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Defesa comercial

antidumping

Defesa comercial: antidumping

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Introdução

O termo dumping é utilizado no comércio internacional para designar a exportação de um produto com preço inferior ao preço de venda do mesmo produto no mercado interno do país exportador. No Brasil, entre 1988 e 2003, foram iniciadas 199 investigações antidumping, das quais 96 resultaram na aplicação de algum tipo de sanção contra as exportações e 82 foram encerradas sem aplicação de direitos antidumping, afora outras que se encontram em fase de instrução (Relatório DECOM nº 7).

Essa publicação contabiliza tantas investigações quantos forem os países envolvidos em cada processo, o que gera uma distorção, para efeito do que se pretende destacar. Considerando o número de processos iniciados, foram 114 desde 1988 e, ao longo do período, é possível verificar a maior concentração temporal do início desses processos nos anos de maior valorização do câmbio [1]. É natural, pois a apreciação do real estima as importações.

Assim, considerando o cenário atual de maior difusão e efetividade desse importante instrumento de defesa comercial, faz-se na seqüência uma breve apresentação do mesmo, segmentada, apenas para facilitar a exposição, em dois tópicos: o primeiro destinado às características legais e institucionais de uma investigação antidumping; e o segundo, aos seus aspectos econômicos.


Referência Legal

O Decreto 1.602, de 23 de agosto de 1995, regulamentou os procedimentos necessários para aplicação dos direitos previstos no Acordo Antidumping da Rodada Uruguai do GATT, em conformidade com o disposto no Decreto Legislativo nº 30 (15/12/1994), no Decreto nº 1.355 (30/12/1994) e na Lei nº 9.019 (30/03/1995).

A Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) ou, mais especificamente, o Departamento de Defesa Comercial (DECOM) é responsável pelo o exame de admissibilidade de pedido de abertura de investigação, passando por sua instrução, até a elaboração de um parecer final, recomendando em caráter não vinculativo a imposição ou não do direito antidumping e sugerindo o percentual a ser aplicado.

O pedido de abertura de investigação deve ser feito à SECEX pela indústria doméstica ou em sem nome, o que significa contar com o apoio de empresas que representem mais de 50% da produção doméstica, sendo este percentual calculado sobre a produção das empresas que se manifestaram formalmente, apoiando ou rejeitando o pleito. Deve-se observar, entretanto, um critério de minimis: os produtores domésticos que apóiam formalmente o pleito devem somar 25% da produção brasileira total do produto em questão.

Encerrada a fase preliminar de instrução do pedido, a SECEX deve informar imediatamente aos governos dos países exportadores acerca da existência de um pedido devidamente instruído e, uma vez aberta a investigação (em até 30 dias), é dada publicidade a todas as partes interessadas, que terão acesso à petição inicial (exceção feita às informações confidenciais [2]), bem como ao parecer inicial do DECOM que analisou as informações contidas na petição.

Além dos governos estrangeiros, são consideradas partes interessadas todos os produtores domésticos; importadores e exportadores; produtores estrangeiros; respectivas entidades de classe e outras partes que se manifestarem em até 20 dias e forem admitidas como interessadas pela SECEX.

A instrução do processo propriamente dita é feita mediante questionários que o DECOM remete às partes interessadas: questionário do produtor doméstico, do importador e do exportador / produtor estrangeiro. Além dessa fonte de informação, é garantida às partes interessadas oportunidade para apresentação, por escrito, das provas consideradas pertinentes.

Ponto importante refere-se ao princípio da melhor informação disponível. Como a investigação diz respeito a informações de difícil obtenção, internas às empresas, disponíveis em parte apenas no exterior, além de outras dificuldades, a instrução do processo baseia-se na apresentação voluntária das informações solicitadas. Em caso de negativa ou criação de dificuldades injustificadas para o provimento dessas informações (os questionários enviados pelo DECOM, por exemplo, devem ser respondidos em 40 dias, prorrogáveis, a pedido, por mais 30 dias) prevalecem as informações disponíveis, que, dada a natureza contenciosa do feito, são geralmente fornecidas pela parte contrária. Estabelece-se, desse modo, o estímulo necessário para a cooperação entre o órgão instrutor e as partes interessadas.

Desde a abertura da investigação até seu encerramento, o prazo máximo decorrido de ser de 12 meses, prorrogáveis, em circunstâncias excepcionais, por mais 6 meses. A qualquer momento, os produtores domésticos (peticionários) podem solicitar o encerramento das investigações, porém a palavra final é de exclusiva competência da SECEX.

Uma vez concluída a instrução do processo, cabe à SECEX a elaboração de um parecer final, que traz a recomendação pelo arquivamento do processo ou pela imposição de direito antidumping (e seu valor) a incidir sobre as exportações investigadas. A decisão final, porém, é de competência da Câmera de Comércio Exterior (CAMEX), conforme estabelecido pelo Decreto 4.732 (de 10/06/2003). A CAMEX tem por órgão de deliberação superior e final o chamado Conselho de Ministros, composto pelos Ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (que o preside), da Fazenda, do Ministério das Relações Exteriores, da Agricultura, do Planejamento e pelo Chefe da Casa Civil.


Referência Econômica

Dumping é a situação na qual o exportador comercializa o produto para determinado país com preço menor do que o preço de venda no mercado interno, isto é, no país do exportador. Porém, embora essa conceituação esteja correta, para que uma investigação possa concluir pela imposição de um direito antidumping outras condições devem estar presentes: além do dumping em si, deve haver a existência de provas positivas de que as importações realizadas a preço de dumping (e não outros fatores – o chamado nexo causal) são determinantes de um dano material ou ameaça de dano material à indústria doméstica.

O primeiro requisito é, claro, que os produtos comercializados pelo exportador (em seu país e no Brasil) sejam similares e, também, que sejam similares com respeito ao produto comercializado pela indústria doméstica. A afirmação (ou não) da similaridade dos produtos envolvidos é sujeita a controvérsias. Produto similar é "entendido como produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto que se está examinando, ou, na ausência de tal produto, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto que se está considerando". E não se pode afirmar que essa dubiedade é particularidade do Decreto 1.602/95, que simplesmente acolheu a definição provida pelo Acordo Antidumping.

Não cabe aprofundar as considerações sobre essa questão. Na construção da definição legal, há a prevalência da identidade material (físico-química, digamos) entre os produtos (iguais "sob todos os aspectos"). Porém, em casos já apreciados no Brasil e no exterior, a identidade material foi preterida pela semelhança das características econômicas (melhor dizendo, concorrenciais) dos produtos. Vide o exemplo verídico da aceitação da similaridade entre bebidas alcoólicas destiladas de diferentes matérias-primas, mas que concorrem entre si por terem as mesmas características econômicas (subjetivas ou não).

Voltando à determinação do dumping, a investigação baseia-se, portanto, na comparação entre os preços do produto similar vendido no mercado do país exportador (também chamado valor normal) e o preço de exportação para o Brasil. Essa comparação deve ser feita de forma que os produtos e respectivos preços sejam o mais estritamente comparáveis. Os preços, por exemplo, devem ser todos expressos preferencialmente na condição ex-fabrica, deduzindo-se todos os impostos, despesas de transporte, de seguro, descontos, entre outras despesas incorridas pelo produtor / exportador estrangeiro e que não compõem stritu sensu a remuneração pela venda do produto em questão. Diferenças físicas entre o produto exportado e vendido no país do exportador, que resultem em preços diversos (e.g., diferenças de embalagem) também devem ser consideradas para a justa comparação requerida para a determinação da margem de dumping.

A margem (absoluta) de dumping é, portanto, a diferença entre o valor normal [3] e o preço de exportação. Em termos percentuais, a margem (relativa) de dumping é aquela diferença (valor normal – preço de exportação) em relação ao preço de exportação, ou seja, é o percentual que, acrescido ao preço de exportação, iguala-o ao valor normal [4].

A determinação de uma margem positiva de dumping é, por assim dizer, condição necessária, mas não suficiente para a imposição de um direito antidumping. O necessário dano à indústria doméstica e o nexo causal entre as importações a preço de dumping e o dano complementam os elementos de prova [5].

Possivelmente a caracterização (ou não) de uma situação de dano é um dos aspectos mais complexos e controversos da legislação antidumping. Vários fatores devem ser considerados, com a ressalva, feita na lei, de que nenhum deles isoladamente ou vários deles em conjunto devem constituir necessariamente indicação decisiva acerca da existência do dano.

Menciona-se (numa relação não exaustiva) alguns dos fatores que devem ser analisados (com relação a um período não inferior a 3 anos – usualmente de 5 anos – a contar da abertura da investigação): a) quantidade e preço das importações investigadas; b)quantidade e preço das importações de outras origens; c) participação das importações investigadas e da indústria doméstica no mercado brasileiro; d) preço da indústria doméstica – reduzido ao longo do período ou em comparação com os custos por efeito das importações investigadas; e) o lucro e outros indicadores de rentabilidade, como retorno sobre investimentos; f)capacidade produtiva instalada e sua utilização; g) fluxo de caixa; h) estoques; i)emprego; entre outros.

Com relação à determinação da relação de causalidade entre dano e importações a preço de dumping, isto se faz em termos gerais pela análise de outros fatores que poderiam ser responsáveis pela situação de dano, tais como: a) desempenho das importações de outras origens; b) evolução da alíquota do imposto de importação incidente sobre o produto em questão, bem como outras barreiras não-tarifárias; c) mudanças no padrão de consumo e de natureza tecnológica; e d) produtividade da indústria doméstica; entre outros.

Seja para a caracterização do dano, seja para o estabelecimento de uma relação de causalidade entre uma coisa e outra, é difícil, embora não seja impossível, que todo o conjunto probatório aponte para o mesmo resultado. Pouco provável, no mínimo porque há um grande número de variáveis envolvidas. Identificar fatores a favor e contra a existência do dano e do nexo de causalidade ponderá-los e arbitrar o resultado final não é uma tarefa complexa. Por essa razão, na esfera administrativa, há uma grande margem de discrição atribuída às autoridades responsáveis pela aplicação (ou não) do direito antidumping.

É o caso também da "calibragem" do direito antidumping a ser imposto. Este deve ser apenas o necessário para neutralizar os efeitos danosos das importações sobre a indústria doméstica, nunca ultrapassando a margem de dumping calculada, mas podendo ser inferior a esta. Não há, portanto, um critério preciso definido. O mesmo princípio orienta a extensão do período de vigência do antidumping, que deve ser apenas o necessário, embora seja usual que sua duração seja estabelecida para o prazo máximo de 5 anos (prorrogáveis por igual período).

Para finalizar, uma observação mais teórica. O antidumping não se destina precipuamente a proteger a indústria doméstica, tampouco as teorias de comércio internacional preceituam-no como algo nocivo em si mesmo. Seu efeito negativo é indireto, dá-se pela reação dos países afetados pela prática de dumping. À medida que provoca prejuízos à indústria dos países importadores, enseja reações contrárias, como o aumento generalizado de tarifas de importação ou outras barreiras ao comércio (e não localizado, contra o país / exportadores que praticam o dumping), que acabam por reduzir ou eliminar os ganhos multilaterais proporcionados pelo livre comércio.

O direito antidumping constitui-se, portanto, em uma exceção ao multilateralismo preconizado para o comércio internacional. Sua aplicação recai contra importações específicas de um produto e de um país (ou conjunto restrito de países). Busca-se, desse modo, "isolar" os efeitos negativos decorrentes do dumping. O comércio bilateral entre os países envolvidos no contencioso não é afetado mais do que o necessário, assim como não há implicações negativas para o comércio com os demais países que comercializam o produto em questão.


Notas

1 Em 1993, particularmente, foi concluído o processo de redução das alíquotas do imposto de importação no âmbito do programa de liberalização comercial do Governo Collor.

2 Pode ser dispensado sigilo às informações trazidas aos autos por todas as partes envolvidas, conquanto o pedido de confidencialidade seja fundamentado. Havendo informações dessa natureza, deve ser fornecido ao público resumo não-sigiloso e compreensível das mesmas.

3 Para o cálculo do valor normal é necessário ainda que haja representatividade das operações de compra e venda consideradas, cujo critério é que sejam no mínimo iguais a 5% das exportações para o Brasil (no caso). Quando não houver vendas do produto no país do exportador ou quando essas vendas não atenderem ao critério de representatividade, o valor normal poderá ser calculado (respeitando-se a exigência de comparabilidade entre os dados) a partir do preço de exportação do país investigado para um terceiro país ou ser "construído" a partir de dados efetivos de custo (de produção, de administração, de comercialização, além de uma margem razoável de lucro) observados no país exportador.

4 Deve-se observar que investigações dessa natureza envolvem usualmente mais de um produtor / exportador estrangeiro. A lei determina que, como regra geral, sejam calculadas as margens de dumping individuais para cada uma das empresas envolvidas. Mais detalhadamente, considerando o período de cálculo da margem de dumping (que deve compreender em geral os 12 meses anteriores mais próximos possíveis da data de abertura da investigação): a) calcula-se o valor normal médio ponderado e o preço de exportação médio ponderado para cada produtor / exportador conhecido; e, portanto, a margem de dumping individual será a diferença entre o valor normal médio e o preço de exportação médio referentes às transações realizadas em todo o período de investigação; ou b) calcula-se a margem de dumping relativa a para cada transação de cada produtor / exportador realizada ao longo do período para, depois, obter-se a margem de dumping média individual.

5 Transcorridos 60 dias contados a partir da abertura da investigação, a SECEX pode determinar a imposição de um direito antidumping provisório, contanto que haja determinação preliminar positiva de dumping e ameaça grave de dano à indústria doméstica durante a investigação. O direito provisório deve ter duração de quatro a seis meses.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, João Paulo Garcia. Defesa comercial: antidumping. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 536, 25 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5932. Acesso em: 29 mar. 2024.