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Responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal

Responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal

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O texto estuda a indenização do dano sofrido pelo particular, decorrente de conduta lesiva praticada pelo ente estatal, especificamente por parte de um dos seus poderes, qual seja, o Poder Judiciário, na decretação e manutenção de prisão ilegal.

INTRODUÇÃO

O tema central do presente trabalho, intitulado "Responsabilidade Civil do Estado por Prisão Ilegal" se constitui no estudo da indenização do dano sofrido pelo particular, decorrente de conduta lesiva praticada pelo ente estatal, especificamente por parte de um dos seus poderes, qual seja, o Poder Judiciário, na decretação e manutenção de prisão ilegal. A idéia em desenvolver tal assunto, partiu, sobretudo, da pouca abordagem por escritores da atualidade, bem como de sua relevância ímpar e complexidade.

Assim, o estudo visa comprovar, basicamente se ao Estado compete arcar com o ônus indenizatório em face da indevida restrição à liberdade de locomoção, ou se ao mesmo assiste, consoante jurisprudência predominante no nosso país, o direito de manter-se irresponsável, em nome da soberania do Poder Judiciário, independência dos magistrados e ausência de disposição legal acerca do caso.

A fragilidade dos citados argumentos, aliada à pouca coerência com o ordenamento jurídico nos fez questionar o assunto, em busca da resposta correta sobre a existência ou não dessa particular ocorrência de responsabilidade, com amparo nos princípios e regras de direito que regem a matéria.

Começamos, dessa forma, a tratar da liberdade, aspecto precioso na vida do homem. Por tal motivo, fizemos algumas considerações sobre os vários sentidos empregados ao termo, situando-o no contexto religioso, filosófico e jurídico, para em seguida comentar sobre o direito constitucional de liberdade, já consagrado em todos os países civilizados, destacando a excepcionalidade que o Estado tem de punir, ao mesmo tempo em que garante o direito próprio do cidadão que se consubstancia no status libertatis.

Após reafirmar a regra constitucional do direito de liberdade, explicamos historicamente o desenvolvimento da pena de prisão, desde as priscas eras da Antiguidade, quando o encarceramento não apresentava natureza de sanção, mas mera custódia provisória no aguardo da execução final, passando pela Idade Média e Moderna, quando a prisão adquiriu caráter de pena. Não deixamos de citar os nomes daqueles que contribuíram na Idade Moderna para o aperfeiçoamento da pena, como as idéias de Howard, Beccaria e Bentham.

Delineamos, igualmente, ainda que de forma sucinta, o perfil da pena no ordenamento jurídico brasileiro, destacando a proteção constitucional ao direito de liberdade, bem como as formas de prisões admitidas no direito pátrio e as exigências para sua decretação. Constituindo-se igualmente, em objeto de discussão, as prisões permitidas pelo Código de Processo Penal e legislação extravagante, como também, os remédios jurídicos previstos para impugnar prisões decretadas fora dos moldes legais.

Em relação à responsabilidade civil do Estado, elencamos, brevemente as teorias, fases e evolução, dando ênfase à responsabilização do Poder Judiciário, assunto por demais palpitante, merecendo destaque em face do atual regime Democrático de Direito que impõe ao Estado a obrigatoriedade de também se submeter ao ordenamento jurídico, que prima pela obediência ao direito de igualdade e o princípio da legalidade. Assim, as idéias e interpretações novas quanto à responsabilização do Estado na esfera criminal, podem fazer cair por terra os velhos argumentos que não permitiam a sua responsabilização quando a atuação fosse do Judiciário. Tal fato se deve a observância do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais.

A alma do presente trabalho reside pois, na preocupação demonstrada com a decretação de prisões ilegais, prática usual em nosso cotidiano forense, o que caracteriza o desrespeito ao status libertatis do cidadão, além de violar o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição Federal de 1988.

Tendo em vista a confusão terminológica que se estabelece em torno das expressões: "prisão indevida" e "prisão ilegal", é que procuramos aclarar as definições, mostrando que a primeira ocorre nos casos previstos pelo art. 5º, LXXV, que trata do erro judiciário e excesso de prisão - quando alguém permanece preso além do tempo fixado na sentença. Já a segunda, consiste em todas as formas não abrangidas pela prisão indevida, ou seja, quando decretada fora dos parâmetros estabelecidos em lei. Para maior compreensão do trabalho, explicamos os fundamentos jurídicos da responsabilidade do Estado em face das duas espécies de prisões.

No último capítulo, especificamos os pontos relativos à indenização, fazendo menção à possibilidade de condenação pelo reconhecimento de danos morais e patrimoniais, o critério adotado para a fixação do quantum indenizatório, bem como o cabimento da ação regressiva e aspectos relativos à competência, legitimidade ativa e passiva e a prova da responsabilidade do Estado.

Por fim, acreditamos que mediante a abordagem de todas essas questões, seja possível, em conclusão, responder com clareza a pergunta central do presente trabalho: É o Estado responsável civilmente pela decretação de prisões ilegais?


I - A LIBERDADE PESSOAL E SUA RESTRIÇÃO

"Ser livre é poder. Quando posso fazer o que quero, eis minha liberdade; mas quero necessariamente aquilo que quero, pois de outro modo eu quereria sem razão, sem causa, o que é impossível. Minha liberdade consiste em andar, desde que não sofra de gota".

(Voltaire)

1. Liberdade: Noções Conceituais.

O direito de liberdade, por se constituir, antes de tudo, em direito natural do próprio homem, sempre o acompanhou desde longas datas, na qualidade de bem supremo, por tal motivo, alcançou consagração nos ordenamentos jurídicos, merecendo atenção das Cartas Constitucionais, sobretudo por parte dos países civilizados, que, mediante a instituição dos direitos fundamentais, o colocou no cerne, abordando seus diversos aspectos, como a liberdade pessoal de locomoção, de expressão, de reunião, associação, consciência, crença e tantas outras.

O Estado de Direito, sem dúvida, apresenta como nota característica, a garantia dos direitos individuais naturais, expressos, essencialmente pelo direito de liberdade, assim, podemos afirmar que o valor supremo de uma sociedade política é a liberdade, razão pela qual, a sua restrição se traduz, por outro ângulo, numa exceção à regra, sendo admissível apenas em virtude da necessidade em manter a ordem e a paz social.

Nesse contexto é que se justifica o estudo do presente tema, por ser a liberdade um pressuposto para o encarceramento, visto que só se pode restringir a liberdade de quem a possui, só pode ser vítima de prisão quem se encontra livre. Daí porque, abordaremos, nesse capítulo inicial, o direito de liberdade e sua conceituação.

O termo liberdade, num sentido amplo designa o estado de ser livre, de não estar sob o controle de outrem; de viver sem sofrer restrições nem imposições, ou seja, de não ser impedido de fazer o que tem vontade.

Sob este aspecto, tem-se tomado a liberdade como inerente ao homem, muitas vezes vinculada a um plano extrapositivo, na condição mesmo de direito natural. Nesse sentido é a acepção dada ao termo pelo dicionarista Aurélio Buarque de Holanda:

liberdade. [Do latim – libertate.] S.f. - 1. Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação. 2. Poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas. 3. Faculdade de praticar tudo quanto não é proibido por lei. 4. Supressão ou ausência de toda a opressão considerada anormal, ilegítima, imoral. 5. Estado ou condição de homem livre. 6. Independência, autonomia. 7. Facilidade, desembaraço. 8. Permissão, licença. 9. Confiança, familiaridade, intimidade (às vezes abusiva). 10. Bras. V. risca (4). 11. Filos. Caráter ou condição de um ser que não está impedido de expressar, ou que efetivamente expressa, algum aspecto de sua essência ou natureza. [Quanto à liberdade humana, o problema consiste quer na determinação dos limites que sejam garantia de desenvolvimento das potencialidades dos homens no seu conjunto - as leis, a organização política, social e econômica, a moral, etc. -, quer na definição das potencialidades que caracterizam a humanidade na sua essência, concebendo-se a liberdade como o efetivo exercício dessas potencialidades, as quais, concretamente, se manifestam pela capacidade que tenham os homens de reconhecer, com amplitude sempre crescente, os condicionamentos, implicações e conseqüências das situações concretas em que se encontram, aumentando com esse reconhecimento o poder de conservá-las ou transformá-las em seu próprio benefício.] [Cf., nesta acepç., autodeterminação (2) e autonomia (5).]. [1] (grifo do autor).

A idéia de liberdade, historicamente, tem exercido uma forte influência e ocupado uma posição privilegiada e constante no pensamento humano. Por tal motivo, tem-se registrado uma grande variedade de definições acerca da matéria, entendendo-a em termos religiosos, filosóficos e jurídicos.

No plano religioso, especialmente judaico/cristão, três são as conotações de liberdade previstas na Bíblia:

a) a liberdade como oposição à escravidão, p. ex., no Êxodo, onde ela é de natureza espiritual; b) a liberdade no sentido de oposição à escravidão no sentido material, v. g., o "cativeiro do Egito"; c) a liberdade como libertação e salvação formando uma carga afetiva elaborada em torno da idéia nuclear de verdade: "A verdade vos libertará". [2] (grifo do autor).

A invocação do termo liberdade é abundante nos textos bíblicos, seguido de outros valores não menos importantes como verdade, justiça, fé, ciência e amor, este último com maior intensidade e preponderância.

Uma das mais fortes definições bíblicas de liberdade pode ser encontrada em Gálatas, capítulo 5, versículo 13: "Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; convém somente que não façais desta liberdade um pretexto para viver segundo a carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor".

Do ponto de vista filosófico, a liberdade pode ser entendida sob três critérios:

a) como autodeterminação ou autocausalidade: liberdade como ausência de limitação; b) como necessidade fundada na autocausalidade, que atribui totalidade: substância, universo, Estado; c) como possibilidade de opção: a liberdade finita, condicionada. [3]

No primeiro critério acima descrito, encontramos Aristóteles como o pensador de maior destaque, conhecido como o filósofo da moderação, pelo emprego constante, em seus escritos, da expressão "meio-termo". [4] (grifo nosso).

Consoante pensamento Aristotélico, a liberdade significa autodeterminação, ausência de imposição de limites, tendo por fundamento, ser o homem gerador de suas ações, ressalvando-se competir ao que for virtuoso a escolha da via mais prudente. Nesse sentido, explica: "o homem é a origem de suas próprias ações e se não somos capazes de relacionar nossas condutas a quaisquer outras origens que não sejam as que estão dentro de nós mesmos, então as ações cujas origens estão em nós devem também depender de nós e ser voluntárias". [5]

Em Ética a Nicômaco, no Livro III, 5, Aristóteles aborda o tema ligado aos fins, aos meios e ao poder de escolha, argumentando ser cada pessoa, de algum modo, responsável por sua disposição moral, cabendo ao homem, por ser livre em seus desígnios, desempenhar condutas voluntárias e optar, livremente por várias alternativas, como por exemplo, escolher entre a excelência ou deficiência moral, ser uma pessoa justa ou injusta, avara ou pródiga, temerosa ou medrosa, concupiscente ou não. [6]

Em síntese, o que Aristóteles pretende é definir a liberdade, em seu aspecto natural, enquanto vontade de fazer o que se quer, não encontrando empecilho em suas pretensões, como ato de escolha consciente por parte do homem livre.

Baruch Espinosa, na condição de filósofo racionalista, enquadra-se no segundo critério de entendimento da liberdade, ou seja, na liberdade como autocausalidade, não como livre-arbítrio, mas como consciência da necessidade. Por tal motivo, foi considerado por muitos como filósofo determinista, no sentido de negar a liberdade humana e acreditar que todos os acontecimentos do mundo faziam parte de um plano divino. Na verdade, Espinosa procurou demonstrar o que possibilita e impede o exercício da liberdade, explicando que podemos ser ativos ou passivos. Enquadramos-nos na primeira classe quando somos autônomos, possuidores de nossas ações e passivos quando o que ocorre em nosso corpo ou alma tem uma causa externa mais forte que nosso ânimo interior.

Esse pensamento de Espinosa é expresso em uma de suas obras mais famosas: Ética, quando na Parte III, Proposição 1, enuncia:

A nossa alma, quanto a certas coisas, age (é ativa), mas, quanto a outras, sofre (é passiva), isto é, enquanto tem idéias adequadas, é necessariamente ativa em certas coisas; mas, enquanto tem idéias inadequadas, é necessariamente passiva em certas coisas. [7]

Continuando o mesmo raciocínio, Espinosa afirma: "A alegria e a tristeza, e conseqüentemente, as afecções que destas são compostas ou delas derivam, são paixões". [8] A alegria e a tristeza, no caso são denominadas de paixões, com relação à tristeza, sua causa é exterior, não somos nós que agimos, nós permanecemos passivos.

Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, esclarecem:

A diferença entre paixão triste e paixão alegre é que esta, ao aumentar o nosso ser e a nossa potência de agir, nos aproxima do ponto em que nos tornaremos senhores dela e, portanto, dignos de ação. A paixão triste nos afasta cada vez mais da nossa potência de agir, sendo geradora de ódio, aversão, temor, desespero, indignação, inveja, crueldade, ressentimento. [9]

Segundo o pensamento de Espinosa, as paixões tristes não são combatidas pelo espírito, mas sim por paixões alegres; nisso consiste a liberdade, no conhecimento e controle dos nossos afetos.

Por fim, Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, asseveram que:

... diferentemente de outros filósofos que estabelecem hierarquias e pretendem subjugar as paixões à razão ou vice-versa, Spinoza afirma que um dos aspectos da liberdade, não está em nos livrarmos das paixões, mas em sermos capazes de perceber que somos causas das paixões: liberdade é autodeterminação, é autonomia. Conseguimos isso sobrepondo, às paixões nascidas da tristeza, as paixões alegres. Portanto, um afeto jamais é vencido por uma idéia, mas um afeto forte é capaz de destruir um afeto fraco. [10]

Na terceira categoria, a filosofia moderna aborda o tema, relacionando liberdade ao livre arbítrio, podendo caracterizar-se como ato de querer e de fazer, enquanto possibilidade de escolha, de opção, muito embora com limitações. Merecendo ênfase, dentre outros filósofos, Hobbes, Locke e Kant.

Para Immanuel Kant, a idéia de liberdade está associada à vontade e à racionalidade, posto serem apenas os entes racionais, os detentores da liberdade enquanto manifestação de vontade e autonomia. [11]

É esse o pensamento de Kant ao pronunciar: "... que outra coisa pode ser, pois, a liberdade da vontade senão autonomia, i. e., a propriedade da vontade de ser lei para si mesma ?". [12]

A autonomia, segundo Kant, se constitui na capacidade que só o homem tem de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. Assim, a vontade é a faculdade que cria as leis, e, na proporção em que se institui as próprias leis, se é livre. O ponto central da liberdade reside na idéia de autonomia, isto é, de submissão de cada qual às normas por si mesmo editas. A idéia de liberdade em Kant possui caráter universal e não apenas destaque no plano meramente individual. [13]

O mesmo filósofo explicando a liberdade e a sua relação com a vontade, assim se expressa:

Todo o ser que não pode agir senão sob a idéia da liberdade é, por isso mesmo, em sentido prático, verdadeiramente livre, quer dizer, para ele valem todas as leis que estão inseparavelmente ligadas à liberdade, exatamente como se sua vontade fosse definida como livre em si mesma e de modo válido na filosofia teórica. Agora afirmo eu: A todo o ser racional que tem uma vontade temos que atribuir-lhe necessariamente também a idéia da liberdade, sob a qual ele unicamente pode agir. [14]

A liberdade, segundo a filosofia Kantiana pode ser distinguida como interna e externa. A primeira diz respeito à espontaneidade e se fundamenta na razão prática, [15] liga-se à idéia moral. A liberdade externa encontra-se menos ligada ao sentido de moralidade, está, portanto, atrelada à noção de direito, de liberdade jurídica.

Na interpretação de Norberto Bobbio, as duas expressões aproximam-se com a definição de direito e moral, senão vejamos:

O âmbito da moralidade diz respeito à liberdade interna, a do direito se amplia para a liberdade externa. Pode-se ainda, falar, com Kant, de uma liberdade moral, distinta da liberdade jurídica (...) No conceito de moralidade entendida como liberdade interna é evidente a referência a uma relação de mim comigo mesmo, no conceito de direito entendido como liberdade externa é igualmente evidente a referência a uma relação minha com os outros. É possível então dizer que o novo critério de distinção entre moral e direito não considera mais, como o primeiro, a relação entre a ação e a lei ou o modo da obrigação, mas a mesma forma da ação que no primeiro caso se esgota no interior da minha consciência, e no segundo caso, abrindo-se para o exterior chega a coincidir com a dos outros. [16] (grifo do autor).

Para Joaquim Carlos Salgado,

A distinção entre liberdade interna e liberdade externa feita por Kant aparece também como momentos da mesma liberdade. Enquanto a liberdade interna se define como espontaneidade e autolegislação e tem como faculdade a vontade pura ou a razão pura prática, a liberdade externa nada mais é do que a mesma auto-legislação e espontaneidade no seu momento de contato com o outro e se expressa através do arbítrio, que será livre, se conforme a lei da razão pura prática. A liberdade interna é a faculdade de agir pela razão e a externa, essa faculdade de agir numa sociedade de seres livres; é a própria liberdade civil. Liberdade externa é a liberdade no momento do uso externo do arbítrio, enquanto a liberdade interna se refere ao seu uso interno. [17]

Com base nessa diferença de termos acerca da liberdade, o mesmo autor diz que:

A liberdade no seu sentido próprio é sempre a liberdade positiva da autonomia; isso é válido tanto para o direito quanto para a moral. Na moral, autonomia diz-se da vontade individual pura que legisla para si mesma (ou liberdade interna). No direito, é a mesma vontade legisladora, não mais enquanto legisla apenas para si mesma, mas enquanto participa da elaboração (pela possibilidade da sua aprovação) de uma legislação universal limitadora dos arbítrios individuais. Essa é a liberdade jurídica no sentido próprio ou liberdade externa, que em essência é sempre a mesma autonomia, pois é a "faculdade de não obedecer a outra lei externa a não ser aquela a que eu possa ter dado a minha aprovação. [18] (grifo do autor).

Na formação da idéia de liberdade, Kant recebeu influências de Rosseau, que por sua vez, tratou a liberdade, subdividindo-a em natural e civil, nos seguintes termos:

O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode alcançar; o que com ela ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para que não haja engano a respeito dessas compensações, importa distinguir entre a liberdade natural, que tem por limites apenas as forças do indivíduo, e a liberdade civil, que é limitada pela vontade geral, e ainda entre a posse, que não passa do efeito da força ou do direito do primeiro ocupante, e a propriedade, que só pode fundar-se num título positivo. [19]

Montesquieu também falava em liberdade, atribuindo ao termo diversas significações, [20] dentre elas, conotação política, fazendo-o nos seguintes termos:

É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não consiste nisso. Num Estado, isto é, numa sociedade em que há leis, a liberdade não pode consistir senão em poder fazer o que se deve querer e em não ser constrangido a fazer o que não se deve desejar. Deve-se ter sempre em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros teriam tal poder. [21]

Nessa mesma época, escrevia Cesare Beccaria, o famoso livro Dos Delitos e das Penas, comentando, no capítulo referente à origem das penas e do direito de punir, a necessidade que tem os homens de ceder uma porção de sua liberdade para que o Estado possa exercitar, soberanamente, o direito de punir, restringindo e delimitando a liberdade pessoal. Esta formulação é de índole contratualista, pela qual, o direito de apenar nasce da renúncia dos direitos que competem aos cidadãos entre si e na sua relação com os outros, que tem por fundamento o pacto social, disto derivando como conseqüência necessária o princípio da legalidade do delito e da pena. [22]

Não obstante Beccaria deixar transparecer em seu discurso o caráter político e não se apresentar propriamente como um cientista ou filósofo, sua obra obteve repercussão mundial, alcançando até os dias atuais amplo conhecimento. Beccaria considerava que as penas deviam ser proporcionais ao dano social causado, afirmando:

As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano propiciar aos súditos. [23]

Ademais, rejeitava incisivamente a crueldade das penas de sua época e a tortura, que era o meio de prova mais utilizado. Concluindo suas observações a respeito da pena, em síntese asseverou:

... para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei. [24]

Esta obra de Beccaria foi rapidamente traduzida para várias línguas e influenciou as reformas penais dos déspotas de seu tempo. Um dos filósofos da época, propagador do ideário de liberdade e que recebeu influências do Marquês foi Voltaire, que lhe dedicou importantes comentários, consagrando e difundindo o livro Dos Delitos e das Penas na França, por ocasião da defesa post mortem do protestante Francês Juan Calas, acusado de assassinar seu filho, por querer converter-se ao catolicismo, tendo sido condenado, por tal acusação ao suplício da roda. Dois anos depois da execução de Calas, Voltaire obteve sua declaração de inocência, provocando, na época, um escândalo.

Voltaire falava da liberdade se expressando da seguinte forma:

Ser verdadeiramente livre é poder. Quando posso fazer o que quero, eis minha liberdade; mas quero necessariamente aquilo que quero, pois de outro modo eu quereria sem razão, sem causa, o que é impossível. Minha liberdade consiste em andar quando quero andar, desde que não sofra de gota. [25]

Consoante o pensamento dos últimos filósofos citados, percebe-se que a palavra liberdade passa a ter conotação política e é com suporte nesse raciocínio que podemos organizar melhor as idéias e analisar o significado atual da expressão liberdade na esfera política, antes de adentrar propriamente no conceito jurídico.

Comumente, tem se atribuído dois significados ao termo: liberdade negativa e positiva. A primeira pode ser entendida como ausência de impedimento ou constrangimento, consistindo em fazer ou não fazer tudo o que as leis permitem ou não proíbem. Encontra-se ligada à idéia de ação, cabendo ao indivíduo um atuar ou agir, não se sujeitando a obstáculos contidos em lei.

A liberdade positiva pode ser definida como autodeterminação, indicando um atributo específico do querer, no sentido de mover-se para uma finalidade própria, escolhida livremente, sem determinação ou influência de outrem. Pode ser também chamada de autonomia, tendo em vista ser a vontade livre, não determinada pelo querer de outrem ou por forças estranhas ao próprio querer.

A despeito do assunto, Norberto Bobbio se expressa da seguinte maneira:

Por liberdade negativa, na linguagem política, entende-se a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir sem ser obrigado, por outros sujeitos. (...) Por liberdade positiva, entende-se – na linguagem política – a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de tomar decisões, sem ser determinado pelo querer de outros. [26]

Para a teoria política, a liberdade positiva e negativa também enseja uma outra diferença, levando-se em consideração o sujeito. Quando o sujeito ao qual nos referimos é o indivíduo singularmente, estaremos diante da liberdade negativa, conhecida, da mesma forma como liberdades civis ou individuais.

Quando tomamos como referência ou destinatário a coletividade, enquanto sujeito histórico, nos deparamos com a chamada liberdade positiva. Acerca da matéria, Norberto Bobbio acrescenta: "A liberdade como autodeterminação, ao contrário, é geralmente atribuída, no discurso político, a uma vontade coletiva, seja essa vontade a do povo, da comunidade, da nação, do grupo étnico ou da pátria... ". [27]

Ainda no âmbito político, Pinto Ferreira define a liberdade como sendo:

O poder do indivíduo de exercer suas atividades física, moral, econômica e intelectual até o limite que o Estado autoriza, a fim de permitir o exercício da liberdade alheia. A liberdade de um finda quando começa a liberdade do outro. [28]

A partir dessas considerações, podemos analisar a liberdade não mais lhe atribuindo caráter filosófico ou político, mas situando-a num contexto jurídico. Comecemos por avaliar a liberdade no seu aspecto individual.

Essa liberdade da pessoa física, também chamada de individual, constitui a primeira forma de liberdade que o homem teve que conquistar, formando um dos atributos mais significativos da existência, a ela se opondo a idéia de escravidão e prisão.

Por tal motivo, o Direito, enquanto ciência acompanhou e teve mesmo, por base a proteção da liberdade pessoal. Tanto é assim, que no Direito Romano havia uma divisão fundamental, denominada de suma divisio, separando os homens em livres e escravos. "A liberdade – libertas – é o maior bem para o romano. A condição de homem livre domina todo o mundo antigo, inclusive o império romano, em que a liberdade se opõe à escravidão". [29] Outra não é a observação feita por Antônio Filardi Luiz. [30]

Nessa ordem de idéias, se percebe que a liberdade, desde longas datas se constituiu num bem de significativo valor, fazendo parte da essência do homem o nascer e permanecer livre, desempenhando a capacidade de movimentar-se e locomover-se. Todavia, a convivência social impõe determinadas regras que acabam restringindo a liberdade natural, por tal motivo e, em nome da paz social, nos obrigamos a sofrer as limitações mínimas, impostas pelo ordenamento jurídico estatal. Nisso constitui a liberdade pessoal ou física, sob o âmbito jurídico.

A propósito do tema, José Afonso da Silva oferece a seguinte noção de liberdade da pessoa física: "é a possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de serem senhora de sua própria vontade e de locomoverem-se desembaraçadamente dentro do território nacional". [31]

Para Francisco Fernández Segado: "La libertad es una dimensión de la persona. Entendida como libertad general de actuación o, si se prefiere, como libertad general de autodeterminación individual... " [32]

Discorrendo sobre o assunto liberdades, J.J. Gomes Canotilho afirma que o direito de liberdade pessoal "significa direito à liberdade física, a liberdade de movimentos, ou seja, o direito de não ser detido ou aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente condicionado a um espaço, ou impedido de se movimentar". [33]

Hauriou, Gicquel e Gélard comparam a liberdade pessoal à soberania do indivíduo se expressando nos seguintes termos:

Liberte et souveraineté personnelles. – A ce stade, on comprend que ‘liberte humaine’ équivaut à ‘souveraineté humaine’. Ce que la souveraineté est à l’Etat, la liberte l’est à l’individu. L’Etat est souverain parce que grace à son organisation retionnelle et à l’équilibre interne de ses pouvoirs, il est maître de lui-même. [34]

Essa liberdade individual, de acordo com os citados mestres acima, possui como corolário principal a liberdade física e apresentam a seguinte definição: "La liberte physique d’aller et de venir ou liberte personnelle. Elle doit s’entendre au sens d’indépendance physique de l’individu et s’oppose, de la sorte, à la mise em esclavage ou em servage". [35]

Historicamente, Francisco Fernández Segado explica que a configuração constitucional do direito de liberdade, inicialmente surgiu com a finalidade de proteger os cidadãos das arbitrariedades e detenções impostas, mediante atuação do próprio judiciário, sem que houvesse, ao menos oportunidade de questionar tais procedimentos. Para preservar, então, o direito principalmente de locomoção, é que a liberdade passou a ser tema central das constituições. [36]

Cumpre observar que o direito de liberdade, contemporaneamente, tem sido recepcionado com generosidade e amplitude pela maior parte dos ordenamentos jurídicos mundiais, seja mediante previsão nas cartas constitucionais, seja por meio das declarações e pactos internacionais, [37] que passaram a adotar o valor liberdade, como direito supremo de uma nação.

Da forma que restou demonstrada, a liberdade física implica necessariamente no direito de ir, vir e permanecer. Todavia, essa liberdade que podemos chamar de natural, não é absoluta, esbarra no poder estatal, encarregado de manter a ordem e a paz pública.

Assim, podemos afirmar que a liberdade pessoal é condicionada pela lei, que regula o que não se pode fazer, circunscrevendo o arbítrio de cada pessoa. Inexistindo, dessa forma, liberdade absoluta, pois todos devem agir dentro dos limites impostos pela ordem legal.

Dada a sua importância, o direito à liberdade individual é protegido pelo Estado, da mesma forma que as suas limitações devem ser formalmente preestabelecidas, num primeiro momento, mediante a instituição de uma Carta Política que preveja e tutele tal direito. Consistindo, o reconhecimento da liberdade no pressuposto da adoção do princípio do Estado Democrático de Direito.

2.Direito Constitucional de Liberdade.

A liberdade pessoal, reconhecida antes de tudo como direito natural e intangível do indivíduo, ao longo do desenvolvimento da humanidade e da ciência jurídica, fortaleceu-se de tal forma que passou a merecer proteção estatal, permitindo às nações que primam por uma sociedade justa e humanitária, na qual prevalece a liberdade de seus cidadãos, o reconhecimento, em suas respectivas Constituições, do direito à liberdade como um direito soberano. Não bastando apenas institui-lo, sentiu-se a necessidade de criar, igualmente instrumentos eficazes de garantia e proteção ao pleno exercício desse direito.

Assim, delineou-se o cenário das sociedades modernas, onde o direito à liberdade acabou por constituir ponto comum a todas as Constituições. Acontece porém, que a consagração desse direito não nasceu do dia para a noite, ocorreu de maneira lenta e através de conquistas sucessivas.

O marco decisivo para que o direito constitucional de liberdade fosse erigido à categoria de direito fundamental, rompendo com a tradição real, foi sem dúvida, as cartas e estatutos assecuratórios de direitos fundamentais, como a Magna Carta, em 1215, quando os barões ingleses obrigaram João Sem Terra a firmá-la; a petition of Rights, em 1628; o Habeas Corpus Amendment Act em 1679 e o Bill of Rights, em 1688.

Essas declarações, inclusive a de 1679, asseguraram, dentre tantas outras garantias fundamentais, a de que nenhum homem livre poderia ser preso, nem perder os seus bens, nem ser declarado fora da lei ou desterrado, senão em virtude de julgamento, conforme a lei. A partir daí, começou a esboçar-se com maior nitidez os contornos essenciais do habeas corpus, enquanto garantia constitucional da liberdade, apesar dessa medida ter alcance limitado aos membros da classe dominante.

O direito de liberdade continuou a fortalecer-se quando os Estados Unidos, em decorrência da experiência inglesa, preparavam o espírito para as grandes declarações dos direitos fundamentais.

Acerca da matéria, assevera José Afonso da Silva: "A primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno, foi a Declarações de Direitos do Bom Povo da Virgínia". [38] Nascida em 1776, previa dentre outros direitos, a igualdade, independência e liberdade dos homens, bem como a vedação de mandados de busca ou de detenção, sem especificação exata e prova do crime. Em virtude da Independência dos Estados Unidos, e em 1787, com o advento da sua Constituição, aprovada na Convenção de Filadélfia, ficou consagrado o direito de liberdade mediante a instituição do habeas corpus, proibindo-se a suspensão desse remédio, a menos que a ordem pública passasse a exigir nos casos de rebelião ou de invasão [39]. Em decorrência desses acontecimentos, disseminou-se o pensamento de que os direitos só podiam ter consistência se acompanhados dos instrumentos processuais para sua efetivação.

O campo estava preparado e a idéia de direitos individuais foi mesmo institucionalizada, apresentando seu apogeu, durante a Revolução Francesa, momento em que as forças políticas da época fundavam o Estado Liberal ou Estado de Direito, em oposição às idéias advindas do período absolutista, recebendo, a liberdade, especial atenção constitucional.

Foi precisamente com o advento do constitucionalismo ocidental que o ideário de liberdade recebeu força e importância, por ter sido insculpido como um dos termos da fórmula universal: liberdade, igualdade e fraternidade, difundidos na Assembléia Constituinte Francesa de 1789.

Esse liberalismo ocidental, conduzido e vivido pela burguesia, durante a Revolução Francesa, colocou a liberdade como valor básico, incluindo-a como centro da parte mais delicada das Constituições: a dos direitos e garantias.

A despeito dessa fase histórica, o direito de liberdade ganhou destaque na área dos direitos fundamentais, surgindo desse direito individual a maneira mais eficaz de libertar o homem das amarras do Estado absolutista, já que a esfera individual não mais poderia ser restringida pelo Estado de forma deliberada e incondicional. Com isso, a burguesia se consolidou como classe econômica e social mais forte e pode elevar o direito de liberdade à categoria de direito fundamental.

Daí para cá, o conteúdo da liberdade passou a integrar a Constituição material, sendo esta, consoante Paulo Bonavides:

o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Em suma, a Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao conteúdo, mas tão-somente ao conteúdo das determinações mais importantes, únicas merecedoras, segundo o entendimento dominante, de serem designadas rigorosamente como matéria constitucional. [40] (grifo do autor).

Assim, considerando que a conservação e o exercício da liberdade, enquanto direito da pessoa humana, constituem pontos cardeais e determinantes de um Estado organizado, a liberdade encontra-se inserida na acepção material de constituição.

Nessa ótica, o direito de liberdade uma vez classificado como garantia fundamental, pode ser incluído em uma das gerações ou dimensões, nas quais se distingue a formação sucessiva de uma primeira, segunda, terceira e até uma quarta geração.

O direito à liberdade, no dizer de Paulo Bonavides, corresponde aos chamados direitos de primeira geração. Veja-se:

Os direitos de primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. [41]

Garantido o direito constitucional de liberdade, apresenta-se então o problema de estabelecer equilíbrio entre a liberdade individual e a autoridade estatal. Isto porque o conceito de liberdade não é absoluto, não implica em ausência de coação. Daí concluir-se que só a lei geral, emanada do Estado pode restringi-la, e assim mesmo devendo aquela ser elaborada de acordo com regras preestabelecidas e aceitas pela coletividade que busca regular.

A liberdade geral, portanto, está indissociavelmente atrelada ao princípio da legalidade, consistindo esse garantia daquele. Na Constituição de 1988, percebe-se claramente a presença do citado princípio no artigo 5º, inciso II, que menciona: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei". Somente a lei tem o condão de limitar a liberdade.

Esta forma de considerar-se a legalidade frente à liberdade é baseada em um conteúdo negativo, consistindo a liberdade num conceito geral e a restrição da lei a exceção. Não há uma relação no sentido de poder fazer-se tudo o que a lei permite, mas de poder-se fazer tudo, exceto o que a lei expressamente proíbe.

Com efeito, modernamente, o princípio da liberdade está previsto na memorável Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada logo após o desastre da II Guerra, onde está escrito: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos... ". [42]

Foi com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, que o humanismo político de liberdade ganhou relevo neste século, sendo responsável pelo reconhecimento, em âmbito universal dos direitos humanos.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), traz em seu artigo 7º, item 1, a seguinte previsão: "Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal". [43]

Outra não é a orientação dada pela atual Constituição brasileira, que faz menção ao termo liberdade na parte primeira ou introdutória da referida Carta, demonstrando ser a liberdade valor básico, constituindo, por isso, decorrência lógica da própria fórmula política adotada pelo Estado Democrático de Direito.

O caput do art. 5º estabelece que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, segurança e propriedade. (grifo nosso).

Ademais, no corpo do mencionado artigo, podemos encontrar os seguintes incisos que igualmente protegem o direito de liberdade, em seus diversos aspectos, (liberdade de pensamento, de crença religiosa, à honra, à imagem, à associação, de reunião e de locomoção) são eles: II, IV, VI, IX, XIII, XV, XVII, LXVI e LXVIII.

A doutrina Francesa, representada por Haoriou, Gicquel e Gélard, [44] divide a liberdade individual em liberdade da vida civil e liberdade da vida política. A liberdade civil consiste em assegurar o resguardo dos direitos relativos à vida privada, como forma de concessão Estatal ao indivíduo, essa liberdade da vida civil, se compõe de dois grupos: as liberdades primeiras e as liberdades segundas. Àquelas compreendem: a liberdade física, segurança, família, propriedade privada, convenções e comércio/industrial.

As segundas liberdades abrangem: a liberdade de consciência e culto, ensinamentos, informação, reunião e sindical. Já a liberdade da vida política resulta para o indivíduo do reconhecimento de direitos que autorizam o cidadão a participar da função pública, esses direitos representam expressão da soberania nacional: direito de participar de partidos políticos, votar e ser votado, entre outros.

Fazendo o cotejo das normas constitucionais de diversos Estados, percebe-se que a liberdade constitui tema central e uniforme, notadamente nas Constituições da França, Portugal e Espanha.

A França, berço do ideário de liberdade, apresenta em seu texto constitucional proteção a esse direito, a partir do preâmbulo, numa clara ratificação do que ficou demonstrado ao mundo, no período da Revolução Francesa com a propagação da fórmula que se tornou mundialmente conhecida: liberdade, igualdade e fraternidade. Nos seguintes termos:

O povo francês proclama solenemente o seu apego aos Direitos do Homem e aos princípios da soberania nacional tal como foram definidos pela declaração de 1789, confirmada e completada pelo preâmbulo da Constituição de 1946. Em virtude desses princípios e do princípio da livre determinação dos povos, a República oferece aos territórios do ultramar, que manifestem a vontade de a elas aderir, instituições novas fundadas no ideal comum de liberdade, igualdade e fraternidade e concebidas em vista da sua evolução democrática. [45]

Continua a Constituição Francesa a falar da liberdade no seu artigo 1º, estabelecendo: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem fundar-se em nada mais do que a utilidade comum". O artigo 2º enuncia: "A finalidade de toda associação política é a conversão dos direitos naturais e imprescindíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência a opressão". O artigo 4º prevê:

A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudicar outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites senão os que garantem aos demais membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Estes limites só podem ser determinados pela lei. [46]

Examinando a Constituição Portuguesa, verifica-se que é marcante, também a preocupação em garantir os direitos individuais, especialmente o de liberdade em suas diversas modalidades. No artigo 27 está consignado o direito do próprio Estado em assegurar à liberdade dos cidadãos, enunciando que "Todos têm direito à liberdade e à segurança". O art. 37 trata da liberdade de expressão e informação, o art. 38 da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, o art. 41 da liberdade de consciência, de religião e de culto, o art. 42 da liberdade de criação cultural, o art. 43 a liberdade de aprender e ensinar, o art. 46 a liberdade de associação, o art. 47 da liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública. [47]

Por seu turno, a Constituição Espanhola é incisiva ao prever o direito de liberdade ideológica, religiosa e física, disciplinando, inclusive, a prisão preventiva e regulando o habeas corpus. Em seu artigo 17, 1), estabelece:

Toda persona tiene derecho a la libertad y a la seguridad. Nadie puede ser privado de su libertad, sino com la observância de lo establecido en este artículo y en los casos y en la forma previstos en la ley. [48]

Continuando, no item 2 do mesmo artigo a tratar da prisão preventiva, enuncia:

La detención preventiva no podrá durar más del tiempo estrictamente necessario para la realización de las averiguaciones tendentes al esclarecimento de los hechos, y, en todo caso, en el plazo máximo de setenta y dos horas, el detenido deberá ser puesto en libertad a disposición de la autoridad judicial. [49]

A previsão do habeas corpus encontra-se no artigo 17, item 4), da seguinte maneira:

La ley regulará um procedimiento de habeas corpus para producir la inmediata puesta a disposicion judicial de toda persona detenida ilegalmente. Asinismo, por lei se determinará el plazo máximo de duración de la prisión provisional. [50]

Como visto, o direito de liberdade alcançou patamares universais, estando presente no corpo de todas as Constituições dos países civilizados, atrelado a um sistema de garantias que assegura aos membros da coletividade o exercício desse direito. Não obstante tal conquista, o Estado, enquanto guardião e harmonizador da paz social, impõe limites, especificamente à liberdade de locomoção, diante de violação a norma penal, autorizando-se, em caso de comprovado envolvimento com o crime, a aplicação de pena e a conseqüente prisão do indivíduo.

3.Direito do Estado de Punir – Prisão.

Apesar da desejabilidade geral, liberdade não constitui um valor absoluto e irrestrito, sem limitações. Como já visto, esse direito é tutelado e garantido pelo Estado, mas não de forma incondicional. O próprio Estado cuida de imprimir limites, com a finalidade de proteger determinados bens jurídicos, como a vida, propriedade e mesmo a liberdade.

Daí se conclui que o cerne da liberdade jurídica reside na possibilidade de fazer tudo aquilo que não é proibido pelo próprio ordenamento, mesmo assim, a liberdade constitui a regra, devendo a sua limitação ser justificada.

Na análise do conteúdo da liberdade, consoante o que já foi dito no primeiro item desse capítulo, faz-se necessário distinguir, com Rosseau, a liberdade civil da liberdade natural. Esta última encontra a sua razão de ser na própria vontade ilimitada do indivíduo, realizando condutas, sem sofrer restrição alguma. Já a liberdade civil, importa na prática de condutas, desde que não sejam expressamente proibidas por lei. O ordenamento jurídico limita o direito dos cidadãos, com a finalidade de preservar a harmonia social. É dessa espécie de liberdade que trataremos, posto ser a liberdade civil a que se deixa envolver pelo manto estatal, e este por sua vez impõe limitações ao direito de liberdade.

Arnaldo Quirino, ressalta, a propósito, que:

As restrições impostas à liberdade pessoal devem ser somente as necessárias à manutenção do convívio pacífico e harmonioso dos indivíduos, preservando-a sempre que possível, mas apenas a ela como também e sobretudo todos os direitos inerentes à personalidade, pois o homem tem que ter preservada sua vocação natural para decidir sobre seus rumos e sobre si mesmo, afirmando-se na sociedade em que vive. [51]

Outrossim, a liberdade civil agrega várias espécies de liberdades, dentre elas a liberdade pessoal, que por sua vez, consoante Arnaldo Quirino, se divide em liberdade pessoal lato sensu e stricto sensu. A primeira, nas palavras do citado autor,

... abrange várias formas de manifestação do homem em suas relações em sociedade, que são desenvolvidas por conta do livre exercício de direitos imprescindíveis à personalidade humana, entre os quais podemos citar: o direito à liberdade de locomoção, a liberdade de expressão e pensamento, à liberdade de comunicação, à própria imagem, exercício de atividades, etc. [52]

Já a liberdade pessoal stricto sensu consiste propriamente na liberdade física, ou seja, no direito de ir, vir e ficar. Esse direito à liberdade de locomoção é tão sagrado que mereceu destaque não apenas do Código de Processo Penal, como também, previsão Constitucional, senão vejamos, atualmente o art 5º, XV, garante a liberdade de locomoção no território nacional, em tempo de paz, estabelecendo, igualmente a previsão, do remédio constitucional do habeas corpus para quem sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, tal dispositivo encontra-se no inciso LXVIII do citado artigo.

Não obstante o Estado garantir a liberdade de locomoção e a protegê-la mediante a criação de instrumentos específicos, como é o caso do habeas corpus, a ele, incumbe a tarefa de manter a paz social, regulando o proceder dos cidadãos mediante a instituição de normas com o fim de permitir que a vida em sociedade seja possível. A esse complexo de normas de conduta que possibilitam ao Estado a regulamentação das relações sociais chamamos de direito objetivo. Nesse sentido argumenta Julio Fabbrini Mirabete:

... o direito objetivo, ao mesmo tempo em que possibilita as atividades lícitas, é um sistema de limites aos poderes e faculdades do cidadão, que está obrigado pelo dever de respeito aos direitos alheios ou do Estado. Quem se afasta do imperativo das regras jurídicas, fica submetido à coação do Estado pelo descumprimento de seus deveres, eis que seriam inócuas as normas se não estabelecessem sanções para aqueles que as desobedecem, lesando direito alheio, pondo em risco a convivência social e frustrando o fim perseguido pelo Estado. [53]

Ainda com Julio Fabbrini Mirabete: "... a faculdade ou poder que se outorga a um sujeito para a satisfação de seus interesses tutelados por uma norma de direito objetivo é o que constitui o direito subjetivo". [54]

O direito utiliza-se da norma para garantir a subsistência de determinados valores tidos como imprescindíveis no cenário social. Segundo Vicente Greco Filho:

O mecanismo de bens e valores tutelados pelas sanções existe porque ao homem interessa a apropriação desses bens, que não são ilimitados. Decorre, daí, a necessidade de sua regulamentação para a permanência harmônica da convivência social, porque esta em si mesma também é considerada um bem, ou, pelo menos, é humanamente inevitável. [55]

A sujeição dos membros da sociedade às normas estabelecidas pelo Estado só é possível com a aplicação de sanções previstas para as infrações cometidas. Essas sanções, dependendo do bem jurídico tutelado, variam desde o ressarcimento dos danos causados até a segregação do indivíduo que praticou o ilícito. Neste último caso, a violação ao dever jurídico, agride um bem que, por sua transcendência social, afeta sobremodo as condições de vida na comunidade. O direito à vida, à integridade física, podem ser citados como exemplos. Tais bens recebem proteção da norma penal, consistindo sua transgressão no ilícito penal.

Tendo em vista que os interesses lesados comprometem a própria harmonia social, quando os bens tutelados têm caráter público, o Estado não permite que a aplicação do preceito sancionador ao infrator da norma de comportamento, prevista na lei penal, fique ao alvedrio do particular. Para tanto, o próprio Estado se investe do direito de punir, aplicando sanções contra o violador da norma.

Com a proibição da justiça privada ou a justiça com as próprias mãos, o Direito passou a ser prerrogativa exclusiva do ente estatal, não podendo a vítima compor o litígio, exercitando força própria, frente a impossibilitada de auto-executar seu direito, em decorrência de proibição legal e por ter sido instituído o Estado juiz como o detentor do poder de punir e, portanto, único legitimado a aplicar a sanção prevista em lei, constituindo crime a atuação pessoal, mesmo que o indivíduo tenha a seu favor a razão. Tal fato tipifica o delito do art. 345 do Código Penal, que prevê o crime de exercício arbitrário das próprias razões, nos seguintes termos:

Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite. Pena: detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. (art. 345 do Código Penal).

Do exposto, se conclui que o único detentor do poder punitivo é sempre o Estado, não podendo se conceber de maneira diversa. No dizer de Vicente Greco Filho:

É fácil de entender que, se fosse admitida a justiça privada, estaríamos no império da insegurança e do arbítrio. De fato, àquele que tem uma pretensão, quando atua concretamente para satisfazê-la, não importa a declaração da existência ou inexistência de seu direito, mas somente a submissão da vontade do outro à sua vontade. [56]

O emprego da força não mais constitui forma usual para solução de litígios, razão pela qual, a função de administrar a justiça foi avocada pelo Estado como tarefa exclusiva sua, com finalidade de manter a ordem e paz social. Conforme observa Fernando da Costa Tourinho Filho:

Foi, pois, pela necessidade de pacificar o grupo e de "restabelecer, em benefício dele, a ordem jurídica, ameaçada ou violada, que o Estado interveio no campo da administração da justiça". "Essa intervenção, entretanto, ocorreu paulatinamente e gradativamente. A princípio, o Estado disciplinou a "autodefesa". Mais tarde, despontou em algumas civilizações sua proibição quanto a certas relações, a certos conflitos. E, assim, aos poucos, foi-se acentuando a intervenção do Estado, culminando por vedá-la. [57] (grifo do autor).

O Poder Judiciário é o grande encarregado de prestar a tutela jurisdicional, em sua plenitude, exercitando a jurisdição. Por tal motivo, praticado um fato ilícito, cumpre ao ofendido reclamar do Estado-Juiz a solução do litígio. Para isso, a parte interessada faz o uso do direito de ação, provocando a atuação do Judiciário. Este, por sua vez opera mediante a instauração do devido processo legal. Consoante Fernando da Costa Tourinho Filho, o processo pode ser definido como: "... uma sucessão de atos com os quais se procura dirimir o conflito de interesses. Nele se desenvolve uma série de atos coordenados visando à composição da lide". [58]

Dessa forma, como as normas penais têm caráter público, a sua transgressão atinge a própria sociedade, encontrando-se o Estado no pólo passivo da relação criminosa, por tal motivo, o Estado empreende procedimentos visando apurar o fato em toda sua extensão e a partir daí aplicar a pena, em caso de condenação. Dessa maneira, podemos concluir com Fernando da Costa Tourinho Filho que: "o jus puniendi pertence, pois ao Estado, como uma das expressões mais características da sua soberania". [59]

Consoante o citado autor,

... o Jus puniendi pode existir in abstrato e in concreto. Com efeito quando o Estado, por meio do Poder Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a transgredir o mandamento proibitivo que se contém na norma penal, surge para eles o jus puniendi num plano abstrato e, para o particular, surge o dever de abster-se de realizar a conduta punível. Todavia, no instante em que alguém realiza a conduta proibida pela norma penal, àquele jus puniendi desce do plano abstrato para o concreto, pois, já agora, o Estado tem o dever de infligir a pena ao autor da conduta proibida. Surge, assim, com a prática da infração penal, "a pretensão punitiva". Desse modo, o Estado pode exigir que o interesse do autor da conduta punível em conservar a sua liberdade se subordine ao seu, que é o de restringir o jus libertatis com a inflição da pena. A pretensão punitiva surge, pois, no momento em que o "jus puniendi" in abstracto se transforma no "jus puniendi" in concreto. [60] (grifo do autor).

O conflito de interesses que resulta da prática de um delito, originando a lide, não pode ser imediatamente solucionado com a prevalência do interesse estatal, submetendo o autor do crime a aplicação da sanção prevista em lei. A lei penal só pode ser concretizada se no exercício do jus puniendi ficar comprovado o envolvimento do indigitado autor na violação da norma, não podendo, nesse instante, ser mitigado o direito que o Estado garante a cada cidadão, o jus libertatis.

Por tal motivo, o direito que tem o Estado de atuar, aplicando a sanção não é ilimitado, esbarra no princípio da legalidade, que não permite a condenação por crime sem que haja previsão legal. Desse modo, se alguém é acusado da prática de um crime, o Estado só poderá infligir a pena se comprovada a sua responsabilidade através de decisão tomada pelo Poder Judiciário, mediante a instauração do devido processo legal.

Ademais, José Frederico Marques enuncia que:

Nos estados submetidos à lei e ao direito, a pena só se aplica ‘processualmente’. A atividade punitiva dos órgãos estatais encarregados de restaurar a ordem jurídica violada pelo crime submete-se a um controle jurisdicional a priori, em que o Poder Judiciário aplica a norma penal objetiva mediante a resolução de uma lide consubstanciada no conflito entre o direito de punir e o direito de liberdade. [61] (grifo do autor).

A garantia do processo legal foi erigida pela atual Constituição Federal à categoria de direito fundamental, no inciso LIV do artigo 5º, nos seguintes termos: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Diante do exposto, podemos concluir que ao Estado incumbe o direito de punir, aplicando a norma penal sempre que praticado algum fato tipificado como crime, mas ao mesmo tempo em que detém o jus puniendi, garante, igualmente, ao cidadão o jus libertatis, conseguindo-se a efetivação dessas garantias e o seu equilíbrio por intermédio do devido processo legal.


II - DA PENA DE PRISÃO

"... as pessoas crêem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas crêem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e não é verdade. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado está é perdido. Cristo perdoa, mas os homens não."

(Francesco Carnelutti)

1. Breve Histórico

Inicialmente, cumpre observar que nem sempre a prisão teve a forma e estrutura que hoje conhecemos. Ao longo dos tempos, a idéia do encarceramento projetou-se, no cenário social, sob diversas configurações, sustentadas por ideologias criadas conforme a estrutura social da época. Por tal motivo, procuraremos situar os vários tipos de prisões, ainda que de forma breve, consoante os períodos de história da humanidade: Antigüidade, Idade Média e Idade Moderna. Ressaltando que o critério utilizado para separar as espécies de prisões por épocas, não revela nitidez absoluta, possui caráter meramente didático, posto não elucidar adequadamente a questão. [62]

Com relação à pena, Armida Bergamini Miotto explica a sua evolução e significação, utilizando-se do marco cronológico, que permite um estudo durante duas fases distintas: a pré-história e a história. Interessando-nos, nesse momento, antes de adentrar no histórico da prisão, fazer algumas observações acerca da pena durante a pré-história. Naquele período, a reação da vítima frente a uma agressão ou a um mal causado resumia-se, primeiramente, a um mero desabafo, em seguida passou a ganhar caráter de vingança e finalmente evoluiu para um começo de racionalização. Assim explica a mencionada autora:

Nos povos mais primitivos, essa reação, inteiramente irracional, é tão-somente a descarga da tensão emocional, e tem, pois, a intensidade dessa tensão, durante até se operar a descarga ou então se interpor um obstáculo. (...) Num segundo momento, não é mais simples reação cega da descarga emocional; existe já, nessa reação, um mínimo, pelo menos, de consciência e vontade. (...) Num terceiro momento, verifica-se um progresso notável, pois que a submissão dos atos de vingança a um ritual significa não só um apreciável começo de racionalização, como uma limitação da dita vingança. [63]

As penas usuais na pré-história, consoante a mesma autora [64] versavam na perda da paz, que possuía o significado de provável sentença de morte, consistindo na expulsão do ofensor de seu grupo, passando este a andar errante e desprotegido, entregue a toda sorte; vingança de sangue, ocorrendo quando o ofensor e ofendido pertenciam a grupos diversos, onde os atos de guerra e agressão eram recíprocos e podiam culminar com o extermínio de um dos grupos ou de ambos. Por fim, utilizava-se também do sacrifício do ofensor ou alguém em lugar dele para aplacar a ira divina. Essa forma de defesa possuía conteúdo mágico ou supersticioso, pois a vítima e seu grupo tinham o dever de sacrificar o ofensor ou outrem em seu lugar para acalmar a ira divina; se assim não se procedesse, a fúria recairia sobre a vítima que não reagiu.

Restou demonstrado, pois, que a pré-história não conheceu a pena enquanto encarceramento, havendo, tão somente, condições de a prisão ser analisada durante as fases da história. Senão vejamos.

Na Antigüidade, a prisão tinha por finalidade exclusiva garantir a presença física do réu, para uma possível execução da pena. Não reconhecendo a primeira fase da história, portanto a privação da liberdade na condição de sanção penal. Argumenta Cezar Roberto Bitencourt que:

Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos fins de contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes. [65]

Como se observou, a prisão servia apenas como providência cautelar, inexistindo preocupação com um melhor tratamento destinado ao preso, como também na estruturação do ambiente onde se aguardava o momento da execução. Nesse sentido, Armida Bermini Miotto esclarece que as prisões podiam funcionar em:

quaisquer lugares seguros, v.g., cavernas; poços (José do Egito); árvores (a que a pessoa era amarrada, ou acorrentada); fortalezas (abandonadas ou não); torres; etc; edificações feitas a propósito (...) Grécia: Sofronisteiro (para menores transviados); Pritaneu (onde esteve Sócrates); Roma: Cárcere Mamertino (onde esteve São Pedro). [66]

Acerca das civilizações antigas, ensina Cezar Roberto Bittencourt:

Os vestígios que nos chegaram dos povos e civilizações mais antigas (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia, etc.) coincidem com a finalidade que atribuíam primitivamente à prisão: lugar de custódia e tortura. A expiação daquele que violou as normas de convivência – expressada pela aplicação das mais atrozes penalidades, como morte, mutilação, tortura e trabalhos forçados – é um sentimento comum que se une à Antigüidade mais remota. A Grécia, ou mais exatamente a civilização helênica, desconheceu a privação da liberdade como pena. [67]

Em Roma havia um processo de caráter solene e formalista que consistia em uma verdadeira execução pessoal, ou seja, no aprisionamento do devedor por parte do credor. Naquela época, a prisão era efetuada num ambiente denominado ergastulum [68]. A propósito do tema, elucida J. Cretella Júnior:

O magistrado autoriza o credor a deitar a mão sobre o devedor e levá-lo preso, caso não pague a quantia devida, imediatamente, quando tal soma é reclamada oralmente. Se a dívida não é paga nos 60 dias posteriores à manus injecto, o devedor pode ser morto ou vendido trans Tiberim como escravo. [69] (grifo do autor).

Acerca do tema prisão, prescreve a Lei das XII Tábuas:

Tábua Terceira – Dos Direitos de Crédito – (...) 7. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério. 8. Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em 3 dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes, o valor da dívida. 9. Se não muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre. [70] (grifo nosso).

O mesmo procedimento empregado em Roma para reter o devedor como meio de pagamento de suas dívidas foi utilizado na Grécia, muito embora funcionasse como medida de cunho coercitivo. Era a chamada prisão por dívida e surtia seus efeitos até que o devedor saldasse o débito. Dessa forma, a prisão possuía um único desígnio: garantir o cumprimento das obrigações.

Durante a Antigüidade, não há como falar da existência da pena de prisão, tendo em vista que as sanções da época se restringiam à morte e às penas corporais, servindo o encarceramento apenas para guardar os acusados até ocasião do julgamento, enquadrando-se como presídios: os calabouços, aposentos em ruínas de castelos, torres, entre outros edifícios.

Com base nesses argumentos podemos afirmar com Cezar Roberto Bitencourt que: "Grécia e Roma, pois, expoentes do mundo antigo, conheceram a prisão com finalidade eminentemente de custódia, para impedir que o culpado pudesse subtrair-se ao castigo." [71]

Foi no fim da Idade Média que a questão penitenciária passou a se tornar relevante, muito embora, durante maior parte do citado período da história, tenha predominado o cárcere com o mesmo estilo custodial dominante na Antigüidade.

As penas mais comuns, nessa fase da história, se constituíam em mutilações e amputações das partes do corpo e queima do indivíduo na fogueira, ocasião em que o povo assistia a execuções cruéis como se estivessem num grande espetáculo a apreciar o cenário trágico. A Idade Média também se utilizou das ordálias ou juízos de Deus, pelas quais competia ao juiz tão somente presenciar a experiência e logo em seguida publicar o resultado. Com as ordálias, pretendia-se que Deus descesse à terra e verdadeiramente julgasse os homens. Existiam vários tipos de provas, sobre o assunto Tourinho explica que: "Havia o juízo da água fria, do ferro em brasa, do judicium offae e quejandos. Segundo a prova do judicium offae, o réu devia engolir, de uma só vez, grande quantidade de alimento, notadamente farinha de trigo. Se não o fizesse seria tido como culpado". [72]

A religião, especificamente a católica e a protestante contribuíram consideravelmente para a evolução da pena, bem como com a função moral e a idéia de correção, exemplaridade, que a mesma devia imprimir no apenado. Nesse sentido, Armida Bergamini Miotto esclarece:

... o Cristianismo, desde seus alvores, entendia que a pena devia ter a função ética de emenda. Não distinguindo pecado e delito, os pecadores, que ao mesmo tempo podiam ser denominados delinqüentes, deviam emendar-se, pela penitência, consistindo a penitência na "volta sobre si mesmo", com espírito de compunção, para reconhecer os próprios pecados (ou delitos), abominá-los, e propor-se a não tornar a incorrer neles (i.é, a não reincidir). Toda essa reformulação interior constituía a emenda. Ora, para se chegar, desse modo, à emenda, percebeu-se, sentiu-se, que havia necessidade de recolhimento, de afastamento do bulício do mundo. Isto é, deveria haver condições ambientais propícias para aquele processamento ético-psicológico da emenda. [73] (grifo do autor).

Até então, a prisão por representar mero ambiente de custódia provisória não oferecia boas condições de higiene e salubridade, muito menos condições físicas ou psíquicas ao preso; por tais motivos, qualquer recinto seguro para guardar o culpado convinha.

No citado estágio da civilização, a prisão pode ser dividida, consoante Cezar Roberto Bitencourt [74] em prisão Estado e prisão eclesiástica. A primeira servia para recolher os inimigos do poder e portanto do Estado, que cometessem crimes de traição política, podendo ser desdobrada em prisão-custódia, apenas com finalidade de guardar o réu até momento da execução, ou como detenção temporal ou perpétua, esta última com caráter de pena efetiva, a bastilha de Paris é um dos exemplos. A prisão eclesiástica destinava-se aos membros da igreja que transgredissem determinadas normas internas e proporcionava com a prática da oração o meio para se alcançar o arrependimento e a correção.

Os mosteiros e conventos funcionavam como lugares de sossego e calmaria, propícios à meditação e à penitência, servindo à expiação dos pecados, esse era o conceito penitencial que vislumbrava no delito e no pecado a escravidão e na pena a liberação. A respeito do assunto Armida Bergamini Miotto observa o seguinte:

Pessoas que, tendo cometido algum pecado, ou delito, que merecesse condenação, eram condenadas a se recolherem a um lugar de penitência, para, afinal, saírem de lá emendadas, e se reintegrarem na vida da família, da comunidade, da sociedade. Da evolução desses lugares, chamados penitenciários, resultaram os atuais estabelecimentos para cumprimento de pena privativa da liberdade. [75]

Foi tão somente na Idade Moderna que a prisão, efetivamente, pôde ser encarada como uma espécie de sanção a ser aplicada àqueles que praticassem fatos definidos como crime. Nesse momento, o encarceramento passa então a se apresentar como prisão-pena, perdendo o caráter de prisão-custódia.

O grande avanço na época moderna se deveu a Europa do século XVI e XVII, notadamente França e Inglaterra, quando a decadência econômica, a indefinição quanto ao modelo novo de economia frente à decadência feudal, o desenvolvimento dos centros urbanos, o desmesurado crescimento populacional, deram origem a uma quantidade sem tamanho de vagabundos e mendigos que levavam a vida à custa de esmolas, roubos e tantas outras atitudes criminosas, esses acontecimentos funcionaram como molas propulsoras para o incremento das penas privativas de liberdade. A partir daí, surgiram as primeiras prisões organizadas, implementadas com a finalidade de conter essa população de marginalizados sem utilizar-se das penas anteriormente aplicadas como por exemplo a pena de morte, muito embora a Inglaterra tenha utilizado até fins do século XVI do açoite, desterro e a execução.

Na realidade, vários fatores influenciaram na transformação da prisão-custódia em prisão-pena, dentre eles, Cezar Roberto Bitencourt [76] ressalta, uma maior valorização da liberdade, a imposição progressiva de racionalismo, a desordem e mudança sócio-econômica advinda com a passagem da Idade Média para Moderna, produzindo como conseqüência o aparecimento de indigentes e miseráveis que por ausência de trabalho se viam obrigados a pedir e praticar crimes. A crise da pena de morte e seu desprestígio também se constituíram em fatores expressivos para criação de uma nova modalidade de sanção penal - a pena privativa de liberdade.

Os primeiros estabelecimentos penais organizados surgiram nas mais diversas localidades da Europa, como as houses of correction ou bridwells e Workhouse, situados na Inglaterra que tinham por finalidade a reforma do delinqüente mediante o emprego de trabalho e disciplina, com aproveitamento de mão de obra dos presos. Cezar Roberto Bitencourt [77] também lembra que em Amsterdam, no ano de 1596 foram criadas casas de correção para homens - Rasphuis, em 1597 outra prisão para mulheres – Spinhis e em 1600 uma própria para jovens.

Não obstante a institucionalização da prisão-pena, o panorama composto da legislação criminal na Europa do século XVIII apresentava caráter de dureza excessiva, inspirando a prática dos castigos corporais e a severidade da pena privativa de liberdade. Diante de tais fatos, uma nova concepção de pena baseada no respeito à liberdade do indivíduo e a sua dignidade passou a influenciar o mundo do direito. Vários juristas e filósofos defendiam uma reforma substancial no Direito Penal, apresentando opiniões e pensamentos inspirados no denominado despotismo ilustrado, filosofia pregada pelo Iluminismo. Dentre os reformadores de maior destaque, podemos citar Beccaria e Howard que deram causa a uma grande evolução na doutrina da execução penal, apresentando como fundamento de suas idéias, a razão e o conceito de humanidade.

Beccaria defendeu uma concepção utilitarista da pena, propugnando que a sua imposição deveria produzir no condenado o sentimento de arrependimento, impedindo que o mesmo pudesse ofender outro cidadão, além de servir como exemplo para todos os membros da sociedade. Argumentava, ainda, que a pena deveria ser proporcional ao crime com imposição realizada mediante regular processo onde, uma vez apurada a responsabilidade, pudesse o condenado cumprir a sanção de forma humana. Com esse raciocínio, Beccaria pregava a racionalização da pena privativa de liberdade e enfatizava a finalidade reformadora da mesma. Em conclusão apresentada no último capítulo de seu livro Dos Delitos e das Penas, Beccaria expressa com indignação todo o entendimento doutrinário que construíra acerca da pena, da seguinte maneira: "... para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei". [78]

O inglês John Howard ganhou destaque no cenário penitenciário por entender que a eficácia da pena estava ligada a melhores condições oferecidas ao preso na execução das penas, tais como: boa alimentação, disciplina, eficaz manutenção dos estabelecimentos penitenciários pelo Estado e por fim, a prestação de assistência religiosa – ponte para a reabilitação. Considerava ainda, como fator importante, o exercício do trabalho pelos criminosos como forma de torná-los cidadãos honestos.

Outro teórico, jurista e filósofo que mereceu reconhecimento na Idade Moderna foi Jeremy Bentham, considerado pioneiro na história das prisões, propôs um modelo arquitetônico conhecido como panótico que consistia, segundo Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

... na construção de um estabelecimento radial, com pavilhões a partir de um centro comum, de onde se consegue o máximo de controle sobre toda a atividade diária do sujeito, com um mínimo de esforço. Desde o centro um único guarda pode observar todos os pavilhões com apenas um giro da cabeça. A ideologia da pena era a do treinamento mediante controle estrito da conduta do apenado, sem que este pudesse dispor de um só instante de privacidade. [79]

Essa forma permitia dominar com facilidade um maior número de pessoas, numa clara demonstração da importância que se dava ao controle eficaz dos presos. Dessa maneira, não é difícil concluir que a preocupação não residia no aspecto educativo da pena, mas na guarda segura do delinqüente. Bentham apresentava uma opinião aberta acerca do conceito retributivo da pena, com clara preponderância pela finalidade preventivo geral.

Pode-se notar que o cumprimento da pena privativa de liberdade sofreu, nos últimos tempos influência dos pensadores revolucionários acima citados, que resumidamente explicavam suas idéias da seguinte forma: Beccaria pregava a humanização das penas, rejeitando duramente a crueldade e a tortura, instituindo o princípio da proporcionalidade que consistia na relação entre a pena e o dano social causado, bem como a propagação do princípio da legalidade. Howard, pelo tormento experimentado no cárcere (quando por ocasião de uma viagem teve o navio atacado por corsários franceses, tornando-se preso juntamente com todos os passageiros), demonstrou que a pena para ter eficácia deveria ser executada, de forma a oferecer ao preso boas condições de alimentação, limpeza, instrução e trabalho, visando a ressocialização. Com Bentham, a novidade ocorreu em função da idéia criadora do panótico, modelo penitenciário que atribuía prevalência à segurança, passando a merecer destaque o aspecto arquitetônico dos presídios. O maior realce do novo protótipo penitenciário residia em oferecer maior dificuldade à fuga, posto estarem as celas encostadas às paredes exteriores e o interior vasado, permitindo a um único guarda, colocado no centro do edifício a uma certa altura, o controle e visão de toda a penitenciária, vigiando, com facilidade o interior do prédio, impedindo a fuga por meio das portas das celas.

Cumpre observar, por fim, que na história de evolução das prisões, muita coisa ainda permanece, desde a Idade Média, isso é tão claro que ainda hoje denominamos de penitenciárias os edifícios destinados ao cumprimento de penas privativas de liberdade, numa clara invocação da justiça eclesiástica que tinha por objetivo ordenar o recolhimento dos transgressores a locais adequados, ditos penitenciários – ambiente tranqüilo e isolado, propício à reflexão e ao arrependimento. Persistindo, igualmente na atualidade, o padrão inspirado no modelo panótico sugerido por Bentham que muito influenciou as prisões hodiernas, inclusive com a construção das celas ao redor de um galpão vasado, formato utilizado por grande parte das penitenciárias construídas no Brasil, servindo, o vasto galpão ao redor das celas para o tradicional banho de sol.

A prova de que o modelo prisional da atualidade não funciona a contento está diante de nossos olhos, em situação que denuncia o péssimo tratamento oferecido ao preso, bem como a crescente taxa de criminalidade, fatos que demonstram a ineficácia do cumprimento da pena, sobretudo com a não verificação do caráter ressocializador. Por tais motivos, precisamos repensar e oferecer alternativas que realmente solucionem a problemática carcerária. Nesse aspecto, concordamos com o entendimento exposto por Armida Bergamini Miotto, nos seguintes termos: "Está sendo sentida a necessidade de encontrar outra forma de pena, que, conservando o conteúdo ético-jurídico de pena, seja em si mesma eficaz, seja humana e seja executável". [80]

2. A Prisão no Direito Brasileiro

A prisão enquanto pena, consoante já explicamos, teve sua origem no século XVI, por influência do Direito Canônico, persistindo atualmente em nosso ordenamento jurídico, com previsão no Código de Processo Penal, arts. 282 ao 320, merecendo também atenção constitucional.

O termo prisão deriva do latim prehensio, de prehendere, que significa "o ato de prender ou o ato de agarrar uma coisa". [81] Indica "o ato pelo qual se priva a pessoa de sua liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir, recolhendo-a a um lugar seguro e fechado, de onde não poderá sair". [82]Em suma, a prisão indica a perda da liberdade, suprimindo-a mediante o encarceramento.

Sobre o conceito de prisão, nos fala com autoridade José Frederico Marques, nos seguintes termos: "Prisão é a pena privativa de liberdade imposta ao delinqüente, cumprida, mediante clausura, em estabelecimento penal para esse fim destinado". [83]

Em nosso país, a Constituição de 1824 previa em seu art. 179, §§ 8º e 10 que:

Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto os casos declarados em lei. À exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu, e quem a tiver requerido, serão punidos com as penas que a lei determinar. [84]

Registrava, igualmente, o Código de Processo Criminal do Império, datado de 1832, acerca da prisão, o seguinte:

Poderão também ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que não tem lugar a fiança, porém, nestes, e em todos os demais casos, à exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legítima. [85]

Dando continuidade, José Frederico Marques [86] lembra que em outras constituições havia previsão legal que visava disciplinar a decretação da prisão, como a de 24 de fevereiro de 1891 (art. 72, parágrafos 13, 14 e 20), a Constituição de 16 de julho de 1934 (art. 113, nº 21, 22 e 29). Prosseguindo no mesmo itinerário, preceituava a Constituição de 18 de setembro de 1946, em seu art. 141, parágrafo 20: a) que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei.

Atualmente, a prisão é objeto de regulamentação bastante pormenorizada na Constituição Federal, que estabelece em seu art. 5º, LXI: "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei". Como se vê, a regra continua sendo a liberdade, permitindo a Constituição, o aprisionamento apenas diante de flagrância na prática de crime, ou mediante expedição da competente ordem de prisão devidamente fundamentada e nos demais casos previstos em lei.

Visando proteger a liberdade dos cidadãos, a Constituição prevê em seus vários incisos do art. 5º, uma série de garantias, quais sejam:

"LXII- a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII- o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV- o preso tem direito a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

LXV- a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI- ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVII- não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

LXVIII- conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX- o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença".

Como se percebe, a Constituição Federal de 1988 se mostrou obediente ao princípio da legalidade, pelo qual o jus libertatis do cidadão deve ser respeitado, não se permitindo violação, pois a regra tem sido a liberdade, excepcionalmente e nos casos legalmente previstos é que tal princípio pode ser mitigado. É tanto que se o cidadão for atingido por um ato que se constitua em uma coação ilegal, cabe a ele afastá-la mediante o emprego dos instrumentos de impugnação previstos em lei, como o habeas corpus, o relaxamento, a liberdade provisória e a revisão criminal.

No Brasil, de acordo com a respectiva legislação, há diversas espécies de prisão, conforme a autoridade de que emane, e conforme o fim que a lei vise alcançar. Dessa forma, consoante o direito pátrio podemos enumerar, além da prisão penal, as prisões civil, administrativa e processual.

A prisão pena ou penal é a que se apresenta como conseqüência de uma condenação transitada em julgado, de acordo com previsão estabelecida no Código Penal. Como registra Willian Silva, essa espécie de prisão consiste:

... na privação da liberdade imposta pelo Estado em seu poder de império, após caracterizado e efetivado o jus puniendi com a sentença condenatória transitado em julgado. Só se a impõe a prisão-pena, é intuitivo, após a emissão do juízo de procedência da pretensão punitiva e só se a executa quando esgotados todos os meios recursais. A pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, por intermédio do devido processo legal, com as características retributiva e preventiva. [87] (grifo do autor).

A prisão civil, conforme indica a nomenclatura, é a decretada pelo juiz do cível, funcionando como medida de coação executiva que visa obrigar alguém ao cumprimento de um dever na órbita cível. Competindo a sua decretação pelo juiz nos casos de devedor de alimentos e depositário infiel, únicas hipóteses permitidas pela Constituição (art. 5º, LXVII).

A prisão administrativa se apresentava como uma medida de caráter coativo, decretada por autoridade administrativa e que surtia efeitos até antes do advento da Constituição Federal de 1988, hoje só podendo ser decretada pela autoridade judiciária. Com precisão, enfatiza Fernando Capez:

... Esta modalidade de prisão foi abolida pela nova ordem constitucional. Com efeito, o art. 319 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pelo art. 5º, LXI e LXVII, da Constituição Federal. Em sentido contrário, o STF já entendeu que ainda cabe a prisão administrativa do estrangeiro, durante o procedimento administrativo da extradição, disciplinado pela Lei 6.815/80, desde que decretada por autoridade judiciária. Assim, desde que imposta por juiz, tem-se admitido, a nosso ver sem razão, a prisão administrativa do extraditando. [88]

Essa espécie de prisão encontra amparo no art 319, I, II e III do Código de Processo Penal que estabelece seu cabimento nos seguintes casos: I- contra remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-los a que o façam; II- contra estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto nacional; III- nos demais casos previstos em lei. Entretanto, Fernando Capez alerta que o citado dispositivo do Código de Processo Penal não foi recepcionado em sua inteireza pela Constituição Federal, que por sua vez outorgou exclusivamente ao Poder Judiciário, a competência para decretá-la. Dessa forma, entendemos que o instituto da prisão administrativa não foi revogado, mas a competência para sua decretação, consoante a Constituição de 1988 foi retirada da autoridade administrativa e concedida ao Poder Judiciário.

A prisão processual, também denominada de prisão sem pena, cautelar ou provisória compreende a prisão em flagrante (arts. 301 a 310 do CPP), a prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP), a prisão resultante de pronúncia (arts. 282 e 408, § 1º do CPP), a prisão resultante de sentença penal condenatória não transitada em julgado (arts. 393, I do CPP) e também a prisão temporária (Lei 7.960/89). Mais adiante nos deteremos especificadamente a cada uma das espécies de prisão processual.

Comumente têm-se cogitado de outros tipos de prisões, quais sejam: a prisão disciplinar; prisão para averiguação; prisão especial e prisão domiciliar. Com relação a prisão disciplinar, é a própria Constituição Federal que estabelece em seu art. 5º, LXI, in fine, a dispensabilidade na realização da prisão de ordem escrita emanada de autoridade judiciária competente para os casos de transgressões militares e crimes militares, por se tratar, in casu, de prisão com natureza disciplinar. Acrescentando o § 2º do art. 142 da Constituição Federal, o não cabimento de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

A prisão para averiguação, no entendimento de Fernando Capez:

... é a privação momentânea da liberdade, fora das hipóteses de flagrante e sem ordem escrita do juiz competente, com a finalidade de investigação. Além de ser inconstitucional, configura crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.89/65, art. 3º, a e i). [89]

A modalidade de prisão conhecida como especial é a que atinge determinadas pessoas, em função do cargo que ocupam ou ainda pela educação, cultura e serviços prestados, merecendo a prerrogativa de ficar durante o desenrolar do processo em ambiente separado dos demais presos, como por exemplo em quartéis ou em cela especial. Fazem jus à prisão especial os ministros de Estado, os governadores e seus secretários, os prefeitos e seus secretários, os membros do Poder Legislativo de qualquer das esferas federativas, os chefes de polícia, os cidadãos inscritos no Livro do Mérito, os oficiais, os magistrados (Lei Complementar nº 35/79), e membros do Ministério Público (Lei Complementar nº 40/81), os ministros de confissão religiosa, os ministros do Tribunal de Contas, os jurados, os delegados de polícia, os policiais militares, os oficiais da Marinha Mercante Nacional (Lei nº 799/49), os dirigentes e administradores sindicais (lei nº 2.860/56), os servidores públicos (Lei nº 3.313/57), os pilotos de aeronaves mercantes nacionais (Lei nº 5.350/67), os funcionários da polícia civil (Lei nº 5.350/67), os portadores de diploma universitário, os professores de ensino de 1º e 2º graus (Lei nº 7.172/83) e os juízes de paz (Lei Complementar nº 35/79).

Ainda sobre a prisão especial, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, na ausência de acomodações adequadas em presídio especial, o titular do benefício poderá ficar preso em estabelecimento militar (HC 3.375-2, 5º T., DJU, 12 jun. 1995, p. 17634). A prisão especial perdurará enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória. Encerrada a fase processual, o condenado mediante sentença transitada em julgado deverá cumprir a pena em estabelecimento comum. Não obstante ser esta a regra geral, a Lei 7.210, em seu art. 84, § 2º estabelece a possibilidade de o condenado prosseguir cumprindo a pena em prisão especial – permanecer separado dos demais presos, aqueles que ao tempo do fato eram funcionários da Administração da Justiça Criminal.

Podemos sintetizar dizendo que os únicos privilégios do preso especial se resumem ao recolhimento em recinto distinto do comum ou em cela separada dentro do mesmo estabelecimento e não poder ser transportado em companhia do preso comum (Lei nº 10.058/2001).

A prisão provisória domiciliar pode ser concedida mediante autorização do juiz, ouvido o representante do Ministério Público, onde não houver estabelecimento adequado para se efetivar a prisão especial, o preso com direito a ela poderá recolher-se em seu próprio domicílio (Lei nº 5.256/67). Deve-se considerar estabelecimento adequado qualquer cela ou sala, separada dos demais condenados, com alojamento condigno, que possibilite visitas da família e de amigos, assistência religiosa e médico particular etc. (Decreto nº 38.016, de 1955).

A Lei de Execução Penal enuncia em seu art. 117, quatro situações que visam atender determinadas pessoas impossibilitadas de cumprir pena em um sistema prisional sob o regime aberto, dadas suas condições particulares: "Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I- condenado maior de 70 (setenta) anos; II- condenado acometido de doença grave; III- condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV- condenada gestante".

Essa prisão domiciliar difere da que abordamos no parágrafo acima, por ocorrer em momento posterior à condenação, com a particularidade de ser aplicada apenas em caso de prisão cumprida em regime aberto, fato hoje difícil de ocorrer, tendo em vista o advento da Lei 9.714/99, que estabelece a possibilidade de conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos que a priori podem ser cumpridas em regime aberto.

3. Espécies de Prisão Provisória: Flagrante; Preventiva; Pronúncia; por Sentença não Transitada em Julgado e Temporária.

No regime de liberdades individuais garantido pela Constituição Federal de 1988 e corroborado pela legislação vigente, toda e qualquer prisão acaba por atritar com o status libertatis do cidadão, daí porque a prisão só deveria acontecer, de forma legítima para justificar o cumprimento de uma sentença penal condenatória. Entretanto, não é esse o procedimento adotado pelo nosso ordenamento jurídico, podendo a prisão se dá antes mesmo do julgamento ou até quando não existe ainda processo. Por tais razões é que a restrição da liberdade deve ser realizada de maneira criteriosa, dentro dos limites do indispensável. Sobre a prisão provisória explica Julio Fabbrini Mirabete:

Essa prisão, assenta na Justiça Legal, que obriga o indivíduo, enquanto membro da comunidade, a se submeter a perdas e sacrifícios em decorrência da necessidade de medidas que possibilitem ao Estado prover o bem comum, sua última e principal finalidade. [90]

Para Willian Silva, [91] a custódia provisória significa a antecipação dos efeitos de uma condenação. Garantindo, além do desenvolvimento do processo, a aplicação do resultado e a efetivação da pena. Acerca das prisões provisórias, alguns a consideram como meio de coerção de caráter processual, outros como meio processual visando assegurar a presença do acusado aos atos do processo.

As prisões provisórias, na verdade têm natureza de medidas cautelares [92] que objetivam garantir a imediata tutela de um bem jurídico para evitar as conseqüências do periculum in mora, ligando-se à garantia de uma provável e futura execução de sentença condenatória. São espécies de prisões cautelares: a que resulta do flagrante ou de determinação judicial, em virtude de atuação da persecução penal ou processo penal, como a prisão preventiva, por pronúncia, e por sentença não transitado em julgado.

Por se constituírem em prisões cautelares, se sujeitam aos pressupostos ou requisitos das medidas cautelares, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro se estabelece na perspectiva de a ordem jurídica proteger o direito, esse direito a preservar, de regra, é a aplicação da lei penal, mas pode ser a garantia da ordem pública ou a necessidade da instrução criminal. O periculum in mora é o risco que corre o direito em perecer caso a medida não chegue a efetivar-se. Muito embora existam críticas no sentido de que tais pressupostos não se ajustam com precisão ao tratamento das medidas cautelares constritivas do direito de liberdade. [93] Afora esses requisitos, Roberto Delmanto Júnior [94] aponta como princípios norteadores da prisão provisória: a excepcionalidade, adequação, proporcionalidade e necessidade cautelar.

Para Willian Silva,

... a decretação ou manutenção da prisão cautelar, provisória ou processual, a qualquer título, deve ser feita a verificação, repita-se, dos pressupostos das cautelares, que são o fumus boni iuris e o periculum in mora, bem como se a decretação ou manutenção da medida odiosa e excepcional é útil e necessária. Na realidade, o fumus boni iuris se cinge à prova mínima da autoria e prova da materialidade, enquanto o periculum in mora encontra abrigo na garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312, CPP). A exceção fica por conta da prisão provisória a título de temporária, pois nesta o que está em jogo não é o indiciado, e sim o suspeito; não é a garantia da instrução, mas a segurança da investigação e da persecução inquisitiva. [95] (grifo do autor).

Ademais, na decretação das prisões processuais, não pode caber qualquer critério de oportunidade ou conveniência; o critério a embasar tais prisões deve ser sempre o da legalidade e da adequação do caso à norma legal, observando-se as diretrizes constitucionais que tutelam a liberdade pessoal.

As regras gerais que disciplinam as prisões ora em estudo, determinam que, salvo os casos de flagrante, a prisão só se efetiva com mandado escrito da autoridade judicial competente e, uma vez presentes todos os requisitos estabelecidos no art. 285 do Código de Processo Penal.

Relativamente ao momento da prisão, poderá ela se efetivar a qualquer dia e hora, respeitadas, porém, as restrições decorrentes da proteção constitucional do domicílio (CF/88, art. 5º, XI). Ou seja, em não havendo concordância do morador, a prisão não pode efetivar-se à noite, salvo em caso de flagrante. Entende-se por noite, o período correspondente à falta de luz solar, devendo, nestas circunstâncias, a autoridade aguardar o amanhecer. Quanto à utilização de força, só se torna legítima quando há resistência ou tentativa de fuga do preso, lavrando-se, para atestar tal fato, auto subscrito por duas testemunhas.

Sobre a prisão em flagrante, convém, inicialmente, falar sobre a origem do vocábulo, que deriva de "flagrans, flagrantis, particípio presente do verbo flagro, que significa "arder em chamas". Portanto, em sentido figurado, "arder em chamas" é uma idéia que sintetiza o flagrante, isto é, no momento do crime, no instante exato em que o infrator cometeu o fato antijurídico e típico". [96]

O flagrante é considerado como um ato de natureza administrativa, realizado pelo poder de coerção do Estado, não ocorrendo, necessariamente, por ordem da autoridade judiciária. É a única exceção à regra de que toda prisão deve ser determinada por lei e mediante ordem escrita da autoridade competente.

Considera-se em flagrante, consoante art. 302, incisos I, II, II e IV do Código de Processo Penal, respectivamente quem: está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

O flagrante será próprio ou real quando alguém está cometendo a infração ou acaba de cometê-la. No primeiro caso, o sujeito é surpreendido no momento da execução da prática do crime. A segunda hipótese se dá quando o agente acaba de cometer, ou seja, o agente deve ser encontrado imediatamente após a prática da infração.

Ocorre o quase-flagrante ou flagrante impróprio quando há perseguição logo após a prática do crime, em situação que demonstre ser o sujeito perseguido, autor da infração. A expressão logo após, traduz a idéia de imediatidade, não estabelecendo a lei, qualquer lapso temporal. Por tal motivo, o famoso prazo de 24 horas para livrar o flagrante não apresenta fundamentação legal, persistindo o estado de flagrância, enquanto durar a perseguição, muito embora se entenda que a perseguição não pode sofrer solução de continuidade.

O flagrante presumido ou ficto acontece quando o autor do fato é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Nesse caso, não há necessidade da perseguição, pois o verbo prevalente, é ser "encontrado". Há, nessa hipótese uma forte presença da presunção, antes de tudo porque não há perseguição e segundo porque os objetos encontrados com o sujeito é que fazem presumir ser ele o autor da infração.

Fala-se também no flagrante preparado, ocorrendo quando são tomadas todas as providências para que o autor do crime não perceba que está sendo vigiado. Após a preparação, com a armação, propiciando as condições para a prática do crime, há a interferência proposital do agente provocador. Daí a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal: "Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua consumação". Nessa espécie de flagrante, a atuação modificativa das primitivas condições, interferindo na vontade final do agente, é quase sempre da polícia.

No flagrante esperado, como a própria expressão indica, a atividade delituosa do agente acontece sem qualquer interferência externa, o agente é tão somente surpreendido por policiais que, de prontidão, já aguardavam antecipadamente a ocorrência do delito.

No flagrante forjado, a própria polícia "arma" o fato delituoso, tramando as provas de um crime inexistente. É o que ocorre quando o policial, na realização de busca pessoal ou domiciliar, ardilosamente coloca substância tóxica no bolso ou compartimento da casa e forja encontrá-la junto ao cidadão ou no recinto, apreendendo e dando ordem de prisão. Na verdade, não há qualquer crime por parte do preso, mas a responsabilidade por crime de concussão, abuso de autoridade dos envolvidos na efetivação da prisão.

Apurado o estado flagrancial e lavrado o respectivo auto, deve este ser dirigido imediatamente ao juiz, que efetivará a manutenção da prisão cautelar, se presentes os requisitos, ou a relaxará. Se a prisão ocorrer por fato que o agente possa se livrar solto, com ou sem fiança, deve a autoridade policial ou judiciária, conforme seja o crime punido com reclusão ou detenção, arbitrar de imediato a fiança, colocando o sujeito em liberdade.

Já a prisão preventiva, na expressão de Fernando da Costa Tourinho Filho:

É aquela medida restritiva da liberdade determinada pelo Juiz, em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, como medida cautelar, seja para garantir eventual execução da pena, seja para preservar a ordem pública, ou econômica, seja por conveniência da instrução criminal. [97]

Constituem pressupostos da custódia preventiva, segundo dispõe o art. 312 do Código de Processo Penal, a existência do crime e os indícios suficientes de autoria. A primeira exigência diz respeito à materialidade do fato delituoso, a prova da ocorrência do crime, como laudo de exame do corpo de delito, prova testemunhal, dentre outras. Os indícios suficientes de autoria, ao contrário da exigência de certeza da materialidade, se contentam com os simples vestígios. Faltando um deles não se pode perquirir sobre os fundamentos da prisão.

Os fundamentos que embasam a prisão preventiva encontram-se elencados no art. 312, caput, do Código de Processo Penal e consistem, verdadeiramente na pedra angular de toda medida cautelar – o periculum in mora. Dessa forma, a preventiva só pode ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Com muita propriedade, José Frederico Marques elucida:

Se o réu, por permanecer solto, está influindo danosamente na instrução do processo, procurando aliciar testemunhas falsas, ou ameaçando pessoas que possam contra ele depor; ou ainda se houver perigo de fuga que o impeça de comparecer a juízo, a fim de levar esclarecimentos úteis à instrução da causa, a prisão poderá ser decretada "por conveniência da instrução criminal": teremos então providência cautelar instrumental. Mas se tudo indica que o réu, temeroso do resultado do processo, fuja do distrito da culpa ou, então, provável seja essa fuga, por não apresentar garantias suficientes à Justiça, visto lhe ser indiferente a vida errante dos perseguidos pelos órgãos da repressão penal, a prisão preventiva terá cabimento "para assegurar a aplicação da pena": teremos, então, providência cautelar final. Desde que a permanência do réu, livre e solto, possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussões danosa e prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva "como garantia da ordem pública". [98] (grifo do autor).

A decretação da prisão preventiva como forma de garantir a ordem econômica foi introduzida no Código de Processo Penal pela Lei nº 8.884/94, que dispõe, em seu texto de matéria relativa à prevenção e repressão das infrações contra a ordem econômica, orientada pelos princípios constitucionais de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. A respeito, Roberto Delmanto Júnior aduz:

Ao incluir a preservação da ordem econômica como motivo autorizador da decretação de prisão preventiva, parece que o legislador estava com as vistas voltadas ao crime que envolvessem grandes golpes no mercado finaceiro, abalando-o, os quais geralmente se perpetram sem o uso de violência física, mas com a inteligência e o engodo. [99] (grifo do autor).

A prisão preventiva só poderá ser decretada nos casos de crimes dolosos punidos com pena de reclusão ou de detenção quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la. Cabendo ainda a sua decretação quando o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, após sentença transitada em julgado.

Não cabe, por conseqüência, a preventiva quando a hipótese for de contravenção penal; nos crimes em que o réu se livra solto independentemente de fiança; nos crimes culposos; quando o juiz verifica a possibilidade de ter o réu agido acobertado por alguma excludente de antijuridicidade; nos crimes punidos com detenção, salvo em caso de vadiagem, dúvida sobre a identidade e reincidência em crime doloso.

Afora os citados casos, que são taxativos, quaisquer outras prisões a título de preventiva, devem ser consideradas ilegais e ilegítimas, por fugirem às hipóteses legais, ensejando o habeas corpus. Poderá ela ser revogada a qualquer tempo, uma vez cessados os motivos de sua decretação, ou cassada pelo tribunal se reconhecida a ilegalidade.

A prisão por pronúncia é uma outra modalidade de prisão provisória e apresenta como fundamento a sentença de pronúncia, proferida por ocasião do encerramento da primeira fase do procedimento do júri – judicium accusationis. Costuma-se justificar o cabimento de tal prisão alegando ter a fase preliminar do procedimento do júri, experimentado os rigores do contraditório, com presença de acusador e defesa, resultando em uma definição da culpa imputada ao réu. Outro argumento para justificar a manutenção desse tipo de prisão, é a impossibilidade de sua admissão inaudita altera pars, o que oferece maior segurança ao julgador, por ser provável a culpa do agente. Não obstante essas explicações que se fazem presentes na doutrina clássica, a prisão por pronúncia deixou de ser recomendada, caindo inclusive em desuso, não sendo mais automática a sua decretação. Acerca do assunto, elucida Marco Antônio Vilas Boas:

Hoje em dia, com o advento da Carta Constitucional (promulgada em 1988), a liberdade do réu, sob julgamento, ganhou um novo contorno. Pelo princípio do estado de inocência, o pronunciado com mais razão aguarda seu julgamento em liberdade, a não ser que esteja submisso a qualquer das modalidades de prisão cautelar (em flagrante ou preventiva). Nesses casos particulares, o juiz poderá manter a custódia, nada mais fazendo que recomendar o réu à prisão, ou seja, reforçando a segregação prisional, como, aliás, já estava anteriormente. [100] (grifo do autor).

A prisão por sentença penal condenatória recorrível encontra amparo no art. 391, I do Código de Processo Penal, que esclarece ser um dos efeitos da sentença penal condenatória a prisão do réu ou a conservação na prisão em que se encontre.

Essa prisão não tem mais caráter de obrigatoriedade, o que permite ao juiz a decretação de prisão se presentes os requisitos ensejadores da preventiva. Assim, se o acusado estava preso, em flagrante ou preventivamente, não tem razão a sua liberdade quando condenado, igualmente se o sujeito se encontra solto até sentença condenatória e não concorrem os pressupostos para decretação de alguma prisão provisória, como é o caso da preventiva, o encarceramento a título de prisão por sentença penal condenatória não se justifica.

Quanto ao direito de apelar em liberdade esclarece Marco Antônio Vilas Boas [101] que manter o réu preso, aguardando o julgamento definitivo, sem fundadas razões, choca-se extremamente com o princípio da presunção de inocência. Continuando a argumentar, diz que se isso ocorrer, deve o réu ser posto em liberdade imediatamente.

Com efeito, enfatiza Willian Silva:

É entendimento majoritário que o princípio de presunção de inocência reflete o direito de não sofrer qualquer medida constritiva de liberdade, a não ser nos casos estritamente necessários. Dessa forma, enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Por isso, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória só é admitida a título de cautela. [102]

No que diz respeito à prisão temporária, a verdade é que a sua instituição surgiu para legalizar a prisão do investigado, antes denominada de prisão para averiguação, oficializando-se uma prática, antes procedida sem caráter de legalidade e que se apresenta com o fim de primeiro prender o sujeito para provar que o mesmo é o autor do crime, quando na realidade, o que deve nortear a prisão, em primeiro plano é a prova do envolvido na autoria do crime, para como conseqüência gerar a prisão. Assim, é uma prisão por mera suspeita. Há entendimento, inclusive de ser a prisão temporária inconstitucional. [103]

Essa outra modalidade de prisão provisória - prisão temporária, surgida após o advento da Constituição Federal de 1988 e criada com a Lei 7.960/89 tem por finalidade melhorar a atuação policial nas investigações. Possui uma característica que não se faz presente nas demais prisões provisórias, que é a falta de questionamento acerca do fumus boni iuris. Comparando a prisão temporária com a antiga prisão para averiguação, Willian Silva se expressa alegando que: "A única diferença dessa prisão para a prática antiga da prisão para averiguações é que esta é decretada pelo Judiciário e aquela era feita pela própria polícia, ao arrepio do poder jurisdicional. Substancialmente, a medida é esdrúxula". [104]

No mesmo sentido é a orientação da professora Railda Saraiva, para quem a prisão temporária:

Não se compadece com o espírito da vigente Constituição nem com os princípios por ela consagrados legislação dirigida a restringir a liberdade individual em forma não admitida sequer pelas cartas de período autoritário. Não merece acolhida o entendimento de que a legislação infraconstitucional poderia, sob o pálio da vigente Constituição, definir novas hipóteses de cerceamento à liberdade de locomoção, instituindo outras formas de prisão, além das já consagradas em nosso Direito, bastando para legitimá-las a exigência de expedição da ordem de prisão pela autoridade judiciária, sem resguardo necessário aos direitos individuais constitucionalmente consagrados (...) A Lei 7.960/89, instituindo a prisão temporária, nos moldes como o fez, golpeou profundamente o jus libertatis, em nítida afronta à Constituição vigente, reduzindo-o a níveis incompatíveis coma nova ordem constitucional, criada exatamente para reconduzir o país às vias democráticas, eliminando-se os resquícios de arbítrios e autoritarismo. [105]

Funciona como sujeito passivo da prisão temporária, o indiciado ou suspeito. O cabimento de tal prisão só pode ocorrer antes do recebimento da denúncia, por prazo nunca superior a cinco ou trinta dias, conforme seja o crime comum ou hediondo, podendo os respectivos prazos serem dobrados em caso de extrema e comprovada necessidade, após tal prazo, deve o sujeito ser posto em liberdade.

Os fundamentos para sua decretação ocorrem, em primeiro lugar, quando imprescindíveis para as investigações do inquérito policial, com finalidade de esclarecer o fato delituoso, suas circunstâncias e autoria. Essa hipótese vem elencada no art. 1º da Lei 7.960/89, inciso I, e atinge tanto a pessoa do indiciado, como qualquer outra (por exemplo: testemunha). Trata-se, segundo Julio Fabbrini Mirabete, "de norma legal odiosa e contrária à tradição do processo penal brasileiro". [106]

É permitida também a prisão temporária quando o indiciado não possui residência fixa ou não fornece elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Visa tal dispositivo, contido no inciso II do art. 1º da Lei 7.960, proporcionar regular desenvolvimento do inquérito policial, facilitando providências de identificação, como é o caso do exame dactiloscópico.

O inciso III do citado artigo enumera a possibilidade de decretação da prisão temporária, na ocorrência dos seguintes crimes: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro. A gravidade de tais delitos é o que fundamenta a decretação da prisão temporária.

É disposição constante do art. 2º, da Lei 7.960, que a prisão temporária pode ser decretada em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público. Não cabendo ao juiz decretar a prisão de ofício. Os motivos que fundamentam a prisão devem indicar as razões de necessidade e urgência, mediante despacho fundamentado, sob pena de total ilegalidade.

4. Instrumentos de Impugnação: Relaxamento; Liberdade Provisória; Habeas Corpus; Revisão Criminal.

Funcionam como instrumentos de impugnação da prisão ilegal todos os meios garantidos aos cidadãos para tutela do direito constitucional à liberdade de locomoção. A Constituição Federal, ao especificar, no art. 5º, os direitos fundamentais, faz menção expressa de vários mecanismos garantidores da liberdade, como o inciso LXV - assegura o imediato relaxamento da prisão; o inciso LXVI - garante a concessão da liberdade provisória; inciso LXVIII - assegura a concessão do habeas corpus. O direito da proteção ao restabelecimento da liberdade de locomoção via revisão criminal encontra amparo no artigo 621 do Código de Processo Penal.

Os dispositivos previstos na Constituição Federal garantidores do direito de liberdade, especificadamente os que prevêem o imediato relaxamento da prisão, no caso de ilegalidade, a liberdade provisória e o habeas corpus, por força do princípio da efetividade das normas constitucionais, passaram a ganhar importância processual e utilidade prática, imprimindo à norma constitucional a maior efetividade possível.

O relaxamento da prisão consiste na devolução ao acusado de sua liberdade, que foi retirada indevidamente, por motivo ilegal. A Constituição Federal estabelece que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. Assim, toda prisão efetuada sem a observância do sistema legal vigente, apresente caráter provisório ou definitivo deve ser relaxada, tornada sem efeito pela autoridade judiciária, não constituindo tal procedimento numa mera faculdade, mas num dever legal.

Tratando o assunto abordado, leciona Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:

Assim, se o juiz percebe que praticou ato ilegal que importa em restrição ou ameaça ao direito de liberdade, poderá revogá-lo, se ainda não tiver esgotada sua jurisdição (como ocorre no caso de prolação de sentença), mas não poderá conceder habeas corpus, pois sendo ele próprio coator, competente será o tribunal que lhe for imediatamente superior. [107]

Cabendo o pedido de relaxamento em se tratando prisão ilegal, resta apenas perquirir-se acerca do entendimento do que seja prisão ilegal. Com muita propriedade, Arnaldo Quirino se expressa nos seguintes termos:

Num conceito simplista, poderíamos dizer que a prisão ilegal é toda a restrição da liberdade de locomoção do indivíduo, contrário ao Direito ou sem observância das normas vigentes. A ilegalidade, considerada isoladamente, podemos conceituar como a prática de um ato sem os requisitos dos preceitos legais necessário para que o mesmo seja válido. (...) Nesse contexto, nos casos de prisão em flagrante delito, por exemplo, ter-se-á por ilegal a restrição da liberdade se o respectivo auto do flagrante contiver vícios, mostrando-se material ou formalmente imperfeito: porque não configurado o fato narrado no auto como delito penal; por não ser o autuado o suposto autor do fato delituoso (falta de materialidade e autoria do crime); ou porque não foram atendidos os requisitos processuais na elaboração do respectivo auto de prisão em flagrante delito, como pode ocorrer na falta de caracterização de uma das situações de flagrância previstas pelo art. 302 do Código de Processo Penal. Poderá dar-se também a ilegalidade da prisão por excesso de prazo na conclusão do inquérito policial, bem como nas arbitrárias, abusivas e ilegais prisões para averiguações, entre outros casos. [108]

A liberdade provisória é o instituto processual que permite ao acusado como direito subjetivo seu aguardar em liberdade o decorrer do processo até final julgamento. Esse benefício pode ser conferido, de forma a vincular ou não o acusado a determinadas obrigações no processo. Sua concessão se justifica em nome da precariedade do inquérito, como também da não definitividade do processo. Enuncia Marco Antônio Vilas Boas que:

A prisão sem pena, ora em estudo, somente pode se dar em casos especialíssimos, estritamente necessários, para não ferir um dos mais consagrados estatutos criminais que é princípio do estado de inocência, assegurado pela Lei Maior. [109] (grifo do autor).

A liberdade provisória se ampara no art. 310 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal e se apresenta sob duas modalidades, a saber: liberdade provisória com fiança e sem fiança. Esta última pode ser concedida em atenção à qualidade da pena, nas hipóteses que não for cominada pena privativa de liberdade, quando o máximo da pena privativa de liberdade não exceder a três meses (art. 321 e ss, CPP); liberdade provisória em função das circunstâncias do fato, quando o agente pratica o crime acobertado por uma das excludentes de antijuridicidade (art. 310, parágrafo único, CPP) e liberdade provisória relacionada com a condição econômica do acusado (art. 350, CPP).

Ensina Fernando Capez, [110] a exemplo de outros doutrinadores, que a liberdade provisória pode ser dividida em: obrigatória, permitida e vedada. A primeira se dá quando a pena aplicada ao crime não é privativa de liberdade ou quando o máximo da pena privativa de liberdade não exceder a três meses. A Lei 9.099/95 instituiu outra hipótese de liberdade provisória obrigatória que ocorre quando o acusado, uma vez preso em flagrante, assume o compromisso de comparecer ao juizado.

A liberdade provisória permitida cabe nos casos que não comportam prisão preventiva ou quando o réu pronunciado tem o direito de aguardar o julgamento em liberdade (art. 408, § 2º, CPP), ou o condenado pode apelar em liberdade (art. 594, CPP). Esse tipo de liberdade pode ser com fiança e sem fiança.

A liberdade provisória vedada ocorre quando a lei determina a sua proibição. É o que acontece nos casos de cabimento de prisão preventiva ou em se tratando de crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo (arts. 310, § único e art. 314, caput, e Lei 8.072/90) e participação efetiva em organização criminosa (Lei nº 9.034/95).

Com relação ao habeas corpus, este pode ser considerado como um remédio processual de garantia da liberdade de locomoção, deitando suas raízes no direito romano, como uma conhecida garantia criminal da época: interdictum de homine libero exhibendo. Com percuciência no assunto, explica Pinto Ferreira: "O interdictum de liberis exhibendis e o interdictum de homine libero exhibendo, no direito romano, constituíam as ações para garantir ao homem livre sua faculdade de ir, vir e ficar, restituindo-se-lhe tal poder quando restringido pela coação". [111]

O instituto do habeas corpus tem por finalidade básica proteger o direito de liberdade de locomoção e tradicionalmente é admitido contra toda coação ilegal ou violência, no que respeita à liberdade de ir, vir, ficar e permanecer. Preserva, assim, a liberdade física do cidadão, garantida constitucionalmente.

O habeas corpus apresenta duas modalidades – o preventivo e o liberatório. O primeiro se configura quando há ameaça de constrangimento ao direito de locomoção, por tal motivo, o juiz competente expede um salvo-conduto ao paciente, que funciona como uma licença escrita para transitar livremente, apresentando caráter de medida liminar, visando impedir a consumação do ato de ilegalidade ou de abuso de poder por parte da autoridade, assegurando ao paciente o direito de transitar livremente, até julgamento final do processo. O habeas corpus liberatório ocorre quando o direito de liberdade já foi cerceado, em que o juiz reconhecendo a ilegalidade expede o alvará de soltura.

A concessão do habeas corpus perante o juiz de 1º grau está sujeita ao recurso de ofício, devendo o magistrado remeter ao Tribunal de Justiça a decisão que o concede. Não há intervenção do órgão ministerial na 1ª instância, só opina o Ministério Público em 2ª instância.

A legitimidade para impetrar a ação é universal, podendo ser de pessoa menor, estrangeiro, pessoa jurídica em seu favor ou de funcionário, analfabeto, etc.

No habeas corpus só pode ser levantada matéria de direito, a respeito do assunto, comenta Arnaldo Quirino:

No que se refere ao habeas corpus, deverá ser argüida tão-somente matéria de direito – a pretensão deve ser líquida e certa; o constrangimento ilegal deve ser inequívoco, sem que haja a necessidade de exame aprofundado e complexo de provas (como ocorre quando se discute matéria de fato). Porém, o habeas corpus também considera fatos que dependam apenas de exame "superficial" de provas, em casos excepcionais; todavia, caso a concessão da medida dependa exclusivamente de "profunda e completa" análise probatória dos fatos, a ordem não será concedida, conforme reiterado entendimento de nossos tribunais, já que o procedimento é célere e não comporta instrução criminal com produção de provas. [112] (grifo do autor).

A revisão criminal é uma ação que objetiva a desconstituição de sentença ou acórdão desfavorável ao acusado, transitado em julgado. A sentença penal condenatória, na realidade, nunca transita em julgado materialmente para o réu porque a qualquer tempo, pode ser reaberta a questão a seu favor, eis que estão em jogo a liberdade e a presunção de inocência.

Indevidamente, a revisão criminal foi denominada de recurso e incluída em tal rol no Código de Processo Penal. No entanto, a revisão criminal conserva a natureza jurídica de verdadeira ação. Esse é o pensamento de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes. [113]

É admitida a qualquer tempo, antes ou depois da extinção da pena e mesmo após a morte do réu. Nos casos citados, pela inexistência de pena a cumprir, situa-se o fundamento da revisão no restabelecimento do status dignitatis do réu ou de sua memória.

Transitada em julgado a sentença condenatória, a revisão é admitida nos seguintes casos: quando a sentença condenatória contrariar texto expresso de lei (art. 621, I, CPP), a decisão deve afrontar texto legal, como por exemplo, condenar alguém pela prática de fato que não é tipificado como crime ou quando aplica pena superior ao limite máximo permitido.

Há também cabimento da revisão, quando a sentença condenatória for contrária à evidência ou provas constantes dos autos (art. 621, I, CPP), ou seja, a sentença que não se apóia em nenhuma prova existente, divorciada de todos os elementos que formam o conjunto probatório.

É cabível ainda a revisão quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames, ou documentos comprovadamente falsos (art. 621, II, CPP). Deve ser atestada a falsidade, para isso, o autor juntará na inicial a prova da falsidade que já deve ter sido apurada em outro processo criminal, mediante ação declaratória ou em justificação.

Por último, caberá a revisão quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstâncias que determinem ou autorizem diminuição especial de pena (art. 621, III, CPP). Prova nova é aquela que não foi apresentada, ou ainda a que não foi apreciada por ter passado desapercebida pelo juiz. Julio Fabbrini Mirabete ainda esclarece que:

Surgindo novas provas que indiquem não ter o condenado praticado o crime, ou ter praticado o fato protegido por uma excludente do dolo, da ilicitude, da culpabilidade ou da punibilidade, como se existirem circunstâncias atenuantes ou causas de diminuição de pena não cogitadas, ou não estarem presentes circunstâncias agravantes, qualificadoras ou causas de aumento de pena indevidamente reconhecidas etc., deve ser deferido o pedido revisional. [114]

O mais interessante é que o art. 627 do Código de Processo Penal admite, em casos de absolvição do beneficiário da revisão, o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação. Deixando de existir a medida de segurança, os efeitos extrapenais, a reincidência, a inscrição do nome do réu no rol dos culpados.

Ademais, prescreve o art. 630 do Código de Processo Penal que poderá o interessado requerer indenização pelos prejuízos sofridos. Embora ressalte a doutrina tradicional que a indenização só é devida quando se tratar de erro judiciário, novo entendimento vem se firmando no sentido de que a indenização é devida também quando se tratar de prisão ilegal, senão vejamos o posicionamento de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:

É oportuno lembrar, embora fuja a análise da indenização por erro judiciário, que a segunda parte do dispositivo constitucional, ao prever indenização para quem ficar preso além do tempo fixado na sentença, também se aplica à prisão cautelar injusta: nesse sentido, v. Súmula nº 28 das Mesas de Processo Penal. [115]

Esse também é o nosso posicionamento que firmamos ao longo do presente trabalho, com a conseqüente admissão da responsabilidade estatal pela decretação de prisões que fogem aos moldes legais.


III - DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

"Quando os agentes públicos insultam garantias constitucionais do cidadão, não atino com a lógica que possa exculpá-los, sem negar os interesses superiores do próprio Estado de Direito, cuja vivência pressupõe o poder cívico de tutela da liberdade individual".

(Mauro Cappelletti)

1. Conceito e Generalidades sobre a Responsabilidade Civil

A mais antiga codificação de leis, ao longo da história da civilização humana que temos notícia a tratar do dano e de sua reparação é o Código de Ur-Nammu, que previa em seus dispositivos, princípios referentes à reparação dos danos, com uma larga utilização da pena pecuniária. Este fato contrastava com a prática da época – a vingança privada, praticada como pena pelo dano causado.

Acerca do tema, seguem alguns trechos do Código de Ur-Nammu: "(a) se um homem, a outro homem, com um instrumento, o pé se cortou: 10 siclos de prata deverá pagar; b) se um homem, a outro homem, com uma arma, os ossos tiver quebrado: uma mina de prata deverá pagar". [116]

Já o Código de Manu trazia, como forma de punir o dano, a imposição contra o causador de um sofrimento idêntico ao provocado. A mesma orientação seguiu o Código de Hamurabi, em que as ofensas pessoais, desde que praticadas por membros da mesma classe social deveriam ser reparadas mediante ofensas idênticas, prevendo, igualmente a reparação do dano à custa de pagamento de um valor pecuniário, constituindo-se em uma forma de proporcionar à vítima uma satisfação compensatória, através da diminuição patrimonial do agente lesionador.

O Direito Romano, através de seu ordenamento jurídico escrito, traçava normas que obrigavam o causador do dano a responder pelo ato praticado. Os romanos conservavam a idéia de honestidade, bem como, o não lesar o direito de outrem, como princípios basilares do direito, daí a reflexão dos romanos constante no Digesto de Justiniano:

Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere, significando – Os preceitos de direito são estes: viver honestamente, não lesar outrem, dar a cada um o que é seu". [117] (grifo do autor).

Como se pode extrair, naturalmente não se permitia a lesão no Direito Romano, por tal motivo a vítima recebia proteção jurídica. Encontramos na Lei das XII Tábuas, dispositivo que previa a reparação para aquele que causasse um dano. Vejamos:

Tábua Sétima – 1. Se um quadrúpede causa qualquer dano, que o seu proprietário indenize o valor desse dano ou abandone o animal ao prejudicado; 2. Se alguém causa um dano premeditadamente, que o repare; 9. Aquele que causar dano leve indenizará 25 asses; 10. se alguém difama outrem com palavras ou cânticos, que seja fustigado; 11. Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo. [118]

O grande legado do Direito Romano na esfera da responsabilidade civil foi sem dúvida a Lex Aquilia, publicada na era republicana, esta lei veio demarcar a responsabilidade extracontratual, criando uma nomenclatura que até hoje persiste no direito, em oposição à contratual. Sobre a Lex Aquilia, Josivaldo Félix de Oliveira elucida:

Foi, sem dúvida, um marco tão relevante, que a ela se imputa a origem do elemento "culpa" como fundamento na reparação do dano. A Lex Aquilia, bem assim a subseqüente "actio ex lege Aquilia" têm sido destacadas pelos romanistas e pelos civilistas em matéria atinente à responsabilidade civil. [119] (grifo do autor).

O conceito de responsabilidade, consoante Josivaldo Félix de Oliveira se prende, etimologicamente, ao vocábulo originado do verbo latino:

"Respondere", expressão proveniente do idioma latino, com o sentido jurídico vigorante na antiga Roma, e trasladada para o direito brasileiro em uma nova moldura e sentido jurídico característico do jus hodierno. [120] (grifo do autor).

A idéia de responsabilidade patrimonial [121] se liga, portanto à obrigação atribuída a uma pessoa física ou jurídica de restabelecer o equilíbrio patrimonial e moral, em virtude de um ação ou omissão causadora de prejuízos na esfera alheia, com a finalidade de compor os danos causados. Podemos afirmar que responsabilidade significa imputabilidade e o fundamento dessa responsabilidade que pode ser pública ou privada, conforme o dano seja causado pelo Estado ou por particular, é a restituição.

Essa responsabilidade advém de previsão normativa que estabelece como pena ao causador do dano a obrigação de repará-lo. Dessa forma, para a imputação com a conseqüente responsabilização, necessário se faz a presença do evento danoso com a comprovação do prejuízo.

Lembra Américo Luís Martins da Silva que: "Na responsabilidade civil, crucial para a sociedade é a existência ou não de prejuízo experimentado pela vítima. Portanto, o dano é o principal elemento daqueles necessários à configuração da responsabilidade civil". [122] (grifo do autor).

Quanto à responsabilidade civil na atualidade, o que se observa é a existência simultânea de duas espécies de responsabilidade - a subjetiva e a objetiva, a primeira se baseia em critérios tradicionalmente privatísticos, relacionando-se com a culpa, enquanto que a responsabilidade objetiva tem por norte diretrizes publicísticas e se liga ao resultado. Nos dois casos, a responsabilidade existe com fundamento na restituibilidade, não importando se a obrigação decorre de princípios hauridos do Direito Privado ou Público.

A teoria da culpa continua imperando, servindo de base ao direito comum, representando a clássica responsabilidade civil, reservando-se a teoria do risco para os casos especificados em legislações outras, como a lei que trata do transporte de passageiros, fato que permite ao lesado maior proteção e garantia quanto à possibilidade de recomposição do prejuízo.

Marcelo Sampaio Siqueira esclarece que:

"Há diferenças entre a responsabilidade patrimonial civil e a responsabilidade patrimonial do Estado, principalmente no tocante à sua natureza, privada e pública, embora o conceito, os elementos e os excludentes da responsabilidade sejam comuns às duas matérias". [123]

Nessa esteira de raciocínio, a responsabilidade pública é informada por normas de direito público, especificamente do Direito Administrativo, mas com pontos em comum com os princípios que informam a responsabilidade no direito privado, especificamente o Direito Civil.

Outra nota diferenciadora é que ao contrário do direito privado, onde a responsabilidade exige a prática de ato ilícito, no direito público, em especial o Direito Administrativo, ela advém de atos que embora lícitos causem a determinados indivíduos, gravame maior do que o imposto a outros componentes da sociedade.

É sobre a responsabilidade do Estado, que se orienta hodiernamente pela teoria objetiva, sob a modalidade do risco administrativo que nos deteremos a comentar.

Celso Antônio Bandeira de Melo define a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado como sendo:

a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. [124]

Desse modo, o Estado enquanto pessoa jurídica se responsabiliza patrimonialmente por atos praticados mediante a atuação de pessoas físicas que ajam na condição de seus agentes, desempenhando funções relativas ao funcionamento do aparelho estatal, por isso, o querer e o atuar do agente público é o querer e o atuar do Estado, fato que impõe ao mesmo a obrigação de indenizar às custas dos cofres públicos.

Pensamento assente na doutrina é que a responsabilidade do Estado surge como decorrência lógica da noção de Estado de Direito, que por sua vez prevê a igualdade na repartição dos encargos sociais, sujeitando todos, pessoas físicas e jurídicas, de Direito Público ou Privado ao ordenamento jurídico vigente, impondo o dever de indenizar por ato que venha a causar prejuízo a outrem.

O termo responsabilidade, acompanhada do adjetivo "civil" [125], se justifica porque a responsabilidade do Estado somente pode ser civil e não penal, muito embora, em alguns casos seja impugnada com fundamento de que a mencionada expressão encerra conteúdo pleonástico, tendo em vista serem as pessoas jurídicas responsáveis patrimonialmente, cabendo a elas, tão somente a responsabilização de caráter civil.

Esta responsabilidade extracontratual do Estado fundamenta-se, como já dito no princípio da isonomia, e encontra-se regulamentada pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 6º.

2. Responsabilidade Civil do Estado: Fases e Teorias

A responsabilidade civil do Estado pode ser definida, consoante Maria Sylvia Zanella Di Pietro como: "a responsabilidade extracontratual corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos". [126] Estando tal instituto delineado em nossa legislação entre os casos de responsabilidade objetiva. Nem sempre, entretanto, foi assim. Até se chegar ao estágio atual, houve uma lenta evolução histórica, acompanhada, igualmente, pelo desenvolvimento do homem e da sociedade.

No período da Antigüidade, o soberano ou rei representava aqui na Terra a vontade divina e por não se conhecer ainda Estado politicamente organizado é que este não respondia pela prática de atos causadores de danos aos particulares.

Roma também desconheceu a responsabilização do Estado pelos atos danosos praticados. Nesse sentido se expressa Sonia Sterman:

Em Roma, apesar da inexistência do Estado como personalidade, criou-se a figura do fisco que, por ficção, passou a ser uma pessoa moral, através da qual pertenciam os bens do Estado. Mas, como vigorava a teoria do direito divino, sendo o soberano o representante de Deus aqui na Terra, continuava ele impune à responsabilidade. [127]

Na Idade Média, com o predomínio do Estado despótico e absolutista vigorou o princípio da irresponsabilidade estatal, não subsistindo nos governos absolutos nenhuma parcela de responsabilidade quanto aos atos praticados. Dispunha o Estado de uma autoridade inquestionável, o súdito nada podia contra o rei. Os particulares lesados tinham a obrigação de suportar o prejuízo. Retratam muito bem essa época as tão conhecidas expressões: L’Etat c’est moi, o Estado sou eu, além da expressão utilizada no direito inglês, The king can do no wrong, o rei não erra.

No citado período, os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador do dano, o Estado não possuía responsabilidade alguma. Constituíam o Estado e o funcionário sujeitos diversos, onde o primeiro possuía supremacia, a ponto de agir de forma ilimitada, abusando inclusive dos poderes que lhe eram inerentes.

Reinava, naquela época a teoria da irresponsabilidade, com os fundamentos acima delineados, mas por se tratar de uma teoria desarrazoada, gerando manifesta injustiça, foi por demais combatida, ao argumento de que o Estado, enquanto pessoa jurídica, titular de direitos e obrigações, deveria ser responsabilizado pela prática de seus atos danosos.

Atualmente não mais se admite a teoria da irresponsabilidade estatal, ficando superada a partir do século XIX. [128] Celso Antônio Bandeira de Melo [129] cita o aresto Blanco, do Tribunal de Conflitos, proferido em 1º de fevereiro de 1873, como marco relevante para o reconhecimento da responsabilidade do Estado, ainda que tal responsabilidade não fosse absoluta por parte do Estado. Somente mais tarde, entretanto é que o Estados Unidos e Inglaterra, respectivamente em 1946 e 1947, vieram admitir a responsabilidade civil do Estado.

As teorias subseqüentes se embasavam nos princípios que regiam o Direito Civil, daí serem chamadas de teorias civilistas. Com o liberalismo, a responsabilidade civil do Estado passou a ser admitida. Num primeiro momento havia uma distinção entre atos de império e atos de gestão. Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que:

... os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular e independente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam os praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum. [130]

A diferença entre atos de império e atos de gestão veio abrandar a aplicação da teoria da irresponsabilidade. Sendo admitida a responsabilização do ente estatal quando decorresse de ato de gestão e afastando-a, quando o dano provocado adviesse de atos de império, continuando o ente estatal, na última situação, imune à qualquer responsabilidade.

Essa teoria foi combatida sob a alegação da dificuldade em se estabelecer limites entre os atos de gestão e os atos de império, pelo que, além da impossibilidade de se dividir a personalidade do Estado, abandonando-se tal distinção passou-se a admitir a responsabilidade do Estado com fundamento da culpa do funcionário.

A denominada teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva só teria aplicação quando o dano causado ao súdito fosse derivado de uma conduta culposa causada pelo agente público. Dessa forma, apenas as condutas classificadas como imprudentes, negligentes e imperitas do servidor é que geravam para o Estado a obrigação de compor o dano, permanecendo como responsabilidade própria do servidor, as condutas dolosas. Na esteira do direito privado, a citada teoria de caráter eminentemente civil estabeleceu uma variedade de distinções entre as modalidades de culpa, como a culpa de serviço, a culpa de pessoal, culpa in eligendo, dentre outras, para se saber quando o Estado podia ou não ser responsabilizado por atos de seus agentes.

A doutrina civilista ou da culpa vem paulatinamente perdendo espaço para as teorias publicistas. O primeiro passo, consoante já citamos, se deu com as decisões proferidas pelas Cortes francesas, em especial a do Tribunal de Conflitos, que segundo Sonia Sterman:

... competia decidir o conflito de competências entre o Conselho de Estado e a Corte de Cassação nessas questões, envolvendo a responsabilidade civil do Estado, foram avançadas e acabaram por rejeitar os princípios do direito privado estabelecidos no Código de Napoleão, assinalando a autonomia do direito administrativo, com soluções derrogatórias e exorbitantes do direito comum, portanto, no âmbito do direito comum. [131]

Continua a citada autora a falar que duas grandes decisões, conhecidas como o caso Rotschild, em 1855 e Blanco, em 1873, repercutiram na responsabilização do Estado.

A responsabilidade pelo acidente com a menina Agnés Blanco que, ao cruzar os trilhos do trem, na cidade de Bourdeax, foi colhida por um vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo, deve ser imputada ao Estado, não em virtude de direito civil, mas em virtude do direito público, que não é codificado; a partir dessa decisão, pautou-se a construção jurisprudencial. [132]

A primeira teoria de caráter publicista foi a teoria da culpa administrativa, representando a transição entre as idéias civilistas e a doutrina publicista. O fundamento dessa teoria leva em conta a falta do serviço, advindo dela, a responsabilidade do Estado.

Na culpa administrativa se procurou desvincular a responsabilidade do Estado da idéia de culpa do funcionário. Ocorrendo a culpa da administração quando o serviço não funciona, funciona mal ou funciona atrasado. De forma mais clara, bastando a ausência do serviço devido ou seu precário funcionamento.

Sergio Cavalieri Filho enuncia que:

... a culpa anônima ou a falta do serviço público, geradora da responsabilidade do Estado, não está necessariamente ligada à idéia da falta de algum agente determinado, sendo dispensável a prova de que funcionários, nominalmente especificados tenham incorrido em culpa. Basta que fique constatado um mau agenciador geral, anônimo, impessoal, na defeituosa condução do serviço, à qual o dano possa ser imputado. [133]

A teoria do risco administrativo que serve de base à responsabilidade objetiva se fundamenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais. Nesse sentido, enfatiza Maria Sylvia Di Pietro:

... assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público". [134]

Não subsiste nessa teoria a noção de culpa, o que se perquire é acerca do nexo causal que se origina entre funcionamento do serviço e o prejuízo sofrido pelo particular. Nesta teoria, embora se dispense a prova da culpa, é permitido ao Estado, afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal, que por sua vez ocorre quando há culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro.

O risco administrativo torna o Estado responsável em virtude de sua atividade administrativa, o que não significa, necessariamente a imputação e o correspondente dever de indenizar do Estado em toda e qualquer situação. Hely Lopes Meirelles esclarece que:

O risco administrativo não significa que a administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização. [135]

A teoria do risco integral é modalidade extremada da doutrina do risco, imputando ao Estado a obrigação de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior.

Preleciona Hely Lopes Meirelles que a citada teoria foi

... abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social. Por essa fórmula radical, a administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de dolo ou culpa da vítima. Daí porque foi acoimada de "brutal", pelas graves conseqüências que haveria de produzir se aplicada na sua inteireza. [136]

O nosso país não experimentou a fase da irresponsabilidade do Estado. Atualmente adotamos a teoria da responsabilidade objetiva da administração, na modalidade do risco administrativo. Essa teoria foi acolhida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 6º.

Com base na teoria acolhida pelo sistema constitucional brasileiro quanto à responsabilização do Estado, o nexo causal constitui o fundamento dessa obrigação, inexistindo portanto, a relação de causalidade, fica o Estado imune à obrigação de indenizar. Dessa forma, há causas que excluem a responsabilidade.

A primeira delas é a força maior, que pode ser definida como o acontecimento imprevisível e estranho à vontade das partes, ligando-se à idéia de fatos naturais, como por exemplo, uma tempestade e um terremoto. Tais eventos excluem a responsabilidade da Administração, tendo em vista a inexistência do nexo causal entre o evento danoso e o comportamento do Estado.

O caso fortuito decorre de comportamento humano, resultando o evento danoso de causa desconhecida e como tal não podendo ser prevista ou mesmo impedida. Adverte, contudo Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:

... na hipótese de caso fortuito, em que o dano seja decorrente de ato humano, de falha da Administração, não ocorre a mesma exclusão; quando se rompe, por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando danos a terceiros, não pode falar em força maior. [137]

Continua a citada autora, argumentando que: "No entanto, mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá ocorrer se, aliada à força maior ocorrer omissão do Poder Público". [138]

Em casos de ocorrência de culpa exclusiva da vítima, o Estado não pode responder, porque não houve participação alguma do mesmo, porém, se a culpa é concorrente, o Estado terá sua responsabilidade atenuada, repartindo-a com a vítima.

3. Responsabilidade Civil do Estado no Âmbito do Poder Judiciário

Quando nos reportamos à responsabilidade do Estado, obrigatoriamente estamos tratando das suas funções, pois é precisamente por meio delas que se reparte o poder estatal. Tais funções foram criadas para atuar na condição de órgãos autônomos e independentes, desempenhando cada uma tarefa própria, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento constitucional.

Acerca da função estatal, José de Albuquerque Rocha enuncia que:

... as chamadas funções do Estado são, justamente, as tarefas ou atribuições fundamentais que o Estado tem de executar para realizar seus fins. É exatamente nesse sentido que a palavra função é usada por nossa Constituição Federal ao tratar do exercício das funções do Estado, nos arts. 44 e 76. Só que a Constituição Federal usa a palavra poder com o sentido de função, de forma que, onde está escrito "o Poder Legislativo e o Poder Executivo são exercidos etc.", deve-se ler: a função legislativa e a função executiva são exercidas etc. Por conseguinte, função do Estado é o conjunto unitário de atribuições que o Estado tem de implementar para alcançar a realização dos fins a que se propõe. [139] (grifo do autor).

Assim, podemos dizer que as funções: Administrativa, Executiva e Judiciária se destinam à concretização de atividades próprias que visam aos fins a que o Estado se propõe – o bem comum. Diante de tais circunstâncias, podemos afirmar que a responsabilização do Estado, decorre necessariamente de danos causados ao particular mediante o exercício de suas funções.

Não mereceria tratamento diferenciado o Poder Judiciário. Já que a noção de serviço público não se cinge apenas à atividade administrativa. Sobre o conceito de serviço público, preleciona Hely Lopes Meirelles: "... é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado". [140]

Com maior clareza se expressa Pontes de Miranda, enunciando que: "Serviço público é o que concerne ao desenvolvimento da atividade estatal, em seus três ramos: legislativo, executivo e judiciário". [141]

O conceito amplo de serviço público inclui, como visto todas as atividades do Estado: legislação, execução e jurisdição. Esta última também se insere como uma das funções específicas do Estado, uma vez que o mesmo chamou a si, exclusivamente a tutela dos direitos ameaçados ou violados, instituindo o serviço público judiciário, funcionando este como espécie do gênero serviço público.

Nessa condição, a atividade judiciária deve ser prestada como os demais serviços públicos, primando pelo zelo e presteza para atingir a finalidade a que se propõe, sujeitando-se portanto à responsabilização pelos danos causados por sua indevida atuação. Pensar de forma contrária, seria negar o próprio direito e admitir que o Estado criado para assegurar a paz e sobretudo, no exercício da jurisdição, proporcionar segurança jurídica, ao se excepcionalizar, tornando-se imune à responsabilização, acaba por não cumprir com sua função de distribuir justiça.

No momento, cumpre-nos explicitar o entendimento firmado por José de Albuquerque Rocha no sentido de que:

... a jurisdição é, justamente, a função estatal que tem a finalidade de manter a eficácia do direito em última instância no caso concreto, inclusive recorrendo à força, se necessário. Sua nota individualizadora é de natureza funcional e consiste, por conseguinte, em estar dirigida, especificamente, ao fim de manter, em última instância, o ordenamento jurídico no caso concreto, ou seja, manter o ordenamento jurídico quando este não foi observado espontaneamente pela sociedade. [142]

Do citado conceito se infere que, a jurisdição tem por finalidade a conservação do direito e a manutenção do ordenamento jurídico, constituindo-se a um só tempo em direito fundamental do cidadão - no sentido de exigir decisões justas, e um dever do Estado em prestá-las.

Ademais, o serviço judiciário deve ser entendido como modalidade do serviço público, uma vez que é exercido por uma das funções estatais, por isso, se praticado atos danosos a particulares, no exercício de suas atribuições, estará agindo, igualmente em nome do Estado, se constituindo em um serviço danoso prestado pelo mesmo, conservando, portanto, a obrigação de responder civilmente pela indenização.

O Poder Judiciário, considerado por alguns como o último reduto da irresponsabilidade civil do Estado, na atualidade, tem suscitado na doutrina e jurisprudência posicionamentos divergentes e conflituosos quanto à sua responsabilização. A jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal, [143] por exemplo tem se consolidado no sentido da irresponsabilidade civil do Estado, quanto a atos do poder Judiciário, admitindo apenas a responsabilização nas hipóteses previstas na legislação. A ementa abaixo transcrita demonstra com clareza os argumentos expendidos pelo STF para não responsabilizar o Estado por atos do Poder Judiciário:

Responsabilidade Objetiva do Estado – Ato do Poder Judiciário – a orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores à de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados em lei – Precedentes do STF – Recurso Extraordinário não conhecido (STF, 1ª T., 11/12/92).(RTJ 145/268).

Sobre o atual posicionamento da Corte Constitucional brasileira, pondera Vilson Rodrigues Alves:

Em que pese a tais doutos entendimentos, que o Colendo Supremo Tribunal Federal tem adotado para decidir por um Estado irresponsável civilmente pela indenizabilidade dos danos acarretados pela prática de atos judiciais, quando não-previstos expressamente pela técnica legislativa, é absolutamente necessário proceder-se à revisão desse posicionamento, a fim de que opere, quando coexistentes os essentialia do suporte fático de incidência das regras jurídicas da Constituição Federal de 1988, art. 37, § 6º, a responsabilidade civil do Estado pelos danos que todos os seus agentes causarem a terceiros, inclusive os juízes. [144]

Não obstante o Supremo Tribunal Federal apresente como fundamento de suas decisões o fato de ser o Poder Judiciário soberano e gozar os juízes de imunidades que não se enquadram no regime de responsabilidade aplicada aos demais agentes públicos, argumentos mais lógicos e critérios hermenêuticos mais aceitáveis e convincentes orientam a uma posição contrária, atribuindo uma correta interpretação ao artigo 37, § 6º da Constituição Federal, que conduz à responsabilização do Estado por atos praticados no âmbito do Poder Judiciário.

Nesta esteira de raciocínio e citando dispositivos da Constituição Portuguesa, JJ. Gomes Canotilho assegura que:

Além da responsabilidade da administração, a norma constitucional está "aberta" à responsabilidade por facto das leis ("responsabilidade do Estado-legislador") e à responsabilidade por facto da função jurisdicional ("responsabilidade do Estado-juiz"). Relativamente a esta última, a Constituição consagra expressamente o dever de indemnização nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade (CRP, art. 27.º/5) e nos casos de erro judiciário (CRP, art. 29.º/6), mas a responsabilidade do Estado-juiz pode e deve estender-se a outros casos de "culpa grave" de que resultem danos de especial gravidade para o particular. [145] (grifo do autor)

A Constituição portuguesa, em seu art. 22, a exemplo de outros países, [146] estabelece a responsabilidade civil do Estado, quando representado por seus agentes e funcionários, causar danos a terceiros, o fazendo nos seguintes termos:

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis em forma solidária com os titulares, funcionários ou agentes por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. (art. 22).

A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer. (art. 26 – 5). [147]

Não enxergamos razões para diferenciar o cabimento da responsabilidade do Estado Administrador e Legislador e a não responsabilização do Estado Juiz. Acreditamos que o art. 37, § 6º da Constituição Federal não estabeleceu nenhuma distinção. Segue transcrição do citado artigo, in verbis:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.

Por esse e por outros motivos que adiante elencaremos é que a teoria da irresponsabilidade vem aos poucos caindo em desuso. Ademais, o princípio da igualdade dos encargos sociais que impõe ao prejudicado o direito à indenização quando sofrer danos em virtude do funcionamento do serviço público, encontra-se na atualidade servindo de guia à responsabilização do Estado.

Os principais argumentos utilizados pelos que defendem a irresponsabilidade do Estado na esfera do Judiciário são os seguintes:

a)Soberania do Poder Judiciário - o exercício da função jurisdicional está acima da lei, pois este órgão do Estado exerce parcela do poder supremo, é portanto soberano, não comportando questionamento algum, em face do caráter absoluto que encerram suas decisões, logo de sua atuação não poderá resultar responsabilidade para o Estado, mesmo porque contra o Judiciário não se pode contrapor interesses particulares;

b) Independência dos magistrados no exercício de suas funções - os juízes gozam de absoluta independência, não podendo sofrer abalos na sua autonomia, decorrência lógica do princípio da independência funcional da magistratura, princípio insculpido na Constituição Federal de 1988, visando garantir a atuação livre, imparcial e sem restrições aos seus membros;

c)Não inclusão dos magistrados na norma constitucional que prevê a responsabilidade do Estado por danos provocados aos particulares: - a responsabilidade patrimonial do Estado imposta pelo art. 37, § 6° da Constituição Federal é alusiva a ato danoso praticado por funcionário público, não sendo o magistrado considerado funcionário público, mas agente político, não se pode invocar o dispositivo para responsabilizar o Estado por ato jurisdicional;

d)Infringência à coisa julgada - quando o Judiciário profere decisões, tais atos se cercam da imutabilidade da coisa julgada, e mesmo decidindo erroneamente, não caberia indenização pelo dano decorrente, pois estar-se-ia desprestigiando e violando o instituto da coisa julgada.

Totalmente infundada é a pretensão do primeiro argumento ao afirmar a irresponsabilidade do Poder Judiciário, tendo em vista que a soberania não pode funcionar como atributo de uma das funções estatais, de maneira exclusiva, só se permitindo o reconhecimento de tal prerrogativa à nação.

Vejamos o conceito de soberania, segundo JJ. Gomes Canotilho: "A soberania, em termos gerais e no sentido moderno traduz-se num poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional". [148] (grifo do autor). Mais adiante, esclarece que: "... só a nação é soberana... ". [149]

O raciocínio de que o Poder Judiciário se constitui numa função soberana, levaria à conclusão de que o Poder Executivo – em relação ao qual não se contesta a responsabilidade, também o seria, e nessa condição, aplicação nenhuma teria o art. 37, § 6º da CF/88, posto que os atos dos agentes públicos, praticados no exercício das funções Executiva, Legislativa e Judiciária representariam atos de soberania.

No entanto, esta construção "lógica" não merece amparo, por isso o dispositivo constitucional citado se aplica igualmente ao Judiciário e ao Legislativo e além do mais o Judiciário, mesmo se considerado como poder soberano não poderia se encontrar acima do Direito.

A interpretação levantada chega a equiparar os poderes, em especial a função Judiciária à totalidade do próprio Estado, como se fosse possível cindir e exercer a soberania livremente, sem vinculação alguma ou subordinação a outros elementos. Ademais, mesmo que o exercício da jurisdição fosse considerado ato de soberania, não poderia isso significar irresponsabilidade do Estado, não se contrapondo a soberania à noção de responsabilidade.

Nesse sentido, enuncia Josivaldo Félix de Oliveira:

Mesmo que se admitisse a soberania do Judiciário, este fato não exoneraria o Estado de ressarcir os danos por atos jurisdicionais, por não haver autonomia entre soberania e responsabilidade pois soberania não quer dizer infalibilidade ou irresponsabilidade. [150]

Vale ressaltar, por fim, a consideração feita por Marcelo Sampaio Siqueira:

A afirmação de que o exercício da função jurisdicional constitui a própria manifestação da soberania do Estado, não podendo o ato judicial ser passível de falha, ensejador de dano, já que o ato soberano não pode ser contestado, levaria-nos à época da irresponsabilidade total do Estado, repudiada não só pela doutrina, mas pelas normas positivadas e pela própria jurisprudência. [151]

Quanto ao segundo argumento, compete inicialmente dizer que entre a responsabilidade do Estado e a garantia de independência não há qualquer incompatibilidade, não implicando dessa forma, a responsabilidade, na perda da liberdade de julgar ou em restrição ao desempenho do magistrado.

No magistério de JJ. Gomes Canotilho:

A independência funcional é uma das dimensões tradicionalmente apontadas como constituindo o núcleo duro do princípio da independência. Significa ela que o juiz está apenas submetido à lei – ou melhor, às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas – no exercício da sua função jurisdicional. [152] (grifo do autor).

A independência do Judiciário, prevista no art. 95 da Constituição Federal de 1988, trouxe como corolário a garantia de independência do juiz e a sua imparcialidade, requisitos que cercam a magistratura de liberdade para estabelecer julgamentos conforme a convicção do julgador. Destarte, a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, com o conseqüente emprego do art. 37, § 6º, da CF/88, não afrontaria a figura do juiz, até porque quem arcaria com a responsabilidade de indenizar, num primeiro momento, seria o Estado.

Como explica Marcelo Sampaio Siqueira:

... a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, abrangendo os atos jurisdicionais, não estaria inovando o ordenamento, pois a regra existe desde a Constituição de 1946, art. 194, como também não estaria enfraquecendo a figura do Juiz, que só seria atingido pela falha que cometeu em casos específicos, podendo esses agentes, salvo situações excepcionais, ser considerados irresponsáveis. Mas uma coisa é a irresponsabilidade de certos tipos de agente público, outra coisa é a irresponsabilidade do Estado pelos atos de seus agentes, teoria abandonada a muito. [153]

Outro ponto a ser destacado é que o fato de ser o juiz falível em suas decisões, podendo equivocar-se no curso do processo ou em seu final, não pode justificar a irresponsabilidade do Estado pelos danos eventualmente ocorridos. Consoante Marcelo Sampaio Siqueira:

Essa afirmação é capaz apenas de justificar a irresponsabilidade do magistrado, mas nunca a do Estado, que se encontra fundamentada não só no princípio da responsabilidade objetiva, mas nos princípios da dignidade da pessoa humana, artigo 1º, inciso III da CF, e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, artigo 2º, inciso I da CF. [154]

Ademais, a independência não significa privilégio dos magistrados, a ponto de gerar total irresponsabilidade para o Estado, deixando aos jurisdicionados o ônus de pagar pelo custo de tal prerrogativa atribuída aos juízes. A respeito da independência da magistratura, se pronuncia Mauro Cappelletti:

... deve ser vista, ao contrário, em função dos usuários, e, assim, como elemento de um sistema de justiça que conjugue a imparcialidade – e aquele tanto de separação ou isolamento político e social que é exigido pela imparcialidade – com razoável grau de abertura e de sensibilidade à sociedade e aos indivíduos que a compõem, a cujo serviço exclusivo deve agir o sistema judiciário. [155] (grifo do autor).

Comentando sobre a irresponsabilidade dos juízes por suas decisões, e demonstrando que o Estado deve arcar com a indenização nos casos em que a lei não prevê a responsabilidade do juiz, esclarece JJ. Gomes Canotilho: "Os particulares que se considerem lesados por actos ou comportamentos dos magistrados no exercício da função jurisdicional poderão recorrer ao instituto da responsabilidade do Estado". [156]

De modo a refutar o argumento da independência, tem-se a posição da Profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Diz ela "A idéia de independência do Judiciário também é inaceitável para o fim de excluir a responsabilidade do Estado, porque se trata de atributo inerente a cada um dos Poderes. O mesmo temor de causar danos, poderia pressionar o Executivo e o Legislativo." [157]

Quanto ao entendimento de que a condição jurídica do juiz não implica em classificá-lo como funcionário público, não tem mais razão de existir, posto que a atual Constituição Federal, em seu art. 37, § 6º, utiliza a expressão "agente", e não mais a de "funcionários públicos", como fez a Constituição de 1967. No direito brasileiro, o magistrado ocupa cargo público criado por lei e se enquadra no conceito legal dessa categoria funcional, desempenhando uma função em nome do poder público, mediante remuneração.

E mesmo que se entendesse ser o magistrado agente político, estaria, ainda inserido na previsão constitucional que garante ao lesado a indenização pelo Estado quando causar dano pela sua atuação. A utilização da expressão "agente", abrange todas as categorias de pessoas que prestam serviços ao Estado, a qualquer título. Dessa forma, infrutífera é a discussão para saber se o magistrado se enquadra na classificação de servidor público ou funcionário público, agente especial ou sui generis. O que importa efetivamente é saber que o mesmo desempenha suas funções na qualidade de agente público, se constituindo esta classificação no gênero de todas as outras espécies, concluindo-se que a norma constante do art. 37, § 6º da Constituição Federal é aplicável aos atos dos juízes.

A intangibilidade da coisa julgada, também não é suficiente para justificar a irresponsabilidade estatal por atos do Judiciário. A justificativa que oferece suporte a esse argumento se baseia no fato de que a interposição de uma ação que se propõe ao reconhecimento do ato falho, estaria rediscutindo assunto relativo à decisão que não comporta mais questionamento, por força do trânsito em julgado.

A res judicata não se revela como valor de caráter absoluto, pois entre ela e o conceito de justiça, o último prevalecerá, porque se a coisa julgada visa assegurar a paz jurídica, esta, está mais do que respeitada, se for, por exemplo, desfeita uma sentença injusta, reparando-se ao prejudicado todos os danos por este suportados.

Em nosso ordenamento jurídico, a coisa julgada é restringida pela ação rescisória, no âmbito processual civil e pela revisão criminal, no processo penal. Com relação a esta última, existe previsão no art. 630 do Código de Processo Penal, impondo ao Estado o dever de indenizar. Em verdade, não se justifica nos dias atuais, o estabelecimento de uma regra específica para o erro judiciário, como a do referido artigo constante no Código de Processo Penal, se já existe uma regra mais abrangente, de caráter constitucional, estabelecendo a responsabilidade objetiva do Estado, por danos que seus agentes causarem a terceiros, seja na esfera processual civil ou penal.

Quando se tratar de revisão criminal provida, dúvida não há, até porque a regra geral contida na Constituição Federal, ratificada pela anterior previsão do 630 do CPP, impõe de forma cabal o dever de indenizar. Dúvidas subsistem quando a ação rescisória não soluciona o assunto, por ter sido julgada improcedente, porque ocorreu prescrição ou porque a decisão se torna imutável. Nesses casos, houve o trânsito em julgado, sem possibilidade alguma de modificação no teor decisório, daí se infere que uma indenização por dano decorrente de sentença, poderia infringir a regra da imutabilidade da coisa julgada. Esse é o argumento mais forte para inadmitir a responsabilidade do Estado no âmbito do Judiciário, pois as decisões judiciais ao transitarem em julgado, não permitem contestação, por encerrarem presunção de verdade [158].

O que se constata, por evidente, é que nada tem a indenizabilidade estatal pelos danos causados a terceiros pelo erro judiciário, com a eficácia da coisa julgada. Não havendo a exigência da ação de rescisão da sentença que provocou o erro. Com efeito, o que se pretende é impor ao Estado a possibilidade de indenizar o prejudicado, em se tratando de erro, fato que não implica necessariamente na modificação da sentença prolatada. A decisão permanece válida entre as partes, produzindo os seus efeitos e conservando natureza de intangibilidade, ficando, porém, o Estado na obrigação de reparar os danos que a decisão imutável acarretou a uma das partes.

O Estado poderá responder civilmente por atos lesivos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário, tendo em vista que o mesmo não exige distinção entre atos administrativos, legislativos ou jurisdicionais; requer-se tão somente prova do dano e a comprovação de ter sido ele causado por ato do agente público.

Além dos citados argumentos em prol da irresponsabilidade estatal por atos do Poder Judiciário, Vilson Rodrigues Alves, faz menção a outros: riscos da jurisdição; lacuna do direito positivo; onerosidade estatal excessiva; processo simulado e inessencialidade da atividade jurisdicional.

Pelo argumento do risco da jurisdição, o Estado seria irresponsável por erro judiciário, pressupondo-se que o jurisdicionado, uma vez acionado o Poder Judiciário suportaria os riscos advindos da jurisdição. Não merece acolhida tal entendimento. Sobre ele, Vilson Rodrigues Alves enuncia:

Por essa consideração, a falibilidade contingencial do Magistrado seria risco que as pessoas sob sua jurisdição teriam assumido. Ora, a responsabilidade civil traçada no art. 37, § 6º, da Constituição da República, de 1988, é resultado de lenta e sólida evolução da teoria do risco administrativo, a que evidentemente se contrapõe o entendimento que pretende pré-excluir a indenizabilidade estatal no suporte da prévia assunção deste risco pelos próprios jurisdicionados. [159] (grifo do autor).

Quanto à lacuna no Direito Positivo não existe consistência alguma, tendo em vista a existência da norma contida na Constituição Federal que obriga o Estado a reparar o dano causado ao particular por sua indevida atuação, valendo lembrar que a citada regra não se traduz em norma de caráter programático, por tal motivo, o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, se constitui em norma com direito bastante em si, possuindo plena eficácia, sem necessidade de regulamentação infraconstitucional. O fato de ser auto-aplicável e estar presente no corpo da Constituição, revela também que se outras leis pretenderem o afastamento da responsabilidade civil estatal, em afronta ao artigo constitucional, será ela tida como inconstitucional, devendo ser expurgada do ordenamento jurídico, via ação de inconstitucionalidade. Saliente-se também que o dever de indenizar por parte do Estado é fundado na responsabilidade objetiva, pela qual, presentes os elementos: resultado danoso, nexo de causalidade entre o resultado e o ato omissivo ou comissivo do agente político, impõe-se a obrigação de indenizar.

Para os adeptos da teoria da onerosidade estatal excessiva, a responsabilidade do Estado por atos do Poder Judiciário implicaria sobrecarga ao erário público, com um visível prejuízo para o Estado que já possui outras obrigações. Convém reconhecer que este raciocínio nos leva a afirmar a ineficiência do serviço público estatal. Com clareza, explica Vilson Rodrigues Alves:

... não se pode carrear a problemática dos recursos à indenizabilidade ao lesado, que isso, antes de problema dele, é problema do Estado, que chamando a si a monopolização da tutela jurisdicional, por óbvio também a si atraiu a responsabilidade pelos défices no desenvolvimento das atividades-meio a esse fito. [160]

O processo simulado implica na possibilidade de facilitação às partes, com base no art. 37, § 6º, da Constituição Federal da simulação de um processo, com o objetivo de lesar terceiros, desviando o processo de seu fim instrumental. Porém, o Código de Processo Civil já prevê a responsabilidade por perdas e danos daquele que pleitear de má-fé como autor, ré ou interveniente, reputando ainda como litigante de má-fé quem usar do processo para conseguir objetivo ilegal (arts. 16 e 17, do Código de Processo Civil). Além de prevê o art. 485, III, do Código de Processo Civil, a rescindibilidade da sentença que resultar de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.

A inessenciabilidade da atividade jurisdicional, consiste no fato de que as pessoas prescindem da jurisdição, sem necessidade de tal serviço para viverem. Acerca do tema se posiciona Vilson Rodrigues Alves:

... na casuística das objeções doutrinário-jurisprudenciais à responsabilidade civil do Estado por erro de seus juízes, há também a afirmação de que as pessoas, que não poderiam viver sem a administração, poderiam viver sem a jurisdição, sem ter relação com a justiça. Desse por correto esse equivocado enunciado, a verdade é que, havendo dano, incidiria, como ineliminavelmente incide, a primeira regra jurídica do art. 37, § 6º da Constituição Federal. Do contrário, o Estado, que monopolizou a prestação da tutela jurisdicional para reduzir injustiças, faria o contrário, recrudesceria a injustiça. [161]

Por fim, cumpre transcrever posicionamento de Canotilho acerca da responsabilidade por fato da função jurisdicional:

Não obstante as reticências da jurisprudência portuguesa, a orientação mais recente de alguns países vai no sentido de consagrar a responsabilidade dos magistrados (de tribunais individuais ou colectivos) quando a sua actividade dolosa ou gravemente negligente provoca um dano injusto aos particulares. Sob pena de se paralisar o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer hipótese de responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova. [162]

É absurdo constatar que o direito brasileiro, por meio da jurisprudência e da doutrina clássica, ainda não admite interpretação que permita a responsabilização do Estado no âmbito do Poder Judiciário, manifestando-se, ao contrário, pela teoria da irresponsabilidade, como é o caso já citado da posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal, ao argumento de que os magistrados, pela garantia da independência que os cercam, encontram-se imunes ao erro, sendo suas decisões intangíveis e infalíveis, interpretação que vem liberando o Estado da responsabilidade pelos danos injustos causados aos que procuram o Judiciário, exatamente para realização da justiça.


IV - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR PRISÃO ILEGAL

"A prisão traz hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. As celas, nos Distritos Policiais, tornaram-se jaulas obscenas e perigosas. Impossível ignorar o que todos sabem e ninguém contesta. E mais; aquém da grade, o tempo não se conta em dias, nem sequer em horas, porém em minutos. Prisão é constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral dela decorrente é in re ipsa. Vale assentar, surge inerente à própria prisão. Dano que se mostra intrínseco, pois".

(Sergio Pitombo).

1. Prisão Ilegal versus Prisão Indevida

Sustentamos, no capítulo anterior, a responsabilização do Estado por atos danosos manejados por qualquer uma das suas funções, destacando, especialmente a responsabilização no âmbito do Poder Judiciário. Nessa esteira de raciocínio, comprovamos, desfazendo os argumentos contrários, que os atos jurisdicionais são suscetíveis de produzir conseqüências de direito, quando por atuação de seus agentes são causados efeitos indesejados, provocando danos a particulares. Com base nesse entendimento é que o Estado-Juiz conserva o igual dever, imposto às demais esferas do Estado de indenizar o prejudicado.

Pensar de maneira diversa seria negar a existência de um ordenamento integral de direito, sem coerência alguma, que não atende ao sacrifício individual injusto dos jurisdicionados na busca da reparação que o próprio Estado de Direito lhe garante. Dessa forma, a obrigação que tem o Estado de indenizar por atos do Poder Judiciário se apresenta como uma tradução para o sistema jurídico de compensar o dano causado pela sua indevida atuação, produzindo os efeitos normais como qualquer outro ente jurídico, sendo ilógico sujeitar o Poder Judiciário a um regramento especial que o posicione à margem da responsabilidade por danos causados.

Não obstante as considerações acima delineadas, uma corrente tradicional do Direito insiste em negar a responsabilização no âmbito do Poder Judiciário, alegando, consoante já demonstrado no capítulo anterior, o atributo da soberania e a independência dos magistrados. Contudo, novo posicionamento vem se firmando na doutrina, no sentido de impor ao Estado a obrigação de recompor o dano causado a terceiro em decorrência da atuação dos magistrados, não apenas quando se trata do erro judiciário, mas também em qualquer caso de restrição indevida ao direito de liberdade, como ocorre com a prisão ilegal.

Cabe advertir, a priori que a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXV, ao garantir o direito a indenização pela atuação do Judiciário, no sentido de restringir a liberdade de locomoção, o fez em nome apenas da denominada prisão indevida, deixando de lembrar, explicitamente da prisão ilegal. Por tal motivo, urge estabelecermos a diferença entre os dois termos, com o fim de elucidar a questão.

A Constituição brasileira de 1988 trouxe para o direito positivo norma de garantia com caráter de direito fundamental, visando proteger o cidadão contra a indevida privação de liberdade, atribuindo ao Estado, nessas situações, a obrigação de indenizar. Dispõe o art. 5º, inciso LXXV, in verbis: "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença". A parte primeira do dispositivo assegura a indenização, limitando-a à efetiva condenação do acusado pelo Judiciário. A segunda parte restringe a responsabilidade do Estado e a conseqüente indenização aos casos em que a prisão imposta mediante sentença condenatória, exceda o prazo de sua duração.

O erro judiciário é aquele advindo de ato jurisdicional que ocorre por equivocada apreciação dos fatos ou do Direito aplicável, levando o juiz a proferir sentença passível de revisão. O erro pode se dá em razão de equívoco na identificação da pessoa sentenciada, a exemplo de uma condenação que recaia sob um homônimo do verdadeiro criminoso. Enquanto o excesso de prisão ocorre no período da execução da pena, quando o condenado, por dessídia ou erro não é liberado do presídio após regular cumprimento de pena fixada em sentença condenatória. Em resumo, o Estado arcará com a indenização por atuação do Judiciário quando se tratar tanto de erro no ato de julgar quanto no ato de executar o que já foi objeto de julgamento.

Rui Stoco lembra que:

O erro judiciário típico pode ser corrigido por outro julgado superior, através de medida específica e criada para tal – a Revisão Criminal – prevista no art. 621 do Código de Processo Penal e que no direito imperial tinha o nome de "recurso de revista". (...) Mas tenha-se em mente que corrigir o erro através da revisão não é o mesmo que reparar o erro, no sentido civilístico da palavra, o que só se consegue no Juízo Cível, após a declaração dessa circunstância. [163] (grifo do autor).

Interpretando o dispositivo constitucional que trata da mencionada indenização por prisão indevida, Luiz Antônio Soares Hentz difere o erro judiciário do excesso de prisão, assinalando que:

Enquanto a figura do erro alberga a atividade jurisdicional comissiva, consistente no decreto da prisão ditada pelo juiz, no exercício da função jurisdicional, como conseqüência de vero erro de julgamento, a segunda comporta, além da comissão, a omissão de qualquer agente público na liberação do preso depois de cumprida pena imposta. E, pois, submetido o indivíduo a prisão indevida, fará jus a indenização às custas do Estado, não importando eventual licitude do motivo (erro na apreciação das condições de sua decretação) ou o caráter de sua ilicitude.... [164]

Relacionando a prisão indevida com o erro judiciário Vilson Rodrigues Alves ressalta:

Embora o art. 5º, LXXV, 2ª parte, da Constituição Federal de 1988, somente se refira à indenizabilidade à pessoa que ficar presa além do tempo fixado numa sentença, há entender-se essa indenizabilidade quando, por erro judiciário penal corrigido em ação de revisão, ficou a pessoa privada de sua liberdade além do tempo fixável na sentença, indevidamente, pois. Afinal, se na estrutura superficial da linguagem jurídica são situações diversas, na estrutura profunda não, dado que ontologicamente constituem modalidades de prisão indevida, porquanto indenizáveis os danos dela irradiados, as privações da liberdade além do prazo fixado na sentença certa e fixável na sentença errada. De regra, a prisão indevida – o ser não-devida é porque lhe falta causa à privação da liberdade – traduz caso de erro judiciário penal e expõe o Estado à indenizabilidade, com a prestação do que seja necessário e suficiente à reparação dos danos, incluindo-se os apatrimoniais, sobretudo morais, cumulados. [165] (grifo do autor).

Vale registrar a hipótese de prisão indevida decorrente de erro provocado por atitude dolosa do preso, que induz o juiz a erro pela utilização de documentos falsos. O erro gerado e que prejudica o pseudo-acusado indevidamente, não é erro passível de indenização por parte do Estado. Consoante o mesmo entendimento, explica Vilson Rodrigues Alves:

... em situações dessa natureza, o próprio preso causou sua prisão com a conduta contrária a direito, e a ninguém é dado alegar a própria torpeza para dela aproveitar-se, como se enuncia na glosa nemo auditur turpitudinem suam allegans, extraída do Código de Justiniano. Incide, sobre suportes fáticos dessa configuração, a regra jurídica de pré-exclusão da responsabilidade civil estatal por prisão indevida. [166] (grifo do autor).

Do exposto acima se infere que forma opinião quase unânime entre os doutrinadores o fato de que a prisão indevida constitui gênero, da qual são espécies, as prisões advindas do erro judiciário e a que excede o tempo de cumprimento de pena estabelecida em sentença condenatória. Não obstante esses argumentos, há posicionamento diverso, manifestado por Luiz Antônio Soares Hentz, para quem a prisão indevida forma categoria autônoma, diferindo substancialmente do erro judiciário, muito embora previstas no mesmo dispositivo constitucional e gerando as conseqüências jurídicas idênticas, qual seja, a imposição ao Estado de indenizar o prejudicado pelos danos sofridos. De acordo com o citado autor, a prisão indevida se estende a todos os casos que traduzem privação do direito de liberdade pessoal, mesmo quando não há condenação efetiva, mediante a prolação de sentença penal condenatória. O único ponto de encontro entre os dois institutos, se assenta no fato de que tanto a prisão ocorrida por erro judiciário, quanto a prisão decorrente de excesso de prazo apresentam por fundamento, a mesma base filosófica centrada na dignidade da pessoa humana.

Vejamos as considerações de Luiz Antônio Soares Hentz que vale a pena transcrever:

O princípio da indenização da prisão além do tempo fixado na sentença foi explicitado no direito constitucional juntamente com a reparação do erro judiciário, e, embora haja pontos de contato entre os dois institutos de direito material, afirma-se que o erro judiciário não depende da verificação de prisão, assim como a indevida privação da liberdade física não decorre necessariamente de erro de julgamento. Os fundamentos se assentam sobre a mesma base filosófica, qual seja, a dignidade da pessoa humana (tida como motivadora da vontade do legislador). A intersecção se vislumbra em vista do campo de existência e verificação tanto da prisão indevida quanto do erro judiciário. No espaço próprio da função jurisdicional do Estado se observa e se distingue a atuação de cada um dos institutos. E mais: a vítima – vista, na ótica da norma, como o seu destinatário – é sempre a pessoa humana considerada como indivíduo, não importando sua nacionalidade nem o status civitatis, posto que os direitos e garantias fundamentais operam seus efeitos indistintamente (todos são iguais perante a lei, no Estado de Direito, e o apregoa o caput do art. 5º da nossa constituição). Feitas essas deduções, no mais, os conceitos formam categorias apartadas. A privação da liberdade física tem natureza jurídica restritiva de direitos, sendo que, especificamente, resulta em privação do status libertatis, faceta do status civitatis com que o ordenamento jurídico dota o indivíduo e o torna responsável perante o mesmo ordenamento. (O erro judiciário não adquire essa coloração nem mesmo quando resulta em prisão indevida, pois o erro é inerente à função de julgar e o ordenamento possui instrumental hábil a sua reparação; e nessa hipótese a indevida privação da liberdade individual opera seus efeitos independentemente de se assentar sua causa no erro judiciário). Daí, como categoria autônoma, se estender a disciplina da prisão indevida a todos os casos em que suceder privação de liberdade individual sem o amparo em condenação com definitiva aplicação de pena de prisão, a cujo cumprimento se submete o indivíduo por força do ordenamento jurídico. [167] (grifo do autor).

É oportuno lembrar que os princípios da indenizabilidade da prisão além do período estabelecido na sentença e o decorrente de erro judiciário, por estarem contidos no rol do art. 5º, LXXV da Constituição Federal, conservam o caráter de direitos fundamentais e nessa qualidade não podem ser modificados ou expurgados do ordenamento jurídico, posto que a própria Constituição de 1988, em seu art. 60, § 4º, excluiu a possibilidade desses direitos enunciados no citado art. 5º vir a ser objeto de deliberação mediante proposta de emenda tendente a aboli-los.

Definidas as expressões previstas no texto constitucional – erro judiciário e excesso de prisão, que compõem a denominada prisão indevida, bem como suas implicâncias jurídicas, resta-nos indagar a respeito do cabimento da indenização em se tratando de prisão ilegal que por sua vez encontra-se intimamente ligada à decretação de prisões provisórias.

Freqüentes são os casos de prisão ilegal praticados no Brasil, especificamente quando se trata de medidas cautelares, em face disso é que atualmente se tem questionado muito acerca da responsabilidade civil do Estado nos vários tipos de prisões cautelares, quando determinadas, especialmente, sem a observância dos requisitos mínimos exigidos para sua efetivação. Essa preocupação se deve ao fato de que a prestação jurisdicional, por óbvio, não se desenvolvendo tão somente, com a prolação da sentença, mas também nos provimentos cautelares, representados no processo penal pelas prisões provisórias, que se caracterizam como instrumentos processuais graves e perigosos, se mal manejados, sujeitando o acusado a toda sorte, mormente quando amontoado em celas ou compartimentos sórdidos que não oferecem um mínimo de dignidade, privando o indivíduo do sagrado direito de locomoção.

Ademais, como pondera César Barros Leal: "... a prisão é sempre uma prisão – ambiente que fomenta uma subcultura, na qual o contágio é decorrência natural da convivência forçada... ". [168] Por tais motivos, a prisão ilegal denigre e lesa o status libertatis e dignitatis do cidadão, justificando-se a reparação do dano moral e material sofridos.

Abordando o tema relativo às providências cautelares no processo penal, Agapito Machado tece as seguintes considerações:

As medidas cautelares no âmbito do processo penal atingem o patrimônio, as provas e a pessoa do investigado. (...) quanto às medidas cautelares pessoais no processo penal porque está em jogo a liberdade do cidadão, o juiz deve adotar redobrada cautela para o seu deferimento. O seu deferimento sem a real necessidade de prejuízo para a ação penal sem dúvida que será considerado constrangimento ilegal e abuso de autoridade por quem a decretar. [169] (grifo do autor).

As medidas cautelares no Direito Processual Penal brasileiro quando destinadas a atuarem estritamente no campo da persecutio criminis, se constituem em providências coercitivas contra o status libertatis do cidadão, exercitando o Estado seu poder coercitivo-cautelar. Nessa conjuntura, deve agir em obediência ao princípio da legalidade, com o fim de evitar danos irreparáveis ao status libertatis. Se o Estado coercitivo for ilegal; deve ele cessar, o que se conseguirá com a utilização dos instrumentos legais asseguradores do direito de liberdade, bem como da propositura da ação de reparação cível.

A prisão ilegal se apresenta como toda providência decretada em processo penal que prive alguém de sua liberdade de locomoção, sem observância dos requisitos mínimos exigidos em lei. Abrange, por exemplo, a pessoa que injustamente permaneceu presa sem motivação aparente, detida pela autoridade policial, com demonstrado abuso de poder. Neste caso, poderá, a qualquer tempo, exigir reparação do Estado, por má-atuação do Estado-Administração. Comprovando-se, dessa forma que não apenas a prisão indevida pode gerar a obrigação de indenizar, por parte do ente estatal, mas também, qualquer ação constritiva ou agressiva do patrimônio jurídico do cidadão, que se revele despropositada e ilegal.

Apesar da Constituição ter previsto explicitamente a indenização em casos de erro judiciário e prisão indevida, o que ocorre com maior freqüência é a ilegalidade da prisão, surgida com os famosos decretos de prisões cautelares. Ademais, quando a Constituição Federal previu estas duas possibilidades, não proibiu outras. Interpretando tal dispositivo, alguns autores entendem que a intenção do legislador constituinte foi clara o suficiente ao delimitar taxativamente os casos que comporta indenização por conta do Estado, na esfera do Poder Judiciário: prisão indevida (advinda de sentença penal condenatória com trânsito em julgado) e no caso do erro judiciário. Porém, o referido permissivo legal não obstou a possibilidade do Estado vir a indenizar o particular por prisões ilegais. Data máxima vênia, este é o nosso entendimento.

A propósito do assunto Yussef Said Cahali:

Em linha de princípio seria de aceitar-se que, impondo-se ao Estado a obrigação de indenizar àquele que "ficar preso além do tempo fixado na sentença", estaria também o constituinte implicitamente assegurando à pessoa o direito de ser indenizada em virtude de ordem de prisão cumprida "sem sentença condenatória": sendo injusta ou ilegal a prisão no que exceder o prazo fixado na sentença de condenação, não se compreende que, "zerada" a condenação, seja menos injusta ou ilegal a prisão do réu que nela é mantido se ao final venha ser julgado improcedente a denúncia pela sentença absolutória. [170] (grifo do autor).

Quem é condenado e passa mais tempo na prisão que o devido é acobertado pela norma constitucional, no sentido de receber indenização, nessa mesma linha de raciocínio quem não foi sequer condenado, ou em algumas vezes sequer processado ou indiciado e fica preso ilegalmente, de forma indevida, merece, igualmente proteção do Estado, se responsabilizando este pelos danos causados - danos morais e materiais.

O enunciado do inciso LXXV, art 5º da Constituição estabelece: "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do temo fixado na sentença". Diante do texto constitucional, a rápida conclusão que pode ser tirada, conforme já abordado, é que o legislador deveria ter sido mais claro e preciso na formulação normativa que prevê a indenizabilidade por parte do Estado-Juiz, para não gerar a falsa interpretação de que a Constituição só garante o direito à indenização quando a restrição da liberdade pessoal se fundar no tradicional erro judiciário ou no caso de prisão que exceda o prazo máximo de sua duração.

Consoante escreve Arnaldo Quirino:

Pela análise do dispositivo nos ocorre que o constituinte se esqueceu de amparar de forma mais enfática os outros casos de prisão ilegal (nos quais não é respeitado o "princípio do devido processo legal", prestigiado pelo art. 5º, inciso LVII), notadamente aqueles creditados a má apreciação dos pressupostos fáticos que fundamentam as prisões cautelares, pois nessas situações, a rigor, não podemos falar da existência de "condenação" (principalmente em face do "princípio do estado de inocência", previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), nem muito menos em "prisão justificada por sentença". [171] (grifo do autor).

A falta de orientação jurisprudencial no sentido de conceder indenização à vítimas de prisões ilegais, se baseia no fundamento seguinte: o Estado quando efetua prisões processuais o faz em nome da manutenção da ordem e da pacificação social, exercitando um poder-dever que lhe é inerente: o jus puniendi, através do qual, desenvolve atividade típica na perseguição ao crime.

Ocorre que a atividade estatal que visa a persecução criminal deve acontecer de forma criteriosa, observando-se os princípios constitucionalmente assegurados a todos os cidadãos, sobretudo o respeito ao sagrado direito de liberdade [172], garantido não apenas pela Constituição, mas direito reconhecido mundialmente por todos os ordenamentos jurídicos dos países civilizados.

Além de tudo, a Constituição Federal só autoriza a prisão quando advinda de sentença penal condenatória transitada em julgado, ressalvando, ainda, no art 5°, LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando com esse enunciado, o princípio do estado de inocência.

De outro lado, impõe excepcionalmente, o art. 5°, LXI, a prisão processual, enunciando a impossibilidade de prisão, afora os casos de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Portanto, perfeitamente cabível a prisão processual em nosso ordenamento jurídico, desde que em caráter excepcional e motivada por circunstâncias realmente necessárias.

Caso não proceda desta forma, estará a atuação do juiz sujeita ao controle feito por meio do próprio judiciário, mediante a propositura das ações cabíveis: relaxamento, habeas corpus, liberdade provisória. Além da responsabilidade civil pelos danos ocasionados ao lesado.

Dessa forma, o prejudicado com a decretação de uma prisão cautelar, tida como ilegal terá respaldo jurídico para reclamar indenização do Estado, pois, conforme assinala Arnaldo Quirino:

O particular que for vítima dessas outras espécies de prisões ilegais, particularmente as prisões cautelares, não está desamparado, pois ainda assim poderá ser responsabilizado o Estado com base na norma genérica que lhe impõe a obrigação de indenizar, conforme previsão do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Essa assertiva decorre da análise de todo o sistema constitucional vigente; primeiro, porque a própria Constituição Federal no art. 5º, em seu § 2º, informa: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte"; segundo, se a Constituição Federal permite a indenização ao condenado por erro judiciário ou daquele que ficar preso (justificadamente), mas por tempo superior ao marcado pela sentença, deve também permitir a indenização nos demais casos de prisão ilegal (que são situações igualmente graves). [173] (grifo do autor).

Para reforçar o presente entendimento, a Constituição também ampara a indenizabilidade da prisão ilegal com fundamento na regra contida no art. 37, § 6º, que explicita: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa".

Segundo melhor doutrina, o termo "agente", empregado em tal dispositivo abrange a todos que agem em nome do Estado. Até porque já restou comprovado em capítulo anterior que as atividades lesivas desenvolvidas pelo Estado, em qualquer de suas esferas: Executiva, Legislativa e Judiciária implicam a obrigação de reparar o dano.

A legislação portuguesa prevê, para os casos de prisão ilegal, o correspondente dever de indenizar, fazendo-o nos seguintes termos do artigo 27º, número 5, que trata do direito à liberdade e à segurança: "A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer". [174]

Ratificando o enunciado acima exposto, o Código de Processo Penal Português, enuncia no artigo 225, de forma a complementar o preceito constitucional, que:

1. Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade. 2. O dispositivo no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, se a privação da liberdade lhe tiver causado prejuízos anómalos e de particular gravidade. Ressalve-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele erro. [175]

Revela o Direito Português, mediante os dispositivos da sua Constituição e do Código de Processo Penal, plena harmonia com o Direito moderno, ao estabelecer o correspondente dever de indenizar quando o ente jurídico estatal causar prejuízo ao particular com a indevida privação da liberdade.

Quanto ao Direito brasileiro, existe dupla previsão de indenizabilidade presente na Constituição Federal – art. 37, § 6º e o inciso LXXV do art 5º. A respeito do assunto, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Soares Scarance Fernandes se pronunciam da seguinte forma:

Existem, assim, na Constituição vigente duas regras atinentes à responsabilidade objetiva do Estado: uma genérica, que na melhor e mais moderna interpretação abrange o dano decorrente de ato jurisdicional; outra, específica para a reparação dos danos causados por erro judiciário. [176]

Além de tudo dispõe o art. 630 do Código de Processo Penal, no capítulo que trata da revisão criminal que o interessado, uma vez absolvido, terá direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

O mencionado art. 630 do estatuto processual, em verdade mostra-se extremamente limitativo da responsabilidade indenizatória do Estado pelos danos causados com relação ao exercício da jurisdição criminal. Daí porque Rui Stoco afirma:

Não se justifica nos dias atuais o estabelecimento de uma regra específica para o erro judiciário, tal como posto no art. 630 do CPP e no art. 5º da Constituição Federal se já existe uma regra geral, no nível constitucional, estabelecendo a responsabilidade objetiva do Estado, por danos que seus agentes causarem a terceiros (CF/88, art. 37, § 6º). [177]

No que pertine ao assunto, Yussef Said Cahali assim se expressa:

"Tratando-se de prisão definitiva, determinada e cumprida em virtude de sentença condenatória, e desconstituída esta em sede de revisão criminal, é manifesto que a nova Constituição terá simplesmente reafirmado a responsabilidade civil decorrente do erro judiciário estabelecida no art. 630 do CPP". [178]

Vale salientar que mesmo já estando esse direito explicitado no Código de Processo Penal, a Constituição Federal de 1988 alçou a indenização por erro judiciário à condição de garantia fundamental do cidadão, no art. 5º, inciso LXXV, por tal motivo, não mais se justifica a previsão estabelecida no Código de Processo Penal, aplicada apenas a casos restritos. Hoje, a regra contida na Constituição se aplica tanto às prisões indevidas quanto às prisões ilegais.

Conforme entendimento de José de Aguiar Dias, "ordinariamente, considera-se erro judiciário a sentença criminal de condenação injusta. Em sentido mais amplo, a definição alcança, também, a prisão preventiva injustificada". [179]

Na mesma linha de raciocínio, argumenta Rui Stoco: "Nada justifica - hoje - excluir da possibilidade do erro, no sentido genérico a que se refere a Carta Magna, qualquer tipo de prisão, seja definitiva, decorrente de sentença; seja ela, ainda, preventiva, cautelar ou provisória". [180]

Sintetizando todos os argumentos ora expostos, Rui Stoco lembra que o direito a indenização pelo erro judiciário e o excesso de prisão, não constituem casos taxativos que autorizam a responsabilização estatal, muito pelo contrário, o dispositivo contido no art. 5º, LXXV, tem caráter geral, de forma a abranger toda e qualquer espécie de prisão, seja ela advinda de sentença condenatória ou seja providência meramente cautelar, incrementada sobretudo por regra igualmente constitucional que trata da responsabilidade do Estado – art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

Vejamos o que enuncia Rui Stoco sobre o assunto:

O art. 5º, inciso LXXV, impõe ao Estado a obrigação de indenizar o condenado que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Essa prisão indevida não decorre do clássico erro judiciário, nem assim se caracteriza, pois ocorre não em razão da sentença de mérito, mas em função da incorreta execução da pena ou da dessídia dos agentes públicos. Perceba-se que a garantia constitucional abroquelada no inciso LXXV do art. 5º da Magna Carta só se referiu ao erro judiciário e ao excesso de prisão. Do que se infere que, segundo o cânon constitucional, pressupõe-se uma prisão legal e legítima, decorrente de sentença hígida e imperante, mas que se torna ilegítima após alcançado o termo ad quem estabelecido na decisão judicial. Ocorre, pois, a ilegitimidade do exercício da prisão em si. Poder-se-ia então entender que a regra constitucional asseguradora de garantia fundamental é taxativa, em numerus clausus. Não é o que ocorre, porém. Como não se desconhece, porque truísmo, a Carta Magna estabelece princípios e não casuísmos, os quais reserva à legislação infraconstitucional. Desse modo, a prisão indevida, seja qual for, ainda que não se subsuma com perfeição à hipótese enunciada daquele inciso, enseja a reparação. [181]

Os exemplos abaixo expostos se constituem em hipóteses de prisão indevida por erro judicial que também empenham a responsabilidade do Estado, seja por força da garantia insculpida no art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal, seja em razão da regra geral estabelecida no seu art. 37, § 6º. Os exemplos são oferecidos por Rui Stoco e se constituem em casos de prisão indevida, diversos da permanência do condenado na prisão decorrente de sentença condenatória legítima, além do prazo nela estipulado, nos seguintes termos:

... ad exemplum, o indivíduo mantido preso injustamente, sem motivação aparente, ou que tenha sido detido pela autoridade aparente, ou que tenha sido mantido pela autoridade policial, com evidente abuso de poder, ou, ainda, esteve cumprindo pena de outro indivíduo, seu homônimo. A prisão temporária ( Lei 7.960/89), a prisão em flagrante (CPP, art. 301) efetivada por agente público e a prisão preventiva (CPP, art. 312) sem que ocorra a instauração de ação penal, podem, conforme o caso e as circunstâncias, converterem-se em erro judicial, ensejador da prisão indevida. [182] (grifo do autor).

Muito embora não seja pensamento assente na doutrina e jurisprudência, alguns posicionamentos já vêm se firmando no sentido de que o Estado deve indenizar pela prisão ilegal. É o caso das seguintes decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça:

A Constituição da República, em razão da magnitude conferida ao status libertatis (art. 5º, XV), inscreveu no rol dos direitos e garantias individuais regra expressa que obriga o Estado a indenizar o condenado por erro judiciário ou quem permaneceu preso por tempo superior ao fixado na sentença (art. 5º, LXXV), situações essas equivalentes à de quem foi submetido à prisão processual e posteriormente absolvido". [183] (grifo nosso).

Direito Constitucional e Administrativo. Responsabilidade Objetiva. Prisão Ilegal. Danos Morais. 1. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação de seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal. 2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sob o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir. 3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. 4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado. 5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV da CF. 6. Recurso especial provido. [184] (grifo nosso).

Nesse mesmo sentido:

Responsabilidade Civil do Estado. Prisão Preventiva Injusta. Dano Moral. Então, há, no caso, até responsabilidade objetiva da Administração Pública, conforme consagrada teoria do risco administrativo, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre o fato lesivo e o dano, no que o autor se mostrou convincente. [185]

Fornecendo-nos um caso prático, abordando a prisão temporária e comparando-a com a antiga prisão para averiguação, Willian Silva lembra que não há diferença substancial entre ambas, constituindo-se a prisão temporária em uma medida esdrúxula. Para enfatizar, oferece o seguinte exemplo:

Suponha-se que Tício seja a última pessoa a ter estado com a vítima Mévio, com quem discutira. Mévio é encontrado morto horas depois e sem os pertences, levando a crer ter sido vítima de um latrocínio. É intuitivo que não se terá qualquer dificuldade para decretação da temporária. Preso, seviciado e desmoralizado, é solto dias após, quando a polícia colhe a confissão do verdadeiro autor. Houve erro na decretação da temporária? Acredito que não. Há indenização pelos danos, por parte do Estado? É óbvio que sim, isso porque, para decretação de toda e qualquer prisão provisória aliada ao binômio necessidade e utilidade, surge por parte do Estado a assunção da responsabilidade por danos". [186]

O citado trecho de Willian Silva nos oferece um exemplo claro de responsabilidade do Estado, em que o mesmo deve compor os danos morais e materiais causados ao indivíduo pela atuação do Poder Judiciário, fato que não se enquadra literalmente na previsão constitucional da indenizabilidade pela prisão indevida, mas que merece a reparabilidade ao prejudicado.

Agapito Machado esclarece que:

A restrição da liberdade individual, mormente antes de um pronunciamento condenatório definitivo do Poder Judiciário, há de se fundar na necessidade objetivamente demonstrada, o que vale dizer, é providência de cunho cautelar de muita responsabilidade do Magistrado. [187]

Emerge claro de tudo quanto acima foi explanado que a privação da liberdade física, por representar medida de restrição a direito fundamental, deve ser providência tomada cum granu salis, sob pena de configurar constrangimento ilegal, gerando para o Estado a obrigação de reparar o dano causado ao prejudicado.

2. Os Fundamentos da Responsabilidade do Estado Face à Prisão Ilegal.

Convém inicialmente lembrar, mais uma vez que a liberdade por ser considerada como direito da personalidade, juntamente com o direito à vida, à privacidade, igualdade e outros, mereceu, por parte da atual Constituição Federal de 1988, atenção especial no art. 5º, caput que prevê a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Garantindo em caso de violação a esses direitos, a indenização pelos danos morais e materiais, senão vejamos: "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem" (art. 5º, V); estabelecendo ainda que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, X).

Essa liberdade pessoal, hoje tutelada através da garantia ao direito de locomoção, antes de ser reconhecida como um direito institucionalizado, já se apresentava como direito natural do homem, acostumado a viver livremente, exercitando suas vontades. Contudo, a vida societária impôs regras de convivência, limitando o direito de liberdade, com o intuito de manter a paz e o equilíbrio social. Essa limitação imposta se fez necessária em face de comportamentos desmedidos de determinados membros da comunidade que geram perturbações e ameaçam o ordenamento vigente, merecendo repulsa e controle para que a desordem não reine.

Nos dias atuais, o limite ao exercício da liberdade pessoal é imposto pelo ordenamento jurídico, tornando legítima a ação do Estado sempre que for necessário atuar no sentido de restringir a liberdade pessoal, com a finalidade de manter a ordem pública e zelar pelo interesse de toda a sociedade. Dessa forma, quando o Estado restringe a liberdade pessoal, mais particularmente, efetuando prisões, o faz em nome da coletividade, daí porque deve atuar criteriosamente, obedecendo aos princípios e regras vigentes, legitimando sua atitude. Caso contrário, agindo com abusos e arbitrariedades, deve ser responsabilizado, cumprindo com o dever de reparar para que o indivíduo se sinta compensado.

Este é o pensamento de Yussef Said Cahali:

Em verdade, impõe-se ao Estado de Direito o reforço da garantia dos direitos individuais do cidadão, devendo ser proibida a prática de qualquer restrição injusta à liberdade individual, decorrente de ato abusivo da autoridade judiciária, e fazendo resultar dela a responsabilidade do Estado pelos danos causados. [188]

A Constituição além de garantir o direito à liberdade de locomoção como corolário da liberdade pessoal, previu expressamente a obrigação do Estado de indenizar o condenado por erro judiciário, e o que ficar preso além do tempo fixado na sentença – prisão indevida. Remanescendo a discussão, atualmente, apenas acerca da responsabilidade civil do Estado nos vários tipos de prisão provisória.

Mesmo diante da imprecisão da lei maior em alguns aspectos sobre o tema, entendemos que o direito brasileiro assegura amplamente a indenização nos casos de prisão ilegal, pois a liberdade pessoal goza de total proteção da Constituição Federal, que previu a possibilidade de indenização por danos morais e patrimoniais em que sejam lesados referidos direitos. Dessa forma, o poder que tem o Estado de restringir a liberdade pessoal, via prisão, não é absoluto e caso esse poder seja utilizado sem a observância das normas previstas, o ente estatal ficará obrigado a indenizar os danos causados ao particular.

Não entendemos ser apenas a prisão advinda de sentença penal condenatória o fato gerador do direito de indenização por parte do Estado, mas abrange, da mesma forma, as prisões processuais ou cautelares. [189] Conclusão que em meio as considerações já feitas, restou demonstrado nosso claro posicionamento.

Este raciocínio é válido e se adequada aos princípios emanados do Estado Democrático de Direito, mais precisamente quando elevado à categoria de norma constitucional, pois é através dela que a lei passa a regular interesses individuais e coletivos, imprimindo resguardo e proteção aos sujeitos passivos de atos lesivos praticados pelo Estado, afastando um favoritismo que em tempos passados assistia ao ente Estatal.

Seria um contra-senso, se o Estado criado para manter a paz e servir a sociedade, dotando-a de condições estruturais para uma plena e harmoniosa convivência dos seus membros, não pudesse ser responsabilizado, quando do desempenho de atividades causadoras de prejuízos ou danos a um de seus membros. Essa assertiva decorre do fato de que o Estado, enquanto ente jurídico tem a obrigação de arcar com os prejuízos causados por sua indevida atuação e o amparo para tal afirmativa reside no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais.

Abordando tal princípio, Josivaldo Félix de Oliveira observa o seguinte:

... sempre que a Administração Pública, em decorrência de sua atividade em favor do interesse público – interesse primário – sacrificar direitos particulares – interesse secundário – resultando sacrifício especial e anormal, ficará obrigada a indenizar diante da observância do princípio da igualdade da repartição dos encargos. [190]

Consoante registramos linhas atrás, que por força do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais, compete ao Estado, em razão de sua atuação, regular ou irregular, indenizar os prejuízos ou danos causados aos particulares. Esse é um dos principais fundamentos que impõe ao ente estatal, em qualquer de suas esferas – Executiva, Legislativa e Judiciária, o dever de compensar, assim como é dada ao particular a obrigação de suportar a responsabilidade em face de uma conduta ilícita, cabendo igualmente ao Estado o mesmo dever.

Em se tratando, especialmente da responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal, a decorrente obrigação de indenizar representa um reforço à garantia dos direitos individuais e se estabelece em função da própria norma constitucional, que impõe ao Estado a obrigação de reparar os danos provocados à vítima, em virtude de sua indevida atuação. Sobre a imperatividade da norma constitucional que obriga o Estado a indenizar, Luiz Antônio Soares Hentz enfatiza que:

... a sua positivação teve por fundamento o respeito à liberdade individual. O encargo que assume o cofre público com a indenização por indevida supressão desta é que faz presumir a igualdade de todos, pois a recomposição patrimonial do lesado é obtida com dinheiro de impostos, indistintamente arrecadado. Mas a responsabilidade pública, essa, decorre da lei. [191]

A respeito desse conjunto de normas que fornecem o suporte para se aferir a responsabilidade estatal, vale ressaltar, inicialmente aquelas que conservam o caráter constitucional, bem como os pactos internacionais ratificados pelo Brasil que abordam o tema, e por último, outras normas infraconstitucionais relacionadas à prisão e ao dever de indenizar. Vejamos, então, quais seriam esses regramentos que servem de fundamentos a amparar a indenização por prisão ilegal.

A primeira regra jurídica do Direito brasileiro que pode ser citada reconhecendo a responsabilidade do Estado é a constante do art. 5º, LXXV, da Constituição Federal. Como já analisado em capítulo anterior, o citado dispositivo prevê, de forma clara e explícita a responsabilidade do Estado, em se tratando de prisão indevida que se constitui na prisão originada do erro judiciário e a que excede o tempo de cumprimento de pena demarcado em sentença condenatória.

A razão que levou o constituinte a estabelecer a indenização por prisão indevida é a mesma razão que justifica a indenização por prisão ilegal, tendo em vista que ambas as prisões despojam o indivíduo de sua liberdade física, restringindo o direito que o Estado outorga ao cidadão, que vem a ser o status libertatis, decorrência do status civitatis, não havendo motivo para excluir do direito à reparação, a prisão ilegal. Ademais, se há garantia para aquele que foi condenado indevidamente, chegando a cumprir pena, mediante regular processo, imagine quem sequer foi sentenciado e permanece preso ilegalmente, em alguns casos sem instauração de processo ou mesmo inquérito policial. Com certeza, o legislador não iria excluir tal possibilidade que assim como a prisão indevida afronta o sagrado direito de liberdade.

Nesse sentido é a orientação de Luiz Antônio Soares Hentz:

O legislador constituinte, à evidência, não tinha em mente, ao introduzir garantia de indenização da prisão indevida no direito constitucional, eliminar a prisão não prevista em sentença do mundo jurídico. A bem da verdade, depreende-se que nem levou em conta a possibilidade da custódia cautelar, embora tratasse também, em outro momento, da prisão preventiva (inciso LXVI do art. 5º). O legislador, enfim, não se imiscuiu no problema da responsabilidade do cidadão perante os direitos que lhe outorgava. Não fez porque o formalismo dos trabalhos de elaboração do texto exigia enunciados breves e de conteúdo preciso no sentido proclamado no caput: fornecer o elenco dos direitos e garantias fundamentais. [192] (grifo do autor).

Comparando as conseqüências da prisão ilegal com a prisão indevida, Yussef Cahali assinala o seguinte:

Com efeito, não se compreenderia que, sendo injusta a prisão no que exceder o prazo fixado na sentença condenatória, seja menos injusta a prisão do réu que nela é mantido se ao final vem a ser julgada improcedente a denúncia pela sentença absolutória; aliás, do mesmo modo que alguém é recolhido à prisão, e não liberado de imediato, em razão de equívoco da autoridade por erro de identificação ou homonia, o que já vinha do direito anterior. Parece razoável, assim, entender-se que o dispositivo constitucional (art. 5º, LXXV) teria dito menos do que se pretendeu dizer... [193]

Seria um contra senso admitir que o art. 5º, LXXV, mediante pura interpretação gramatical teria aplicação tão somente à prisão além do tempo fixado na sentença e a advinda do erro judiciário. Em face desse entendimento restrito e das discordâncias geradas é que existe na doutrina, posicionamento no sentido de que lei infraconstitucional possa por termo de vez às dúvidas, solucionando o problema. Esse é o posicionamento de Luiz Antônio Soares Hentz, para quem o citado inciso do art. 5º, deve ser regulamentado, mediante legislação ordinária, especificando, inclusive, como prisão indevida, a que exceder o tempo fixado em sentença e a prisão antecipada. A regulamentação prevê ainda, o direito a indenização por danos morais e materiais, bem como o critério para avaliação dos danos morais.

O certo é que uma lei regulamentando o assunto serviria para espancar todas as dúvidas e evitar interpretações contrárias.

Sem embargo ao que foi apresentado, preferimos atribuir ao dispositivo constitucional em comento, o caráter de norma auto-aplicável que dispensa regulamentação, por entender que a norma constitucional apresenta força normativa própria, motivadora o suficiente para ser aplicada de maneira satisfatória, surtindo todos os efeitos se coerentemente interpretada, pois como enuncia Konrad Hesse:

A interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwiriklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça delas tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. [194] (grifo do autor).

Dessa forma, deve-se extrair da Constituição a máxima eficácia possível, inclusive quando se trata de problema concreto a ser solucionado, tendo presente também que a norma constitucional não deve ser vista isoladamente, mas na totalidade do contexto em que está inserida, evitando, assim, contradições. Por fim deve-se atentar sobretudo para a razão que levou o legislador a formular a norma, a exemplo da responsabilidade do Estado, não há base para excluir do direito à reparação, a prisão ilegal, pois se há indenização em virtude de erro em sentença condenatória, haverá também em conseqüência de prisão ilegal.

O presente raciocínio é coerente, tendo em vista que a Carta Magna estipula inúmeras disposições garantidoras do direito de liberdade, conforme tivemos a oportunidade de abordar ao longo desse trabalho, valendo salientar que esses dispositivos revelam eficácia imediata e por se tratar de garantia fundamental é que a violação ao direito de liberdade e a conseqüente indenização deve ser interpretada de maneira extensiva, de forma a incluir a prisão ilegal, tendo em vista o resguardo à liberdade da pessoa. Ademais, constitui posição bem definida no ordenamento jurídico que a garantia dos direitos individuais deve ser interpretada de forma ampliativa em benefício da liberdade, sobretudo quando gera entendimento duvidoso. Já em sentido oposto – quando há norma que restrinja a liberdade, deve ser ela interpretada com restrição.

A segunda regra que fundamenta a responsabilidade do Estado por prisão ilegal, no direito brasileiro, é a do art. 37, § 6º, que enuncia serem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responsáveis pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros. Essa norma não se encontra isolada no texto constitucional, vindo a calhar com o disposto no art. 5º, LXXV, que por sua vez, conserva a natureza de direito fundamental, se constituindo ambas, a um só tempo em dever do Estado e garantia do cidadão.

Consoante se depreende da leitura do dispositivo constitucional citado acima, fica claro que a Administração Pública tem o dever de indenizar o prejudicado pela sua indevida atuação, mormente com a decretação da prisão ilegal.

Nessa esteira de pensamento, a doutrina vem considerando, com amparo na Constituição, que qualquer violação aos direitos da personalidade, impõe ao ofensor a obrigação de indenizar o prejudicado por danos morais, mesmo não constatada a existência de danos materiais. Com relação ao Estado não poderia ser diferente. A conjugação das normas se dá com a aplicação do art. 5º LXXV, que tutela o direito à liberdade individual, enquanto direito da personalidade e com a obrigação imposta ao Estado, em virtude da aplicação do art. 37, § 6º, da Constituição, de indenizar os danos morais e patrimoniais advindos da prisão ilegal.

Desse modo, a prisão indevida, seja qual for, ainda que não se subsuma com perfeição à hipótese enunciada no inciso LXXV, do art 5º, da Constituição Federal, como é o caso da prisão ilegal, enseja a devida reparação do Estado, em face da norma de caráter geral estatuída no art. 37, § 6º, da Constituição, que obriga o Estado a indenizar em virtude da atuação de qualquer um dos seus poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

A prisão ilegal, bem como a indenizabilidade por parte do Estado é também tema constante dos pactos internacionais ratificados pelo Brasil, especialmente o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto de San José da Costa Rica. Por esse motivo entendemos pertinente nos ater a eles, cuja força vinculante, no plano interno, tornou-se indiscutível.

A Constituição Federal acolhe os pactos internacionais quando dispõe em seu art. 5º, § 2º que: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Os dois tratados mencionados acima, tem por fundamento a proteção da dignidade da pessoa humana, e nessa condição, apresentam hierarquia de norma constitucional. Acerca do tema Ana Carla Pinheiro Freitas afirma que:

... na sistemática brasileira, existem dois regimes aplicáveis aos tratados: um, aplicável aos tratados de Direitos Humanos, e outro, aplicável aos demais tratados. Assim sendo, a partir do ato de ratificação os tratados que cuidam de Direitos Humanos passariam de imediato – art. 5º § 1º da Constituição Federal de 1988 – a integrar a ordem jurídica interna, ao contrário das demais espécies de tratados, que necessitam obedecer a um procedimento determinado, para que passem a constituir norma interna. O art. 5º § 2º da Constituição Brasileira de 1988 determina que os direitos que tenham a mesma natureza dos Direitos Fundamentais – inseridos nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte passem a integrar o seu bojo. Segundo o art. 84, III da nossa Constituição vigente é da competência do Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais. Assim sendo, o Presidente da República celebra um tratado quando com ele consente, tomando este consentimento forma de "ratificação". Cremos que a partir dessa ratificação, seguida do referendo do Congresso Nacional – segunda parte do art. 84, III -, os tratados de Direitos Humanos passam a integrar o ordenamento jurídico interno. Já os tratados em geral necessitam passar por procedimento legislativo mais complexo – próprio daquele utilizado para aprovação de leis ordinárias -, para que passe a integrar o ordenamento jurídico interno. [195] (grifo da autora).

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Resolução nº 2.200-A da XXI Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, em 16 de dezembro de 1966. [196] Aprovado pelo Decreto Legislativo nº 266, de 12.12.91, foi promulgado pelo Presidente da República através do decreto nº 592, de 6.7.92, onde se encontra transcrito.

Várias das disposições presentes no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dizem respeito ao status libertatis do cidadão, corroborando com dispositivos já presentes no texto da Constituição Federal brasileira, e em outras ocasiões ampliando e tornando mais explícitos alguns de seus artigos.

Acerca do direito de liberdade, bem como à sua restrição mediante a decretação de prisões, vejamos algumas disposições desse diploma internacional que se encontra transcrito no Decreto nº 592/92:

Art. 9º:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.

3.... A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegal terá direito a reparação.

Art. 14:

6. Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou quando um indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a inexistência de erro judicial, a pessoa que sofreu a pena decorrente dessa condenação deverá ser indenizada, de acordo com a lei, a menos que fique provado que se lhe pode imputar, total ou parcialmente, a não-revelação do fato desconhecido em tempo útil. [197] (grifo nosso).

Os direitos previstos nos citados artigos, demonstram de forma clara, que o pacto internacional em comento, no primeiro dispositivo citado, vedou o encarceramento arbitrário, garantindo a estrita legalidade na adoção de medidas constritivas da liberdade, bem como ressaltou de maneira enfática que só haverá privação da liberdade quando verificados os motivos autorizados em lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos. Desta feita, se conclui que decretada qualquer prisão sem as cautelas e requisitos estabelecidos em lei, a prisão será tida como ilegal.

Reforça ainda que a prisão preventiva deve funcionar como exceção, dando proteção mais uma vez ao direito de liberdade que deve constituir a regra geral, ampliando o texto constitucional e impondo limites ao legislador ordinário. O estatuto internacional foi mais além e previu a reparação para qualquer espécie de prisão ilegal, além da indenização por erro judicial.

Nesse sentido, preleciona Roberto Delmanto Júnior:

Ao passo que nossa Lei Maior fala em indenização somente em virtude do erro judiciário, ou de restar preso por tempo além daquele fixado em sentença (art. 5º, LXXV), o diploma internacional avança mais: expressamente determina a reparação para qualquer prisão ou encarceramento ilegal (art. 9º, 5), não obstante também faça referência, em outro artigo, à indenização por erro judiciário (art. 14, 6). [198]

Como percebido, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos revela grande importância sobretudo para o Direito Processual Penal e, recepcionado pela atual Constituição de 1988, impõe interpretação mais ampla para alguns de seus dispositivos, a exemplo do art. 5º, LXXV, bem como o questionamento e a releitura de vários preceitos encontrados na legislação ordinária.

A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, por seu turno, foi adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, naquela cidade em 22 de novembro de 1969. [199] Internamente, foi ela "aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 27, de 25.9.92, tendo o Brasil depositado sua Carta de Adesão, em 25.9.92, determinando-se seu fiel cumprimento por via do decreto nº 678, de 6.11.92.

Esse diploma, também informa vários direitos de caráter fundamental relacionado ao direito de liberdade, trazendo disposições semelhantes àquelas do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Vejamos algumas disposições relativas ao direito de liberdade do cidadão e à prisão constantes nesse pacto internacional:

Art. 7 – Direito à liberdade pessoal:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.

2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas do Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.

3. Ninguém pode ser submetido à detenção ou encarceramento arbitrários.

Art. 10 – Direito à indenização:

Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário. [200]

As citadas disposições refletem a preocupação que tem a comunidade internacional em garantir o direito de liberdade, foi o que restou demonstrado com a transcrição acima feita. O pacto ao reafirmar o direito de liberdade, demonstrou repúdio aos encarceramentos arbitrários, dando relevo a estrita legalidade na privação da liberdade física, afirmando que a decretação de prisões deve obedecer à condições previamente fixadas pelas Constituições do Estados-Partes.

Contudo, é de se salientar que o Pacto de San José da Costa Rica avançou menos que o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, na questão referente à indenização por prisão ilegal. como enfatiza Roberto Delmanto Júnior:

... o Pacto de San José da Costa Rica não repete importantes preceitos estabelecidos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, como o de que a prisão preventiva não pode ser tida como regra geral (art. 9º, 3, última parte); de que há o direito à reparação não somente por erro judiciário, mas também por qualquer prisão ilegal (art. 9º, 5)... [201]

Além dos dispositivos constitucionais e dos pactos de caráter internacional ratificados pelo Brasil, convém lembrar da legislação infraconstitucional que de certa forma se liga ao tema da indenização por prisão ilegal.

O Código de Processo Penal através de seu art. 630, § 1º fixou os casos de responsabilidade da União ou dos Estados quando absolvido o réu em sede de revisão criminal.

Estabeleceu em seu § 2º, as hipóteses em que a indenização não pode ser devida, enumerando, que ocorrem, primeiramente quando - o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão e a ocultação de prova em seu poder; segundo – se a acusação houver sido meramente privada.

Com relação ao primeiro caso, a sua aplicação para a maioria dos doutrinadores é admissível, não obstante o posicionamento de Fernando da Costa Tourinho Filho que mantém a mesma opinião, mas faz algumas ponderações. [202] Em se tratando da hipótese seguinte, não há mais razão de subsistir, em face do que dispõe o art. 5º, LXXV da atual Constituição que tornou incondicional a indenização por erro judiciário, não fazendo qualquer restrição ao fato de ter o erro ocorrido em ação de iniciativa privada, revogando o § 2º do Código de Processo Penal.

Mário Moacir Porto assevera ter havido um equívoco no art. 630, § 2º, b, do CPP, ao estabelecer que a indenização não será devida se a acusação houver sido meramente privada. O citado autor assim se expressa: "Ora, quem julga é o juiz, é o Estado, pouco importando que a ação tenha sido instaurada pelo Ministério Público ou queixa privada". [203]

Cabe registrar por fim que nos dias atuais, se estabelecer uma regra específica para a indenizabilidade do erro judiciário, como a prevista no Código de Processo Penal, no capítulo que trata da revisão criminal, não mais se justifica, tendo em vista a existência de uma regra de caráter geral – art. 37, § 6º, ao nível constitucional demarcando a responsabilidade objetiva do Estado, por danos que seus agentes causarem a terceiros. Além de tudo, o preceito contido no art. 630 do estatuto processual penal, mostra-se extremamente limitativo da responsabilidade indenizatória do Estado, até porque restringe a responsabilidade indenizatória à revisão criminal, fato contestado por Yussef Said Cahali, ao enunciar que:

... a ausência de pedido incidente na revisão criminal, ou mesmo a própria existência de uma prévia revisão criminal, jamais constituiu óbice para o exercício da ação indenizatória por erro judiciário. Assim, antiga jurisprudência já reconhecia que "o inocente, condenado por crime que não cometeu, ou não praticou, tem direito de reclamar em sua reabilitação, no processo de revisão, indenização por perdas e danos, relativos aos prejuízos materiais ou morais que sofreu – mormente se cumpriu a pena. O CPP, em seu art. 630, faculta ao interessado requerer ao Tribunal que reconheça o seu direito à indenização. Entretanto, quando não for feita essa reclamação no tempo próprio, o interessado não decai do direito de exigir a indenização em ação ordinária. [204]

Nesse mesmo contexto, vale lembrar outra norma ordinária do Direito brasileiro que prevê os casos de abuso de autoridade, o que, consoante Cahali, [205] constitui fonte de responsabilidade civil pela reparação do dano. Esclarece o art. 3º, da Lei 4.898/65, que constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção. E na mesma esteira de raciocínio, prescreve o art. 4º, que caracteriza também o abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;... c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer se proponha a prestar fiança, permitida em lei. O art. 6º, § 2º, da mesma lei, esclarece que na ocorrência do abuso de autoridade, seu autor ficará sujeito à sanção civil reparatória, caso não seja possível fixar o valor do dano, a sanção consistirá no pagamento de uma indenização fixada no texto legal.

Do exposto se infere que a prisão ilegal, atentando à liberdade de larga ocorrência, infringe inúmeros dispositivos constitucionais e legais, sendo certo que a indenização surge com o fim de proteger a vítima, garantindo-lhe a reparação pelo ato ilegal praticado por agentes públicos.

A correta interpretação dos dispositivos acima alinhados, especialmente os de caráter constitucional, [206] é que nos permite chegar à conclusão de que ao Estado compete a obrigação de reparar os danos causados pela prisão ilegal. Não obstante o posicionamento da atual jurisprudência brasileira, que insiste em se manter conservadora, continuando a defender a irresponsabilidade do Estado quando se trata da atuação dos membros do Poder Judiciário e em espacial quando diz respeito à prisão ilegal.

Cremos que a manutenção dessa idéia se deve ao fato de não se interpretar como deveria a norma constitucional, se constituindo, a oposição da responsabilidade estatal por prisão ilegal num problema também de hermenêutica, tendo em vista que tal raciocínio fere a ordem constitucional vigente e os princípios dela decorrentes.

A prisão ilegal viola a Constituição Federal quando esta garante o direito à liberdade (caput do art. 5º) e informa no inciso X do mesmo artigo que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Evidente que além da ilegalidade e da lesão ao status libertatis e dignitatis do cidadão, decorrente do ato praticado, subsistem, em virtude do atual sistema penitenciário, riscos de maior gravidade que expõem o ofendido a toda sorte, atingindo até mesmo a sua integridade física e mental.

Por esses motivos, é que convém, por último, tecer algumas considerações acerca do problema interpretativo, já que este possui relevância fundamental para se aquilatar a responsabilidade em se tratando de decretação de prisões ilegais.

Falando sobre o homem e a sua capacidade (necessidade) de interpretação, Raimundo Bezerra Falcão afirma que: "Não há razão sem capacidade de interpretar. E não há comprovação possível para a existência da capacidade de interpretar sem o ato de interpretar. Logo não há razão sem interpretação... ". [207]

Desse enunciado se conclui que o ato de interpretar é necessário à vida do homem, ademais quando se trata de solucionar aspectos particulares relacionados ao mundo do Direito. No caso in tela, convém abordar as diversas formas de interpretação para se alcançar verdadeiramente a essência da norma constitucional que impõe ao Estado o dever de indenizar pela prisão ilegal. Lenio Luiz Streck afirma com muita propriedade que: "... no âmbito da dogmática jurídica, os métodos interpretativos ou técnicas de interpretação são definidos como instrumentos/mecanismos rigorosos, eficientes e necessários para o alcance do conhecimento científico do direito". [208]

Utilizando-se da interpretação, buscaremos com base nos distintos métodos e técnicas alcançar o verdadeiro sentido da norma

Não adianta aplicar uma interpretação unicamente literal ao art. 5º, LXXV, da Constituição Federal e chegar à conclusão de que a indenização por parte do Estado só é devida quando se tratar de prisão advinda de erro judiciário ou em virtude de prisão que excede o tempo de pena fixada em sentença condenatória, deixando de lado a prisão ilegal. Aqueles que dão valor absoluto à letra da lei, independentemente do significado contextual e dos resultados com base na realidade, cometem um grande pecado, por achar que a melhor interpretação é aquela que revela o que já está resolvido na clareza das palavras, ainda que o resultado seja absurdo. É o que acontece com os defensores da irresponsabilidade Estatal por prisão ilegal.

Sobre a interpretação literal, pondera Carlos Maximiliano:

Entretanto, o maior perigo, fonte perene de erros, acha-se no extremo oposto, no apego às palavras. Atenda-se à letra do dispositivo, porém com a maior cautela e justo receio de sacrificar as realidades morais, econômicas, sociais que constituem o fundo material e como o conteúdo efetivo da vida jurídica, a sinais, puramente lógicos, que da mesma não revelam um aspecto, de todo formal. Cumpre tirar da fórmula tudo que na mesma se contém, implícita e explicitamente, o que, em regra, só é possível alcançar com experimentar os vários recursos da Hermenêutica. [209]

Nessa mesma linha de raciocínio argumenta Luís Roberto Barroso:

A interpretação gramatical é o momento inicial do processo interpretativo. O texto da lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete. (...) De regra, todavia, correrá risco o intérprete que estancar sua linha de raciocínio na interpretação literal. Embora o espírito da norma deva ser pesquisado a partir de sua letra, cumpre evitar o excesso de apego ao texto, que pode conduzir à injustiça, à fraude e até ao ridículo. [210]

Não estamos descartando a interpretação literal, convém apenas dizer que, nessas circunstâncias, não deve ela encerrar todo o conteúdo da norma, até porque essa forma de interpretação constitui, consoante Barroso, o início de toda interpretação, devendo ela ser vista apenas como um dos meios e não o fim, encerrando a lógica do texto. Além da abordagem gramatical, é fundamental a leitura sistêmica dos dispositivos constitucionais, pois há, nessas normas uma unidade jurídica que obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os vários dispositivos, pontos de aparente tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar.

A interpretação sistemática permite chegar à conclusão, a qual nos propomos ao longo do trabalho – comprovar que tem o Estado, a obrigação de indenizar pela prisão ilegal. A Constituição Federal e não somente ela, mas também os pactos internacionais, têm atribuído à liberdade individual, um dos maiores valores que o indivíduo pode ter, daí porque a sua restrição só pode ser admitida na proporção estritamente indispensável à manutenção da própria ordem estatal.

Em face disso, é que a Constituição de 1988, outorgou ao cidadão várias garantias, inclusive com natureza de direito fundamental, como o princípio da presunção de inocência, do devido processo legal, e o da indenizabilidade por violação à vida privada e ao direito de liberdade. Assegurou, ainda, em norma de caráter geral que o Estado, mediante a atuação de seus agentes, ao causar prejuízos a terceiros tem o dever de indenizar. Por todo esse conjunto, é que, mais uma vez, reafirmamos que a Constituição Federal, na sua inteireza, previu a indenização por prisão ilegal, posto que o art. 37, § 6º, está em consonância com as demais regras de tutela e proteção ao direito de liberdade, não podendo o art. 5º, LXXV da Constituição ser interpretado de forma aleatória, em desarmonia com os demais dispositivos legais, como se fosse norma desgarrada ou odiosamente de exceção que excluísse o direito de indenização ao cidadão que sofreu numa prisão (decretada ilegalmente) todas as agruras igualmente sofridas por quem foi vítima de erro judiciário ou quem excedeu o tempo de pena estipulado em sentença. Tudo isso por carecer o dispositivo em apreço da expressão prisão ilegal. (grifo nosso).

É um absurdo pensar dessa forma, sem buscar o espírito e a finalidade da lei. O razoável nesse caso, é optar pelo sentido mais coerente e que transpareça o senso de justiça. Abordando a Hermenêutica como guia de escolha do bom sentido, Raimundo Bezerra Falcão enuncia que: "... a opção pelo sentido pode, em muitos casos, implicar a opção pela justiça, indispensável à convivência e à afirmação da grandeza do ser humano, bem como à própria justificação do Direito". [211]

Com o fim de melhor interpretar os dispositivos jurídicos abordados ao longo desse capítulo, faremos uso de alguns brocardos em hermenêutica mencionados para expressar nossas convicções acerca do assunto – prisão ilegal e responsabilidade do Estado.

Os casos idênticos regem-se por disposições idênticas – O fundamento constitucional que autoriza o Estado a indenizar o prejudicado pela prisão indevida – erro judiciário e excesso de prisão, não advém apenas do preceito contido no art. 5º, LXXV, mas do art. 5º, X e art. 37, § 6º, da Constituição. O primeiro artigo é de caráter geral, devendo ser aplicado a todos os casos em que haja ataque à honra, [212] à vida privada e à imagem das pessoas. A prisão ilegal se constitui em uma ofensa violenta à honra, imagem e vida privada do cidadão que sofre agruras e se submete antecipadamente, sem que exista sentença condenatória, à opinião pública. A integração desses dispositivos tem por fim garantir ao cidadão, o resguardo dos seus direitos, sobretudo quando o Estado atuar causando prejuízos. Além do que essas normas devem ser interpretadas de forma a preservar o princípio da unidade da Constituição, mantendo a interdependência entre os vários dispositivos, não se podendo limitar unilateralmente a interpretação de cada um. Desta feita, constatada a identidade dos casos, deve-se aplicar dispositivos idênticos, consoante estabelece o brocardo acima.

Onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito - Esse brocardo vem a calhar perfeitamente com a nossa posição acerca do tema. A razão que levou o constituinte a erigir à categoria de direito fundamental a indenizabilidade pela prisão indevida, foi justamente a idéia de dor, sofrimento, angústia que sente o ofendido em permanecer preso em virtude de prisão que excedeu o prazo de sua duração ou aquela advinda de erro judiciário. Razão diversa não poderia ser a que fundamenta a responsabilidade da prisão ilegal, ainda mais porque sequer houve sentença condenatória e entre nós, vige o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII), bem como o do devido processo legal (art. 5º, LVI). Tratamento diferente, com o cultivo da idéia de que a prisão ilegal é menos injusta que a prisão indevida, nos parece um argumento pouco razoável. A respeito desse brocardo, Raimundo Bezerra Falcão leciona que: "Se existe a mesma razão fundamental, não seria justo aplicar-se regra jurídica diferente. (...) Razão fundamental é noção que tem haver também com as bases íntimas do raciocinar, e não apenas com as razões fáticas ou casuísticas". [213]

O que é especial, acha-se incluído no geral – Dessa forma, o princípio consagrado no art. 37, § 6º, da Constituição, que trata da responsabilização do Estado por ato de seus agentes, envolve todas as suas funções – Executivo, Legislativo e Judiciário, sem estabelecimento de exceção alguma, apresentando-se como norma de caráter geral, não deixando imune os atos jurisdicionais [214], muito menos quando se trata de prisões ilegais. As únicas exigências feitas para se responsabilizar o ente estatal, dizem respeito à presença dos elementos necessários, quais sejam: existência de ato comissivo ou omissivo praticado por agente público, dano e nexo de causalidade. Vale lembrar ainda que o conteúdo dessa norma constitucional não pode ser alterado por preceitos contidos nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, sob pena de inconstitucionalidade. Dessa forma, a regra contida no art. 37, § 6º, da Constituição por ser genérica, abrange outras disposições que tratam da atuação de entes estatais quando provocam prejuízos a terceiros, funcionando a ilegalidade da prisão e a decorrente indenização, como preceito de caráter especial, estando contida na norma mais ampla acima citada.

Saliente-se ainda que, não obstante a explanação anteriormente levada a efeito, a inadmissão da responsabilidade estatal por prisão ilegal não decorre tão somente da questão hermenêutica, mas como enuncia Marcelo Sampaio Siqueira: "... da negação à existência de princípios constitucionais, que valoram as normas existentes no ordenamento jurídico". [215]

Esse fato, de certa forma já restou demonstrado ao longo do trabalho quando informamos os princípios constitucionais que regem a matéria, fundamentando a responsabilidade do Estado pela prisão ilegal.

A moderna concepção do Estado Democrático de Direito está centrada na normatividade dos princípios, onde há uma valoração pública dos direitos fundamentais. Abordando a força que tem os princípios, Bobbio explica: "A palavra princípio leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras". [216]

Sobre o tema, Germana de Oliveira Moraes faz os seguintes comentários:

Com o pós-positivismo, dominante no constitucionalismo deste final de século XX, reconhece-se, além da normatividade dos princípios, a hegemonia normativa dos princípios em relação às regras. Deve-se, sobretudo à teoria de Ronald Dworkin, jurista de Havard, nos Estados Unidos, e ao jurista alemão Robert Alexy, o reconhecimento da normatividade dos princípios, e mais do que isso, o tratamento dos princípios gerais do Direito. No constitucionalismo contemporâneo, predomina o entendimento de que os princípios são normas jurídicas. [217]

Aprofundando na análise, podemos afirmar com Paulo Bonavides que os princípios se constituem, juntamente com as regras, em espécie de norma, nos seguintes termos:

São momentos culminantes de uma reviravolta na região da doutrina, de que resultam para a compreensão dos princípios jurídicos importantes mudanças e variações acerca do entendimento de sua natureza: admitidos definitivamente por normas, são normas-valores com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos; e por isso mesmo providos, nos sistemas jurídicos, do mais alto peso, por constituírem a norma de eficácia suprema. Essa norma não pode deixar de ser o princípio. Mas aqui fica para trás, já de todo anacrônica, a dualidade, ou, mais precisamente, o confronto princípio versus norma, uma vez que pelo novo discurso metodológico a norma é conceitualmente elevada à categoria de gênero, do qual as espécies vêm a ser o princípio e a regra. [218]

Nesse contexto, podemos enunciar que o direito se expressa não apenas por meio de normas-regras, mas sobretudo pelos princípios, que por sua vez se definem como uma espécie de norma que integra o ordenamento, possuindo caráter universal, ao mesmo tempo em que prescreve valores que são aceitos pela comunidade, adquirindo validade jurídica.

Diante desse elemento, convém nesse momento estabelecer a diferença entre normas que são regras, das normas que são princípios. Para Willis Santiago Guerra Filho:

Uma das características que melhor distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. [219]

JJ. Gomes Canotilho, apresenta alguns critérios para que se possa estabelecer a diferença entre normas e princípios, são eles:

a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida.

b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador do juiz), enquanto as regras são suceptíveis de aplicação directa.

c) Caracter de fundamentabilidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito).

d) "Proximidade" da idéia de direito: os princípios são "standars" juridicamente vinculantes radicados nas exigências de "justiça" (Dworkin) ou na "idéia de direito" (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.

f) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, normogenética fundamentante. [220] (grifo do autor).

Após diferenciar princípios de regras, cabe nesse momento, abordar a função e as características inerentes somente aos princípios, reforçando seu caráter ordenador e superador das posturas positivistas. Consoante Jorge Miranda:

III- A doutrina tem assinalado, de diferentes ópticas e com diversos acentos tônicos, as seguintes características dos princípios:

a)A sua maior aproximação da idéia de Direito ou dos valores do ordenamento;

b)A sua amplitude, o seu grau de maior generalidade ou indeterminação frente às normas-regras;

c)A sua irradiação ou projeção para um número vasto de regras ou preceitos, correspondentes à hipóteses de sensível heterogeneidade;

d)A sua versatilidade, a sua susceptibilidade de conteúdos algo variáveis ao longo dos tempos e das circunstâncias, com densificações variáveis;

e)A sua abertura, sem pretensão de regulamentação exaustiva, ou em plenitude, de todos os casos;

f)A sua expansibilidade perante situações ou factos novos, sem os absorver ou neles esgotar;

g)A sua virtualidade de harmonização, sem revogação ou invalidação recíproca. [221]

Os princípios normativos não se apresentam inseridos dentro de uma mesma classe e por possuírem diferentes graus de concreção, aparecem no sistema jurídico, segundo JJ. Gomes Canotilho, na seguinte ordem: princípios estruturantes fundamentais, subprincípios e regras constitucionais.

O mesmo autor, aduz, ainda que:

Existem, em primeiro lugar, certos princípios designados por princípios estruturantes, constitutivos e indicativos das idéias directivas básicas de toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico político. [222] (grifo do autor).

Em nosso ordenamento jurídico constitucional, esses princípios estruturantes, se revelam por meio do princípio do Estado Democrático de Direito, mencionado por Willis Santiago Guerra Filho [223] como dois princípios: "princípio do Estado de direito" e "princípio democrático".

Os princípios fundamentais gerais, no dizer de Canotilho, [224] vêm densificar os princípios estruturantes, iluminando seu sentido jurídico-constitucional e político-constitucional, formando, ao mesmo tempo, com eles um sistema interno. Merecendo evidência, como exemplo dessa categoria de princípios – o respeito à dignidade humana. (grifo nosso).

Willis Santiago Guerra Filho ressalta que:

Dentre os "princípios fundamentais gerais", enunciados no art. 1º da Constituição de 1988, merece destaque especial aquele que impõe o respeito à dignidade da pessoa humana. O princípio mereceu formulação clássica na ética kantiana, precisamente na máxima que determina aos homens, em suas relações interpessoais, não agirem jamais de molde a que o outro seja tratado como objeto, e não como igualmente um sujeito. Esse princípio demarcaria o que a doutrina constitucional alemã, considerando a disposição do art. 19 II da Lei Fundamental denomina de "núcleo essencial intangível" dos direitos fundamentais. [225] (grifo do autor).

Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana, encerra um conteúdo próprio do direito natural, ao encontrar-se positivado como valor constitucional, não significando dizer, necessariamente que resulta apenas de decisões normativas do poder constituinte ou constituído. Este apenas o reconhece e atribui disciplina legal. Assim, nenhum legislador teve o mérito de criá-lo, porque lhe é imediatamente anterior, cabendo ao legislador o mérito de erigi-lo a valor constitucional. [226]

Quanto aos princípios constitucionais especiais, funcionam como tais, os direitos fundamentais, que conservariam a função de densificar ou concretizar os princípios fundamentais gerais, a par do que já foi exposto, o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana.

Por fim, as regras constitucionais que se materializam através de artigos de leis, buscam viabilizar e concretizar os princípios estruturantes e gerais, cumprindo a sua função no ordenamento jurídico.

De acordo com a explanação levada a efeito, podemos concluir que os princípios, por apresentarem ação mediata, funcionam como critério de interpretação e integração, imprimindo coerência geral ao sistema. A propósito do tema, se expressa Jorge Miranda:

... o sentido exacto dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado na conjugação com os princípios e a integração há-de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pode exprimir cabalmente. Servem, depois, os princípios de elementos de construção e qualificação: os conceitos básicos de estruturação do sistema constitucional aparecem estreitamente conexos com os princípios ou através da prescrição de princípios. [227]

Em se tratando, especificamente do tema proposto no presente trabalho – indenização por prisão ilegal, de logo se percebe que a correspondente reparação, em face da atuação estatal, funciona como uma providência lógica do ordenamento, em atenção, sobretudo ao princípio do respeito à dignidade humana. Ainda mais porque, o citado princípio se enquadra na categoria dos princípios fundamentais, que se encontram, hierarquicamente escalonados em segundo lugar, logo abaixo dos princípios estruturantes e acima dos princípios fundamentais especiais e das regras constitucionais, revelando, dessa forma, elevado valor e importância. Assim, inadmitir a reparabilidade do Estado pela prisão ilegal, não é contrariar apenas norma-regra contida no art. 37, § 6º, da Constituição, mas especialmente norma-princípio.

A idéia de dignidade ganhou relevo e destaque pelo viés filosófico, quando na interpretação procedida por Kant, a pessoa humana passou a ser vista diferentemente das coisas, enquanto ser considerado e tratado como um fim em si mesmo, não como mero objeto. Nestes termos, Kant esclarece que os entes, cujo ser na verdade não depende de nossa vontade, mas da natureza, quando irracionais, tem unicamente um valor relativo, como meios, e chamam-se por isso coisas; os entes racionais, ao contrário, denominam-se pessoas, pois são marcados pela própria natureza, como fins em si mesmos. [228] Dessa forma, podemos concluir com Kant que todo homem tem dignidade e não preço, diferentemente das coisas. [229] A dignidade, portanto é atributo exclusivo da pessoa humana e se constitui em um valor universal e permanente, formando o núcleo essencial dos direitos fundamentais.

Discorrendo acerca do princípio da dignidade da pessoa humana e elevando-o à condição de fundamento material da unidade axiológica da Constituição, Glauco Barreira Magalhães Filho argumenta que, o citado princípio:

... embora esteja consagrado na Constituição, é um valor suprapositivo, pois é pressuposto do conceito de Direito e a fonte de todos os direitos, particularmente dos direitos fundamentais. (...) a dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, o que significa que o sacrifício total de algum deles importaria uma violação do valor da pessoa humana. [230]

Nesse sentido, não há como contestar que a dignidade da pessoa humana, [231] na Constituição foi erigida à condição de valor básico, daí decorrendo todos os direitos fundamentais, podendo-se concluir que havendo violação a esse núcleo, haverá um enfraquecimento dos demais direitos presentes ao longo da Carta Magna.

Dessa forma, a Constituição pátria, em seu art. 1º, III, adotou como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, princípio que revela valor supremo e que segundo José Afonso da Silva, atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. [232]

Tratando da dignidade humana na República Portuguesa, JJ. Gomes Canotilho, assim se expressa:

O que é ou que sentido tem uma República baseada na dignidade da pessoa humana? A resposta deve tomar em consideração o princípio material subjacente à idéia de dignidade da pessoa humana. Trata-se do princípio antrópico que acolhe a idéia pré-moderna e moderna da dignitas- hominis (Pico della Mirandola) ou seja, do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual (plastes et fictor). Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da dignidade da pessoa humana associada à idéia de homo noumenon justificará a conformação constitucional da república Portuguesa onde é proibida a pena de morte (artigo 24º) e a prisão perpétua (artigo 30º/1). A pessoa a serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão, ou seja, um membro normal e plenamente cooperante ao longa da sua vida". [233]

A dignidade da pessoa humana [234] [235] enquanto princípio supremo deve ser observado por todas as nações, sob pena de relegar a espécie humana, à condição de irracionalidade, com o conseqüente tratamento do homem como objeto; instrumento, meio e não fim em si mesmo, merecedor de respeito e dignidade. Neste aspecto, concordamos como Ingo Wolfgang Sarlet, que explica:

"... onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças". [236]

É de todo conveniente ressaltar que a violação aos direitos da personalidade, com a restrição da liberdade individual, seja através da prisão decretada ilegalmente quando ainda não existe sentença condenatória, como nos casos das prisões preventivas, temporárias ou em razão de flagrante, seja nos casos de excesso de prisão ou erro judicial, avilta, degrada, humilha, desmoraliza, corrompe e brutaliza o homem, afrontando o direito fundamental de liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana. [237] Por tais motivos é que a consagração da tese do direito à indenizabilidade por prisão ilegal se impõe, como forma de compensar a dor e o sofrimento de quem permaneceu preso injustamente.

Por último vale assinalar que continuar sustentando o posicionamento de que o Estado é irresponsável pela decretação da prisão ilegal é lesar todos os direitos de liberdade, constitucionalmente, e demais normas que impõem ao Estado o dever de indenizar quando, por indevida atuação dos seus agentes, causar prejuízos a terceiros. Ademais, a prisão ilegal, por se constituir em uma forma de aviltamento e degradação do ser humano, se constitui também, em uma forma de injustiça, fato que desrespeita, consoante já expressamos, o princípio da dignidade da pessoa humana. [238]


V - DA INDENIZAÇÃO

"A idéia de reparação é uma das mais velhas idéias morais da humanidade".

(George Ripert)

1. Ocorrência de Danos Patrimoniais e Morais – Caracterização

Pela exposição levada a efeito nos capítulos antecedentes, restou demonstrado que a violação ao direito de liberdade, mais precisamente com a decretação de prisões ilegais acaba por provocar danos ao indivíduo, fato que obriga o Estado civilmente, impondo ao mesmo o dever de indenizar. Tal obrigação se impõe em virtude do já comentado princípio da igualdade da repartição dos encargos sociais, [239] bem como da correta interpretação do art. 37, § 6º, art. 5º, X, LVII, LXXV, todos da Constituição Federal.

Uma vez constatada a responsabilidade do Estado e o correspondente dever de indenizar, cumpre, nesse momento, tecer algumas considerações acerca do elemento "dano", posto que não havendo o dano, não há, efetivamente o que reparar. Indenização sem dano, implica em enriquecimento ilícito para quem recebe e pena injustamente imposta a quem paga. Assim, dano, consoante entendimento de Luiz Antônio Soares Hentz:

... se traduz, no Direito, em prejuízo sofrido pelo sujeito de direitos em conseqüência da violação destes por fato alheio. E sendo o Estado o agente provocador da lesão de direito, um sentimento de justiça social lhe impõe a obrigação de indenizar, estando ínsita nessa expressão a idéia de que a justiça não se realiza se alguma espécie de dano ficar sem reparação. A plena reparação dos danos sofridos pela vítima se sustenta no instituto da restitutio in integro. A recomposição do lesado deve ser plena, não remanescendo dano sem a devida reparação. [240] (grifo do autor).

Como se frisa na doutrina, a ninguém é dado causar prejuízo à esfera jurídica alheia, sem a correspondente reparação. Dessa forma, a reparação surge como meio de reconstituir o bem jurídico lesado nas mesmas circunstâncias em que se encontrava antes do dano. Essa reconstituição pode ocorrer mediante a reparação natural, com a conseqüente restituição do bem em espécie e a indenização em dinheiro.

Com relação ao ressarcimento pecuniário, que constitui a regra em nossa legislação, podemos distinguir, no âmbito dos danos, a categoria dos danos patrimoniais e o dos danos morais ou extrapatrimoniais.

Os danos patrimoniais são aqueles que pressupõem uma ofensa ou diminuição de determinados valores econômicos. Podendo-se considerar como patrimônio um conjunto concreto de bens que encerram idéia de valor pecuniário. Cabe advertir com Sérgio Cavalieri Filho que:

Nem sempre, todavia, o dano patrimonial resulta da lesão de bens ou interesses patrimoniais. (...) a violação de bens personalíssimos, como o bom nome, a reputação, a saúde, a imagem e a própria honra, pode refletir no patrimônio da vítima, gerando perdas de receitas ou realização de despesas – o médico difamado perde a sua clientela -, o que para alguns autores configura o dano patrimonial indireto. [241]

Dessa forma, os danos materiais implicam diminuição de patrimônio presente e futuro, seja a título de dano emergente – com a efetiva redução do que já existia, ou lucro cessante – com a privação de valores que seriam incorporados se a ação de outrem não houvesse criado o obstáculo ao ganho. Quanto a este último, por se tratar de prejuízos com reflexos futuros sobre o patrimônio da vítima, exige mais atenção no cálculo e fixação da indenização.

Já os danos morais, ao contrário dos materiais, não repercutem, de forma a atingir, o patrimônio econômico-material do indivíduo, mas sim, lesionando bens que integram a personalidade do indivíduo, tais como a honra, a liberdade individual, a integridade física, provocando intranqüilidades, tristeza, perda da paz e do sossego. Podem ser definidos, consoante Carlos Alberto Bittar como:

... os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social). [242]

Relacionando as duas formas de indenização - dano moral e o material, Yussef Said Cahali explica que são:

Assemelhados os dois institutos em sua gênese pela presença de elementos informadores comuns, ao tempo que se assegura uma proteção integral do ser humano como pessoa, também faz certo que o direito moderno já não mais se compadece com as filigranas dogmáticas que obstariam à proteção mais eficaz da pessoa como ser moral por excelência, cada vez mais ameaçada em sua integridade corporal e psíquica, no conflito de interesses que a vida proporciona. [243]

A indenização por dano moral, ainda encontra opositores que defendem a sua impossibilidade baseados no fato de que a dor não admite compensação pecuniária, bem como a impossibilidade de avaliar o dano moral, justamente por não haver preço ou dinheiro que compense o sofrimento. Sem embargo ao entendimento apresentado, não mais subsiste na doutrina respaldo para a chamada teoria negativista, pela simples razão de não mais subsistirem seus argumentos, notadamente o que se referia ao fato de inexistir no art. 159 do Código Civil, referência ao dano moral. Diante da Constituição Federal de 1988, motivos não mais respaldam tal posicionamento. Prevalece na atualidade, a corrente doutrinária que admite a ressarcibilidade do dano moral, merecendo, inclusive, atenção constitucional.

Hoje já constitui pensamento assente na doutrina e jurisprudência a cumulação de danos morais e materiais procedentes do mesmo fato. [244]

Dando destaque à prisão ilegal e relacionando-a ao dano patrimonial, cabe assegurar que os danos dela decorrentes, devem ser analisados particularmente em cada caso, com o fim de aquilatar a real existência do prejuízo sofrido e o quantum indenizatório. A título de exemplo, podemos citar a prisão ilegalmente decretada de um grande comerciante que pode produzir, sem sombra de dúvidas um formidável abalo de crédito e sendo o crédito, instrumento utilizado pela maioria dos comerciantes no exercício da atividade comercial, pode decorrer de tal acontecimento a falência. Com isso, deve ser prestado, pelo Estado, indenização correspondente aos danos morais, e materiais, inclusive, o dano emergente e o lucro cessante.

Arnaldo Quirino esclarece que:

Em se tratando da prisão ilegal e no que diz respeito ao dano patrimonial, deverá ser avaliado o prejuízo efetivo sentido pelo lesado, conforme a realidade do caso concreto, podendo a indenização ter caráter alimentar ou ter natureza de recomposição patrimonial propriamente dita, restringindo-se nessa última hipótese ao restabelecimento do statu quo ante. [245] (grifo do autor).

No que pertine aos danos morais, esses são os que mais nos interessam, tendo em vista que a violação ao direito de liberdade pessoal, em larga escala causa sérios danos à dignidade da pessoa, inflingindo-a injustamente dor, tristeza e causando ainda, publicamente vexame e humilhação. Não representando o encarceramento ilegal, ainda que por breve espaço de tempo, um mero contratempo.

A prisão ilegal, de certo, atinge o status dignitatis e libertatis do cidadão, primeiramente em virtude da ilegal constrição ao direito de locomoção – ir e vir, tolhendo a liberdade física, fato que por si só autoriza a indenização. Além disso, não se deve desconhecer que outros prejuízos advindos do encarceramento ilegal subsistem, como as injúrias físicas perpetradas contra o preso, dentro das celas dos presídios ou dos distritos policiais, colocando em risco sua integridade física e moral, causando-lhe constrangimento, humilhação e diminuição em sua auto-estima. Ademais, as horas, dias ou meses que se passam no presídio significam verdadeira eternidade, prolongando a angústia do preso.

Quando se trata de prisão ilegal e há prova de lesão à integridade física, como tortura e espancamento, a jurisprudência não mais exita, sendo unânime ao admitir a responsabilidade do Estado. [246] Mesmo porque compete ao Estado a responsabilidade pela guarda eficaz do preso, zelando pela sua integridade física e moral.

Por atingir, os danos morais, bens referentes apenas à personalidade, sem a correspondente repercussão patrimonial e conteúdo monetário, é que se constitui em uma tarefa difícil a apuração do quantum ou montante indenizatório, merecendo cautela e observância aos critérios da compensação e punição para que a indenização de fato, repare a ofensa, liquidando-se por isso, na proporção da lesão sofrida.

Luiz Antônio Soares Hentz fala que, além do dano moral e patrimonial, a prisão indevida gera um prejuízo especial e diferenciado, denominado de dano pessoal. Argumenta o referido autor que:

Ao lado do dano patrimonial e do dano moral, suscetíveis de serem provocados por atividade pública ou privada em geral, existe outra espécie de dano, ante o previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição brasileira de 1988. A indenizabilidade do tempo de privação da liberdade além do previsto na sentença denota a existência de dano pessoal, como conseqüência do mero ferimento do direito de liberdade do cidadão. A privação da liberdade pode decorrer de erro judiciário, mas a forma expressa na Constituição Federal não exige que assim se dê, pois "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença" (art. 5º, LXXV). Ampara, destarte, duas ordens distintas de direitos do cidadão. Em primeiro lugar fixa o princípio da reparação do erro judiciário de natureza penal (e também não-penal), não importando que se suceda ou não a prisão do condenado. Os mesmos fundamentos ensejam igualmente a indenização por prisão indevida, vista a extensão dada na segunda parte do dispositivo. (...) O dano representado pela privação da liberdade não é patrimonial nem moral, embora também possam advir esses da prisão indevida. Os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º). Trata-se de benefícios diversos, assegurados ao lesado por fundamento jurídico também diverso. Por isso se firmar a natureza distinta do dano pessoal, especialmente previsto na legislação, e que dispensa a aferição de resultado concreto, bastando que alguém tenha sofrido privação na sua liberdade para que o Estado seja compelido a indenizar o correspondente período de restrição do direito de ir e vir. [247]

O que Luiz Antônio Soares Hentz chama de dano pessoal na verdade é o próprio dano moral, que recebe uma nuance diversificada em face do bem violado – a liberdade individual, notadamente, o direito de locomoção. Além do mais, porque há norma própria, referida no dispositivo constitucional, especialmente aplicável ao caso. Enfatiza o citado autor que o pagamento efetuado à vítima da prisão indevida, se traduziria em uma forma de pena com caráter predominantemente sancionatória e não somente de conteúdo reparatório imposta ao Estado.

Assim, não há como contestar o cabimento da indenização por danos morais quando se trata da decretação de prisões ilegais, porque conforme restou demonstrado, a prisão causa um grande mal ao cidadão, ferindo o direito fundamental de liberdade e causando enormes prejuízos na esfera íntima, chegando a desmoralizar publicamente o prejudicado.

2. Critério Adotado para Fixação do Quantum

O cálculo utilizado para fixar o valor da indenização por danos materiais que abrange o lucro cessante e o dano emergente se constitui em atividade mais simples que o cálculo do dano moral. Não obstante tal enunciado, ambos devem corresponder ao prejuízo e sofrimento suportados pelo ofendido, representando a indenização uma justa compensação ao mal causado.

Em se tratando de dano material, a indenização pode apresentar caráter de recomposição patrimonial, fixando-se um montante pago de uma só vez ou natureza alimentar, mediante o pagamento de pensão mensal. Quanto a esse último, a sua ocorrência se dá, primeiramente em caso de morte do ofendido, devendo o pagamento corresponder a uma pensão, por parte do Estado, conforme dispõe o art. 1.537, I e II do Código Civil. [248] Quando a indenização patrimonial versar sobre a perda ou diminuição da capacidade laborativa, o suporte legal a embasar a reparação será o art. 1.539 do Código Civil. [249]Sendo caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o fundamento legal para fixar o montante indenizatório será o art. 1.538, § 1º e 2º do Código Civil. [250]

Segundo Arnaldo Quirino, o mais comum:

... é que o prejuízo decorra da perda de remuneração ou rendimentos em virtude da impossibilidade de exercício de sua profissão (e até mesmo diminuição patrimonial em razão de depreciação da reputação do ofendido junto a seu círculo de negócios), hipótese em que a justa avaliação deve ser efetuada computando-se o salário ou rendimentos que o ofendido deixou de perceber por conta da injusta privação de sua liberdade. Pode ocorrer também a necessidade de que a avaliação seja feita por arbitramento, na forma do art. 1.553 do Código Civil. [251]

Sobre a indenização por dano moral, Luiz Antonio Soares Hentz afirma que a mesma:

... integra o direito do lesado sem que tenha afetado o seu patrimônio econômico. Transcorre o dano no íntimo das pessoas, tornando impossível a aferição objetiva, constituindo-se em direito ao recebimento de quantia a ser arbitrada, o que é feito por sentença judicial, em processo jurisdicional (nada obsta, porém, o seu estabelecimento em processo administrativo, com o oferecimento de valor pela autoridade do Estado, seguido da aceitação pelo particular). [252]

A prisão ilegal, conforme já analisamos no capítulo anterior, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da própria Constituição Federal (art. 1º, III), fazendo-se presente em tantas outras legislações universalmente conhecidas, como no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos [253], Convenção Americana sobre os Direitos Humanos - Pacto de San Jose da Costa Rica [254] e Declaração Universal dos Direitos do Homem. [255] Inegável, portanto, que a violação a tal princípio enseja indenização, em decorrência do dano moral.

Quanto aos danos morais, a indenização não significa necessariamente o preço da dor, como querem alguns doutrinadores, mesmo porque, verdadeiramente nenhum dinheiro paga ou corresponde exatamente ao sofrimento do prejudicado, mas por outro lado, pode abrandar os efeitos que o ato danoso causou.

Ressaltando a impossibilidade de ligação direta entre o dano moral e sua compensação monetária, Arnaldo Quirino enuncia que: "O dano moral ("puro") é avaliado não pela repercussão no patrimônio do lesado, mas sim em razão da importância e pelo fato da ofensa perpetrada, "presumindo-se" assim a existência do dano". [256]

Convém lembrar com relação aos danos morais que, o valor da indenização deve revelar tanto o caráter compensatório, com o fim de consolar a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres equivalente ao mal sofrido, quanto o punitivo, para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou. Daí porque, a indenização para atender ao prejuízo causado e ser a mais completa possível, não pode conservar o caráter de parcimônia, sob pena de provocar o desvirtuamento da natureza punitiva e compensatória do montante correspondente à indenização por ofensa moral.

O aspecto compensatório será observado a partir do instante em que se efetuar o pagamento ao lesado de uma quantia que venha representar uma satisfação e conforto à dor moral. Não há, assim, um preço pela dor e sofrimento experimentados, porque consoante já observarmos, estes sentimentos são impassíveis de avaliação pecuniária. Nesses casos, a reparação não pertence à mesma natureza do prejuízo, mas deve se adequar a ele, por meio de valores em dinheiro que represente um lenitivo, atenuando os males sofridos por quem ilegalmente teve tolhida a liberdade de locomoção.

O dano moral, além de traduzir o caráter compensatório, deve sobretudo imprimir ao ofensor uma penalidade, ou seja, um castigo pelo mal causado, imprimindo ao mesmo, a idéia de que o fato ocorrido serve de exemplo. Diante de todo o exposto, o importante é que não fique a vítima sem a reparação devida, nem tampouco impune o culpado pela lesão, caso contrário, seria desrespeitar a lei e desprezar a pessoa humana.

Para ocorrência da condenação por danos morais, são exigidos os mesmos requisitos caracterizadores dos danos materiais, ou seja, a presença do resultado danoso, a conduta omissiva ou comissiva do Estado, bem como o nexo de causalidade entre conduta e resultado. Deve-se, no entanto lembrar que a responsabilidade estatal, de acordo com nosso ordenamento jurídico (art. 37, § 6º da Constituição), obedece à teoria objetiva, na modalidade do risco administrativo, pela qual a responsabilidade não se liga ao elemento culpa, sendo desnecessário se provar a culpa do agente público, em decorrência de ato praticado no exercício de suas funções, admitindo-se, dessa maneira, a responsabilidade sem culpa, decorrente apenas do risco da atividade estatal.

O grande problema encontrado para se proceder a uma avaliação justa, reside no fato de que a quantia devida pelo dano moral não obedece, na maioria das vezes a uma regra pré-estabelecida que defina claramente qual o rumo a ser tomado na fixação do montante indenizatório. Muito embora exista dificuldade de avaliar a indenização, em se tratando do dano por prisão ilegal, conforme salienta Arnaldo Quirino, tal dificuldade:

... é amenizada pela existência entre nós da regra contida nos arts. 1.550 e 1.547, parágrafo único, "segunda parte", do Código Civil. Havendo necessidade, nada impede que o valor fixado na forma dos dispositivos mencionados seja complementado por arbitramento (art. 1.553 do mesmo diploma legal), conforme a prudente determinação do magistrado,.... [257] (grifo do autor).

Atendendo-se ao fato de que o arbitramento judicial constitui a regra para se aferir o quantum indenizatório, em se tratando do dano moral, Américo Luís Martins da Silva sugere a observância à algumas regras e parâmetros, indicados pela lógica, e que segundo o autor, as citadas regras não devem perder de vista:

a) a insuficiência de meios para se proceder à exata e perfeita avaliação compensatória dos danos morais; b) a impossibilidade de proceder à pura avaliação aritmética; e c) que os valores arbitrados acabarão sendo sempre determinados por aproximação, com base nos elementos subjetivos fornecidos pelas partes interessadas para sua avaliação. [258]

Assim, com base na inexistência de um padrão geral que oriente o julgador na fixação do quantum indenizatório, a doutrina e a jurisprudência oferecem, como regras ou critérios a serem utilizados para se aferir o montante correspondente à reparação, os seguintes fatores: a gravidade e repercussão do ato danoso; a intensidade do sofrimento imposto à vítima; a capacidade econômica do ofensor e a posição social e política do ofendido.

O primeiro elemento a ser avaliado é a gravidade e repercussão do fato lesivo. Em se tratando de prisão ilegal, não há como negar que o indevido encarceramento gera sérios prejuízos à esfera da vida privada do cidadão, sem falar nos rumores e comentários que logo se alastram, causando na comunidade local, verdadeiro rebuliço e comentários dos mais variados. A prisão repercute na vida do indivíduo preso injustamente de maneira tão brutal que nem mesmo o reconhecimento judicial de sua inocência, mediante absolvição e prestação de indenização por parte do Estado, apagam as conseqüências avassaladoras que tal acontecimento pode originar.

Enfaticamente, Paulo José da Costa Júnior adverte que:

Reconduzido o prisioneiro à liberdade, as marcas da culpabilidade permanecem indeléveis, ainda que absolvido. Não raro se pergunta: será ele realmente inocente? E o cidadão honrado, no instante em que é levado à prisão preventivamente, fica marcado para sempre com a mácula da desonra, com o ferro escaldante da improbidade, que permanece latente em sua reputação. Murmura-se, a boca pequena: ‘É, se foi para as grades, é porque algo havia’. [259] (grifo do autor).

Quanto à intensidade do sofrimento imposto à vítima, é igualmente inquestionável, tendo em vista que a angústia experimentada no cárcere provoca um abalo interior e uma baixa da auto-estima, sem falar na superlotação e promiscuidade do ambiente prisional, que colocam em jogo a integridade física e psíquica do preso, gerando sentimento de humilhação e constrangimento.

O terceiro requisito aferível para se estabelecer o valor da indenização, diz respeito à capacidade econômica do ofensor, o que no caso em tela é representada pelo Estado, entidade com poder econômico o bastante para compensar a dor e o sofrimento vivenciado pelo ofendido, de maneira significativa, fazendo valer a teoria do desestímulo, que por sua vez imprime ao ofensor o pagamento de quantia razoável, o bastante que venha a compensar os danos causados e que ao mesmo tempo produza efeitos inibitórios ou sancionador, para que atos dessa qualidade não sejam repetidos, buscando-se também com o exemplo, a melhoria na prestação dos serviços, posto ser a finalidade do Judiciário pacificar os litígios com justiça.

Por fim, a condição social do ofendido constitui elemento que deve ser apreciado com cautela, não podendo servir de obstáculo à reparação, ou dar causa a indenizações extremamente parcimoniosas, tendo em vista que a maior parte dos abusos cometidos pelos agentes públicos, nos casos de prisão ilegal, com a violação do status libertatis e dignitatis do cidadão atinge, na maioria das vezes, pessoas das camadas mais pobres, desprestigiadas socialmente. Fato que por si só não diminui a dor ou a torna diferente quando comparada ao mesmo sofrimento experimentado por pessoa que ocupa posição de destaque na sociedade.

É de evidente clareza a assertiva que relaciona a projeção social do ofendido, à repercussão do fato danoso causado com a indevida privação da liberdade. Não obstante essa afirmação, cabe lembrar que as definições do dano moral ressaltam que as indenizações devem compensar, com o intuito de aliviar e diminuir a dor e humilhação impostas pelo ofensor. No caso sob análise, não há diferença de proporção e intensidade entre a dor suportada por pessoa abastada e outra sem recursos. Dessa forma, o que se pretende é indenizar a "dor moral", o que, por falta de medida que venha aquilatar a intensidade do sofrimento, é igual para qualquer pessoa, independentemente da utilização de outros fatores, fazendo valer o caráter compensatório e punitivo da indenização, finalidade essa do instituto do dano moral.

Alguns doutrinadores sugerem que para a análise do elemento – posição social e política do ofensor, seja levada em consideração o homo medius, como forma objetiva e criteriosa para se alcançar um valor que corresponda à intensidade da dor sofrida.

Com o fim de não imprimir no cálculo da indenização por danos morais, traços discriminatórios é que criticamos a possibilidade de diminuir o quantum, em função da posição desprestigiada de alguns cidadãos que se submeteram à prisão ilegal, fato que traz em si, a correspondente desobediência ao caráter punitivo da reparação, principalmente quando o ofensor tem todas as condições de reparar o dano em quantias significativas, como é o caso do Estado. Assim, a posição social e política do ofendido, não pode ser obstáculo para efetivação do caráter compensatório e punitivo da indenização.

Os dois últimos elementos - capacidade econômica do ofensor e condições sociais do ofendido devem ser analisados, observando-se o critério da razoabilidade, tendo em vista que a decisão final não pode configurar enriquecimento ilícito do ofendido, e muito menos, isenção de responsabilidade por parte do ofensor. Dessa maneira, a forma de indenização que maior eficácia apresenta, é a que atende aos aspectos: compensação do dano e punição ao ofensor.

Por fim, para quem defende a existência de danos com caráter pessoal, [260] ou seja, modalidade diversa do dano material e moral, que se apóia independentemente no ordenamento jurídico, por força da previsão constitucional (art. 5º, LXXV), a apuração do quantum indenizatório se faz mediante arbitramento. Esse posicionamento admite tripla possibilidade de reparação em virtude da prisão indevida – indenização do dano patrimonial, moral e pessoal.

3. Indenização e Ação Regressiva

A existência do dano decorrente da atividade judiciária, impõe, como já vimos, o dever estatal de indenizar. Essa obrigação imposta ao ente público se fundamenta na teoria da responsabilidade objetiva, na modalidade do risco administrativo, segundo a qual, o Estado responde pelos prejuízos causados, quando evidenciado o dano, independentemente da prova do elemento culpa. Permitindo-se apenas a exclusão da culpa, e a conseqüente irresponsabilidade, quando se tratar de caso fortuito e força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Ressalte-se que o mesmo não ocorre quando se trata de ação regressiva, em primeiro lugar porque se deve fazer a prova da culpa ou do dolo, em relação ao agente público, só permitindo a responsabilidade do magistrado quando evidenciado um desse dois elementos, ou quando, de má-fé, contrariar o magistrado, princípio do devido processo legal, fora daí, não há responsabilidade.

Abordando o dolo e a culpa como requisitos para a responsabilização do juiz, via ação regressiva, Vilson Rodrigues Alves diz que:

Esses dados hão de ser ponderados na apreciação do suporte fático e definição da culpabilidade do agente – não, para a indenizabilidade ao lesado, mas para a regressividade das pessoas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado que indenizaram o dano do terceiro -, e nesse sentido a especificidade do cargo, emprego ou função importa. [261]

Daí não misturar os dois assuntos, que a grosso modo, se resolvem de maneiras diversificadas. Sobre o assunto, Luiz Antônio Soares Hentz enuncia que:

Nesse ambiente jurídico-legal, o direito de regresso contra o causador direto do dano por dolo ou culpa se configura em disposição adicional, na norma constitucional, impedindo que se transfira à administração pública encargo cuja responsabilidade, em razão da conduta pessoal do agente público, responder pelo prejuízo sofrido pelos particulares. [262]

Quanto à classificação do magistrado como agente público, não mais subsistem dúvidas, pois consoante informamos em capítulo anterior, o magistrado ocupa cargo público, criado por lei e se enquadra no conceito legal dessa categoria funcional, desempenhando uma função em nome do poder público, mediante regular remuneração. Ademais, a Constituição Federal utiliza a expressão "agente público", e não funcionário público. Não havendo mais motivo para questionar a sua inclusão na categoria de agente público.

Dessa forma, impende afirmar que em se tratando de responsabilidade civil do Estado por serviço desenvolvido no âmbito do Judiciário, mediante falha individual do juiz, lícita ou ilícita ou culpa anônima do serviço, exsurge o dever de indenizar, respondendo o Estado diretamente pelos prejuízos causados, podendo este acionar regressivamente, o magistrado nos casos delimitados no art. 133, do Código de Processo Civil, [263] somente quando há dolo ou fraude e não são tomadas as providências que visem ao regular e satisfatório desenvolvimento do processo. Idêntica disposição pode ser encontrada na Lei Complementar nº 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN e reproduzida pelas Leis Estaduais de Organização Judiciária.

O Projeto de Emenda à Constituição que tramita na Câmara dos Deputados – PEC – 96-A/1992, que tem por finalidade a reforma do Judiciário, apresenta no parágrafo quarto do art. 9º, previsão da responsabilidade do Estado por atos danosos dos membros do Poder Judiciário, nos seguintes termos: Parágrafo 4º: a União e os Estados respondem pelos danos que os respectivos juízes causarem no exercício de suas funções jurisdicionais, assegurando o direito de regresso nos casos de dolo. Esse anteprojeto vem apenas confirmar o que já se encontra previsto em norma constitucional, aclarando, portanto, todas as dúvidas que por ventura ainda existam acerca da responsabilidade do Poder Judiciário.

Vale lembrar que o disciplinamento da matéria feito pelo Código Civil, através dos artigos 294, 420, 421 e 1552, que previam a responsabilidade direta e pessoal do magistrado, não mais condiz com a orientação adotada pela atual Constituição Federal, que por sua vez não recepcionou tais dispositivos. Remanescendo hoje, a responsabilidade do magistrado, em caso de ação regressiva quando demonstrado o dolo ou a culpa.

Configurada a responsabilidade estatal, por dano provocado pela indevida atuação do Poder Judiciário, e intentada a ação civil de indenização, cabe ao próprio Poder Judiciário, apurar o montante referente ao quantum indenizatório.

A partir daí, competirá ao Estado, diante da relação vinculativa com o agente público, cobrar deste, responsável direto pelo dano, o valor equivalente à indenização despendida pela Fazenda Pública, mediante a utilização do direito de regresso. Porém, quanto aos magistrados, é de todo essencial que se repise - só será responsabilizado quando agir de má-fé ou contrariar o princípio do devido processo legal. Nesse caso, a ação regressiva só é autorizada quando encontrar na lei amparo para sua propositura. [264]

Assim, a responsabilidade civil do juiz pela decretação de prisão ilegal só ocorre nos casos já mencionados ao longo desse trabalho. Por isso, é bom não confundir a responsabilidade do Estado – escopo do presente trabalho, com a responsabilidade pessoal do juiz. São assuntos distintos.

Acerca da responsabilidade do Estado e do Juiz, Sergio Cavalieri Filho se expressa nos seguintes termos:

Tenho sustentado que a responsabilidade do juiz, em que pese as respeitáveis opiniões em contrário, não exclui a do Estado, por uma razão muito simples. Se o Estado responde, como já sustentado, pela simples negligência ou desídia do juiz, por mais forte razão deve também responder quando ele age dolosamente. Em ambos os casos o juiz atua como órgão estatal, exercendo função pública. Entendo que, no último caso, poderá o lesado optar entre acionar o Estado ou diretamente o juiz, ou, ainda, os dois, porquanto haverá, aí, uma solidariedade estabelecida pelo ato ilícito. [265]

Por fim, cabe lembrar que na ação regressiva, proposta pela Fazenda Pública, deve restar comprovada a culpa ou dolo do agente público no exercício de suas funções, caso contrário, arcará o Estado, em virtude da aplicação da teoria do risco administrativo, com todas as conseqüências do ato danoso. Ressalvando, o caso de responsabilidade por ato do magistrado, que nesse caso estará condicionada às hipóteses de dolo, fraude e culpa qualificada, é o que acontece com a ação regressiva em se tratando de responsabilidade por prisão ilegal.

4. Ação de Indenização: Competência; Legitimidade Ativa e Passiva; Prova da Responsabilidade do Estado.

Em verdade, o dever de indenizar o cidadão que teve injustamente restringida sua liberdade de locomoção, em virtude de ato abusivo da autoridade judiciária, aparece no ordenamento jurídico como corolário, conforme já assinalamos, do princípio da dignidade da pessoa humana, que impõe ao Estado de Direito, o respeito a todos os direitos fundamentais, e no caso em tela à liberdade individual. Em não se obedecendo a esse princípio, o cidadão tem o direito, de em juízo, pleitear indenização, decorrência lógica da aplicação do princípio do devido processo legal, representando, um reforço da garantia dos direitos individuais.

Constatada a responsabilidade do Estado face à prisão ilegal, com a aplicação do art. 37, § 6º, da Constituição de 1988, convém nesse momento definir qual o foro competente para processar e julgar a ação civil de indenização. A questão pode ser apreciada em dois níveis distintos: o federal e o estadual.

Na primeira hipótese, a Constituição Federal em seu art. 109, § 2º, estatui que a pretensão indenizatória contra a União Federal deve ser aforada, consoante livre escolha do legitimado ativo, perante a seção judiciária em que for domiciliado o autor; onde houver ocorrido o fato ilícito que originou a demanda, ou onde esteja situada a coisa, ou ainda no Distrito Federal.

Se a ação é proposta contra o ente da federação – Estado, a competência será do juiz estadual, especificamente da Vara da Fazenda Pública. Sobre o assunto, Vilson Rodrigues Alves explica que:

Em nível estadual, não têm os Estados Federados foro privilegiado. Podem ter juízo privativo, segundo as leis locais de organização judiciária, e nesse sentido é que, existente de acordo com essas leis varas especializadas na comarca que, segundo as regras jurídicas processuais de competência, seja o foro competente, é delas a competência absoluta à cognição da ação. [266] (grifo do autor).

Como restou demonstrado, a competência para o processamento da ação civil será da Vara da Fazenda Pública Estadual ou Federal, conforme seja contra o Estado ou União, respectivamente. Já a ação regressiva deve ser processada perante o Tribunal de Justiça, ao qual o magistrado é vinculado, quando se trata de juiz estadual; ou competirá ao Tribunal Regional Federal, quando for o juiz federal.

Possui legitimidade ativa, [267] quem se apresente como sujeito de direito passível de ofensas, suportando assim o prejuízo causado pelo ente estatal. A parte legítima para buscar a indenização, via ação civil, é sem dúvida, a vítima que sofreu o constrangimento por ter sido presa ilegalmente.

Todavia, se a parte atingida em sua honra pelo procedimento estatal indevido - com a decretação da prisão ilegal, vier a falecer, o direito de indenização se transmite às pessoas a quem ela estava obrigada a prestar alimentos, conforme dispõe o art. 1.526 do Código Civil. Sobre ação post mortem explica Vilson Rodrigues Alves:

Essa violação à honra, por lesão imediata à imagem, confere aos herdeiros ação em que possam deduzir pretensão à correspondente indenização, dado que a imagem da pessoa não se extingue com a morte da pessoa imaginada. [268]

Ocorrendo a morte da pessoa que sofreu o prejuízo por ato estatal, o dano se torna também suportado pelos seus parentes vivos, é o que ensina Yussef Said Cahali: "... o dano moral é sofrido pelo próprio cônjuge ou parente sobrevivo, dano próprio esse sofrido por ricochete em razão da morte do familiar". [269]

Por legitimado passivo, entende-se o ente contra quem se propõe a pretensão indenizatória, mediante propositura em juízo de regular ação, em virtude de ser o provável agente responsável pela causação do dano.

Funcionam no pólo passivo da ação de indenização, os entes estatais, aos quais se vinculam o magistrado, se da esfera do Judiciário Federal, a responsabilidade será da União. Em se tratando de magistrado estadual, a legitimidade passiva será do Estado. Ressalve-se, portanto, que em caso de condenação da Fazenda Pública, competirá a esta, o direito de regresso, visando a devolução do que efetivamente foi desembolsado pelo Estado.

É de todo importante, lembrar que a Fazenda Pública deverá provar em ação regressiva, o dolo ou má-fé exigidos do juiz, quando no exercício do poder jurisdicional, provocou danos ao cidadão, ordenando decretação de prisão, manifestamente ilegal. Procedimento que ocorre por força da não aplicação, nesses casos da teoria da responsabilidade objetiva, merecendo observância à esta, quando se trata de responsabilidade direto do próprio Estado.

Em se tratando, por exemplo de prisão ilegalmente realizada por delegado de polícia, antes mesmo de instauração do inquérito policial, a legitimidade passiva será do Estado, se o delegado pertencer ao quadro do funcionalismo estadual, ou da União, em se tratando de delegado federal. Ademais, para estes, em ação regressiva, basta a ocorrência da culpa, não se exigindo a especificidade do dolo ou da má-fé, como ocorre com os magistrados.

Quanto à prova da responsabilidade do Estado, cabe ressaltar, que por força do princípio da responsabilidade objetiva do Estado, na modalidade do risco administrativo, fica dispensada a prova da culpa. Subsistindo para a caracterização da responsabilidade, o resultado danoso, a atuação estatal comissiva ou omissiva e o nexo de causalidade entre a conduta e o evento danoso. Lembrando que as únicas excludentes da responsabilidade, segunda a teoria adotada pelo nosso ordenamento jurídico, dizem respeito a culpa exclusiva da vítima, ocorrência de caso fortuito ou força maior. Fora desse elenco, a responsabilidade do Estado se impõe.

Diz a doutrina, como regra geral, que no plano do dano moral, não basta apenas alegá-lo, é necessário que a sua ocorrência seja constatada, e mais, tenha repercutido, causando efetivo prejuízo. Muito embora lembre Yussef Said Cahali [270] que existem alguns danos morais presumíveis, não havendo necessidade de prova exaustiva para se concluir pelo prejuízo. Aliados a tal raciocínio, nos inclinamos no sentido de que a prisão ilegal também dispensa delongas quanto à prova da existência do dano moral, pois nessas circunstâncias, a prisão não merecida e contrária ao direito, revela a existência da dor, sofrimento e angústia ao mais comum dos homens, não havendo portanto, necessidade de prova especial para demonstrar o prejuízo sofrido

Finalmente, há que se concluir que a responsabilidade do Estado-Juiz deve se impor sempre que da sua atuação causar dano ao particular, em virtude de prisão ilegal, pela simples questão ligada à própria idéia de justiça, inerente à função jurisdicional. Sem falar do atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana e à fórmula jurídica consagrada na Constituição Federal – Estado Democrático de Direito.


CONCLUSÃO

Como demonstrado ao longo do trabalho, a responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal vem sendo alvo de inúmeras controvérsias jurídico-doutrinárias, tendo em vista a posição clássica da doutrina e entendimento predominante dos tribunais, no sentido de que o Estado-Juiz, não pode ser responsabilizado por atos danosos que venha a praticar contra particulares, negando assim a aplicação do art. 37, § 6º, da CF/88, aos órgãos jurisdicionais.

Especificamente quanto à prisão ilegal, afirmam os partidários da irresponsabilidade que o art. 5º, LXXV, da Constituição, igualmente não abrange a prisão ilegal, tendo em vista que a literalidade do termo empregado no citado dispositivo – "prisão indevida", abrange tão somente a decretada em virtude do erro judiciário e a que advém do cumprimento de pena em prazo superior ao estabelecido em sentença condenatória.

Não obstante esse posicionamento, a moderna literatura da área e alguns recentes julgados dos tribunais demonstram uma lenta evolução no sentido de admitir que o Estado possa indenizar a vítima de prisão ilegal, não se permitindo mais, de maneira absoluta que a agressão perpetrada contra a pessoa, com a restrição ao direito de liberdade, possa ficar sem reparação, como se o Estado fosse um todo poderoso e inabalável, se colocando inclusive, acima da própria lei, sem poder ser responsabilizado pela prática de atos abusivos realizados mediante a atuação do Poder Judiciário, justamente a esfera do Estado, a qual foi confiada o dever de pacificar os conflitos com justiça.

Dessa forma, não pode fugir o Poder Judiciário da obrigação de indenizar quando na esfera processual penal, causar danos ao particular com a decretação de uma prisão ilegal. Podendo-se constatar no decorrer do trabalho que os argumentos que por muito tempo sustentaram a irresponsabilidade patrimonial do Estado não mais encontram guarida no ordenamento jurídico.

Anotamos, ao longo da pesquisa que os fundamentos da responsabilidade do Estado, face à prisão ilegal, reside na correta interpretação dos princípios e regras constitucionais, especialmente o § 6º, do art. 37 da Constituição Federal. Da mesma forma que recorremos também, às orientações da hermenêutica, que nos permitiu chegar à conclusão de que a indenização no caso de prisão ilegal é plenamente aceitável.

Hoje, se entende de maneira coerente que o Judiciário, assim como todos os poderes da federação, deve responder patrimonialmente, não havendo razão para que o citado poder continue imune em relação aos atos lesivos praticados. Primeiramente porque o caráter de soberania atribuído ao Judiciário pelos defensores da irresponsabilidade, é atributo do Estado e não em particular de um dos poderes, não merecendo, portanto, acolhida.

Com relação ao argumento de que a responsabilização do Judiciário afronta o princípio da independência, restringindo o desempenho do magistrado, não há como sustentá-lo, tendo em vista que a responsabilidade pessoal do juiz só ocorre em se tratando de comprovado uso de dolo ou fraude (casos especificados em lei), e mais, mediante ação regressiva. Inexistindo, entre a responsabilidade do Estado e a garantia de independência, qualquer incompatibilidade.

Dessa forma, a correspondente reparação, em face da atuação estatal, funciona como uma providência lógica do ordenamento, em atenção, sobretudo ao princípio do respeito à dignidade humana. Assim, inadmitir a reparabilidade do Estado pela prisão ilegal, não é contrariar apenas norma-regra contida no art. 37, § 6º, da Constituição, mas especialmente norma-princípio.

Modernamente, tratar o homem com respeito é condição inseparável da dignidade humana, sobretudo com as exigências que a vida moderna impõe e a crescente consciência dos direitos e deveres reforçados pela norma constitucional, que revela uma nova dimensão da responsabilidade civil.

É de todo conveniente ressaltar que a violação aos direitos da personalidade, com a restrição da liberdade individual, seja através da prisão decretada ilegalmente, quando ainda não existe sentença condenatória, como nos casos das prisões preventivas, temporárias ou em razão de flagrante, seja nos casos de excesso de prisão ou erro judicial, avilta, degrada, humilha, desmoraliza, corrompe e brutaliza o homem, afrontando o direito fundamental de liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana. Por tais motivos é que a consagração da tese do direito à indenizabilidade por prisão ilegal se impõe, como forma de compensar a dor e o sofrimento de quem permaneceu preso injustamente.

Diante do exposto, não pretendemos esgotar o tema que versa sobre a responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal, ao contrário, almejamos abrir passagem para que outros possam desenvolver estudo mais aprofundado sobre assunto tão fascinante e ao mesmo tempo complexo.


BIBLIOGRAFIA

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NOTAS

1 Aurélio Buarque de HOLANDA, Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p. 1028.

2 Limonge FRANÇA, Enciclopédia Saraiva de Direito, p. 356.

3 Ibid., mesma página.

4 ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco in Os Pensadores, p. 143-150, 188, 190, 191, 193.

5 Ibid., p. 159.

6 Ibid., mesma página: "Sendo os fins então, aquilo a que nós aspiramos, e os meios aquilo sobre que deliberamos e que escolhemos, as ações relativas aos meios devem estar de acordo com a escolha e ser voluntárias. Ora: o exercício da excelência moral se relaciona com os meios; logo, a excelência moral também está ao nosso alcance, da mesma forma que a deficiência moral. Com efeito, onde está ao nosso alcance agir, também está ao nosso alcance não agir, e onde somos capazes de dizer "não", também somos capazes de dizer "sim", conseqüentemente, se agir, quando agir é nobilitante, está ao nosso alcance, não agir, que será ignóbil, também estará ao nosso alcance, e se não agir, quando não agir é nobilitante, está ao nosso alcance, agir, que será ignóbil, também estará ao nosso alcance. Se está ao nosso alcance, então praticar atos nobilitantes ou ignóbeis, e se isto era o que significava ser bom ou mau, está igualmente ao nosso alcance ser moralmente excelentes ou deficientes".

7 Baruch ESPINOSA, Ética in Os Pensadores, p. 277.

8 Ibid., p. 319.

9 Maria Lúcia de Arruda ARANHA e Maria Helena Pires MARTINS, Filosofando: introdução à filosofia, p. 314.

10 Ibid., p. 315.

11 Immanuel KANT, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 150: "A liberdade tem de pressupor-se como propriedade da vontade de todos os seres racionais".

12 Ibid., p. 149.

13 Cf. Francisca Edineusa PAMPLONA, A proteção à dignidade da pessoa humana na ordem constitucional democrática, p. 10-11: "Kant preocupa-se conscientemente, em conceber o modo de realizar a liberdade não apenas no plano exclusivamente individual, mas no convívio humano, no contexto da sociedade humana. Para tanto, postulou que a liberdade pertencendo à essência do homem, deve existir em todos igualmente. Segundo esse filósofo, a liberdade só pode ser garantida na sociedade civil se a limitação imposta ao arbítrio de cada um pelo pacto social for igual para todos. De fato, a igualdade exige uma reciprocidade incondicionada no tratamento com o outro, explicitando, não me é lícito tratar alguém segundo certo princípio e, ao mesmo tempo, exigir que esse alguém me trate por princípio diverso. O homem não pode considerar-se como fim em si mesmo, e desconsiderar essa mesma condição em outrem, daí se conclui que as máximas de uma vontade devem ser também máximas de uma vontade universal, ou seja, as leis criadas para si mesmo, pela atuação de uma vontade individual devem coincidir com as leis criadas para a sociedade, pela atuação de uma vontade universal. Assim, o exercício da liberdade de cada um compatibilizar-se-ia com o da liberdade de todos os demais, segundo um princípio de igualdade, isso exatamente por ser o direito de liberdade, inato e igual para todo ser racional".

14 Ibid., p. 150.

15 Walter BRUGGER, Dicionário de filosofia, p. 347: "... A razão prática é a razão (em sentido lato) enquanto determina a vontade mediante a lei moral".

16 Norberto BOBBIO, Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, p. 58 e 59.

17 Joaquim Carlos SALGADO, A idéia de justiça em Kant, p. 255.

18 Ibid., p. 268.

19 J. J. ROUSSEAU, O contrato social, p. 26.

20 MONTESQUIEU, O espírito das leis in Os Pensadores, p.199: "Não há palavra que tenha recebido as mais diferentes significações e que, de tantas maneiras, tenha impressionado o espírito como a palavra liberdade. Uns tomaram-na pela facilidade em depor aquele a quem outorgaram um poder tirânico; outros, pela facilidade de eleger aquele a quem deveriam obedecer; outros pelo direito de se armar, e de exercer a violência; estes, pelo privilégio de só serem governados por um homem de sua nação, ou por suas próprias leis. Certo povo considerou, por muito tempo, como liberdade o hábito de usar barbas compridas".

21 Ibid., p. 200.

22 Cesare Bonesana, marquês de BECCARIA, Dos delitos e das penas, p. 19: "... somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade, constitui o fundamento do direito de punir".

23 Ibid., p. 20.

24 Ibid., p. 107.

25 VOLTAIRE, O filósofo ignorante in Os Pensadores, p. 304.

26 Norberto BOBBIO, Igualdade e liberdade, p. 48 e 51.

27 Ibid., p. 57.

28 Pinto FERREIRA, Manual de direito constitucional, p.70.

29 J. CRETELLA JÚNIOR, Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro, p. 90.

30 Antônio FILARDI LUIZ, Curso de direito romano, p. 56: "A libertas para o romano, é seu maior bem, dividindo-se os homens em livres e escravos, segundo a divisão fundamental de Gaio, denominada de suma divisio, isto é, a principal divisão". (grifo do autor).

31 José Afonso da SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 230 e 231.

32 Francisco Fernández SEGADO, El derecho a la libertad y a la seguridad personal en España in Direito Constitucional – estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 416. Traduzindo: A liberdade é uma dimensão da pessoa. Entendida como liberdade geral de atuação ou se preferir como liberdade geral de autodeterminação individual.

33 J.J. Gomes CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1219.

34 André HAURIOU, Jean GICQUEL e Patrice GÉLARD, Droit constitucionnel et institutions politiques, p. 189 e 190. Traduzindo: Liberdade e soberania pessoal. - Esse estado, compreende a ‘liberdade humana’ como equivalente à ‘soberania humana’. A soberania está para o Estado, como a liberdade está para o indivíduo. O Estado é soberano porque graças à sua organização racional e ao equilíbrio interno de seu povo, ele mesmo se mantém.

35 Ibid., mesma página. Traduzindo: A liberdade física de ir e vir ou liberdade pessoal. Esse direito se entende como independência física do indivíduo de se opor, a toda sorte, a miséria, escravidão e servidão.

36 Ibid., p. 418: "... este derecho tenia como finalidad primigenia proteger al ciudadano frente a la arbitrariedad en las detenciones y prisiones anteriores a la finalización de un proceso penal por una sentencia judicial sin que, frente a las privaciones de libertad acordadas en ésta nadie cuestionara su legitimidad... "

37 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) – art. 7º; Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – art. 3º; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) – art. 9º; Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – 1969) – art. 7º.

38 Ibid., p. 153.

39 Ibid., p. 156: (corpo da Constituição, n. 2 da Seção IX do Art. I).

40 Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 63 e 64.

41 Ibid., p. 517.

42 Câmara dos Deputados, Declaração universal dos direitos humanos, p.13.

43 Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica in Manual de direito penal brasileiro - Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI, p. 870.

44 Ibid., p. 190 - 192.

45Senado Federal, Direitos humanos: declarações de direitos e garantias, p. 145.

46 Ibid., p. 146.

47 Ibid., p. 256, 261, 262, 263 e 264.

48 Ibid., p. 122. Traduzindo: Toda pessoa tem direito à liberdade e a segurança. Ninguém pode ser privada de sua liberdade sem a observância do estabelecido nesse artigo e nos casos e na forma previstos em lei.

49 Ibid., p. 122 e 123. Traduzindo: A prisão preventiva não poderá durar estritamente mais que o tempo necessário para a realização das investigações tendentes ao esclarecimento dos fatos, e, em todo caso, no termo máximo de setenta e duas horas, o detento será posto em liberdade à disposição da autoridade judicial.

50 Ibid., p. 122 e 123. Traduzindo: A lei regulará o procedimento do habeas corpus para produzir a imediata colocação à disposição judicial da pessoa detida ilegalmente. Da mesma forma, a lei determinará o prazo máximo de duração da prisão provisória.

51 Arnaldo QUIRINO, Prisão ilegal e responsabilidade civil do Estado, p. 14.

52 Ibid., p. 16.

53 Julio Fabbrini MIRABETE, Processo penal, p. 23.

54 Ibid., mesma página.

55 Vicente GRECO FILHO, Manual de processo penal, p. 8.

56 Ibid., p. 58.

57 Fernando da Costa TOURINHO FILHO, Processo penal, p. 9.

58 Ibid., p. 11.

59 Fernando da Costa TOURINHO FILHO, Manual de processo penal, p. 5.

60 Ibid., mesma página.

61 José Frederico MARQUES, Elementos de direito constitucional, p. 26.

62 Armida Bergamini MIOTTO, Curso de direito penitenciário, p.16: "Os estágios da sua evolução não correspondem a épocas definidas, nitidamente sucessivas no tempo, mas a estágios da evolução dos povos, diversos no tempo e no espaço. Ademais, no seio do mesmo povo, a evolução, mudança lenta e não uniforme, se apresenta como uma interpenetração dos diversos estágios, com a predominância de um deles. Até na mesma lei podem-se encontrar normas que refletem estágios diversos da evolução... ".

63 Ibid., p. 18 e 19.

64 Ibid., p. 19.

65 Cezar Roberto BITENCOURT, Falência da pena de prisão, p. 14.

66 Ibid., p. 23.

67 Ibid., p. 14.

68 Fustel de Coulanges, A cidade antiga, p. 303: "O plebeu debatia-se contra o patrício que, armado do seu crédito, queria fazê-lo cair na clientela. Para o plebeu, a clientela equivalia à escravidão, e as seus olhos a casa do patrício era uma prisão (ergastulum)". (grifo do autor).

69 J. Cretella Júnior, Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro, p. 420.

70 Ralph Lopes PINHEIRO, História resumida do direito, p. 127.

71 Ibid., p. 16.

72 Fernando da Costa TOURINHO FILHO, Código de processo penal comentado, p. 358.

73 Ibid., p, 28.

74 Ibid., p. 18.

75 Ibid., p. 29.

76 Ibid., p. 34.

77 Ibid., p. 25.

78 Cesare BECCARIA, Dos delitos e das penas, p.107.

79 Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI, Manual de direito penal brasileiro, p. 280.

80 Armida Bergamini MIOTTO, Curso de direito penitenciário, p. 31.

81 De PLÁCIDO e SILVA, Vocabulário jurídico, p. 1.221.

82 Ibid., p. 1.221.

83 José Frederico MARQUES, Elementos de direito processual penal, p.38.

84 Willian SILVA, Direito processual penal ao vivo: teoria e prática, p. 154.

85 Ibid., p. 34.

86 Ibid., p. 42.

87 Ibid., p. 156.

88 Fernando CAPEZ, Curso de processo penal, p. 220.

89 Ibid., p. 220.

90 Julio Fabbrini MIRABETE, Processo penal, p. 359 e 360.

91 Willian SILVA, Direito processual penal ao vivo: teoria e prática, p. 156.

92 José FREDERICO MARQUES, Elementos de direito processual penal, p. 36: "As medidas cautelares, no Direito Processual Penal brasileiro, ou se destinam a garantir a indenização do dano advindo do crime ou atuam estritamente no campo da persecutio criminis. Nesta última hipótese, ou são providências coercitivas contra o status libertatis do réu, e se destinam a tutelar o interesse punitivo do Estado consubstanciado na provável condenação do réu, ou, então, visam impedir danos à liberdade do réu, como providências de contracautela, com o escopo de garantir o status libertatis em face do poder coercitivo-cautelar do Estado. As medidas cautelares, conexas instrumentalmente com a persecutio criminis, são as seguintes: a prisão preventiva, a prisão em flagrante, a prisão provisória... ". (grifo do autor).

93 Roberto DELMANTO JÚNIOR, As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 67: "A fumaça do bom direito e o perigo na demora do processo, diante das peculiaridades da imposição de qualquer modalidade de prisão provisória, não satisfazem. Para tanto, e com a devida vênia, ao invés de se falar em fumus boni iuris e periculum in mora, preferimos nos utilizar dos termos fumus comissi delicti e periculum libertatis (...) Em outras palavras, primeiro hão de ser constatadas a materialidade do delito e a existência de graves indícios de sua autoria (que são os pressupostos da prisão cautelar); em seguida, deverá ser aferida a ocorrência do perigo concreto que a manutenção da liberdade do acusado representa para a instrução processual ou para a futura aplicação da lei penal (seus requisitos)". (grifo do autor).

94 Ibid., p. 65.

95 Ibid., p. 59.

96 Marco Antônio VILAS BOAS, Processo penal completo, p. 309-310.

97 Fernando da Costa TOURINHO FILHO, Manual de processo penal, p. 526.

98 Ibid., p. 62-63.

99 Ibid., p. 164.

100 Ibid., p.333.

101 Ibid., p. 334.

102 Ibid., p. 175.

103 Agapito MACHADO, Prisões: legalidade, ilegalidade e instrumentos jurídicos, p. 103: "Muitos entendem que a prisão temporária é inconstitucional porque, na verdade, já existem prisões cautelares suficientes, notadamente a preventiva /facultativa, não passando ela de prisão para averiguação".

104 Ibid., p. 172.

105 Railda SARAIVA, A constituição de 1988 e o ordenamento jurídico-penal brasileiro, p. 33-34.

106 Ibid., p. 393.

107 Ada Pellegrini GRINOVER, Antônio Magalhães GOMES FILHO e Antônio SCARANCE FERNANDES, Recursos no processo penal, p. 363.

108 Arnaldo QUIRINO, Prisão ilegal e responsabilidade civil do Estado, p. 73-74.

109 Ibid., p. 321.

110 Ibid., p. 240.

111 Pinto FERREIRA, Teoria e prática do habeas corpus, p. 20.

112 Ibid., p. 89.

113 Ibid., p. 307: "... a revisão criminal, entre nós, é induvidosamente ação autônoma impugnativa de sentença passada em julgado, de competência originária dos tribunais. A relação processual atinente à ação condenatória já se encerrou e pela via da revisão instaura-se nova relação processual, visando a desconstituição da sentença (juízo rescidente ou revidente) e a substituí-la por outra (juízo rescisório ou revisório)".

114 Ibid., p. 678-679.

115 Ibid., p. 334.

116 Américo Luís MARTINS DA SILVA, O dano moral e a sua reparação civil, p. 66.

117 Hélcio Maciel França MADEIRA, Digesto de Justiniano, livro I, p. 19.

118 Ralph Lopes PINHEIRO, História resumida do direito, p. 129-130.

119 Josivaldo Félix de OLIVEIRA, A responsabilidade do Estado por ato lícito, p. 23.

120 Ibid., p. 24.

121 Josivaldo Félix de OLIVEIRA, A responsabilidade do Estado por ato lícito, p. 40-41: "Em seu moderno significado, a responsabilidade civil presupõe a individualização e a patrimonialidade da sanção; proporcionalidade entre o dano e o ressarcimento; a verificação judicial do nexo de causalidade entre o ofensor e o dano; e o princípio do alcance do status quo ante, mesmo que aproximado, por meio do processo de responsabilização. O dano, a causa, o efeito e a sanção reparadora tipificam, pois, a categoria jurídica, de forma definida e que alcança tanto as pessoas jurídicas privadas como as públicas na busca do equilíbrio e da paz social".

122 Ibid., p. 25.

123 Marcelo Sampaio SIQUEIRA, Responsabilidade do Estado: erro judicial praticado em ação cível, p. 35.

124 Celso Antônio BANDEIRA DE MELO, Curso de direito administrativo, p. 659.

125 Josivaldo Félix de OLIVEIRA, A responsabilidade do Estado por ato lícito, p. 44: "Dentro dessa linha de pensamento, o termo "civil" surge inadequadamente por induzir sempre a idéia de uma relação regida pelo Direito Privado, ensejando a busca de princípios privatísticos para fundamentar a matéria, quando na verdade, a responsabilidade do Estado é informada por princípios publicísticos, exorbitantes e derrogatórios do direito comum. A concepção de que o Estado, como pessoa jurídica pública, só responde civilmente, na esteira da evolução a que se submete o instituto da responsabilidade jurídica, tende a ser reformulado. Na doutrina internacional vamos encontrar trabalhos tendentes à demonstração de que as pessoas jurídicas são passíveis de se submeter a outro tipo de sanção que não apenas da área cível".

126 Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Direito administrativo, p. 512.

127 Sonia STERMAN, Responsabilidade do Estado. movimentos multitudinários – saques, depredações – fatos de guerra. revoluções. atos terroristas, p. 13.

128 Sonia STERMAN, Responsabilidade do Estado. movimentos multitudinários – saques, depredações – fatos de guerra. revoluções. atos terroristas, p. 14: "O abandono da teoria da irresponsabilidade total do Estado se deu em 1946, nos Estados Unidos, com o "Federal Tort Claims Act" e na Inglaterra em 1947, com o "Crown Proceding Act". Ainda foi aceita a irresponsabilidade do Estado em pleno século XVIII e, embora a Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão e as Constituições do Estados modernos tenham adotado as garantias e proteção ao direito de propriedade, deixaram nesse campo, da responsabilidade estatal, de conceder aos particulares meios de acionar o Estado para obter o ressarcimento que seus agentes tivessem lhes causado, em face daquele posicionamento jurídico".

129 Ibid., p. 576.

130 Ibid., p. 513.

131 Ibid., p. 16.

132 Ibid., mesma página.

133 Sergio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 160.

134 Ibid., p. 515.

135 Hely Lopes MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, p. 558.

136 Ibid., mesma página.

137 Ibid., p. 518.

138 Ibid., p. 518-519.

139 José de Albuquerque ROCHA, Teoria geral do processo, p. 83.

140 Ibid., p. 294.

141 Pontes de MIRANDA, Comentários à constituição de 1967 com a emenda nº 1, de 1969, tomo III, p. 421.

142 Ibid., p. 86.

143 Sergio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 182: "... pela demora da decisão de uma causa responde civilmente o juiz, quando incorrer em dolo ou fraude ou, ainda, sem justo motivo, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de ofício ou a requerimento da parte (RE 70.121-MG, RTJ 64/689). A irreparabilidade dos danos provenientes de atos do Poder Judiciário resultaria do fato de se "tratar de um Poder soberano, que goza de imunidades que não se enquadram no regime da responsabilidade por efeitos de seus atos quando no exercício de suas funções". Nesse sentido acórdãos publicados na RTJ 39/190, 56/273, 59/782, 94/423".

144 Vilson Rodrigues ALVES, Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativo, executivo e judiciário, tomo II, p. 26.

145 José Joaquim Gomes CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 494-495.

146 Vilson Rodrigues ALVES, Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativo, executivo e judiciário, tomo I, p. 92: "i funzionari e i dipendenti dello Stato e degli enti publicisono direttamente responsabili, secondo le leggi penali, civili e amministrative, degli atti compiuti in violazione dei diritti. In tali casi la responsabilitá civile si estende allo Stato e agli enti pubblici". (Constituição da República italiana, art. 28).

147 Constituição da república portuguesa – 4ª Revisão – 1997 – Disponível em <http:www.dgsj.com.br> Acesso em 20 jan. 2002.

148 Ibid., p. 90.

149 Ibid., p. 112.

150 Ibid., p. 86.

151 Ibid., p. 164.

152 Ibid., p. 647.

153 Ibid., p. 157-158.

154 Ibid., p. 158.

155 Mauro CAPPELLETTI, Juízes irresponsáveis, p. 33.

156 Ibid., p. 649.

157 Ibid., p. 522.

158 Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Direito administrativo, p. 522-523: "A própria presunção de verdade atribuída às decisões judiciais aparece enfraquecida num sistema judiciário como o nosso, em que o precedente judiciário não tem força vinculante para os magistrados; são comuns decisões contrárias e definitivas da mesma norma legal; uma delas afronta, certamente, a lei". (grifo do autor).

159 Ibid., p. 153-154.

160 Ibid., p. 156-157.

161 Ibid., p. 158.

162 Ibid., p. 495.

163Rui STOCO, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial : doutrina e jurisprudência, p. 541.

164 Luiz Antonio Soares HENTZ, Direito administrativo e judiciário, p. 47.

165 Vilson Rodrigues ALVES, Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativo, executivo e judiciário, 2 t, p. 116.

166 Ibid., p. 118.

167 Ibid., p. 46.

168 César Barros LEAL, Direitos do homem e sistema penitenciário (enfoque da realidade brasileira) – XVIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 1999.

169 Agapito MACHADO, Prisões: legalidade, ilegalidade e instrumentos jurídicos, p. 68.

170 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 685.

171 Arnaldo QUIRINO, Prisão ilegal e responsabilidade civil do Estado, p. 53.

172 J.J. Gomes CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1219: "O direito de liberdade significa o direito de liberdade física, a liberdade de movimentos, ou seja, o direito de não ser detido ou aprisionado ou de qualquer modo fisicamente condicionado a um espaço, ou impedido de se movimentar."

173 Ibid., p. 54.

174 Constituição da República Portuguesa. 4ª Revisão – 1997 – Disponível em:< http://www.dgsj.com.br> Acesso em: 20 jan. 2002.

175 Maria João ANTUNES, Código de processo penal, p. 132.

176 Ada Pellegrini GRINOVER, Antônio Magalhães GOMES FILHO e Antônio SCARANCE FERNANDES, Recurso no processo penal, p. 334.

177 Ibid., p. 540-541.

178 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 684.

179 José de Aguiar DIAS, Da responsabilidade civil, v. II, p. 327.

180 Ibid., p. 542.

181 Ibid., p. 546.

182 Ibid., p. 546.

183 STJ – 6ª T. – REsp. nº 61.899-1/SP – Rel. Min. Vicente Leal. Ementário STJ, 15/220.

184 STJ -1ª T. - REsp nº 220.982/RS – Rel. Min. José Delgado – DJU 03/04/2000 – p. 00116.

185 Julgamento da Apelação Cível nº 597178387 – 1ª Câmara Cível – Porto Alegre.

186 Willian SILVA, Direito processual penal ao vivo: teoria e prática, p. 171-172.

187 Ibid., p. 67.

188 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 678.

189 Nesse sentido, Ada Pellegrini GRINOVER, Antônio Magalhães GOMES FILHO e Antônio SCARANCE FERNANDES. Recursos no processo penal, p. 334 e 430: "É oportuno lembrar, embora fuja a análise da indenização por erro judiciário, que a segunda parte do dispositivo constitucional, ao prever indenização para quem ficar preso além do tempo fixado na sentença, também se aplica à prisão cautelar injusta". Súmula 28 da Mesa de Processo Penal da USP – "A injustiça da prisão cautelar, conquanto legal, revelada por sentença absolutória por inexistência do fato ou da autoria, justifica que o Estado repare o dano causado, com base no art. 37 da CF".

190 Josivaldo Fêlix de OLIVEIRA, A responsabilidade do Estado por ato lícito, p. 91.

191 Ibid., p. 51.

192 Ibid., p. 43.

193 Ibid., p. 683.

194 Konrad HESSE, A força normativa da Constituição, p. 22-23.

195 Ana Carla Pinheiro FREITAS, Direitos fundamentais e direito internacional (versão abreviada), p. 18-19.

196 Antônio Augusto Cançado TRINDADE, A proteção internacional dos direitos humanos, p. 95.

197 Antônio Augusto Cançado TRINDADE, A proteção internacional dos direitos humanos, p. 95 e segs.

198 Roberto DELMANTO JÚNIOR, As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 37.

199 Antônio Augusto Cançado TRINDADE, A proteção internacional dos direitos humanos, p. 355.

200 Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI, Manual de direito penal brasileiro, p. 867 e segs.

201 Ibid., p. 44-45.

202 Fernando da Costa TOURINHO FILHO, Processo penal, 4 v., p. 624: "Pensamos que, se a confissão foi conseguida mediante coação (o caso dos irmãos Naves ainda está na lembrança), ou o réu deixou de comparecer em juízo para se defender, com receio de ser preso, e, após a condenação, apura-se o erro judiciário, que culpa se lhe pode atribuir? Devia ele suportar as torturas e não confessar? Devia ele apresentar-se à justiça, mesmo sabendo-se inocente, e permanecer preso, até que um dia surgisse um raio de luz para clarear as sombras do processo? Seria demais. Entre nós, a despeito da proibição do art. 630, § 2º, a, do estatuto processual penal, os Tribunais têm atentado para essas situações singulares. Houve confissão, inclusive judicial, no caso dos Irmãos Naves. Descoberto o erro e provada a coação policial (que se estendeu até em juízo), determinou o Tribunal fosse paga a indenização".

203 Mário Moacir PORTO, Responsabilidade civil do Estado: atos legislativos e atos judiciários, p. 68.

204 Ibid., p. 679.

205 Ibid., p. 678.

206 Konrad, HESSE, Elementos de direito constitucional da república federal da Alemanha, p. 54: "Para o Direito Constitucional, interpretação tem importância decisiva porque, em vista da abertura e amplitude da Constituição, problemas de interpretação nascem mais freqüentemente do que em âmbitos jurídicos, cujas normalizações entram mais no detalhe".

207 Raimundo Bezerra FALCÃO, Hermenêutica, p. 147.

208 Lenio Luiz STRECK, Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito, p. 97.

209 Carlos MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 91-92.

210 Luís Roberto BARROSO, Interpretação e aplicação da constituição, p. 127. Em nota de rodapé, Barroso faz a seguinte citação: "Em passagem deliciosamente espirituosa, o ex-Ministro Luiz Gallotti, do Supremo Tribunal Federal, ao julgar um recurso extraordinário naquela eg. Corte, assinalou: "De todas, a interpretação literal é a pior. Foi por ela que Clélia, na Chartreuse de Parme, de Stendhal, havendo feito um voto à Nossa Senhora de que não mais veria seu amante Fabrício, passou a recebê-lo na mais absoluta escuridão, supondo que assim estaria cumprindo o compromisso" (citado de memória, sem acesso ao texto do acórdão, que, aparentemente, não foi publicado)". (grifo do autor).

211Ibid., p. 98.

212 Celso Ribeiro BASTOS, Curso de direito constitucional, p. 182: "A proteção à honra consiste no direito de não ser ofendido ou lesado na sua dignidade ou consideração social. Caso ocorra tal lesão, surge o direito de defesa. A segunda parte do dispositivo cuida de assegurar um direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

213 Raimundo Bezerra FALCÃO, Hermenêutica, p. 262-263.

214 Marcelo Sampaio SIQUEIRA, Responsabilidade do Estado: erro judicial praticado em ação cível, p. 149: "A norma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é clara ao afirmar a responsabilidade objetiva do Estado por todos os atos que causem danos, desde que praticados pelos agentes públicos. Saliente-se que esse princípio não é novo, vem-se repetindo desde a Constituição de 1946, que consagrou o entendimento da responsabilidade do Estado fundada na teoria do risco, sendo, portanto, uma regra genérica, já que a sua redação, e o contexto em que encontra inserida, abrangem todos os atos praticados pelos agentes públicos. Vale ressaltar que o alcance da norma em comento atinge até as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, que vêem os atos praticados pelos seus agentes passíveis de responsabilização objetiva pelos danos causados aos administrados."

215 Ibid., p. 140.

216 Norberto BOBBIO, Teoria do ordenamento jurídico, p. 158.

217 Germana de Oliveira MORAES, Controle jurisdicional da administração pública, p. 20.

218 Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional, p. 248.

219 Willis Santiago GUERRA FILHO, Introdução ao direito processual constitucional, p. 36-37.

220 Ibid., p. 1124-1125.

221 Jorge MIRANDA, Manual de direito constitucional, p. 228.

222 Ibid., p. 1137.

223 Willis Santiago GUERRA FILHO, Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 48.

224 Ibid., p. 1137.

225 Ibid., p. 48.

226 Luís Cabral de MONCADA, Estudos de direito público, p. 341: "A Constituição não cria os valores: recebe-os e, do mesmo passo, positiva-os. Ex jure quod est regula Fiat, na fórmula (abreviada) de Paulo. Ora ao positivá-los, dar-lhes seguramente um tratamento que é constitutivo do regime jurídico que para eles reconhece como sendo o mais adequado".

227 Ibid., p. 230.

228 Cf. Francisca Edineusa PAMPLONA, A dignidade da pessoa humana na ordem constitucional democrática, p. 9.

229 Immanuel KANT, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 140: "No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade. O que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais tem um preço venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade, é conforme a um certo gosto, isto é, a uma satisfação no jogo livre e sem finalidade das nossas faculdades anímicas, tem um preço de afeição ou de sentimento (Affektions-preis); aquilo porém que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é, um preço, mas uma valor íntimo, isto é, dignidade". (grifo do autor).

230 Glauco Barreira MAGALHÃES FILHO, Hermenêutica e unidade axiológica da constituição, p. 228.

231 O princípio da dignidade da pessoa humana, antes de ser tido como valor básico de todas as Constituições dos países civilizados, foi por demais desrespeitado, em virtude, especialmente da II Guerra Mundial, quando através da utilização de práticas nazistas, os prisioneiros, recolhidos em campos de concentração perdiam a ligação com o mundo, mediante isolamento e sujeitavam-se às mais variadas formas de humilhação e desrespeito como a perda das roupas, pertences pessoais, cabelos, dentes e do próprio nome, recebendo identificação por números, fatos que atestam a perda da identidade e da dignidade humana. Após esses acontecimentos de degradação à espécie humana, o mundo pós-guerra presenciou uma nítida profissão de fé à dignidade do homem. Foi a própria Alemanha quem primeiro reconheceu expressamente o princípio da dignidade, asseverando, em seu art. 1º, I (1949), que a dignidade do homem é intangível e que os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la, reagindo assim, contra as práticas nazi-facistas da época. Buscou inspiração na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e na Declaração Universal dos Direitos Humano (aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10/12/1948) e na Constituição de Weimar (1919).

232 José Afonso da SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 106.

233 JJ. Gomes CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 225.

234 Ingo Wolfgang SARLET, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 60: "... temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos".

235 Carmem Lúcia Antunes ROCHA, O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social, p. 4: "Dignidade é o pressuposto da idéia de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento. Por isso é que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social. Não se há de ser mister ter de fazer por merecê-la, pois ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré-estatal".

236 Ibid., p. 59.

237 O princípio da dignidade da pessoa humana, se constitui na verdade em uma garantia contra possíveis ataques por parte dos poderes públicos, especialmente quando o Poder Judiciário atua indevidamente, decretando prisões ilegais que acabam por atingir o homem em sua dignidade, tendo em vista que o citado poder não tem legitimidade para, a seu talante, espezinhar o homem, devendo tal proceder ser veementemente repelido em nome da dignidade.

238 Cármen Lúcia Antunes ROCHA, O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social, p. 3: "Toda forma de aviltamento ou de degradação do ser humano é injusta. Toda injustiça é indigna e, sendo assim, desumana".

239 Luiz Antônio Soares HENTZ, Direito administrativo e judiciário, p. 21: "Ponderável fundamento jurídico obriga o Estado a indenizar a vítima de dano provocado por sua indevida atuação, pois, como ao particular, não lhe é dado ficar imune à responsabilidade em face de uma conduta ilícita que causou dano ao administrado. A imposição de um sacrifício ao particular faz incidir a regra da igualdade dos ônus e encargos, impondo a distribuição destes por todos os administrados. É uma ocorrência do princípio da isonomia do art. 5º, caput, da Constituição Federal... ".

240 Ibid., p. 54.

241 Sergio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 71.

242 Carlos BITAR, Reparação civil por danos morais, p. 41.

243 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 17-18.

244 Súmula 37 do STJ: "são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

245 Arnaldo QUIRINO, Prisão ilegal e responsabilidade civil do Estado, p. 61.

246 6ª Câmara do TJRJ: Ocorrendo prisão ilegal e tortura, existe responsabilidade civil do Estado. (31.08.1982, RT 570/188).

4ª Câmara do TJSP: Se uma pessoa for encarcerada, injustamente, sem qualquer motivo, e se, em tal situação, tinha o Poder Público a obrigação de manter e assegurar uma incolumidade física, por certo que deve responder pelas conseqüências dos danos que ele sofreu na prisão. (17.11.1977, RT 511/88).

4ª Câmara do TJPR: Responsabilidade civil do Estado – Pessoa presa ilegalmente pela Polícia – Espancamento – Perda do globo ocular – Indenização devida. O Estado é responsável civilmente pelos danos causados por agentes policiais em pessoa ilegalmente presa. (26.08.1970, RT 418/308).

247 Ibid., p. 57-58.

248 Art. 1.537: A indenização no caso de homicídio, consiste: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto devia.

249 Art. 1.539: Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

250 Art. 1.538: No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.

251 Ibid., p. 61.

252 Ibid., p. 62.

253 Art. 9º - 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.

254 Art. 7º - Direito à liberdade pessoal - 1.Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido à detenção ou encarceramento arbitrários

255 Art. XII: Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

256 Ibid., p. 62.

257 Ibid., p. 63.

258 Américo Luís Martins da SILVA, O dano moral e a sua reparação civil, p. 317.

259 Paulo José da COSTA JÚNIOR, As garantias da liberdade individual em face das novas tendências penaes, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1936, p. 186, apud Roberto Delmanto Junior. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro : Renovar, 1988, p. 11.

260 Luiz Antonio Soares HENTZ, Direito administrativo e judiciário, p. 59: "Foi visto não ser necessário dano efetivo para incidir a indenização específica por prisão indevida, o que não afasta, contudo, a reparabilidade das lesões patrimonial e moral, sujeita a primeira à recomposição patrimonial, e a segunda, à indenização por arbitramento. Mas como se apuraria o quantum da indenização por prisão indevida? A liquidação do dano pessoal depende de arbitramento. Deverá ser fixado um valor em dinheiro suficiente para a indenização do tempo de indevida privação da liberdade. Há uma sanção contra o Estado pela perda da liberdade física por certo tempo, e, não se ligando a questões de ordem social, seria conveniente que a lei prefixasse a indenização por cada dia de sua duração, o que deverá ser feito mediante lei ordinária que vier a regulamentar o inciso LXXV do art. 5º da Constituição Federal". (grifo do autor).

261 Vilson Rodrigues ALVES, Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativos, executivo e judiciário, 1 t., p. 130.

262 Ibid., p. 22.

263 Art. 133: Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único: Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não atender o pedido no prazo de 10 dias.

264 Luiz Antonio Soares HENTZ, Direito administrativo e judiciário, p. 72: "... o juiz poderá ser chamado à responsabilidade pessoal, por intermédio da ação regressiva, apenas nas hipóteses restritas da lei ordinária, não importando na natureza do processo onde se verificou a ilícita conduta".

265 Ibid., p. 188.

266 Ibid., p. 358.

267 Vilson Rodrigues ALVES, Responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes dos poderes legislativos, executivo e judiciário, 2 t., p. 367: "Legitimado ativo é o que sofre o défice provindo da pessoa que, na qualidade de agente das pessoas jurídicas de direito publicístico e pessoas jurídicas de direito privatístico prestadoras de serviço público, exerça conduta comissiva, ou omissiva, que lhe cause dano".

268 Ibid., p. 369.

269 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 696.

270 Ibid., p. 703.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5961. Acesso em: 26 abr. 2024.