reparação do consumidor configuraria enriquecimento ilícito do incorporador, o que não é, em nenhuma hipótese, permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Com efeito, no caso de venda ad mensuram, ou seja, quando o preço é estipulado por medida de extensão, se tais dimensões do imóvel vendido não correspondem às constantes da escritura de compra e venda, o comprador tem o direito de exigir a complementação da área, a resolução do contrato ou ainda o abatimento proporcional do preço, conforme alternativas constantes no artigo 18 Lei de Consumo, por ser considerado vício de consumo.

De acordo com a interpretação de Maria Helena Diniz, venda ad mensuram é aquela que:

[...] e determina a área do imóvel vendido, estipulando-se preço por medida de extensão. O adquirente poderá exigir o complemento da área, e, se for possível, reclamar a resolução do negocio ou abatimento no preço, se faltar correspondência entre a área efetivamente encontrada e as dimensões dadas.[159] 

Para melhor compreender sobre a temática, é mister esclarecer a diferença entre área útil e área privativa.

Se a área anunciada na propaganda ou que consta no contrato e memorial de incorporação é considerada área privativa, isto significa que nela estão compreendidas paredes, pilares, etc. A área privativa é a área total privada do imóvel delimitada pela superfície externa das paredes. 

No entanto, se a área anunciada para o imóvel é área útil significa que está descontando as paredes e pilares. Como as paredes e pilares podem representar até 12% da área privativa do imóvel, se o comprador não prestar atenção e se confundir achando que a área anunciada é útil, quando na realidade é privativa, se surpreenderá com a entrega de um imóvel aparentemente menor do que o prometido. 

Outra indagação importante na hora de comprar o imóvel é se a vaga de garagem está incluída como área comum ou área privativa. Tal questionamento se mostra relevante, pois, se a vaga de garagem constar no contrato como área privativa então a área útil do apartamento descontará as paredes, pilares e também a vaga de estacionamento. 

Entretanto, para evitar problemas futuros, todas estas informações precisam estar claras e absolutamente compreensíveis ao homem médio, para que não haja sobreposição do interesse do fornecedor, que é quem detém maior poderio técnico, jurídico e econômico. 

 No caso da venda ad mensuram, onde a metragem é elemento crucial para a aderência ao negócio, o comprador pauta-se nas exatas medidas do imóvel para fins de prestar seu valor. Desta forma, se as dimensões do imóvel vendido não correspondem às constantes da escritura de compra e venda, o comprador tem o direito de exigir, alternativamente as opções legais que serão melhor elucidadas no item seguinte.

Em sentido contrário, o artigo 500 do Código Civil[160], afasta a incidência de indenização quando a diferença entre a área negociada e a área real for inferior a um vigésimo da mencionada em contrato. Nestas hipóteses presume-se a referência à área como meramente enunciativa, devendo ser tolerada a diferença desde que manifestamente insignificante, ressalvando-se ao comprador o direito a possibilidade de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

Tal dispositivo legal, de acordo com o entendimento de Maria Helena Diniz, assume uma presunção juris tantum (que admite prova em contrário) de menção enunciativa de área:

Se na venda ad mensuram se encontrar uma diferença inferior a um vinte avos, ter-se-á presunção, juris tantum (quando se admite prova em contrário) de que a menção à área foi meramente enunciativa, ou seja, empregada apenas para dar uma indicação aproximativa do todo que se vende; logo, o comprador não poderá ingressar com ingressar em juízo para obter a complementação de área, a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço, salvo se provar, por todos os meios admitidos em direito, que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.[161]

Neste passo, se a propaganda da unidade de apartamento informar uma determinada metragem do imóvel, a incorporadora vincula-se a esta informação, considerando os ditames da boa-fé e transparência nas relações jurídicas. Não há que se falar, depois de descumprida a oferta que a área discriminada no material abrange itens como hall ou garagem. Isto, porquanto, se o anúncio ou folheto não fizer ressalva quanto à área do imóvel, esta deve ser entendida como a área útil, estando o comprador resguardado de seu direito de cobrar a diferença considerada, da incorporadora que vendeu o imóvel.

Conforme acima explicado, na lógica do Código Civil, se a diferença no tamanho do imóvel for ínfima, o incorporador estaria isento de pagar pela diferença. Na linguagem técnica, a lei permitiria que a venda fosse realizada ad corpus, ou seja, somente considerando a venda e descrição de uma coisa certa, com especificação de limites físicos, mas sem a necessidade de precisão quanto à sua exata medida.

De acordo com o entendimento de Maria Helena Diniz:

Na venda ad corpus o vendedor aliena o imóvel como corpo certo e determinado. P. ex., Rancho Santa Maria; logo, o comprador não poderá exigir o adimplemento de área nem devolução do excesso, pois o adquiriu pelo conjunto e não em atenção a área declarada, que assume caráter meramente enunciativo, mesmo que não haja escritura pública, ao fazer menção à extensão da área , indica que tal referencia foi apenas enunciativa e que a venda foi ad corpus. [162]

Apesar de o Código Civil prever uma margem de tolerância para mais ou para menos, as relações de consumo são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor que tende a beneficiar o comprador, se sobrepondo por ser Lei Especial. A divergência no entendimento sobre a margem de erro permite ao consumidor reclamar e receber indenização em caso de metragem menor que a prometida.

A jurisprudência dominante tem entendido que a quebra de confiança pelo fornecedor que não cumpre o material publicitário é causa de resolução contratual com a consequente devolução dos valores e indenização das perdas e danos.

É o que se pode extrair da leitura do acórdão nº 00089064720138260220 de 23/09/2015. A celeuma da lide se instaurou após a entrega do bem imóvel adquirido na planta ao contatar-se considerável diferença de metragem entre o ofertado no material publicitário e a metragem efetivamente entregue.

O desembargador relator Silvério da Silva entendeu que toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e também integra o contrato que vier a ser celebrado (art. 30), sendo que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina (art. 38).

O acórdão em comento, além de condenar a construtora à indenização dos valores pagos de forma simples, ainda entendeu pela procedência dos danos morais, embora haja grande divergência jurisprudencial sobre o cabimento de danos morais em caso de descumprimento contratual, como se pode notar em outros julgados.[163]

Nota-se que a jurisprudência tem entendido pela devolução dos valores de forma simples, e não em dobro como preceitua o artigo 42 do CDC, por não entender que tal situação não se enquadra na ideia que possibilita a repetição do indébito, quando o consumidor for cobrado em valor indevido.[164]

O argumento para se pretender a reparação, quando se tratar numa relação de consumo, está no artigo 19 do CDC, no qual o fornecedor deve responder pelos vícios de quantidade do produto.[165]

Vícios de quantidade se dão, conforme os ensinamentos de Luis Antonio Rizzatto Nunes,

Toda vez que ocorra diferença a menor de qualquer tipo de medida da porção efetivamente adquirida e paga pelo consumidor. E isso por uma simples questão e pagamento do preço. Temos então, pelo sentido de norma do caput do art. 19, que vicio de quantidade é aquele que gera uma perda ao consumidor, pelo fato de ter este pago certa quantidade e ter recebido menos, A constatação dessa diferença prejudicial ao consumidor pode ser aferida mediante a verificação da diferença a menor entre a quantidade que o consumidor recebeu e aquela existente no recipiente, embalagem, rotulagem, mensagem publicitária, apresentação, oferta e informação geral, contrato ou na resposta ao pedido da quantidade feito pelo consumidor.[166]

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que todo produto deve ser entregue com a  qualidade e a quantidade correta, caso contrário, estaria configurado vício no produto ou serviço.

Vícios, conforme elucidado por Arthur Luis Mendonça Rollo, “São características anormais dos produtos ou serviços, que comprometem seu uso, diminuem o seu valor ou mostram disparidades quantitativas entre o que foi adquirido e efetivamente pago pelo consumidor e o que foi por ele recebido”.[167]

Adiante, o indigitado jurista conclui:

Vícios são problemas inesperados que os produtos apresentam, que dificultem ou impeçam o seu uso ou que diminuam o seu valor. Os vícios dos produtos podem também decorrer exclusivamente da informação ou da oferta, quando estas criam no consumidor expectativas legitimas, posteriormente não realizadas.[168]  

Nota-se que o quadro em tela se enquadra na situação supra narrada, vez que, ao adquirir um imóvel e lhe ser entregue imóvel com metragem inferior, tal circunstancia diminui o valor do bem, porquanto a venda de imóveis é feita mediante atribuição de preço por metragem.

O ordenamento jurídico, a fim de evitar o enriquecimento sem causa, a abusividade e a desigualdade contratual que invariavelmente se constata nas relações de consumo, garante ao consumidor lesado três formas de ressarcimento, que a seguir serão esmiuçadas.

4.1.As faculdades previstas no Código de Defesa do Consumidor

4.1.1. Cumprimento forçado da oferta

Conforme trazido pelo artigo 35 do CDC, a primeira alternativa atribuída ao consumidor lesado é “exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade”.

Elucida Cláudia Lima Marques que o artigo 35 é cristalino ao especificar que se o empresário se recusar dar cumprimento à sua oferta, o consumidor poderá exigir o cumprimento forçado da obrigação. Desta forma, “nota-se aqui que o CDC pressupõe o fechamento do contrato, em virtude da simples manifestação do consumidor aceitando a oferta”.[169]

Tal hipótese trata-se das situações onde é possível dar cumprimento específico à obrigação assumida, complementando a medida faltante, o que muitas vezes não é possível no caso concreto, dado a impossibilidade física de fazê-lo.

Segundo Luis Antonio Rizzatto Nunes:

A solução, do ponto de vista do exercício do direito por parte do consumidor é simples. Trata-se de caso típico de justiça comutativa: o cálculo matemático. Verifica-se quanto foi realmente oferecido a menos ao consumidor na proporção com o preço pela quantidade inicialmente ofertada e descobre-se o resultado em quantidade de medida que o fornecedor deve entregar/ complementar.[170]

Em casos de vício de quantidade, todos os fornecedores constantes na cadeia produtiva respondem solidariamente pelo vício do produto ou serviço. No que tange aos vícios de quantidade, previstos no artigo 19, Cláudia Lima Marques entende que, embora o dispositivo não mencione a oferta, a hipótese está “claramente incluída uma vez que há obrigação contratual de cumprir o prometido na oferta em geral e não só na publicidade”.[171]

A possibilidade de escolha parece indicar uma tendência a permitir a composição amigável e extrajudicial do litígio, como é tendência atual, evitando a morosidade e os gastos com a lide judicial e privilegiando as formas alternativas de solução de conflitos.

Ademais, se tratando de imóvel cuja entrega e a constatação do vício se dá após o término da obra, dificilmente será possível uma complementação da área faltante, por impossibilidade fática.

Entretanto, há situações em que tal alternativa é plausível, por exemplo, quando na oferta consta que o imóvel será entregue com pisos de determinada marca, e na efetiva entrega verifica-se que o material é de qualidade inferior. Nesta hipótese o consumidor pode exigir o cumprimento forçado da obrigação, exigindo que o fornecedor cumpra a obrigação e substitua o material utilizado.

No entanto, a metragem a menor dificilmente poderá ser solucionado por essa via, restando ao consumidor se socorrer das demais hipóteses legais, conforme veremos.

4.1.2. Da resolução contratual, restituição dos valores pagos e indenização por perdas e danos.

De acordo com as normas de direito consumerista narradas ate então, se o tamanho do imóvel for inferior à medida informada no contrato, oferta ou material publicitário, o comprador tem direito ao complemento da área, a rescisão do contrato ou abatimento proporcional do preço.

Deste passo, inválida a cláusula contratual que impede o comprador de abater o preço ou rescindir o contrato do imóvel entregue com a metragem inferior à prometida, uma vez que o preço do bem é definido de acordo com a medida de extensão ou área determinada pelo contrato, o que configuraria enriquecimento sem causa por parte do fornecedor/ construtor.

O enriquecimento sem causa, também chamado de enriquecimento ilícito, embora tal denominação não seja a mais apropriada, está prevista no artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:

Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido

Fernando Noronha conceitua enriquecimento sem causa como sendo:

É para estes casos que se fala em obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, ou, abreviadamente, em enriquecimento sem causa. Esta obrigação consiste no dever de remover aqueles bens que estejam num determinado patrimônio, mas que, pela geral ordenação jurídica de bens, devam integrar um outro patrimônio[172]

Outrossim, o direito pátrio não compactua com essa ideia de transferência ou perda de riqueza imotivada, porque, em uma última análise, isso refletiria num desequilíbrio injusto. É cristalino que numa situação como esta, caso não houvesse a devida reparação, configuraria o benefício de uma parte em prejuízo da outra. O objetivo que se visa com a ideia de proibição ao enriquecimento sem causa é restaurar o equilíbrio patrimonial e evitar uma iniquidade, neste mesmo sentido, entende José Roberto de Castro Neves:

O direito não tolera que alguém receba vantagem, obtendo acréscimo patrimonial em detrimento de outrem sem uma causa jurídica, isto é, por meio de um ato que não seguiu uma estrutura econômico-social reconhecida pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o negócio sem causa não receberá reconhecimento jurídico, porquanto o ato não estará cumprindo a sua função social.Assim, se alguém paga algum valor a outrem indevidamente, o ordenamento entende que esse enriquecimento, sem uma causa jurídica justificável, lhe é contrário, impondo a quem recebeu a vantagem indevida que a restitua e, com isso, promova o re-equilíbrio patrimonial.[173]

Ainda, conforme o indigitado autor, para que se configure a hipótese, necessário estarem presentes os seguintes requisitos: (a) a vantagem patrimonial propriamente dita, consistente no benefício aferível em dinheiro; (b) o empobrecimento, de outra ponta, que se verifica diante da perda de patrimônio; (c) o nexo causal, isto é, o liame entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro; (d) e, por fim, a ausência de causa.[174]

 Portanto, o pagamento por metragem maior do que de fato o imóvel possui causa enriquecimento sem causa do incorporador/fornecedor, e invariavelmente estará presente esse nexo causal entre a vantagem indevida e a perda do patrimônio, sem uma causa jurídica geradora que justifique essa alteração.

Sobre a possibilidade de resolução contratual Claudia Lima Marques pontua que o artigo 35, inciso III do Código de Defesa do Consumidor deixa clara a suposição da conclusão entre fornecedor-ofertante e consumidor:

Esse inc. III refere-se ao direito de “rescindir o contrato”. Logo, se a rescisão tiver por motivo a recusa do fornecedor de dar cumprimento à sua oferta, oferta esta que representa agora o conteúdo do contrato firmado, o CDC assegura ao consumidor o direito de ver ressarcida as suas eventuais perdas (restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, qualquer outro dano emergente e lucros cessantes. Só resta, portanto, ao fornecedor brasileiro limitar a sua oferta ao estoque, ao que ele pode efetivamente cumprir, ao preço que pretende, cuidando para veicular somente informações corretas e que possa adimplir.[175]

Desta forma, cabe ao consumidor a escolha da forma de solução da contenda quando verificado o descumprimento da oferta, sendo a resolução contratual uma das possibilidades dentre as plausíveis para solução da divergência de metragem e insatisfação do consumidor diante da falsa informação veiculada.

Necessário, neste contexto, fazer um parêntese acerca da diferenciação entre resolução contratual, e rescisão contratual, que muitas vezes é usada como gênero pela Lei, cuja resolução contratual é espécie.

 Resolução é o meio de dissolução do contrato em caso de inadimplemento culposo ou fortuito por uma das partes. Quando há descumprimento do contrato, ele deve ser tecnicamente resolvido e não rescindido.

Rescisão, por sua vez, é uma palavra com plurissignificados, podendo inclusive ter o significado de resolução em caso de inadimplemento, por ser usada como gênero. No entanto, há também o sentido de ser a extinção do contrato em caso de nulidade (lesão ou estado de perigo), desta forma, não corresponderia ao termo exato a ser utilizado neste estudo.

Após esta breve ressalva, sendo a resolução contratual a opção escolhida pelo adquirente lesado da unidade autônoma, poderá ele exigir a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo das eventuais perdas e danos sofridos decorrentes do negócio jurídico desfeito.

De acordo com Luis Antonio Rizzatto Nunes, a solução é simples:

Permite que o consumidor tome de volta o dinheiro pago, desistindo de ficar com o produto viciado, que ele devolve. Mas,nos moldes do que aparece estampado no inciso II do § 1º do art. 18, tem-se de colocar uma questão relativa à segunda parte da oração: “sem prejuízo  de eventuais perdas e danos” (grifamos). Quer dizer, então, que a opção alternativa IV do art. 19 dá ao consumidor o direito de pleitear também indenização pelos danos sofrido em função do vício de quantidade constatado? A resposta é sim, mas comporta um série de nuanças. Primeiramente, no sentido de “perdas e danos”. A expressão há de ser entendida como danos materiais (emergentes e lucros cessantes) e morais. Ou seja, a norma garante ao consumidor o direito de pleitear indenização por danos sofridos. [176]

Vale observar que o termo "vício de quantidade" contido no dispositivo 19 do CDC, não trata apenas da irregularidade na "extensão" ou "dimensão" do bem, mas da sua "quantidade", o que por ter abrangência mais específica põe fim ao debate sobre o negócio ad corpus, no qual a referência às dimensões é apenas enunciativa, e por isso não admite ação de complementação de área, rescisão do contrato ou abatimento de preço, segundo a regra que se extrai do § 3º do artigo 500 do CC/2002:

Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

Portanto, restou superada na relação de consumo a distinção feita pelo Código Civil entre negócio ad mensuram e ad corpus, pois na lei consumerista a regra é o negócio ad mensuram, ou por medida, ou seja, aquele em que se fixa área determinada e estipula o preço por medida de extensão ou peso, e sua supressão corresponde a ato ilícito, gerando inclusive, como acima elucidado, o locupletamento indevido.

Com isso, no negócio ad mensuram a fixação das medidas deve conter informações claras, corretas e precisas sobre a metragem do empreendimento. Isto, portanto, toda mensagem publicitária, deve ser correta, clara e precisa nos termos do Código de Defesa do Consumidor e as informações nela contida vinculará o fornecedor e integrará o contrato que vier a ser celebrado.

Neste diapasão, se a publicidade for enganosa ou ainda omissa capaz de induzir em erro o consumidor e este for vítima de publicidade enganosa e o imóvel não corresponder ao anúncio, não haverá quaisquer dúvidas de que cabe a restituição dos valores pagos, com o consequente desfazimento do negócio e eventual indenização por perdas e danos, de acordo com o artigo 18 e 19 do Código Consumerista.

Por fim, vale ressaltar que a venda de imóvel com metragem diferente ou qualidade inferior da ofertada configura a prática do enriquecimento sem causa, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico.

4.1.3.Do abatimento proporcional do preço

De acordo com o estatuído nas legislações vigentes aplicáveis ao tema, sobretudo a análise dos princípios de direito trazidos com o advento do Código de Defesa do Consumidor, as relações jurídicas devem seguir os princípios da boa-fé, probidade e transparência.

Neste segmento, o enriquecimento sem causa do incorporador que vende determinado imóvel por quantificação de metragem, e, posteriormente entrega metragem inferior deve ser reparada na forma da lei.

Uma alternativa para àquele que pretende a reparação civil pela enganosidade da propaganda veiculada, sem, contudo, desejar o desfazimento completo do negócio celebrado, cujo preço muitas vezes já foi integral ou parcialmente pago durante a fase de construção do imóvel, é o abatimento proporcional do preço, que caso não seja aceito pelo fornecedor, dá ensejo a Ação Estimatória ou Quanti Minoris, com o objetivo de obter o abatimento no preço da coisa pela estimação da perda experimentada.

O Código de Defesa do consumidor permite que o consumidor peça abatimento proporcional do preço pago, não podendo tal direito ser excluído por clausula contratual.

Nos dizeres de Luis Antonio Rizzatto Nunes em determinadas circunstâncias nem sempre é fácil chegar a um número preciso. Não é de qualquer forma, fácil chegar ao valor do abatimento. Numa ação judicial, por exemplo, as alternativas processuais dependerão de perícia técnica.[177]

Neste sentido, em análise do recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que condenou a incorporadora ao abatimento proporcional do preço equivalente à área não entregue, entendeu-se que o padrão monetário que deve ser aplicado para correção monetária são índices do Índice Nacional de Custo de Construção (INCC) e a Taxa Referencial (TR). Embora haja muita divergência sobre o tema, não sendo este o entendimento majoritário, pois há juízes que entendem pela aplicação dos índices INPC ou IGP-M.[178]

Derradeiramente é de se concluir que o bem possui vícios quando em desconformidade com o contrato e com as informações pré-contratuais, que criam legítima expectativa nos consumidores. A frustração dessa justa expectativa representa vício, no sentido em que denota disparidade entre a oferta apresentada ao consumidor e as reais características do produto.

Nesta toada, no caso concreto, não são todas as alternativas de solução do artigo 35 e 18 do CDC que podem ser aplicadas para tentativa de reparação dos direitos do consumidor, isto, pois, nem todas as circunstâncias onde se averigua a supressão de metragem será passível de complementação da área, embora quando for possível e o consumidor assim optar deva ser feito, na forma da lei.

Coadunando com essa conclusão, as soluções mais plausíveis ao problema apresentado neste estudo, tão corriqueiramente comum nos dias de hoje, normalmente pode ser melhor solucionado pelas vias do desfazimento do contrato com a consequente devolução de valores pagos, monetariamente atualizados, bem como pelo abatimento proporcional do preço, na maioria das vezes através do ingresso de ação para apuração da diferença mediante perícia técnica para que não reste dúvidas sobre o total da área suprimida e o total da restrição.

Constatada a supressão, não há que se falar em limite de 5% como entendem os julgadores motivados pelo artigo 500 do Código Civil, uma vez que, concretamente, a incorporação imobiliária nos moldes estudados neste trabalho, é regida não apenas pela Lei especial de Condomínios e Incorporações, mas também pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo, portanto, serem afastadas essas beligerantes práticas corriqueiras e abusivas do mercado imobiliário, a fim de valer-se da hipossuficiente e desconhecimento técnico dos consumidores frente aos fornecedores.  


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hodiernamente, os imóveis são comprados na “planta” mediante anúncios e panfletos contendo fotografias digitais montadas nos moldes de como virá a ser o condomínio horizontal, ou até mesmo por meio de um “stand de vendas” no próprio lugar onde será realizada a edificação havendo, inclusive, uma amostra do apartamento decorado, bem como maquetes simbolizando as áreas úteis e fachada do edifício de apartamentos, se tratando de publicidade com a finalidade de atrair o consumidor a realizar o negócio.

Desta forma, esse quadro conhecido como incorporação imobiliária deve obedecer concomitantemente a duas leis específicas, sendo elas a Lei 4.591/64 (Lei dos condomínios e incorporações imobiliárias) e a Lei 8.078/90 (Código de defesa do consumidor).

É certo, que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor se dá em qualquer situação onde estejam presentes os requisitos objetivos e subjetivos dos artigos 2º e 3º da Lei em comento, o que certamente ocorre nas aquisições de unidades autônomas na planta.

Com efeito, a chamada compra de imóvel na planta, trata-se primordialmente da compra de uma promessa de coisa certa e futura. Mesmo diante desse quadro que parece pouco seguro, toda a publicidade colocada à disposição para atrair os consumidores a comprar o imóvel que ainda não existe faticamente, vinculam a incorporadora a cumpri-la nos seus exatos termos, como forma de proteger a parte vulnerável dessa relação, que é justamente o comprador da promessa.

A vinculação da oferta nas relações consumeristas reflete uma necessidade de transparência e boa-fé na publicidade e nas relações contratuais, desta forma, o fornecedor do produto ou serviço, nos moldes do CDC obriga-se completamente à publicidade veiculada.

Além disto, mostrou-se a importância do memorial descritivo que detalha todas as características do imóvel, bem como delimita os exatos termos quanto à metragem do imóvel a ser construído. Com essa precaução todo aquele que estiver interessado no imóvel poderá verificar o constante no memorial antes de efetivar o negócio sobre o bem que porventura venha a ser adquirido, tornando-se, desta forma, ciente da existência ou não de máculas após a entrega do imóvel avençado.

Em caso de descumprimento da oferta por parte daquele que a veiculou, existindo diferenças de metragem entre o constante no memorial descritivo e no material publicitário e o imóvel efetivamente entregue, o artigo 35 do CDC traz ao consumidor opções alternativas, de modo que ele poderá escolher de forma alternativa às soluções previstas no CDC, de acordo com o caso concreto.

Antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, era aceitável o erro de metragem até certo limite, sendo tolerável se houvesse um erro de 5% na metragem da unidade entregue, não haveria falar-se em direito à indenização pelo valor da área faltante.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, passou-se a vigorar novos princípios no ordenamento jurídico, transformando esta concepção, pois atualmente se a construtora anunciar que a unidade vendida tem determinada medida, deverá cumprir exatamente o que foi veiculado, pois as características da oferta e publicidade passaram a integrar o contrato entre consumidor/adquirente e fornecedor/incorporador.

Logo, se constatado que a área entregue foi menor do que a anunciada, terá direito o consumidor a receber o valor correspondente à área faltante ou até mesmo desfazer o negócio com a indenização das respectivas perdas e danos, se houver. 


Notas

[1] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p.24.

[2] AZEVEDO, Fernando Costa. Uma introdução ao direito brasileiro do consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. v.69. p.34.

[3] AZEVEDO, Fernando Costa. Uma introdução ao direito brasileiro do consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. v.69. p.35.

[4] Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

[5] Artigo 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social, observados os seguintes princípios: [...] V: Defesa do consumidor.

[6] Artigo 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] § 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

[7] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva 2002. p.20.

[8] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva 2002.  p.21.

[9] ARCE, Joaquim; VALDÉS, Flórez. El derecho. p.178 apud BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.24.

[10] GOMES, Luis Roldão de Freitas. Contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.34.

[11] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do Código de Defesa do Consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001.

v.50. p.92-135.

[12] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.8.

[13] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.6.

[14] Id.Ibid., mesma página.

[15] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.93.

[16] Id.Ibid., mesma página.

[17] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.7.

[18] Id.Ibid., mesma página.

[19] GRAU, Eros Roberto. Um Novo Paradigma dos Contratos. In: Revista Crítica Jurídica. São Paulo: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2001. v.18. p.3.

[20] Ibidem, p.6.

[21] Artigo 421: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

[22] Artigo 422: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[23] DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso didático de direito civil. São Paulo: Atlas, 2012. p.520.

[24] Id.Ibid., mesma página.

[25] MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.80.

[26] Ibidem, p. 81.

[27]GOMES, Luis Roldão de Freitas. Contrato. Rio de janeiro: Renovar, 2002. p.33.

[28] Ibidem, p.35.

[29] JORGE JUNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p.85.

[30] MAISTRO JUNIOR, Gilberto Carlos. O princípio da boa-fé objetiva na negociação coletiva. São Paulo: LTr, 2012. p.142.

[31] COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.411.

[32] Id.Ibid., mesma página.

[33] Id.Ibid., mesma página.

[34] MAISTRO JUNIOR, Gilberto Carlos. O princípio da boa-fé objetiva na negociação coletiva. São Paulo: LTr, 2012. p.160.

[35] NERILO, Lucíola Fabrete Lopes. A responsabilidade civil pelo descumprimento da cláusula geral de boa-fé nos contratos. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v.866. p.9.

[36] COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.412.

[37] COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.413.

[38] Ibidem, p.410.

[39] CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2011. p.646.

[40] CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2011. p.646.

[41] Ibidem, p.1241.

[42] Ibidem, p.1242.

[43] NOVAIS, Alinne Arquette Leite. O princípio da boa-fé e a execução contratual. In: Revista de Direito Privado. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.794. p.12.

[44] Artigo 4º: A Política Nacional das Relações de consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência 71e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da CF (LGL\1988\3)), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

[45] Artigo 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.

[46] COSTA. Judith H Martins. O direito privado como um “sistema em construção” – As cláusulas gerais no projeto do Código Civil Brasileiro. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. v.753. p.24-48.

[47] JORGE JUNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p.90.

[48] COSTA. Judith H Martins. O direito privado como um “sistema em construção” – As cláusulas gerais no projeto do Código Civil Brasileiro. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. v.753. p.24-48.

[49] PEREIRA, Caio Mario S. Condomínio e Incorporações. p. 40 apud TORRES, Marcos de Alcino Azevedo. A Propriedade e a Posse: Um confronto em torno da função social. 2ª edição. São Paulo: Lúmen Júris, 2010. p.207.

[50] TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse. Um confronto em torno da função social. São Paulo: Lúmen Júris, 2010. p.241.

[51] COSTA. Judith H Martins. O direito privado como um “sistema em construção” – As cláusulas gerais no projeto do Código Civil Brasileiro. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. v.753. p.35.

[52] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva 2002. p.99.

[53] Ibidem, p.101.

[54] GOMES, Orlando. Contrato de incorporação imobiliária. In: Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v.6. p.1339.

[55] Ibidem, p.4.

[56] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.146.

[57] Ibidem, p.147.

[58] Artigo 28: As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei.

Parágrafo único: Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

[59] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.97.

[60] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.98.

[61] GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.640.

[62] Art. 31: A iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que sòmente poderá ser: [...] § 2º Nenhuma incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome permanecer indicado ostensivamente no local da construção.

§ 3º Toda e qualquer incorporação, independentemente da forma por que seja constituída, terá um ou mais incorporadores solidàriamente responsáveis, ainda que em fase subordinada a período de carência, referido no art. 34.

[63] As incorporações imobiliárias in: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.640.

[64] A responsabilidade civil do incorporador imobiliário in: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.657.

[65] Ibidem, p.684.

[66] As incorporações imobiliárias in: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional.São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.657.

[67] GOMES, Orlando. Contrato de incorporação imobiliária. In: Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v.6. p.1339.

[68] As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.658.

[69] As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.658.

[70] ROCHA, Mauro Antônio. O regime da afetação patrimonial na incorporação imobiliária - Uma visão crítica da lei. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v.59. p.1.

[71] As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.658.

[72] ROCHA, Mauro Antônio. O regime da afetação patrimonial na incorporação imobiliária - Uma visão crítica da lei. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v.59. p.3.

[73] Ibidem. p.4.

[74] TRISTÃO, Eduardo. Compromisso de compra e venda: Contribuições para o estudo de sua natureza jurídica. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. v.67. p.12.

[75] MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.85.

[76] GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.330.

[77] Arras ou sinal no contrato preliminar de promessa de aquisição de imóvel. in: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.544.

[78] DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2007. 22ª ed. p.600.

[79] Arras ou sinal no contrato preliminar de promessa de aquisição de imóvel. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.544.

[80] TRISTÃO, Eduardo. Compromisso de compra e venda: contribuições para o estudo de sua natureza jurídica. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. v.67.p.27.

[81] GOMES, Orlando. Contrato de incorporação imobiliária. In: Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v.6. p.1339.

[82] DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2007. 22ª ed. p.602.

[83] DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2007. 22ª ed. p.608.

[84] TRISTÃO, Eduardo. Compromisso de compra e venda: contribuições para o estudo de sua natureza jurídica. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. v.67. p.32.

[85] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.95.

[86] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.95.

[87] As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.652.

[88] As incorporações imobiliárias à vista do Código de Defesa do Consumidor e as práticas comerciais abusivas. In GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.713.

[89] Ibidem, p.714.

[90] TERRA, Marcelo. A matrícula na incorporação imobiliária. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v.29. p.10.

[91] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.130.

[92] As incorporações imobiliárias in: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.658.

[93] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.131.

[94] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.133.

[95] ROCHA, Mauro Antônio. O regime da afetação patrimonial na incorporação imobiliária - Uma visão crítica da lei. In: Revista de direito imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v.59. p.3.

[96] GHEZZY, Leandro Leal. A incorporação imobiliária a luz do Código de Defesa do Consumidor. p.207 apud As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.652.

[97] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.141.

[98] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.104.

[99] NERY JUNIOR, Nelson. Da proteção contratual. p.382 apud BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.104.

[100] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.105.

[101] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.30.

[102] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.105.

[103] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.136.

[104] Id.Ibid., mesma página.

[105] CAVALIEIRI FILHO, Sergio. A responsabilidade do incorporador/construtor no código do consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. v.26. p.230.

[106] "Incorporação Imobiliária. Contrato. Cláusula Abusiva. O contrato de incorporação, no que tem de específico, é regido pela lei que lhe é própria (Lei 4.591/64 (LGL\1964\12)), mas sobre ele também incide o Código de Defesa do Consumidor, que introduziu no sistema civil princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva [...] (AgRg no REsp 1006765/ES, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18/03/2014, DJe 12/05/2014)

[107] Arigo 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

[108] As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.653.

[109] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.135.

[110] A incorporação imobiliária às vistas do Código de Defesa do Consumidor e as praticas comerciais abusivas. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.712.

[111] PFEIFFER, Roberto A. C; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: Convergências e assimetrias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.133.

[112] VIANNA, José Ricardo Alvarez. A teoria do diálogo das fontes. In: Revista Jus Navigandi. Teresina: Jus Navigandi, 2011. v.2755. Sem paginação.

[113] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.  p.25.

[114] Ibidem,  p.32/33.

[115] Id.Ibid., mesma página.

[116]  PFEIFFER, Roberto A. C; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: Convergências e assimetrias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.151.

[117] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002, p.135.

[118] Id.Ibid., mesma página.

[119] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.105.

[120] Id.Ibid., mesma página.

[121] ROLLO, Arthur Luis Mendonça. Responsabilidade civil e práticas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Atlas, 2011. p.6.

[122] As incorporações imobiliárias à vista do Código de Defesa do Consumidor e as práticas comerciais abusivas. in GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.711.

[123] BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano. Incorporação Imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.130.

[124] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.156.

[125] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.135.

[126] As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.651.

[127] CHALHUB, Melhim Namem. O contrato de incorporação imobiliária sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. In: Revista de Direito Imobiliário. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2001. v.50. p.134.

[128] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.460.

[129] Id.Ibid., mesma página.

[130] NERY JUNIOR, Nelson. A defesa do consumidor no Brasil. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v.18. p. 218.

[131] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.470.

[132] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.649.

[133] Artigo 30: Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

[134] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.650.

[135] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.649.

[136] ROLLO, Arthur Luis Mendonça. Responsabilidade civil e práticas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Atlas, 2011. p.129.

[137] NERY JUNIOR, Nelson. A defesa do consumidor no Brasil. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v.18. p. 218. 

[138] Id.Ibid., mesma página.

[139] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.474.

[140] CAVALIEIRI FILHO, Sergio. A responsabilidade do incorporador/construtor no código do consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. v.26. p.230-236.

[141] COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. AÇÃO DE RESCISÃO AJUIZADA PELO PROMITENTE COMPRADOR CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE INADIMPLEMENTO POR PARTE DA VENDEDORA. DIVULGAÇÃO DE PUBLICIDADE ENGANOSA REFERENTE AO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. PROCEDÊNCIA DECRETADA. APELO PELA CONSTRUTORA-RÉ. NÃO ACOLHIMENTO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ARTIGO 252, RITJSP). 1. Caracterizada a indução em erro do consumidor. Informes publicitários, dos quais razoavelmente revelada a presença de melhoramentos nas passagens comuns, se conformam como oferta e integram os termos do contrato principal firmado, salvo no caso de ressalvas expressamente declaradas que, no caso, não existiram. Rescisão contratual bem reconhecida, bem como a aplicação da cláusula penal em razão do inadimplemento culposo atribuído à ré. Dever de indenizar configurado. Danos materiais e morais devidamente mensurados, arbitrados em atenção ao que dispõe o artigo 944, CC/02, rejeitada aplicação de disciplina limitativa de restituição de valores pagos prevista em contrato. 2. Recurso desprovido. (TJ-SP - APL: 08015899720098260577 SP 0801589-97.2009.8.26.0577, Relator: Piva Rodrigues, Data de Julgamento: 03/03/2015,  9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/03/2015).

[142]As incorporações imobiliárias. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.653.

[143]A incorporação imobiliária às vistas do Código de Defesa do Consumidor e as praticas comerciais abusivas. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.716.

[144]Id.Ibid., mesma página.

[145] Artigo 36: A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. [...] Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

[146] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.728.

[147] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.727.

[148] Ibidem, p.738.

[149] Id.Ibid., mesma página.

[150] Artigo 37: É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. [...] § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

[151] Contrato de compra e venda de imóveis em prestações, o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, A Lei n 4.591/64 e os vícios de qualidade e quantidade. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.703.

[152] A incorporação imobiliária às vistas do Código de Defesa do Consumidor e as praticas comerciais abusivas. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.717.

[153] A incorporação imobiliária às vistas do Código de Defesa do Consumidor e as praticas comerciais abusivas. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.718.

[154] Id.Ibid., mesma página.

[155] Artigo 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito

[156] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.731.

[157] A incorporação imobiliária às vistas do Código de Defesa do Consumidor e as práticas comerciais abusivas. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Direito Imobiliário Brasileiro – Novas Fronteiras na Legalidade Constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.719.

[158] Acórdão proferido em Recurso Especial Nº 1.188.442/RJ. Partes: Antônio Rogério Saldanha Maia e Gafisa S/A. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Julgado em 06.11.2012. Publicado no DJe em 05.02.2013.

[159] DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 22ª edição, 2007. p.412.

[160] Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço. [...]§ 1o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio. § 2o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso. § 3o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

[161] DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 22ª edição, 2007. p.412.

[162] Id.Ibid., mesma página.

[163]“RESPONSABILIDADE CIVIL Dano Moral – Consumidor Publicidade enganosa Princípio da Vinculação – Publicidade que segundo a consumidora a levou a imaginar que estava comprando um imóvel com vasta área de lazer, que não existia – Não caracterização do dano moral, que não resulta do mero aborrecimento, chateação, frustração ou insatisfação com o negócio feito, não consistindo em violação a direito da personalidade – Recursos providos” (Apelação n. 0175249-10.2010.8.26.0100, 1ª Câmara de Direito Privado, rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, j. 7/4/2015).“Danos morais Publicidade enganosa por omissão Inexistência de informação de que a área de lazer do empreendimento seria construída em terreno da municipalidade sob concessão de direito real de uso, com prazo determinado Danos morais, no entanto, não configurados Consumidor que não se desincumbiu de demonstrar a ocorrência de fato que qualifique alguma circunstância especial e ultrapasse o mero dissabor Sentença reformada Recurso do autor improvido, providos os recursos das corrés” (Apelação n. 0208589-42.2010.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado, rel. Eduardo Sá Pinto Sandeville. 2/10/2014).

[164] Ação indenizatória – Entrega de imóvel comprado na planta com área menor do que o contratado – Parcial procedência para condenar ré a devolver de forma simples o valor de R$ 14.776,45 por danos materiais e R$ 5.000,00 por danos morais – Inconformismo- Alegação de erro material no contrato, que não pode ser aceita – Relação típica de consumo, com contrato regido pelo CDC que impõe interpretação das cláusulas a favor do consumidor aderente – art. 47 do CDC e 423 do CC – Incontroversa a entrega do imóvel com metragem útil inferior ao que constava no contrato - Indenização bem fixada – Danos morais inocorrentes – Inadimplemento contratual que não tem o condão de produzir dano moral – Sucumbência que passa a ser recíproca - Sentença parcialmente reformada – Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - APL: 00089064720138260220 SP 0008906-47.2013.8.26.0220, Relator: Silvério da Silva, Data de Julgamento: 23/09/2015,  8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/09/2015).

[165] Artigo 18: Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. [...] § 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.

[166] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.274.

[167] ROLLO, Arthur Luis Mendonça. Responsabilidade civil e práticas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Atlas, 2011. p.92.

[168] ROLLO, Arthur Luis Mendonça. Responsabilidade civil e práticas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Atlas, 2011. p.102.

[169] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.718.

[170] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.279.

[171] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.512.

[172] NORONHA, Fernando. Enriquecimento sem causa. In: Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v.01. p.1085.

[173] NEVES, José Roberto de Castro. O enriquecimento sem causa como fonte de obrigações. In: Revista de Direito Privado. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2006, v.843. p.97.

[174] NEVES, José Roberto de Castro. O enriquecimento sem causa como fonte de obrigações. In: Revista de Direito Privado. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2006, v.843. p.97-112.

[175] MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.718.

[176] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.279.

[177] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.255.

[178] RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PARA RESSARCIMENTO DE VALORES REFERENTES A COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ALEGAÇÃO DE DIFERENÇA ENTRE A ÁREA PROMETIDA E A ÁREA ENTREGUE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - ENTENDIMENTO DE QUE A VAGA DE GARAGEM É ÁREA DE USO COMUM E, POIS, NÃO DEVE SER CONSIDERADA NO CÔMPUTO DA ÁREA TOTAL DO BEM. INSURGÊNCIA DA EMPRESA RÉ. Hipótese em que se discute se a vaga de garagem do condômino deve ser compreendida como área privativa dele e se pode, consequentemente, ser considerada no cômputo da área total do imóvel vendido. Decidido pelas instâncias ordinárias que a vaga de garagem "compreende área real de uso comum", que não pode ser inclusa no cômputo da área total do apartamento, o qual, por conseguinte, teria sido entregue com área inferior à prometida. 1. A vaga de garagem só deve ser considerada área comum de condomínio edilício quando não se vincular a uma unidade residencial específica e, consequentemente, não se destinar ao uso exclusivo do proprietário dessa unidade, podendo ser usada, assim, por todos os condôminos. Quando, porém, a vaga de garagem for individualizada e de uso exclusivo do proprietário de uma unidade residencial específica, ela não será considerada como área comum, podendo, nesse caso, (i) constituir apenas um direito acessório ou (ii) configurar-se como unidade autônoma, caso em que terá registro próprio em cartório. 2. No caso em questão, a vaga de garagem pertence exclusivamente ao proprietário do apartamento respectivo, pois tem menção expressa no contrato, numeração própria e delimitação específica no terreno. Sendo assim, as instâncias ordinárias se equivocaram ao considerá-la como bem de uso comum. 3. No entanto, os compradores não foram devidamente informados de que a área total do imóvel correspondia à soma das áreas da unidade habitacional e da vaga de garagem, uma vez que a redação do contrato objeto da lide cria a expectativa, em qualquer pessoa que o lê, de que a área privativa prometida ao comprador se refere unicamente à área do apartamento, isto é, da unidade habitacional, e não da soma desta com a área da vaga de garagem. 4. A praxe no mercado imobiliário é o anúncio da área do apartamento, apenas, constituindo eventual vaga de garagem um plus. 5. Embora seja possível, em tese, que se veicule anúncio publicitário informando como área total do imóvel à venda a soma das áreas do apartamento e da (s) vaga (s) de garagem, é absolutamente imprescindível que, nesse caso, a publicidade seja clara e inequívoca, de modo que os consumidores destinatários não tenham nenhuma dúvida quanto ao fato de que o apartamento, em si, possui área menor do que aquela área total anunciada. Aplicação pura e simples do princípio da transparência, previsto no CDC. 6. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1139285 DF 2009/0172089-3, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 18/11/2014,  T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/11/2014).


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CARRASCO, Luciana. A incorporação imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor. A vinculação da oferta quanto à diferença de metragem entregue em relação ao previsto no memorial descritivo e no material publicitário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5258, 23 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59296. Acesso em: 29 mar. 2024.