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Controle do poder executivo do juiz

Controle do poder executivo do juiz

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O princípio da tipicidade dos meios executivos expressa a idéia de que os meios de execução devem estar previstos na lei e, assim, que a execução não pode ocorrer através de formas executivas não tipificadas.

Sumário:1. O princípio da tipicidade dos meios executivos – 2. O princípio da tipicidade como previsão de meios de execução por sub-rogação – 3. As novas necessidades do direito material e a insuficiência dos meios executivos tipificados em lei – 4. Do princípio da tipicidade ao princípio da concentração dos poderes de execução – 5. A influência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva sobre o princípio da concentração – 6. As cláusulas gerais executivas como respostas ao direito ao meio executivo adequado – 7. Princípio da concentração, ruptura da regra da congruência e possibilidade de alteração do meio executivo – 8. A omissão legal e o dever de o juiz determinar o meio executivo adequado como decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – 9. O controle do poder executivo diante das cláusulas gerais – 10. O controle do poder executivo após o trânsito em julgado – 11. O controle da alteração da modalidade executiva na tutela antecipatória – 12. O controle da determinação da modalidade executiva adequada na antecipação de soma – 13. A justificativa como forma de racionalizar o uso do poder de execução e de viabilizar a participação das partes no processo


1 O princípio da tipicidade dos meios executivos

O princípio da tipicidade dos meios executivos expressa a idéia de que os meios de execução devem estar previstos na lei e, assim, que a execução não pode ocorrer através de formas executivas não tipificadas. Restringindo a execução aos meios de execução estabelecidos na lei, o princípio objetiva garantir o jurisdicionado contra a possibilidade de arbítrio na utilização da modalidade executiva.

Supõe-se, em razão desse princípio, que os cidadãos têm o direito de saber de que forma as suas esferas jurídicas serão invadidas quando a sentença de procedência não for observada. Esse princípio chega a ser curioso quando se pensa em admitir uma garantia ao cidadão que descumpre a sentença, embora possa ser compreensível, considerando-se o momento histórico em que foi forjado, como mecanismo garantidor da liberdade dos litigantes contra a possibilidade de arbítrio judicial.

A preocupação em conter o poder executivo do juiz é intimamente ligada aos valores do Estado liberal-clássico, ou melhor, à necessidade de impedir a interferência estatal na esfera jurídica dos indivíduos. Nesse sentido o princípio da tipicidade dos meios executivos é a expressão jurídica da restrição do poder de execução do juiz e da idéia de que o exercício da jurisdição deve se subordinar estritamente à lei. Em outras palavras, a lei, ao definir os limites da atuação executiva do juiz, seria uma garantia de justiça das partes no processo.

A necessidade de subordinar o exercício da execução aos meios executivos estampados na lei influenciou a doutrina italiana clássica e, por conseqüência, a doutrina brasileira e o Código de Processo Civil de 1973. Frise-se, apenas como exemplo, que Crisanto Mandrioli, em seu livro sobre a "esecuzione forzata in forma specifica", publicado na Itália há mais de cincoenta anos [1], aplaudiu o princípio da tipicidade, advertindo que "a precisa referência às formas previstas no Código de Processo Civil implica no reconhecimento da regra fundamental da intangibilidade da esfera de autonomia do devedor, a qual somente poderia ser invadida nos modos e através das formas tipicamente previstas pela lei processual". [2]

Na verdade, não há como negar a relação entre a rigidez das formas processuais e as garantias de liberdade. Tanto é que Vittorio Denti, ao escrever sobre "Il processo di cognizione nella storia delle riforme", lembrou que Chiovenda, em uma de suas mais famosas conferências ("Le forme nella difesa giudiziale del diritto", 1901), não apenas sublinhou a necessidade das formas como garantia contra a possibilidade de arbítrio do juiz, como ainda deixou clara "a estreita ligação entre a liberdade individual e o rigor das formas processuais". [3]


2 O princípio da tipicidade como previsão de meios de execução por sub-rogação

A possibilidade de o juiz ordenar sob pena de multa também não poderia ser admitida se o que se pretendia era um juiz despido de força, ou melhor, um juiz destituído de poder capaz de comprimir o direito de liberdade. Por esse motivo, a lei somente poderia estabelecer meios de sub-rogação, jamais meios de coerção indireta.

Ou seja, quando o direito do autor, para ser efetivado, dependesse de declaração (sentença) e de atuação no plano dos fatos, os únicos meios que poderiam estar expressos na lei, e que por isso poderiam ser aplicados, eram os meios de sub-rogação. Tal sentença, qualificada de condenatória, somente poderia se ligar a meios de sub-rogação. Daí a famosa correlação necessária entre a condenação e a execução – chamada de execução forçada

Como é óbvio, tal correlação não esconde apenas uma opção pela incoercibilidade das obrigações infungíveis, mas também a ideologia da intangibilidade da vontade humana. Não há dúvida de que a restrição da atividade executiva aos meios de sub-rogação está comprometida com as doutrinas que inspiraram o Code Napoléon, pelo qual "toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor" (art. 1.142), e principalmente com o dogma de que a coerção das obrigações infungíveis constitui um atentado contra a liberdade dos homens.

Aliás, a limitação dos poderes de execução tem um significado que ultrapassa o da intangibilidade da vontade humana. Se o art. 1.142 do Code Napoléon constitui uma evidente consagração da garantia da liberdade e da defesa da personalidade, característicos ao jusnaturalismo e ao racionalismo iluminista [4], não se pode esquecer do vínculo entre a ideologia liberal e a transformação do processo econômico [5], ou, em outras palavras, da estreita ligação entre a concepção liberal de contrato, a igualdade formal das pessoas e o ressarcimento do dano como sanção expressiva de uma determinada realidade de mercado [6], que necessitava simplesmente de meios de execução por sub-rogação.

O ressarcimento em dinheiro, limitando-se a exprimir o equivalente pecuniário do bem almejado, nega as diferenças entre os bens e as pessoas. Ora, se os litigantes são iguais, e assim livres para se auto-determinarem no contrato, não cabe ao Estado, no caso de inadimplemento, interferir na relação jurídica, assegurando a tutela específica da obrigação mediante o uso da multa. Com efeito, se os limites impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, basta o pagamento do valor equivalente ao da obrigação [7] e, portanto, os meios de execução por sub-rogação.


3 As novas necessidades do direito material e a insuficiência dos meios executivos tipificados em lei

A evolução da sociedade e o surgimento de novas situações de direito substancial revelaram a insuficiência do procedimento comum e dos meios de execução por sub-rogação.

A insuficiência do procedimento comum pode ser evidenciada pela distorção do uso da ação cautelar, ou melhor, pela transformação da ação cautelar em "ação autônoma satisfativa". Mas, ao lado dessa distorção, atribuiu-se executividade às sentenças proferidas nessas ações, admitindo que a sua execução pudesse dispensar a ação de execução. Ou melhor, diante da inefetividade da tradicional ação de conhecimento, criou-se uma técnica para a sua sumarização dotada de "executividade intrínseca".

Isso ocorreu não só porque alguns direitos, em razão da sua natureza infungível, passaram a exigir a multa como meio executivo, como também porque outros não mais se conciliavam com os meios clássicos de execução por sub-rogação, especialmente com aqueles tipificados na lei.

A falência do princípio da tipicidade dos meios executivos se deve à premissa que lhe serve de fundamento. Essa premissa supõe que as necessidades oriundas das várias situações de direito material podem ser igualizadas e, portanto, contentarem-se com os mesmos meios executivos. Como é evidente, tal premissa, que sugere a possibilidade de se pensar de maneira abstrata - ou apenas com base em critérios processuais - a respeito da execução dos direitos, ignora que a função judicial está cada vez mais ligada ao caso concreto.

Ora, a diversidade das situações de direito material implica na tomada de consciência da imprescindibilidade do seu tratamento diferenciado no processo, especialmente em relação aos meios de execução. Ou seja, é equivocado imaginar que a lei pode antever os meios de execução que serão necessários diante dos casos concretos. A lei processual, se assim atuasse, impediria o tratamento adequado daqueles casos que não se amoldam à situação padrão por ela contemplada.


4 Do princípio da tipicidade ao princípio da concentração dos poderes de execução

A rebelião da prática contra o formalismo processual e a favor da efetividade dos novos direitos constituiu o balão de ensaio dos novos artigos 273, 461 e 461-A do Código de Processo Civil. Os artigos 461 e 461-A abriram oportunidade para a unificação dos processos de conhecimento e de execução ou transformaram o processo de execução em uma mera fase do processo de conhecimento, viabilizando a determinação de meios de execução e a imposição de multa na própria sentença. Além disso, esses três artigos passaram a admitir de forma expressa a tutela antecipatória no processo de conhecimento, inserindo a execução, obviamente que independente de ação de execução, no seio do processo de conhecimento.

Note-se que a elasticidade peculiar à multa, que pode ser fixada em montante adequado e ter o seu valor aumentado ou diminuído a requerimento ou de ofício, constitui resposta evidente à tendência de se dar poder executivo para o juiz bem tratar do caso concreto. Por outro lado, a regra contida no §5º do art. 461 afirma expressamente que o juiz pode determinar, de ofício ou a requerimento, a "medida necessária", exemplificando com a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva.

Tais artigos demonstram a superação do princípio da tipicidade, deixando claro que, para o processo tutelar de forma efetiva as várias situações de direito substancial, é indispensável não apenas procedimentos e sentenças diferenciados, mas também que o juiz tenha amplo poder para determinar a modalidade executiva adequada ao caso concreto.

Nessa linha, afigura-se correto afirmar que o legislador, ao perceber a necessidade de dar maior flexibilidade e poder executivo ao juiz, não teve outra alternativa a não ser deixar de lado o princípio da tipicidade. Tal poder executivo implica na concentração do poder de concessão da modalidade executiva adequada, motivo pelo qual é possível dizer que o princípio da tipicidade foi substituído pelo princípio da concentração dos poderes de execução.


5 A influência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva sobre o princípio da concentração

Como é sabido, o art. 5º da Constituição Federal elenca uma série de direitos fundamentais, entre eles o direito à tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Entende-se que essa norma garante a todos o direito a uma prestação jurisdicional efetiva.

A sua importância, dentro da estrutura do Estado Democrático de Direito, é de fácil assimilação. Ora, é sabido que o Estado, após proibir a autotutela, assumiu o monopólio da jurisdição e, como contrapartida, conferiu aos particulares o direito de ação, até bem pouco tempo compreendido apenas como um direito à solução do mérito, embora hoje visto como o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Esse direito se dirige contra o Estado-legislador e o Estado-Juiz, pois não só engloba um direito à pré-ordenação das técnicas processuais adequadas, como se dirige à obtenção de uma prestação do juiz.

Essa prestação do juiz, assim como a lei, também pode significar, em alguns casos, concretização do dever de proteção do Estado em face dos direitos fundamentais [8]. Contudo, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, quando se dirige contra o juiz, não exige apenas a efetividade da proteção dos direitos fundamentais, mas sim que a tutela jurisdicional seja prestada de maneira efetiva para todos os direitos. Tal direito fundamental, por isso mesmo, não requer apenas técnicas e procedimentos adequados à tutela dos direitos fundamentais, mas sim técnicas processuais idôneas à efetiva tutela de quaisquer direitos. Como é evidente, a resposta do juiz não é apenas uma forma de se dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim uma maneira de se dar tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial.

Mas, se o juiz tem o dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva, é certo dizer que o seu dever não se resume a uma mera resposta jurisdicional. O dever do juiz, assim como o do legislador de instituir a técnica processual adequada, está ligado ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, compreendido como um direito imprescindível para a proteção de todos os outros direitos.

O jurisdicionado não é obrigado a se contentar com um procedimento inidôneo à tutela jurisdicional efetiva, pois o seu direito não se resume à possibilidade de acesso ao procedimento legalmente instituído. Com efeito, o direito à tutela jurisdicional não pode restar limitado ao direito de igual acesso ao procedimento estabelecido, ou ao conceito tradicional de direito de acesso à justiça. Não mais importa apenas dizer que todos devem ter iguais oportunidades de acesso aos procedimentos e aos advogados, e assim à efetiva possibilidade de argumentação e produção de prova, uma vez que o julgamento do mérito, na perspectiva daquele que busca o Poder Judiciário, somente tem importância quando o direito material é efetivamente realizado [9].

É por essa razão que o direito de ação, ou o direito de acesso à justiça, deve ser pensado como o direito à tutela jurisdicional efetiva, que tem como corolário o direito ao meio executivo adequado ao caso concreto [10].

Se há direito ao meio executivo capaz de dar efetividade ao direito material, e essa efetividade depende das circunstâncias do caso concreto, não é possível aceitar a idéia de que o juiz somente pode admitir o uso dos meios executivos previamente estabelecidos em lei. Nessa dimensão, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva exige que o juiz tenha poder para determinar a medida executiva adequada, afastando o princípio da tipicidade e consagrando o princípio da concentração dos poderes de execução do juiz.


6 As cláusulas gerais executivas como respostas ao direito ao meio executivo adequado

Como o direito fundamental à tutela jurisdicional incide sobre o Estado-legislador, obrigando-o a instituir regras e instrumentos capazes de dar efetividade à prestação jurisdicional, o legislador se viu obrigado a outorgar ao juiz poder suficiente para que ele pudesse bem tratar dos casos concretos.

As regras dos artigos 84 do CDC e 461 e 461-A do CPC são respostas do legislador à idéia de que tal direito fundamental exige que o juiz concentre poder para determinar a medida executiva necessária para dar efetividade à tutela jurisdicional, inclusive antecipatória. Tais regras, como já dito, instituem a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto e, inclusive, variar o montante da multa necessário ao convencimento do demandado.

Nesse sentido, essas regras podem ser ditas abertas à concretização judicial. Ou seja, tais regras contêm a previsão de que o poder de execução deve ser concretizado conforme as circunstâncias do caso concreto. Reforço disso é a alusão expressa às "medidas necessárias" à execução, contida nos artigos 461, §5º, do Código de Processo Civil e 84, §5º, do Código de Defesa do Consumidor.

Como as regras processuais, em geral, vinculam o juiz e as partes ao que pode e ao que não pode ser feito, tais regras têm uma natureza peculiar, pois não só apresentam uma moldura ampla, dentro da qual o juiz pode trabalhar, como anunciam que esse trabalho deve ser realizado segundo as circunstâncias do caso concreto, quando então poderá ser estabelecida a medida executiva necessária.

Ou melhor, tais regras não "definem tudo o que poderia ser definido", isto é, não fixam as medidas executivas que devem ser utilizadas, mas deixam ao juiz o poder de escolher a medida executiva adequada ao caso concreto. Como é obvio, essa "indefinição" é própria a uma regra aberta à concretização judicial, que também pode ser pensada, na perspectiva do poder de escolha do meio executivo conferido ao juiz, como uma cláusula geral executiva.

Como é sabido, o juiz é obrigado a interpretar as normas infraconstitucionais de acordo com a Constituição [11] ou de acordo com os direitos fundamentais [12]. Isso decorre da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, ou melhor, da sua força jurídica objetiva, quando se fala na eficácia irradiante dos direitos fundamentais, "no sentido de que esses, na sua condição de direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional" [13].

Tal eficácia irradiante é que faz surgir a tese da interpretação de acordo com os direitos fundamentais. Ora, a interpretação da cláusula geral executiva ou a definição do meio executivo adequado deve ser feita em conformidade com os direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva e à defesa, os quais devem ser visualizados a partir da premissa de que a prestação jurisdicional se destina a fazer valer a tutela prometida pelo direito material.


7 Princípio da concentração, ruptura da regra da congruência e possibilidade de alteração do meio executivo

Os artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor não só deferem ao autor a oportunidade de requerer o meio executivo que reputar adequado ao caso concreto, mas também ao juiz o poder de conceder meio executivo diverso do solicitado.

A ruptura do princípio da tipicidade não implicou apenas na possibilidade de uso de meio executivo não previamente estabelecido, mas também na não adstrição do juiz ao meio executivo solicitado. O princípio da tipicidade e a regra da congruência possuem íntima relação com a idéia de garantia de liberdade dos litigantes. Se a tipicidade tem a função de impedir a execução através de meio executivo não previsto na lei, a regra da adstrição seria um corolário seu, isto é, uma regra destinada a complementar a segurança do litigante, que somente poderia ter a sua esfera jurídica invadida por intermédio do meio de execução previsto na lei e escolhido pelo autor.

Quando se percebeu que, para bem tratar das novas situações de direito substancial, era necessário dar maior mobilidade ao juiz - até porque o Judiciário deixou de ser pensado como "inimigo público" -, foi conferido ao autor a possibilidade de escolher o meio executivo adequado e ao juiz não apenas o poder de admiti-lo, mas também o poder de, ao considerá-lo inidôneo, conceder outro. Vale dizer que, diante das cláusulas gerais executivas, além de a lei não definir o meio executivo que deve ser utilizado, dando ao autor a possibilidade de postular o que reputar oportuno, o juiz não está mais adstrito ao meio executivo solicitado, podendo determinar aquele que lhe parecer o mais adequado ao caso concreto.

Nessa linha de argumentação, não é difícil perceber a razão de se dar ao juiz a possibilidade de aumentar ou diminuir o valor da multa na fase de execução, conforme a disposição do art. 461, §6º, do Código de Processo Civil. Isso se deve ao fato de que a multa é uma modalidade executiva e, assim, deve ser proporcional à finalidade a que se destina. Na verdade, o juiz pode alterar qualquer modalidade executiva, e não só o valor da multa, podendo até mesmo substituir a multa por uma medida de execução direta ou vice-versa.

Note-se que a desnecessidade de observância estrita da lei e do pedido, bem como a liberdade de alteração do meio executivo, tem um só fundamento: o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.


8 A omissão legal e o dever de o juiz determinar o meio executivo adequado como decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva

Se a técnica processual é imprescindível para a efetividade da tutela dos direitos, não se pode supor que, diante da omissão do legislador, o juiz nada possa fazer, uma vez que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige contra o Estado-Juiz. Portanto, é equivocado imaginar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de forma efetiva os direitos somente porque o legislador deixou de editar uma norma processual capaz de atender ao direito material.

De acordo com o art. 5º, §1º, da Constituição Federal, "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". [14] Quando se diz que tais normas têm aplicação imediata, deseja-se evidenciar sua força normativa. Como a essa norma não se pode atribuir função retórica, não há como supor que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva somente possa se expressar em conformidade com a lei, e que assim seja dela dependente.

Isso significa que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não pode ser comprometido por um defeito de técnica processual. Supor que o direito à tutela jurisdicional é o direito de ir a juízo através do procedimento legalmente fixado, pouco importando a sua idoneidade para a efetiva tutela dos direitos, é inverter a lógica da relação entre o direito material e o direito processual. Ora, se o direito à tutela jurisdicional restar na dependência da técnica processual expressamente presente na lei, o processo é que estará dando os contornos do direito material. Mas, como é óbvio, deve ocorrer exatamente o contrário, pois o primeiro serve para cumprir os desígnios do segundo. Por essa razão a ausência de técnica processual adequada para a tutela do direito material representa hipótese de omissão legal que atenta contra o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Se o dever do legislador editar o procedimento idôneo pode ser reputado descumprido diante de determinado caso concreto, o juiz, diante dessa situação, obviamente não perde o seu dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, não é possível ignorar os casos em que não existe legislação ou que essa é insuficiente, hipóteses denominadas por Vieira de Andrade como de "falta de lei". [15] Nesse caso – esclarece o jurista português -, "o princípio da aplicabilidade direta vale como indicador de exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se a sua ‘perfeição’. Isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização para com que esse fim os concretizarem por via interpretativa". [16]

Na hipótese em que o Estado se omite em editar técnica processual adequada à efetiva prestação da tutela jurisdicional, o juiz deve verificar se a sua aplicação é necessária em face das necessidades do direito material, ou seja, das tutelas que devem ser prestadas para que ocorra a efetividade do direito. Realmente, se não há dúvida de que o juiz deve prestar a tutela do direito de modo efetivo, é preciso apenas verificar se as necessidades do direito material exigem uma técnica processual não prevista pela lei. Nessa situação, o juiz deve analisar a tutela prometida pelo direito material – se inibitória, ressarcitória etc – e as circunstâncias do caso concreto – se é necessária a sua antecipação, qual o meio executivo capaz de atender à necessidade de tutela etc – para então concluir se houve omissão legal, vale dizer, falta de atendimento ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva pelo legislador.

No caso de omissão ou de insuficiência legal, o juiz deve supri-la, aplicando diretamente a norma que institui o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, mas sem deixar de considerar os demais direitos fundamentais processuais que possam com ele se chocar.

Esse discurso aponta para a questão da execução da tutela antecipatória de soma em dinheiro. Como é sabido, quando a tutela antecipatória exige um não fazer, um fazer ou a entrega de coisa, podem ser aplicadas as regras do arts. 461, 461-A do CPC e 84 do CDC, que contêm cláusulas gerais executivas, e assim a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto. Porém, o problema surge quando se pensa na tutela antecipatória de soma em dinheiro, pois o art. 273, §3º, ao tratar da efetivação da tutela, alude apenas aos artigos 461, 461-A e 588 do Código de Processo Civil, e, em razão disso, alguém poderia imaginar que a execução da tutela antecipatória de soma não pode fugir da regra do art. 588.

Trata-se, evidentemente, de equívoco, pois o art. 588 se refere apenas aos limites da tutela antecipatória e da tutela final recorrida executadas mediante expropriação e às conseqüências do julgamento final contrário a qualquer modalidade de tutela antecipatória e de tutela final executada na pendência do recurso. Os incisos I, III e IV e o §2º do art. 588 dizem respeito a todas as espécies de tutela antecipatória e de sentenças executadas, ao passo que o inciso II e o §2º desse artigo pertinem a uma das espécies de execução da tutela antecipatória de soma – a execução por expropriação – e à execução da sentença que condena ao pagamento de dinheiro.

O fato de o art. 273, §3º, sinalizar para o art. 588, não quer dizer que a execução da tutela antecipatória de soma somente possa ser feita através das regras da execução por expropriação, mas sim que a tutela antecipatória de soma executada mediante expropriação deve observar o inciso II e o §2º do art. 588.

Entender que a execução dessa tutela antecipatória deve ser feita de acordo com as normas relativas ao processo de execução de quantia certa, realizando-se por meio de expropriação, é desconsiderar as situações de direito material que tal tutela visa a amparar e negar a própria urgência que a legitima.

Pense-se, por exemplo, na necessidade de soma que surja no curso do processo de conhecimento em que se pede tutela ressarcitória pelo equivalente em razão de ato ilícito. Poderia ser dito que, nesse caso, a antecipação da tutela é descabida, ou que a soma antecipada deve ser executada por meio das regras relativas à sentença de condenação ao pagamento de dinheiro. Porém, esse raciocínio se preocupa unicamente com uma pseudo coerência processual, sendo completamente alheio ao direito material e às necessidades de tutela. Pouco importa saber qual é a regra para a execução da quantia certa devida em razão de sentença, mas sim estar em contato com a necessidade - no plano do direito material e da realidade social - do lesado que tem que esperar o tempo para a entrega da tutela jurisdicional final.

Como é óbvio, a regra processual da execução de dinheiro por expropriação – como técnica que é – foi feita para atender determinadas e específicas necessidades do direito material. Portanto, a pergunta que deve ser feita não deve recair sobre a técnica processual que é utilizada no caso de tutela final, mas sim sobre as diferentes necessidades daqueles que precisam das tutelas final e antecipada de soma em dinheiro.

A necessidade do lesado receber imediatamente dinheiro não se diferencia da necessidade do recebimento de alimentos fundados em direito de família. O lesado que, em decorrência do ilícito, precisa imediatamente de soma dinheiro para suprir necessidades primárias, de manutenção do lar, de educação dos filhos ou mesmo de saúde, não está em situação mais vantajosa do que aquele que se vê na urgência de pedir alimentos fundados em direito de família.

Em outros termos, a fonte dos alimentos – direito de família ou ato ilícito – não altera a necessidade. Se é assim, não há como dar meios de execução efetivos a um caso, esquecendo o outro, pois isso constituiria lesão ao princípio da igualdade. Por essa razão, não há como pensar que a tutela antecipatória de soma não pode ser executada mediante o uso dos meios de execução previstos nos arts. 733 e 734 do CPC. Se a necessidade de antecipação de soma não pode ser negada - e por isso a tutela antecipatória foi concedida - não há razão para se deixar de executar a soma por intermédio das técnicas do desconto em folha, do desconto de renda periódica ou da ameaça de prisão.

Aliás, não temos qualquer receio ou dúvida em sustentar que o juiz pode e deve empregar – se houver necessidade – o expediente da multa para dar efetividade à tutela antecipatória de soma em dinheiro. A multa, como se sabe, é uma técnica que se destina a atuar sobre a vontade do demandado, objetivando, dessa forma, o cumprimento da decisão judicial. Assim, não há como negar sua utilidade nos casos em que se pretende soma em dinheiro.

O fato de a multa não estar prevista expressamente no art. 273 não pode ser visto como um recado do legislador no sentido de que a sua utilização apenas é possível nos casos de obrigações de não fazer, fazer e entrega de coisa. Essa omissão não pode ser interpretada como dirigida a impedir o uso da multa para a execução da tutela antecipatória de soma pela simples razão de que as regras processuais devem ser interpretadas à luz das necessidades do direito material e do direito fundamental à tutela jurisdicional. Ora, se um meio executivo – no caso a multa - é imprescindível para atender a uma necessidade do direito material, não há como negar a possibilidade da sua utilização, pena de desconsideração do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Deixe-se claro que essa interpretação parte da premissa da necessidade da tutela antecipatória de soma – e assim de sua efetiva obtenção.

Contudo, essa necessidade não existirá se o autor disser que precisa imediatamente do dinheiro para melhor atender aos seus negócios ou atividades, sem provar que dele precisa imediatamente para não sofrer dano irreparável ou de difícil reparação. Além disso, a tutela antecipatória de soma somente será admissível para impedir a prática de dano que não ocorreria se o demandado não houvesse cometido o ato que se pretende ver corrigido pela tutela final. Ou melhor: se o dano temido não tem relação com o ato praticado pelo demandado, a antecipação da tutela não pode ser concedida. Se o autor precisa imediatamente de pecúnia por razões não relacionadas com o ato praticado pelo réu, descabe tutela antecipatória, pois essa não pode ser vista como expediente para auxiliar o autor que, por motivos alheios à conduta do demandado, precisa imediatamente de soma em dinheiro.


9 O controle do poder executivo diante das cláusulas gerais

Já ficou claro que o juiz, diante dos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, tem o poder de determinar o meio executivo adequado ao caso concreto.

Porém, seria absurdo imaginar que não há como controlar a racionalidade das suas decisões, isto é, das suas opções. Como nenhum poder pode restar sem controle, e o controle do poder de execução do juiz é imprescindível para a própria legitimidade do Poder Judiciário e para a noção de participação adequada das partes no processo, é evidente que tal controle – diante da quebra do princípio da tipicidade e da regra da congruência - agora deve ser feito de outra forma, muito mais complexa e sofisticada.

Como a concentração dos poderes de execução do juiz exige uma cláusula aberta ao caso concreto, trata-se de exigir uma relação entre o uso do poder e as peculiaridades da situação conflitiva. Esse controle somente pode ser feito mediante uma regra hermenêutica que suponha que há uma cláusula geral legal que deve ser concretizada pelo juiz em face das circunstâncias do caso concreto. Por isso, tal regra hermenêutica, da mesma forma que a cláusula geral executiva, jamais poderá ser definida em abstrato e previamente, pois sempre dependerá da hipótese a ser julgada. Ora, se a regra hermenêutica serve para controlar a concretização de uma cláusula geral, é pouco mais que evidente que ela também somente adquire significado quando toma em consideração as peculiaridades do caso concreto, ou seja, a concretização da cláusula geral executiva.

Tal regra hermenêutica é a da proporcionalidade. Essa regra se desdobra em três sub-regras, que são a regra da adequação, a regra da necessidade e a regra da proporcionalidade em sentido estrito.

Porém, é preciso separar a ação material destinada a tutelar o bem e o meio executivo que objetiva implementá-la. Quando se pensa nos limites da ação material (no fazer e no não-fazer) capaz de tutelar o direito do autor, interessa o art. 461 do CPC, ocasião em que é preciso raciocinar em termos de adequação, necessidade (meio idôneo e menor restrição possível) e proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação se coloca no plano dos valores, querendo significar que a ação material não pode infringir o ordenamento jurídico para proporcionar a tutela. A necessidade, por sua vez, tem relação com a seara da efetividade da ação material, isto é, da sua capacidade de realizarna esfera fática - a tutela do direito. É por tal motivo que essa última regra se divide em outras duas: a do meio idôneo e a da menor restrição possível. O fazer idôneo é aquele que tem a capacidade de proporcionar faticamente a tutela. Mas, essa ação (fazer ou não fazer), embora idônea à prestação da tutela, deve ser a que cause a menor restrição possível à esfera jurídica do réu. Quando tal ação é idônea e, ao mesmo tempo, causa a menor restrição possível, ela deve ser considerada a mais idônea ou a mais suave para proporcionar a tutela.

Mas, ainda que adequada e necessária, a ação pode, diante das circunstâncias do caso concreto, significar uma proteção injustificada diante do gravame imposto ao direito do réu. Note-se, porém, que nesse último caso não se está analisando a adequação e a idoneidade da restrição ao direito do réu, mas sim se verificando se o direito do réu, em face do caso concreto, pode ser objeto de restrição. Ou seja, nos dois primeiros casos se parte da premissa de que a restrição é possível, sendo importante apenas analisar a sua adequação e a sua idoneidade, ao passo que no último se busca concluir se a própria restrição é justificável.

Quando se raciocina sobre os limites do fazer ou do não-fazer – por exemplo, cessação de uma atividade empresarial ou instalação de equipamento antipoluente -, e não sobre a medida executiva para a implementação da ação material – por exemplo, ordem sob pena de multa para a cessação ou interdição da fábrica -, o juiz deve justificar a adequação, a necessidade e a prevalência do direito do autor sobre a restrição causada ao direito do réu.

Assim, por exemplo, se o Ministério Público, alegando poluição ambiental, pede que o juiz ordene, mediante tutela antecipatória, que o réu cesse as suas atividades, e a prova demonstra, ainda que sumariamente, que basta a instalação de um equipamento antipoluente, o juiz pode fugir do requerimento e ordenar a sua instalação. Se a situação for inversa, tendo o Ministério Público pedido a instalação de equipamento antipoluente, e o juiz se convencido da verossimilhança da necessidade de cessação das atividades, o juiz deverá demonstrar que essa providência é a alternativa idônea para a tutela do direito ambiental.

Contudo, como a decisão deve fixar não apenas a ação material, mas também o meio executivo capaz de implementá-la, é preciso atentar que há regras hermenêuticas que importam particularmente à escolha do meio executivo. Nessa dimensão não mais importa saber se a restrição ao direito do réu é justificável ou mesmo questionar se a ação de direito material destinada a implementar a tutela é adequada e a mais idônea. O que interessa é encontrar o meio executivo necessário, por ser o idôneo e o menos restritivo ao réu.

É evidente que o meio executivo deve ser idôneo para a tutela do direito. O problema, na realidade, está na escolha do meio mais suave, isto é, daquele que, além de idôneo ao autor, é o menos prejudicial ao réu. Ora, apenas as circunstâncias do caso concreto é que poderão indicar a medida executiva necessária ou mais suave, vale dizer, aquela que, sendo boa para o autor, é também a melhor para o réu.

É possível fazer uma primeira ponderação - em nível doutrinário e abstrato - a respeito dos meios executivos, mas é preciso deixar bem claro que essa ponderação jamais suprirá aquela reservada ao juiz diante do caso concreto. Nessa perspectiva, é possível dizer que determinadas medidas de execução direta, isto é, medidas executivas que prescindem da necessidade de constrangimento da vontade do réu, podem ser mais efetivas que a multa. Mas isso nem sempre será assim, pois há casos em que a medida de execução direta, ainda que praticada por auxiliar do juízo, implica em grande gasto de dinheiro, enquanto que em outros ela somente pode ser realizada por terceiro, que obviamente deve ser custeado. Além disso, a medida de execução direta pode gerar um dispêndio de tempo superior àquele que seria necessário para convencer o réu.

Diante do novo contexto em que vive a execução, o uso da multa deve preferir o dos meios de execução direta, pois está totalmente ultrapassada a idéia de que a multa deve ficar reservada aos casos em que a execução direta não pode atuar, ou seja, às hipóteses de obrigações infungíveis. Na verdade, o que se deseja evidenciar é a inexistência de uma relação de alternatividade entre execução direta e multa, pois não há nada que possa sustentar o raciocínio de que a multa somente é cabível no caso de obrigação infungível.

Note-se, aliás, que o art. 461-A, ao dizer que os §§ 1º a 6º do art. 461 são aplicáveis à ação "que tenha por objeto a entrega de coisa", deixou clara a possibilidade do uso da multa na ação em que se pretende obter coisa. Ainda que a busca e apreensão, prevista no §2º do art. 461-A, em princípio possa ser efetiva, não é possível esquecer que, em alguns casos, podem existir obstáculos contornáveis através da utilização da multa. Assim, por exemplo, no caso em que não se pode localizar a coisa móvel para a busca e apreensão. Ou na hipótese em que o réu impede o acesso do oficial de justiça à coisa, a esconde ou se nega a informar dados fundamentais para o seu desmonte e transporte. Nessas situações, a efetividade da multa é inegável.

Deixe-se claro, porém, que não se está afirmando que a utilização da multa é dependente da dificuldade na apreensão da coisa. Ao contrário, a multa pode preferir a busca e apreensão por ser mais econômica ao autor. Pense-se em sua oportunidade na hipótese em que a coisa devida constitua uma grande máquina, que exige dispêndio considerável de dinheiro para o seu desmonte e transporte. Em uma situação desse tipo, o uso da multa não só é permitido, como consiste no meio mais eficaz para a tutela do direito [17].

Por outro lado, a prisão não é possível na hipótese em que se pretenda um ato que exija dispêndio de patrimônio. Fora daí, ela é viável quando a execução direta ou a multa não se mostram idôneas para a tutela do direito. Ou seja, a prisão deve ser vista como a última alternativa para a imposição de ordem judicial imprescindível para a tutela do direito.

É necessário advertir que a escolha do agir e da medida executiva, na perspectiva da regra da proporcionalidade, torna imprescindível a justificação do juiz. A justificação, como fundamentação da escolha judicial, é absolutamente indispensável. A sua ausência torna arbitrária a opção do juiz, pois cabe à justificação demonstrar a perfeição do raciocínio amparado na regra da proporcionalidade. Em outras palavras, o controle do poder executivo inicia mediante a aplicação da regra da proporcionalidade, mas não dispensa, como complemento, a adequada justificação. Assim, por exemplo, quando o juiz reputa, a partir da regra da necessidade, que a ação ou o meio executivo não configuram a menor restrição possível, cabe-lhe, além de impor o agir que traz a mesma utilidade para o autor e uma menor restrição ao réu, justificar adequadamente o seu procedimento, explicando a sua decisão.


10 O controle do poder executivo após o trânsito em julgado

A sentença deve concluir que determinado agir é: i) adequado e efetivo à tutela do direito; ii) configura a menor restrição possível; e iii) não configura uma restrição desproporcional. Na fase de execução, se o agir fixado na sentença não for observado pelo réu, esse - que constitui, de acordo com a decisão, a menor restrição possível - poderá ser alterado, pois aquele que seria o meio mais idôneo para tutelar o direito do autor, por ter sido recusado pelo réu, não pode mais assim ser considerado, e, portanto, exige a definição de outro agir, que possa ser idôneo à tutela do direito.

Como se vê, não é possível ao juiz questionar, na fase de execução, se o agir fixado na sentença é adequado à tutela do direito ou se nela foi corretamente observada a regra da proporcionalidade em sentido estrito. É apenas a regra da necessidade que pode ser novamente analisada, e isso diante do fato de o agir não ter sido observado pelo réu. O réu, com o não cumprimento da sentença, abre oportunidade para que outro agir seja imposto, uma vez que o fixado na sentença restou inidôneo. Por isso, outro agir, idôneo à tutela do direito, deve ser escolhido pelo juiz.

Para exemplificar: o juiz não pode, na fase de execução, considerar que a instalação de equipamento antipoluente: i) não é adequada para a tutela do direito; ii) não representa a menor restrição possível; ou iii) fere a proporcionalidade em sentido estrito. O juiz apenas pode inovar quando o réu não atende à sentença, e assim o agir deixa de se configurar, por culpa sua, como meio mais idôneo, permitindo que um outro seja imposto no seu lugar. De modo que se o réu não instala o equipamento, atendendo à ordem sob pena de multa, o juiz não é obrigado a determinar que o equipamento seja instalado por terceiro – alterando apenas o meio executivo -, mas fica com a possibilidade de determinar a interdição da fábrica.

Por outro lado, o meio executivo também pode ser modificado após o transito em julgado da sentença, quando devem ser consideradas apenas as regras do meio idôneo e da menor restrição. O Código de Processo Civil é expresso no sentido de que o juiz pode, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva (art. 461, §6º). Assim, é possível que o juiz conclua que o valor ou a periodicidade da multa - que devem ter observado tais regras no momento em que foram fixados na sentença – sejam modificados, ou mesmo que seja alterado um meio de execução que, embora observado pelo demandado, possa ser substituído por um menos gravoso.

Ademais, se a sentença for descumprida, o juiz pode substituir a multa pela execução direta ou vice-versa, ou ainda impor a prisão como última alternativa e no caso de ordem que não exija disposição de patrimônio. Nessa linha, a única forma de se controlar o exercício do poder será através da análise da justificação. Ou seja, o juiz deverá justificar a razão pela qual, por exemplo, a multa não teve êxito, e porque acredita que a execução direta ou a prisão poderão viabilizar o encontro da efetividade da tutela jurisdicional.


11 O controle da alteração da modalidade executiva na tutela antecipatória

Diante da tutela antecipatória, não é possível esquecer do §4º do art. 273, que admite a alteração da tutela em razão de "novas circunstâncias". As razões que permitem a alteração da tutela com base no referido §4º do art. 273 são "outras razões", no sentido de "razões" que não foram apresentadas. Lembre-se que não é apenas a alteração da situação de fato que permite a alteração da tutela, mas também o surgimento, derivado do desenvolvimento do contraditório, de uma outra evidência sobre a situação fática.

Portanto, diante da tutela antecipatória, não é apenas o meio de execução que pode ser alterado, mas também a própria ação material imposta. Ou melhor, para a alteração do não fazer ou do fazer determinados não é necessário o não cumprimento da tutela, bastando o surgimento de uma nova circunstância, seja fática ou decorrente do desenvolvimento do processo. Por isso, o juiz pode alterar a tutela antes dela ter sido conhecida pelo réu ou após ter sido observada, quando o seu cumprimento deva se desenvolver no tempo.


12 O controle da determinação da modalidade executiva adequada na antecipação de soma

Como visto, a antecipação de soma deve ser executada mediante meios executivos capazes de permitir a sua efetivação em tempo que permita atender ao seu próprio pressuposto legitimador: a urgência. Isso porque o direito à execução da tutela antecipada é uma modalidade especial do direito à execução das decisões jurisdicionais – que é corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional -, particularizado por ser direito à execução de uma tutela fundada em urgência.

Também já foi demonstrado que a tutela antecipada de soma pode ser executada por intermédio dos meios executivos colocados nos artigos 733 e 734 do Código de Processo Civil, da multa e das medidas de execução que servem à sentença que condena ao pagamento de dinheiro.

Porém, nesse momento importa saber quando o juiz deve utilizar a prisão civil, o desconto em folha, o desconto de rendas periódicas, a multa e as medidas executivas de expropriação.

A prisão apenas pode ser utilizada para constranger o devedor a pagar alimentos. Contudo, como já observado, os alimentos não têm fonte apenas no direito de família, mas também no ato ilícito. Isso quer dizer que a prisão pode ser utilizada, como meio de coerção, quando o juiz entende que o autor precisa imediatamente de alimentos indenizativos. Ora, se a tutela antecipatória é concedida porque se supõe que o autor necessita da soma, não admitir a sua execução por intermédio da prisão, apenas pela razão de que os alimentos não se fundam em direito de família, é negar a evidência de que o jurisdicionado tem o direito à execução tempestiva da tutela antecipatória.

A prisão somente pode ser negada quando há a possibilidade de a execução da soma alimentar ser feita por desconto em folha ou por meio de desconto de renda periódica (aluguel etc). Não há qualquer racionalidade em pensar que a prisão não pode ser utilizada quando for viável o uso da execução por expropriação. É que a execução por expropriação, em razão da sua natureza, impede a execução tempestiva da decisão que concede a tutela antecipatória e, assim, o seu uso transformaria a tutela antecipatória em tutela final, desprezando a própria necessidade daquele que a postulou.

Quando a soma perseguida não caracterizar verba alimentar, mas a necessidade da sua obtenção também for urgente para o autor, nada impedirá a utilização da multa como meio de coerção indireta. Lembre-se de que os arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil são expressos em admitir a multa como meio de constranger o réu a não fazer, a fazer e a entregar coisa, mas nada pode impedir o seu uso quando se busca a execução da tutela antecipatória de soma em dinheiro.

Se é evidente a impossibilidade de a tutela antecipatória ser executada mediante expropriação, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não só justifica, mas na realidade impõe o uso da multa como meio executivo [18]. Se isso não acontecer, o direito à tutela antecipatória, que obviamente está inserido no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, será evidentemente negado pelo juiz.

Não se diga que a multa não tem utilidade porque pode ser transformada pelo réu em simples valor a ser cobrado (sanção pecuniária), quando então existirá dificuldade igual a que se tinha para cobrar o valor do principal. Isso é pouco mais que absurdo, pois seria o mesmo que dizer que a multa não tem efetividade alguma porque pode ser transformada em sanção pecuniária pelo réu que se nega a não fazer, a fazer ou a entregar coisa. Ou seja, negar o valor da multa diante da soma em dinheiro é o mesmo que eliminar a utilidade da multa como meio de coerção indireta.

Por outro lado, há um grande equívoco em ver na dificuldade da cobrança da multa algo que possa influir decisivamente sobre a sua efetividade. Ora, se importar mais em como cobrar a multa do que na sua efetividade como mecanismo de coerção é uma perspectiva de análise ainda comprometida com a compreensão de um sistema processual preocupado fundamentalmente com a cobrança do valor equivalente ao do direito degradado em pecúnia.

Essa visão patrimonialista ou "monetizada" dos direitos é que perturba a visão da importância da multa como forma de pressão ao pagamento, absolutamente indispensável quando se precisa imediatamente de soma em dinheiro e não se pode recorrer à prisão ou ao desconto em folha ou de renda periódica.

É por isso que a execução por expropriação, em face da antecipação de soma, é a última via que deve ser percorrida.


13 A justificativa como forma de racionalizar o uso do poder de execução e de viabilizar a participação das partes no processo

Se o juiz pode determinar a modalidade executiva adequada ao caso concreto, cabe-lhe obviamente justificar a forma executiva que lhe parecer a mais idônea. Ou seja, como o poder executivo não é mais delimitado pelo princípio da tipicidade e pela regra da adstrição, e a via executiva pode ser modificada, o juiz deve explicar as razões que o levaram a admiti-la ou a preferi-la.

Não se pretende, nesse momento, voltar a tratar da importância da justificativa da decisão que defere ou indefere a tutela antecipatória, mas apenas frisar que as regras para o controle da racionalidade da decisão judicial, como a do meio idôneo e da menor restrição, não teriam qualquer importância se não fosse clara a necessidade de o juiz demonstrar a sua perfeita adoção na justificativa da sua decisão.

A justificativa permite controle crítico sobre o poder do juiz [19]. O equívoco da justificativa é que evidenciará a ilegitimidade da sua escolha. Sem ela a legitimidade do exercício do poder de execução ficaria comprometida e não seria possível concretizar o direito constitucional das partes participarem adequadamente do processo.

A ampliação do poder de execução do juiz, ocorrida para dar maior efetividade à tutela dos direitos, possui, como contrapartida, a necessidade de que o controle da atividade executiva seja feita pela regra hermenêutica da proporcionalidade e pelo seu indispensável complemento, a justificação judicial. Em outros termos: pelo fato de o juiz ter poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da tutela, exige-se dele, por conseqüência, a justificação das suas escolhas. Nesse sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz.

O crescimento do poder executivo do juiz e a necessidade de outros critérios de controle da decisão judicial nada mais são do que conseqüências das novas situações de direito substancial e da tomada de consciência de que o Estado tem o dever de dar proteção efetiva aos direitos.

Na justificativa, o juiz deve dizer a razão pela qual preferiu uma modalidade de execução e não outra. Ou seja, porque preferiu, por exemplo, i) ordenar a instalação de um equipamento antipoluente ao invés de ordenar a cessação das atividades da empresa ré, ii) utilizar a multa e não a execução direta quando verificou que o réu deveria fazer, e iii) determinar o desconto em folha e não ordenar sob pena de multa quando deferiu a antecipação de soma. Tais opções somente podem ser aceitas se configuram o meio mais idôneo, concretizando o meio idôneo e o menos restritivo ao réu.

As sub-regras da proporcionalidade, embora façam parte do raciocínio decisório, pois viabilizam a decisão, obviamente não podem ser ignoradas quando da justificativa. Até porque tais regras não servem apenas para facilitar a decisão, mas muito mais para que se possa justificá-la de modo racional, permitindo-se o seu controle pelas partes.


Notas

1 CrisantoMandrioli, L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1953.

2 Ver, também, Luigi Montesano, Condanna civile e tutela dei diritti. Napoli : Jovene, 1965, p. 86; Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.347; Crisanto Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 23.

3 Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1993, p. 808.

4 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, Napoli: Jovene, 1978, p. 36.

5 Como observa Mazzamuto, "il significato della garanzia dell’incoercibilità ed il ricorso alla sanzione risarcitoria, allorché venga compromessa in obbligo la stessa persona del debitore nel suo multiforme dispiegarsi in attività pratiche (materiali, intellettuali, giuridiche), va oltre, in sostanza, la pura difesa dei valori di libertà e si ricollega direttamente alle trasformazioni del processo economico" (Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 36).

6 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37.

7 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37.

8 A diferença é que a lei é resposta abstrata do legislador, ao passo que a decisão é resposta do juiz diante do caso concreto. Ou seja, há direito, devido pelo Estado-legislador, à edição de normas de direito material de proteção, assim como de normas de direito instituidoras de técnicas processuais capazes de propiciar efetiva proteção. Porém, o Estado-Juiz também possui dever de proteção, que realiza no momento em que profere a sua decisão a respeito dos direitos fundamentais.

9 Não há dúvida de que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva engloba o direito aos meios executivos adequados. Veja-se, nesse sentido, a lição de Canotilho: "Finalmente, a existência de uma proteção jurídica eficaz pressupõe a exequibilidade das sentenças (‘fazer cumprir as sentenças’) dos tribunais através dos tribunais (ou, evidentemente, de outros órgãos), devendo o Estado fornecer todos os meios jurídicos e materiais necessários e adequados para dar cumprimento às sentenças do juiz. Esta dimensão da proteção jurídica é extensiva, em princípio, à execução de sentenças proferidas contra o próprio Estado (CRP, artigo 208º/2 e 3, e, em termos constitucionalmente claudicantes, o Decreto-Lei n. 256/-A/77, de 17 de junho, artigo 5º segs, e Decreto-Lei n. 267/85, de 12 de julho, artigo 95o ss). Realce-se que, no caso de existir uma sentença vinculativa reconhecedora de um direito, a execução da decisão do tribunal não é apenas uma dimensão da legalidade democrática (‘dimensão objetiva’), mas também um direito subjetivo público do particular, ao qual devem ser reconhecidos meios compensatórios (indenização), medidas compulsórias ou ‘ações de queixa’ (cfr. Convenção Européia dos Direitos do Homem, artigo 6º), no caso de não execução ilegal de decisões dos tribunais" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 2002, p. 654).

10 A doutrina espanhola tem deixado de lado as velhas discussões em torno da ação como mero direito de ir a juízo ou como simples direito a uma sentença de mérito, e assim estabelecido: "El derecho a la tutela judicial efectiva que consagra el art. 24 CE no agota su contenido en la exigencia de que el interessado tenga acceso a los Tribunales de Justicia, pueda ante ellos manifestar y defender su pretensión jurídica en igualdad con las otras partes y goce de la libertad de aportar todas aquellas pruebas que procesalmente fueran oportunas y admisibles, ni se limita a garantizar la obtención de una resolución de fondo, fundada en derecho, sea o no favorable a la pretensión formulada, si concurren todos los requisitos procesales para ello. Exige también que el ‘fallo se cumpla’ y que el recurrente sea repuesto en su derecho y compensado, si hubiere lugar a ello, por el daño sufrido. Lo contrario sería convertir las decisiones judiciales y el reconocimiento de los derechos que ellas comportan en favor de alguna de las partes en meras declaraciones de intenciones" (David Vallespín Pérez, El modelo constitucional de juicio justo en el ámbito del proceso civil, Barcelona: Atelier, 2002, p. 142-143). Ver, ainda, Álvaro Gil-Robles, Los nuevos límites de la tutela judicial efectiva, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996, p. 85 e ss.

11 "Trata-se, antes de mais, de conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático da interpretação, à referência à Constituição. Com efeito, cada norma legal não tem somente de ser captada no conjunto das normas da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva" (Jorge Miranda, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 659).

12 Como observa Cristina Queiroz, valendo-se de lição de Herbert Kruger, "‘(a)ntes os direitos fundamentais só valiam no âmbito da lei; hoje as leis só valem no âmbito dos direitos fundamentais’ estabelecidos na Constituição" (Direitos Fundamentais (Teoria Geral), Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p.32).

13 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p. 148.

14 A respeito do tema, ver João Pedro Gebran Neto, A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais, São Paulo, Ed. RT, 2003.

15 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), Coimbra: Almedina, 2001, p. 256.

16 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 256-257.

17 Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo, Ed. RT, 2004, p. 587 e ss.

18 Aliás, a multa também pode ser utilizada para efetivar a decisão (e a sentença) que ordena o ressarcimento na forma específica, seja para compelir a um fazer, a entrega de coisa em substituição à destruída, ou ao pagamento do valor necessário para a reparação na forma específica. É que o dissemos em livro que acabamos de publicar (Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, cit., p. 212 e ss): "No contexto da efetividade dos meios de execução, nada parece tão relevante quanto o problema da tutela ressarcitória na forma específica. Como é sabido, o direito ao ressarcimento na forma específica prefere ao ressarcimento pelo equivalente. Porém, como se percebe na prática forense, o ressarcimento pelo equivalente é muitas vezes imaginado como o único possível de ser obtido. Isso ocorre, como é óbvio, em razão de que o CPC instituiu, como veículo processual destinado ao ressarcimento na forma específica, a sentença condenatória e a ação de execução de obrigação de fazer - quando, uma vez não cumprido o fazer necessário para a reparação, o exeqüente teria que requerer que esse fosse prestado por um terceiro às custas do devedor. Como o executado que não faz geralmente não paga para um terceiro fazer, a probabilidade do lesado ter que pagar para a reparação na forma específica era muito grande, e assim praticamente inviabilizava o ressarcimento na forma específica. Porém, se reparar significa, antes de mais nada, fazer ou entregar coisa em substituição à destruída, nada pode impedir que, atualmente, seja empregada a multa para dar efetividade ao ressarcimento na forma específica (arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC). É verdade que não há procedência em obrigar o réu a reparar – ou seja, a fazer -, quando ele é destituído de capacidade técnica para tanto. Porém, isso constitui circunstância meramente acidental em relação ao dever de reparar – que é, acima de tudo, dever de ressarcir na forma específica, e não simples obrigação de pagar dinheiro. O dever de reparar na forma específica não se extingue no caso em que o demandado prova não ter capacidade técnica para fazer. Ou seja, a demonstração de incapacidade técnica não tem o condão de transformar o direito ao ressarcimento na forma específica em direito a indenização em pecúnia. Assim, demonstrada a incapacidade técnica e não cumprida a sentença, o juiz deve utilizar a multa para compelir o infrator a pagar para que terceiro preste o fazer necessário ao ressarcimento. Nesse caso, a multa não estará sendo utilizada para compelir o infrator a pagar, mas sim para viabilizar o ressarcimento na forma específica. Como é evidente, a incapacidade técnica do lesado não pode transformar o seu dever de ressarcir em obrigação de pagar dinheiro. Na realidade, em todos os casos em que a multa for o único meio capaz de conferir a tutela do direito, o seu uso será evidentemente sustentado pelo direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Isso ocorre no caso de tutela antecipatória de soma em dinheiro (com visto atrás) e no caso de tutela ressarcitória na forma específica. Perceba-se que a não utilização da multa, mesmo para compelir o infrator a custear o fazer, inutiliza o ressarcimento na forma específica. Ou melhor: a multa, embora não expressamente prevista, é absolutamente necessária para a efetividade da tutela antecipatória de soma em dinheiro e para a tutela ressarcitória na forma específica. Sendo assim, não há como argumentar que, pelo fato dela não ser expressamente prevista para essas situações, o seu uso fica vedado. É que a omissão do legislador em dar efetividade ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como é óbvio, não pode ser interpretada em seu desfavor".

19 Sobre a importância da justificativa, ver Michele Taruffo, La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, p. 194-195, Michele Taruffo, Funzione della prova: la funzione dimostrativa, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1997, p. 553-554; Michele Taruffo, Il controllo di razionalita’ della decisione fra logica, retorica e dialettica, in: www.studiocelentano.it/le nuove voci del diritto; Michele Taruffo, La motivazione della sentenza, Revista de Direito Processual Civil (Genesis Editora), v. 30, p. 674 e ss; Michele Taruffo, Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz, Conferência proferida na Faculdade de Direito da UFPR; Curitiba, março de 2001, p. 17.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 506, 25 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5974. Acesso em: 26 abr. 2024.