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O inquérito policial como alicerce ao Processo Penal

O inquérito policial como alicerce ao Processo Penal

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Demonstra-se a importância do inquérito para com o processo penal, seja como alicerce à propositura da ação penal, seja como diretriz na condução dos trabalhos, auxiliando, sobremaneira, ao convencimento do juiz quando da sentença.

Resumo: Esta pesquisa trata do real valor do inquérito policial para com o processo penal. Num primeiro momento, após a conceituação do procedimento policial, é descrito um breve estudo do órgão competente a tal investigação, a Polícia Judiciária, qualificando-a e desdobrando competências. Logo após, é esclarecido sobre os procedimentos adotados neste tão polêmico poder investigatório, como também acerca das formas de instauração do inquérito e seu valor probatório. Em seguida, apresentar-se-á uma triagem de determinadas garantias constitucionais, as quais constituem suposto duelo no referido procedimento administrativo, mas de valor fundamental ao processo. Finalizando, verifica de que forma os direitos e garantias fundamentais – precipuamente o contraditório e a ampla defesa – vão intervir no procedimento pré-processual. Assim, busca-se demonstrar qual a importância do inquérito para com o processo penal, seja como alicerce à propositura da ação penal, seja como diretriz na condução dos trabalhos, auxiliando, sobremaneira, ao convencimento do juiz quando da sentença.

Palavras-chave:Investigação; inquérito; princípios; provas; processo.


INTRODUÇÃO

Este trabalho buscará informar noções basilares que norteiam o inquérito policial para demonstrar sua inegável importância ao processo-crime. Isso porque, não raro, o caderno investigativo é a base para a persecução penal em juízo, se não verdadeira diretriz aos trabalhos elaborados por acusação e defesa, assim como ao julgador do feito.

Para tanto, principia discorrendo acerca da formação do conceito do procedimento investigativo desenvolvido pela Polícia Judiciária à apuração de delitos, análise acerca desta instituição – um rápido estudo de seu significado, o objetivo perante o Estado, o responsável à sua condução e referidas competências, além dos procedimentos realizados em adequação a amparos constitucionais que possui o investigado –, somando-se com as formas de sua instauração e o entendimento doutrinário e jurisprudencial de seu valor probatório. Em seguida, discorrer-se-á sobre os princípios constitucionais principais inseridos no processo penal e sua incidência no inquérito policial, em especial no concernente ao contraditório e a ampla defesa.

Encerra-se apresentando os pontos conclusivos, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o mérito do inquérito policial ao processo criminal.


INQUÉRITO POLICIAL: NOÇÕES GERAIS

O inquérito policial é o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CAPEZ, 2006, p. 72).

Surgiu com tal denominação em 20 de setembro de 1871, pela Lei n.º 2.033, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 2.824 em seu art. 42. Mehmeri (1992, p. 03), porém, salienta que “desde a remota Antiguidade, sempre houve o processo investigatório para apuração dos delitos, suas circunstâncias e seus autores”, e que, antes de sua denominação como a conhecemos hoje, “havia lei disciplinando os trabalhos de investigação policial dos crimes”. De fato, segundo a Lei n.º 261, de 03 de dezembro de 1841, as autoridades policiais deveriam “remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma exposição do caso e das circunstâncias, aos juízes competentes, a fim de formarem a culpa” (MEHMERI, 1992, p. 03). Atualmente, encontra respaldo no Código de Processo Penal de 1941, sendo, na lição de Reis e Gonçalves (1999, p. 05), “um procedimento investigatório prévio, constituído por uma série de diligências, cuja finalidade é a obtenção de provas para que o titular da ação penal possa propô-la contra o autor da infração penal (CPP, art. 4.º)”.

Como se verá adiante, mesmo não sendo o único procedimento de averiguação à disposição nas leis, o inquérito policial é o mais conhecido e, muitas vezes, auxiliado pelo poder das mídias escritas, faladas e televisionadas, a única gênese de qualquer procedimento de investigação, destinando-se à apuração de infrações penais e sua autoria. Capez, citado por Reis e Gonçalves (1999, p. 64), descreve:

É instaurado pela autoridade policial que tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 120, inciso I), e o querelante, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.

De fato, baseado nas informações contidas no inquérito policial, na maioria dos casos, é que o Ministério Público oferece a denúncia, pois através dele que se tem provada a justa causa, como legisla a Constituição Federal ao dizer ser atribuição do parquet promover, privativamente, a ação penal pública (art. 129, I) e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129, VIII). Aliás, cumpre o inquérito, segundo lição de Lopes Junior (2002, p. 46), função de verdadeiro filtro processual contra acusações infundadas, servindo como elo de ligação entre a investigação preliminar e o processo ou o não-processo. No mesmo sentido, Moraes (1999, p. 259), in verbis:

É um procedimento básico para a ação penal, pois, tratando-se de peça que carreira os elementos suficientes para a denúncia, não pode o Ministério Público dele prescindir para tal mister (embora alguns “doutrinadores”, desavisados, procurem argumentar ao contrário, com exceções), quando a realidade jurídico-forense mostra que mais de 95%  (noventa e cinco) dos processos criminais nasceram de inquéritos bem feitos, número que só veio a diminuir recentemente, com a Lei 9.099/95 (art. 77, § 1.º).

Conclui-se, portanto, ser o inquérito policial – primeiro instituto do processo penal, disciplinado entre os arts. 4.º a 23 do CPP – um procedimento preliminar, discricionário (pois não está adstrito a normas do processo em geral, por isso também extrajudicial) e preparatório à ação penal, sendo instaurado pela Polícia Judiciária com a finalidade de apurar a infração penal e sua respectiva autoria, sendo considerado como a primeira fase da persecutio criminis, completada pela fase em juízo. No dizer sintético de Tourinho Filho (1993, p. 02), “nada mais é do que um conjunto de informações sobre a prática da infração, isto é, sobre o fato infringente da norma e a respectiva autoria”.


POLÍCIA JUDICIÁRIA

O procedimento conceituado retro é confeccionado pela Polícia Civil – e também pela Polícia Federal, a depender da competência, como adiante será analisado. Para Mirabete (2002, p. 88), pelo fato de a Constituição Federal atribuir à Polícia Civil as atribuições da polícia judiciária e apuração das infrações penais, costuma-se confundir a nomenclatura da Polícia Civil e da Polícia Federal, chamando-as de Polícia Judiciária, o que se afigura apenas como uma de suas funções. Contudo, neste trabalho, ao se ler Polícia Judiciária estaremos tratando das Polícias Civil e Federal. Tal se faz necessário a fim de não abarcar a definição as duas espécies de polícias, civil e militar, com funções bem diferenciadas. Capez (2006, p. 72-3), inclusive, faz a divisa, ao ensinar que a Polícia Judiciária tem caráter repressivo, atuando quando os fatos que a Polícia de Segurança (ou administrativa) visava prevenir não puderam ser evitados, ou ainda, quando sequer foram imaginados por esta. Somando-se a isso, a Polícia Judiciária só é exercida por autoridades policiais (art. 4.º, do CPP), o que não exclui a atuação de outras autoridades, que são denominadas como “administrativas” (art. 4.º, Parágrafo único, do CPP). A autoridade policial para fins de exercício da Polícia Judiciária é o delegado de polícia de carreira (art. 144, § 4.º, CF).

Dentro de seu mister, os indícios são colhidos pela Polícia Judiciária, conforme determina o art. 6.º do CPP. Tais indícios somente poderão redundar no indiciamento técnico para, posteriormente, prosseguir-se no processo com a denúncia. A prova indiciária está prevista na legislação pátria, especificamente no CPP em seu art. 239, considerando indício “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Mas, segundo Pinto (1999, p. 255), a atividade da Polícia Judiciária não se restringe à simples colheita de indícios, afirmando ter por objetivo a busca da verdade real. Quanto à metodologia utilizada pela instituição em busca dessa verdade real, esclarece Lopes Junior (2002, p. 57-9) que é a Polícia Judiciária que determinará as provas técnicas que julgar necessárias, decidindo também quem, como e quando será ouvido – daí derivando seu caráter discricionário, mas jamais arbitrário ou ilegal –, não sendo mero auxiliar, senão a titular (verdadeiro diretor da instrução preliminar), com autonomia para dizer as formas e os meios empregados na investigação e, inclusive, segundo o autor, sem poder afirmar que exista uma subordinação funcional em relação a juízes e promotores. Em teoria, esclarece, a atividade policial é mais célere, não só porque chega mais rápido ao local do delito (está em todos os lugares), senão também porque, ao estar mais próxima à população, conduz a investigação de forma dinâmica. Knecht (2006, p. 32) acrescenta:

As informações testemunhais ocorridas logo após o crime, tendem a ser mais precisas (é mais fácil lembrar-se de algo que aconteceu recentemente, do que alguma coisa que se verificou meses atrás), mais detalhadas, mais isentas (na medida em que não houve a possibilidade de “preparar” a testemunha, quando ela não avaliou friamente a questão, não pensou na necessidade de comparecer em audiência, julgamentos ou submeter-se, quem sabe, a represálias), não podendo esquecer, ainda, a possibilidade de perda de evidência como, por exemplo, o próprio óbito de uma testemunha.

Competência

Cumpre, primeiramente, indicarmos o que diz a Constituição Federal:    

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

[...]

§ 1.º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

[...]

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

[...]

§ 4.º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Como supra-analisado e com base na Carta Magna, aos delegados de polícia de carreira cabe a competência para presidir o inquérito policial de acordo com as normas de organização policial dos Estados. Há entendimentos contrários à exclusividade da Polícia Judiciária, atribuída pela Constituição, à Polícia Federal, contudo, o constituinte só reservou a exclusividade quanto à função de Polícia Judiciária da União, e não quanto à apuração de crimes, sobejando as demais competências à Polícia Civil, ressalvada as infrações penais militares, consoante o § 4.º do art. 144 da CF.

Lima (1997, p. 55), ademais, lembra-nos de que exceto o caso da Polícia Federal, quanto à Polícia Judiciária da União, o princípio que rege a atividade policial é o da não-exclusividade, ou seja, admite-se que mais de um órgão apure infrações penais, o que, inclusive, é de interesse público. Capez (2006, p. 76) indica exemplos, a saber:

[...] o inquérito realizado pelas autoridades militares para a apuração de infrações de competência da justiça militar (IPM); as investigações efetuadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), as quais terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, e serão criadas pelas Câmaras dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de 1/3 de seus membros, para a apuração de fato determinado, com duração limitada no tempo (CF, art. 58, § 3º); o inquérito civil público, instaurado pelo Ministério Público para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art 129, III), e que, eventualmente, poderá apurar também a existência de crime conexo ao objeto da investigação; o inquérito em caso de infração penal cometida na sede ou dependência do Supremo Tribunal Federal (RISTF, art. 43); o inquérito instaurado pela Câmara dos Deputados ou Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, hipótese em que, de acordo com o que dispuser o respectivo regimento interno, caberá à Casa a prisão em flagrante e a realização do inquérito (Súmula 397 do STF). A lavratura de auto de prisão em flagrante presidida pela autoridade judiciária, quando o crime for praticado na sua presença ou contra ela (CPP, art. 307).

Ademais, relembra o mesmo autor, quando surgirem indícios da prática de infração penal por parte de membro da Magistratura ou do Ministério Público no curso das investigações, os autos do inquérito deverão ser remetidos, imediatamente, no primeiro caso, ao tribunal ou órgão especial competente para o julgamento e, no segundo, ao procurador-geral de justiça, a quem caberá dar prosseguimento aos feitos; em sendo o suspeito membro do Ministério Público da União, os autos do inquérito deverão ser enviados ao Procurador-Geral da República (2006, p. 76).

Falando nestes outros tipos de persecução criminal, vem à baila questão concernente à promoção direta das apurações pelo parquet. Lima (1997, p. 84), por exemplo, possui entendimento de que “obviamente, não sendo a Polícia Judiciária detentora de exclusividade na apuração de infrações penais, deflui que nada obsta que o Ministério Público promova diretamente investigações próprias para apuração de delitos”. Todavia, tendo o Ministério Público competência para investigar, encontra, na realidade, dificuldades, como se manifesta Armenta Deu, citada por Lopes Junior (2002, p. 88):

O promotor investiga muito pouco pessoalmente e, na prática, não pode modificar substancialmente o resultado da atuação policial, pois esta já chega concluída – caráter inibitório [...] é uma prática habitual que a investigação recaia, quase exclusivamente, na polícia, limitando-se o promotor a uma mera revisão formal posterior.

Mesmo entendimento tem Costa (1999, p. 218), relatando que ainda mesmo presidindo o inquérito, na atual realidade, o Ministério Público precisa da Polícia Judiciária:

Há atividades tipicamente policiais e muitas vezes imprescindíveis à apuração do crime e da autoria, que não constam das atribuições do MP. Seus membros não foram preparados para ela, não se submetem a provas físicas para ingressar na carreira, não recebem aulas para utilização de armas de fogo. O MP tem poder de requisição, previsto na Constituição e nas leis. Pode investigar, até mesmo em função da titularidade da ação penal de iniciativa pública. Mas precisa da polícia quando necessário abandonar a compreensão intelectual do delito, para alcançar o corpo de delito verificado na realidade.

Tourinho Filho (2005, p. 197) reforça que a distribuição, quanto à competência para dirigir o inquérito policial, seja a seguinte:

Excluída a ressalva feita pelo parágrafo único do art. 4.º do CPP, e deixando de lado os inquéritos extrapoliciais (militar, judicial, parlamentar), a competência para a realização de inquéritos policiais é distribuída a autoridades próprias, de acordo com as normas de organização policial dos Estados. Essas autoridades são em geral Delegados ou Comissários que dirigem as Delegacias de Polícia, e, em se tratando de infrações da alçada da Justiça Comum Federal, a competência é dos Delegados de Polícia Federal, nos termos do art. 144, § 1.º, I, da CF.

Fragoso (2002, p. 224), ademais, registra a impossibilidade do parquet em acumular funções:

Não é possível [...] permitir que o Ministério Público possa acumular as funções de investigador (que a ninguém presta contas), e de instituição encarregada de promover a persecução criminal. Trata-se de um acúmulo perigoso de atribuições, que, sobre ser ilegal e inconstitucional, é absolutamente inconveniente, pois dá lugar, pelo excesso de poder, a abusos intoleráveis.

Capez (2006, p. 109) aponta decisão do STJ, da lavra do relator Ministro Jorge Scartezzini, proferida em 2003, que argumenta ser sabido que, pela Carta Magna, em seu art. 129, I, é atribuição do Ministério Público promover a ação penal pública; tal atividade depende, para seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é seu autor, assim, entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da Polícia Judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da ação é o Órgão Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o acusador entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. Conclui, dessa forma, que se o inquérito é dispensável, e se o parquet pode denunciar apenas com os elementos que possui, nada há que se imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública, sendo que o Ministério Público tem competência apenas para requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los; já a expedição de notificações para oitiva de testemunhas e a requisição de documentos fica limitada ao inquérito civil, conforme dispõe o inciso I do mesmo art. 129.

Contudo, o STF, em análise do RE 593727 no final do ano passado, evidencia forte tendência a tornar sólido o entendimento oposto aos acima mencionados, isto é, de que o Ministério Público possa, sim, investigar, atendendo certos parâmetros. No julgamento em questão, o Ministro Luiz Fux esclareceu que não haveria motivo racional para alijar o parquet da condução dos trabalhos que precedem o exercício da ação penal de que é titular. Segundo o douto magistrado, isso milita em favor dos direitos fundamentais do investigado ao evitar, por exemplo, delongas desnecessárias no procedimento prévio de apuração de delitos e assegurar a independência na condução de investigações, especialmente em relação a crimes praticados por policiais; ao Ministro, ademais, os procedimentos investigativos conduzidos pelo Ministério Público devem seguir, no que couber, os preceitos que disciplinam o inquérito policial e os procedimentos administrativos sancionatórios. “O procedimento deve ser identificado, autuado, numerado, registrado, distribuído livremente” e, salvo as exceções constitucionais, “esse procedimento deve ser público” e “deve submeter-se sempre ao controle judicial, devendo haver pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado”. O Ministro Fux prosseguiu registrando que o ato de instauração do procedimento deve formalizar o ato investigativo, delimitando o seu objeto e as razões que o fundamentam. Além disso, a instauração do inquérito deve ser comunicada imediatamente e formalmente aos respectivos chefes do Ministério Público ou Ministério Público Federal e as peças do inquéritos devem ser formalizadas de forma cronológica. “Entendo que seja dever do Ministério Público, no exercício de sua função investigativa, assegurar o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte (ao investigado) e a seu advogado”, continuou, acrescentado que o procedimento investigativo deve submeter-se a um prazo e ao controle judicial quanto a seu arquivamento. Além disso, o Ministério Público também deve fundamentar o motivo de a polícia não poder investigar determinado fato. No julgamento, dos oito ministros votantes até sua suspensão, seis foram a favor do mesmo entendimento exarado pelo Ministro Fux[1].

Como se vê, a questão ainda está indefinida.

Voltando à competência da Polícia Judiciária, é ela territorial, portanto, resultante do local onde ocorreu a infração (art. 70 do CPP), se bem possam existir critérios inerentes à natureza do fato, como nos centros populosos, onde a organização policial prorroga o raio de ação de certos delegados para a repressão de determinados ilícitos penais. Mirabete (1995, p. 36) reforça o exposto, informando que essa atribuição é distribuída, de modo geral, de acordo com o lugar onde se consumou a infração (ratione loci), em obediência à lei processual que se refere ao território das diversas circunscrições; embora o CPP se refira aos atos da Polícia Judiciária em suas respectivas circunscrições, não se impede que a autoridade policial investigue uma infração penal cometida em outra, desde que repercuta em sua competência, já que os atos inquisitórios não estão sob a égide do art. 5.º, LIII, da CF, que se refere apenas ao processo pela autoridade judiciária competente.

O CPP, em seus arts. 290 e 308, descreve que a atribuição para a lavratura do auto de prisão em flagrante é da autoridade do lugar em que se efetivou a prisão, devendo os atos subsequentes ser praticados pela autoridade do local em que o crime se consumou. No entanto, Lopes Junior (2002, p. 90) sustenta que os atos praticados pela autoridade policial fora de sua circunscrição não são inválidos, mas com espeque em diferente argumento, qual seja, o de que um ato não é nulo, na medida que este não resulte em prejuízo para a acusação ou para a defesa (art. 563 do CPP, princípio do prejuízo) ou não influencie na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa (art. 566 do CPP), pois se o ato for praticado de outra forma, mas tiver atingido o fim pretendido pela norma, a irregularidade estará sanada (art. 572, II, do CPP e art. 65, caput e § 1.º da Lei n.º 9.099/95). Já Mirabete (1995, p. 36) como visto acima, indica que o CPP possibilita diligências da autoridade policial em outra circunscrição (art. 22) por, de qualquer forma, a incompetência ratione loci ser apenas relativa, não dando margem à nulidade do inquérito policial. No mesmo rumo, Capez (2006, p. 74) indica que na Capital, também dividida em circunscrições como se fosse um pequeno Estado, a autoridade poderá ordenar diligências em circunscrições de outra, independentemente de precatórias e requisições, segundo o art. 22 do CPP, mas adverte que no interior o delegado não poderá praticar qualquer ato fora dos limites de sua circunscrição, devendo, se assim necessitar, solicitar, via precatória, ou por rogatória, conforme o caso, a cooperação da autoridade local com atribuições para tanto.


Início do inquérito policial

Notitia criminis

É com a notícia do crime – notitia criminis – que a autoridade policial dá início às investigações. De acordo com Mirabete (2003, p. 81), a notitia criminis é o conhecimento, espontâneo ou provocado, pela autoridade policial de um fato aparentemente criminoso. Segundo o mesmo autor, a doutrina, em razão de motivos didáticos, estabelece a seguinte classificação das notícias dos crimes: espontânea, aquela em que o conhecimento da infração penal pelo destinatário ocorre direta e imediatamente, quando se encontra a autoridade pública no exercício de sua atividade funcional, a qual pode ocorrer por conhecimento direto ou comunicação não formal (cognição imediata); provocada é a notícia do crime a esta transmitida pelas diversas formas previstas na legislação processual penal, consubstanciando-se, portanto, num ato jurídico – por comunicação formal da vítima ou de qualquer do povo, por representação, por requisição judicial ou do Ministério Público etc. (cognição mediata) – art. 5.º, I e II do CPP. Pode também, segundo o incriticável autor, a notícia do crime estar revestida de forma coercitiva – hipótese de prisão em flagrante delito por funcionário público no exercício de suas funções ou por particular.

Os delitos de menor potencial ofensivo, por sua vez, obedecem ao procedimento determinado no Parágrafo único do art. 69 da Lei n.º 9.099/95; assim, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e encaminhará imediatamente ao Juizado Especial Criminal, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários; ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Nos casos de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, o afastamento do lar ao autor, domicílio ou local de convivência com a vitima.

A depender da espécie de infração penal, portanto, diferentes serão as atribuições da Polícia Judiciária a subsidiar a respectiva ação penal, como analisaremos a seguir.

Crimes de ação penal pública incondicionada

Quanto ao ponto em exame, Tourinho Filho (2005, p. 214) reflete que a autoridade policial terá o dever jurídico de instaurar o inquérito, isto é, de determinar que sejam feitas investigações para apurar o fato infringente da norma e sua autoria em se tratando de crimes de ação penal pública incondicionada, e isso por iniciativa própria, sem necessidade de qualquer solicitação nesse sentido, vale dizer, de ofício. No que concerne à delação anônima, essa não deve ser repelida de plano, sendo incorreto considerá-la sempre inválida; contudo, requer cautela redobrada por parte da autoridade policial, a qual deverá, antes de tudo, investigar a verossimilhança das informações (CAPEZ, 2006, p. 85-6).

Assinala-se, ademais, que qualquer do povo, ao tomar conhecimento da prática de alguma infração penal em que caiba ação penal pública incondicionada, poderá comunicá-la verbalmente ou por escrito, à autoridade policial, e esta, verificando a procedência das informações, mandará instaurar o inquérito policial (art. 5.º, § 3.º, do CPP).

Crimes de ação penal pública condicionada

Neste ponto, segundo esclarece Capez (2006, p. 86), dar-se a instauração do procedimento policial mediante representação do ofendido ou de seu representante legal – art. 5º, § 4º do CPP, salientando ser esta a manifestação do princípio da oportunidade, retratável até o oferecimento da denúncia (art. 25 do CPP). Neste caso, adverte o mesmo autor, o Ministério Público só poderá requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito se a requisição estiver acompanhada da representação.

Conforme o art. 38, caput, do CPP, a representação deverá ser feita dentro de 6 (seis) meses a contar da data em que a pessoa que estiver investida do direito de representação vier a saber quem foi o autor do crime. Isso porque pode ser feita pelo ofendido, por procurador com poderes especiais (art. 39, caput, CPP), e pelas pessoas elencadas pelo art. 31 do mesmo Diploma Processual, quais sejam: o cônjuge, ascendentes, descentes e irmãos em razão das normas do parágrafo primeiro do art. 24 e do parágrafo único do art. 38, ambos também do CPP. Assim, a representação configura-se como uma simples manifestação de vontade da vítima, ou de quem legalmente a representa, no sentido de autorizar a persecução penal (CAPEZ, 2006, p. 86), sendo, na didática de Damásio de Jesus (1999, p. 19), “instituto de Direito Material, uma vez que o decurso do prazo decadencial conduz à extinção da punibilidade”.

Mirabete (2003, p. 85) esclarece, contudo, que em alguns casos a ação penal pública fica condicionada à requisição do Ministro da Justiça para sua instauração: crime cometido por estrangeiro contra brasileiros fora do Brasil (art. 7.º, § 3.º, b, do CP), crimes contra a honra do Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro (art. 145, parágrafo único, do CP) ou contra esta e outras autoridades quando praticados através da Imprensa (art. 23, I, c/c art. 40, I, a, da Lei 5.250/67).

Crimes de ação penal privada

Tratando-se de crime de iniciativa privada, conforme o disposto no § 5.º do art. 5.º do CPP, a instauração do inquérito policial pela autoridade policial depende de requerimento escrito ou verbal, reduzido a termo neste último caso, do ofendido ou de seu representante legal, ou seja, da pessoa que tenha a titularidade da respectiva ação penal (arts. 30 e 31 do CPP). Nesse caso, nem a autoridade judicial, nem o Ministério Público poderão requisitar a instauração da investigação. Conforme ensina Tourinho Filho (2005, p. 235), se o ofendido for menor de 18 anos, ou mesmo maior, mas mentalmente enfermo, ou retardado mental, caberá ao seu representante legal requerer a instauração de inquérito e promover posteriormente a queixa, ou, se tiver em mãos elementos que o habilitem a promover a ação penal, poderá ingressar em juízo com a queixa.

Quanto ao prazo para se requerer a instauração do inquérito, não há disposição legal expressa, porém, segundo entendimento de Capez (2006, p. 87-8), o inquérito policial deve ser instaurado em um prazo que permita a sua conclusão e o oferecimento da queixa antes do prazo decadencial do art. 38 do CPP, sendo o prazo estabelecido pelo artigo mencionado de 6 (seis) meses.

Pertinente ao encerramento do inquérito nos casos de ação penal privada, os autos poderão ser entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado, ou se não o fizer, deverão ser remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal mediante ajuizamento da queixa-crime, requerendo a juntada a ela dos autos do inquérito (MIRABETE, 2000, p. 121; 2003, p. 86). Frisa Mirabete, inclusive, que “não há dispositivo legal que obrigue ser o ofendido intimado do encerramento do inquérito ou de que os autos já se encontram em juízo, devendo pois acompanhar o andamento do procedimento e sua tramitação” (2000, p. 121).

Procedimentos

Fora as diligências requisitadas pelo Ministério Público e pelo juiz, que são ordens as quais deve a autoridade policial obrigatoriamente cumprir, conforme estabelece o art. 13 do CPP, as demais diligências policiais serão determinadas pelo delegado de polícia, limitando-se àquelas previstas expressamente em lei e que não ofendam as garantias fundamentais da pessoa humana consagradas na Constituição Federal, além de não incorrerem como abuso de autoridade (Lei n.º 4.898/65). No mesmo norte, lição de Barros (2002, p. 211):

De modo geral a Polícia pode investigar tudo que contribua para a descoberta da verdade, ressalvado o respeito que deve guardar em relação aos direitos fundamentais do investigado. Os misteres das polícias devem desenvolver-se em perfeita conformidade com os imperativos constitucionais, sejam técnicos ou éticos, destinados à preservação do status dignitatis da pessoa humana, mediante a realização de transparentes procedimentos garantistas a serem evidenciados no inquérito policial.

De acordo com o disposto no art. 6.º do CPP, prestada a notícia crime e instaurado o inquérito pela autoridade policial, esta deverá empreender as diligências necessárias para demonstrar a materialidade e a autoria do delito. O segredo externo deve ser regra geral, pois assegura o êxito da investigação e preserva o sujeito passivo da estigmatização social prévia ao processo penal (LOPES JUNIOR, 2002, p. 333).

Pode a autoridade policial, por exemplo, conforme os arts. 240 até 250 do CPP, determinar ou representar a busca e apreensão, que, conforme o caso, pode ser: a) no local de crime; b) domiciliar, somente possível com autorização judicial, valendo-se do art. 5.º, XI, da CF – “salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (MIRABETE,  2003, p. 321); e c) pessoal, com fundamento no art. 244 do CPP, podendo ser realizado com ou sem mandado, quando a própria autoridade judiciária ou policial realizar a diligência – na lição de Mirabete (2003, p. 323) o mandado de busca pessoal deve conter os requisitos já mencionados, mas poderá ela ser efetuada independentemente de ordem escrita nas hipóteses mencionadas no art. 244: no caso de prisão; quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituem corpo de delito; ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Outras diligências que podem ser empreendidas pela autoridade policial são: fornecimento às autoridades judiciárias das informações necessárias à instrução e julgamento do processo com base no art. 13, I, do CPP; cumprimento dos mandados de prisão expedidos pela autoridade judiciária (art. 13, III, do CPP); a prisão em flagrante, adotado o art. 301 do CPP; a representação junto à autoridade judiciária pela prisão preventiva, conforme os arts. 13, IV e 311 do CPP; da mesma forma, a representação pela prisão temporária, de acordo com a situação do indiciado (Lei n.º 7.960/89, art. 2.º, caput); e representar pela quebra de sigilo telefônico e/ou bancário junto à autoridade judicial.

Segundo Mirabete (2003, p. 87), e como dito acima, observados os direitos e garantias individuais previstos na Constituição e nas leis ordinárias, a autoridade policial poderá desenvolver qualquer diligência, incluindo-se, evidentemente, a de intimar testemunha, vítima ou suspeito para prestar declarações no inquérito. Por analogia, lembra o autor, aplica-se às testemunhas do inquérito policial o disposto nos arts. 202 a 221 do CPP, inclusive a condução coercitiva daquela que deixar de comparecer sem motivo justificado (art. 218).

Em vista do ordenamento jurídico vigente não exigir que a pessoa produza provas contra si, em nome do princípio da plenitude da defesa, alguns dispositivos do CPP não foram recepcionados pela Constituição em vigor, entendendo Mirabete (2003, p. 89) que o indiciado no inquérito policial pode ser conduzido coercitivamente a fim de ser interrogado, porém não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas, atendendo-se ao ditame constitucional (art. 5.º, LXII). No mesmo norte, para Silva e Duarte (1994, p. 129) o silêncio do acusado não pode ser considerado como prova de responsabilidade penal, já que a Constituição Federal deu a todos os acusados o direito de permanecerem calados, sendo “a confissão como mais um elemento no conjunto da prova; isoladamente é um mero indício”. Segundo a legislação processual penal brasileira, o auto do interrogatório será subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade policial, pelo indiciado e por duas testemunhas que tenham ouvido a leitura do interrogatório, não havendo necessidade de que estas estejam presentes durante o desenrolar do ato, mas, na prática, dificilmente o termo é assinado pelas últimas, o que, como analisado, não vicia o procedimento. Salles Junior (1998, p. 61) ainda lembra que no ato do interrogatório policial tem o preso direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório (inciso LXIV da CF), evidentemente dirigindo-se a prevenir prisões arbitrárias, bem como interrogatórios com emprego de métodos condenáveis, como a tortura, além da garantia de identificação daquele que procedeu ao interrogatório ou à prisão, para o caso de eventual apuração de ilícito.

O CPP, em seu art. 6.º, VI, dispõe que a autoridade policial poderá “proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações”, assim, entendendo por bem realizá-lo, deverá obedecer ao que está disposto nos arts. 226 a 228 do CPP, disciplinando Mirabete (2003, p. 88) que o reconhecimento é a identificação de pessoa ou coisa feita na presença da autoridade; portanto, a simples referência à identificação ocorrida longe da vista da autoridade deve ser computada como testemunho e como tal regulada. De outro lado, a acareação deve ser realizada quando houver divergências relevantes entre as declarações prestadas no interrogatório, depoimento das testemunhas, declarações da vítima etc., e está disciplinada nos arts. 229 e 230 do CPP.

O art. 175 do CPP confirma que os instrumentos empregados na prática da infração deverão ser periciados a fim de se lhes verificar a natureza e a eficiência. Assim, é possível determinar ou não a absoluta impropriedade do objeto, ou seja, se há ou não, no caso, a figura do crime impossível.

Deixando vestígios a infração, a autoridade policial deverá determinar a realização do exame de corpo de delito, atendendo ao disposto no inciso VII do art. 6.º do CPP. Nesse caso, segundo Mirabete (2000, p. 416), deverá determiná-la consoante o disposto no art. 158 usque 184 do Código de Processo Penal, não podendo tal exame ser suprido pela confissão do indiciado. O exame é de tal importância que, segundo Tourinho Filho (2005, p. 250), a lei guindou o exame de corpo de delito à categoria de pressuposto processual de validade, ao salientar, no art. 564, III, b, do CPP, que haverá nulidade se não for feito o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvada a hipótese do art. 167 do mesmo Diploma Processual. Todas as perícias, sejam ou não relativas ao corpo do delito, deverão ser obrigatoriamente realizadas por dois peritos, sejam oficiais ou não, havendo exceção no concernente aos crimes previstos na Lei n.º 11.343/06 quando da prisão em flagrante, pois, nesse caso, “é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea” (art. 50, § 1.º).

O art. 7.º do CPP, ademais, determina possa a autoridade policial realizar a reprodução simulada dos fatos para verificar a possibilidade da infração ter sido praticada de determinado modo. Conforme Noronha (1989, p. 25), tal proceder é ótimo elemento de convicção para o julgado e garantia de serenidade de quem dirige o inquérito, pois, cercado o ato quase sempre de certa publicidade, demonstra a espontaneidade do indiciado.

Outro procedimento adotado no inquérito policial é a identificação do investigado pelo processo datislocópico, se possível, e fazer a juntada de sua folha de antecedentes, em conformidade com o art. 6.º, VII, do CPP. Quanto ao primeiro, dizemos se possível porque tal procedimento se restringe a alguns casos, regulados pela Lei n.º 12.037/2009, a saber:

Art. 3º  Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Somando-se a isto, é averiguada a vida pregressa do investigado sob o ponto de vista individual, familiar e social, além de sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, bem como acerca de qualquer outro elemento que contribua para definir o caráter e temperamento deste, conforme exposto no art. 6.º, IX, do CPP, o que atende ao princípio constitucional de individualização da pena. Ademais, junta-se sua folha de antecedentes, a qual, para Tourinho Filho (2005, p. 264) apresenta relevante valor, pois, por meio dela, constata-se se o criminoso é ou não reincidente, circunstância relevantíssima para a aplicação da pena, como se pode verificar pelos arts. 61, I e 77, I, todos do CP; contudo, bem esclarece Mirabete (2000, p. 105), a folha de antecedentes não é documento aceito para a comprovação de tal agravante, servindo apenas de elemento para a obtenção das certidões judiciais que comprovem a reincidência e para indicar o envolvimento do indiciado em outros inquéritos ou ações penais.

Importa salientar, além dos procedimentos acima descritos, que, mesmo sendo o inquérito policial um procedimento inquisitivo, em que, para muitos, não vigora o princípio do contraditório, possibilita a lei que o investigado requeira diligências para esclarecimento do fato, em seu benefício, sendo concedida idêntica faculdade ao ofendido (art. 14 do CPP); diante do dispositivo citado, também é possível a ambos requerer a juntada aos autos do inquérito de documentos relativos ao fato ou à prova dele e de suas circunstâncias. A autoridade policial, segundo seu critério, deferirá ou não tais requerimentos, sendo que, se a diligência ou a juntada de documentos vier a servir, presumivelmente, à apuração do fato ou de suas circunstâncias, ainda que favorecendo o indiciado, deve ser deferido o pedido (MIRABETE, 2000, p. 113).

Efetivadas estas e demais diligências determinadas pela autoridade policial, verificando-se a autoria e materialidade delitiva, o delegado de polícia elabora o relatório (art. 10, § 1.º, do CPP), encaminhando-se os autos ao Poder Judiciário com o indiciamento do(s) responsável(eis), atendendo-se o prazo legal (art. 10, caput, do CPP), sujeito a requisições posteriores pelo parquet e Poder Judiciário, geralmente até o oferecimento e/ou recebimento da denúncia.


VALOR PROBATÓRIO

Como visto, de instrução provisória e caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal (MIRABETE, 2003, p. 79). De acordo com Medeiros (1994, p 17), em definição sintética, a autoridade policial tem por função indicar as provas ao Juiz-Instrutor, a quem compete colhê-las ouvindo testemunhas e suspeitos. Capez (2006, p. 80) ajuda no entendimento ao dizer também que o inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração (analisada anteriormente), os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, diz o mesmo autor, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito, indicando que, se houver uma confissão extrajudicial, a sua validade como elemento de convicção do juiz só será observada caso seja confirmada por outros elementos da instrução processual (p. 76).

Na doutrina e jurisprudência, há duas correntes a respeito do verdadeiro valor probatório do inquérito policial. A primeira defende o ponto de vista de que ele é uma peça meramente informativa, que põe o Ministério Público a par do fato delituoso, não tendo qualquer valor probatório; na formação da opinio delicti encerra sua finalidade. Tourinho Filho (1995, p. 06-7) complementa que se o inquérito é apenas uma informatio delicti para possibilitar ao titular da ação penal sua propositura é claro que, se o titular do jus persequendi in judicio tiver em mãos os elementos que o habilitem a ingressar em juízo, torna-se ele desnecessário. A segunda corrente admite a possibilidade de o juiz basear o seu livre convencimento em peças do inquérito, assim, tratando-se de um inquérito bem elaborado, com os atos investigatórios realizados de maneira legal, sem falhas e omissões, o juiz poderá basear-se em peças procedimentais da fase policial, desde que estas não estejam em frontal contradição com as provas colhidas na instrução. Tal é o mesmo posicionamento de Cogan, citado por Mirabete (2003, p. 79-80), afirmando que o conteúdo do inquérito, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público os elementos necessários para a propositura da ação penal, não poderá deixar de influir no espírito do juiz na formação de seu livre convencimento para o julgamento da causa.

De acordo com o princípio do livre convencimento que informa o sistema processual penal, aliás, as circunstâncias indicadas nas informações da polícia podem constituir elementos válidos para a formação do convencimento do magistrado, mas existe alerta doutrinário e jurisprudencial para uma eventual fundamentação exclusiva na investigação preliminar. O inquérito, certamente, serve para colheita de dados circunstanciais que podem ser comprovados ou corroborados pela prova judicial e de elementos subsidiários para reforçar o que for apurado em juízo; não se pode, porém, fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no caderno investigativo, o que ofenderia o princípio constitucional do contraditório. É este, inclusive, o posicionamento espelhado pelo STF nos últimos anos: "Consoante já decidiu esta Suprema Corte, ‘os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo’ – RE 425.734, DJ 28.10.2005 – RHC 99057/MS-Mato Grosso do Sul’ (RHC 99057 MS-Mato Grosso do Sul, 2.ª T., DJU 06/11/2009, relatora Ministra Ellen Gracie)”; a contrario sensu: “Não há falar em condenação apenas com base em elementos inquisitoriais se da leitura da sentença e do acórdão verifica-se que foram produzidas em juízo, sob o pálio do contraditório e da ampla defesa, provas documentais e ouvidas outras testemunhas, formando o conjunto probatório que culminou no édito condenatório” – HC 114670/SP São Paulo, j. em 04/06/2013, DJe 24/06/2013, relatora Ministra Rosa Weber.

Todavia, não se pode ser extremista, negando validade ao inquérito policial só porque o acusado retratou em juízo sua confissão, ou porque alguma testemunha deixou de confirmar o que disse antes de suas declarações judiciais. Para Boschi (1987, p. 124) o inquérito policial, efetivamente, não pode ser considerado a priori destituído de qualquer valor. Recorda o autor que em seu interior são produzidas as chamadas provas “pré-constituídas” (perícias), as quais contém em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica, que, além de mais difícil de serem deturpadas, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Assim, o inquérito policial sobreleva o valor relativo, pois se reveste de importância quanto às provas periciais, fornecendo base para o oferecimento da denúncia e orientando esta na fixação do tipo penal aplicável. No mesmo caminho, quanto às provas chamadas também de não-repetíveis ou irrepetíveis, por correrem o risco de não poderem ser repetidas na fase processual, podendo fundamentar a decisão final com esteio no art. 155, caput, do CPP, diz-nos Nucci (2009, p. 20) que os exames periciais são os maiores exemplos, como a necropsia do corpo da vítima de homicídio, pois, se realizada após uma exumação, na fase processual, não permitiria conclusões tão apuradas à perícia quanto a análise realizada logo após o crime. Mesmo concordando com o valor probatório relativo do inquérito, Salles Junior (1998, p. 130) esclarece:

Isso não significa que os elementos do inquérito tenham valor simplesmente passageiro, deixando de existir se não renovados no decorrer da instrução criminal. Adotar tal orientação seria admitir que certos atos próprios do inquérito desapareceriam pura e simplesmente dada a impossibilidade de renovação em juízo. Por exemplo: nos delitos que deixam vestígios, a legislação processual penal impõe a necessidade de exame pericial. Esse exame (corpo de delito para lesões corporais, conjunção carnal para sedução etc.) tem por finalidade perpetuar uma situação inexistente após o delito e que pode sofrer alterações com o tempo, podendo até mesmo desaparecer. Autos de apreensão e de avaliação continuam a ter valor independentemente de qualquer renovação em juízo. Podem ser impugnados, mas podem subsistir inteiramente válidos como elementos de prova.

Bernardo e Santana (1994, p. 86), ademais, afirmam que, segundo as estatísticas, constata-se que 99,9% dos condenados pelo Poder Judiciário, em todo o Brasil, tiveram o início pela information delicti oferecida pelo inquérito policial, sendo que a veracidade de tal assertiva poderá ser constatada em qualquer foro do país. No mesmo sentido, elucida Carvalho (2013):

Os manuais doutrinários de Processo Penal, bem como a maioria dos estudiosos da área, definem o Inquérito Policial como sendo uma peça meramente informativa, destinada à apuração de uma infração penal e de sua autoria. Poucos se aprofundaram no assunto, projetando, assim, a nítida impressão de que referido procedimento investigativo não possui nenhum tipo de importância significativa para o sistema processual penal. Esquecem-se, no entanto, que a quase totalidade das ações penais em curso ou já transitadas em julgado, foram precedidas de um Inquérito Policial. Tal assertiva pode ser comprovada através de pesquisas junto a qualquer Comarca do nosso extenso território. Para tal, basta a verificação de que a denuncia oferecida pelo representante do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal publica incondicionada, inicia-se da seguinte maneira: “Consta do incluso Inquérito Policial que no dia..., por volta das ...., fulano de tal”, seguida da exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias [grifo do autor].

O valor probatório do procedimento policial, ademais, tende a angariar outros entendimentos conforme os últimos indicados, em atendimento ao que dispõe a novel Lei n.º 12.830/13, ao deixar explícito em seu art. 2.º: “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado” (nosso destaque).


PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO INQUÉRITO POLICIAL

A intenção, neste ponto, é de oferecer elementos para a melhor compreensão de alguns princípios constitucionais, implicando, assim, no ponto chave da questão, isto é, a interpretação constitucional encontrada na fase policial, embasando sua relevância à fase judicial.

No processo penal, tais princípios inserem-se determinando suas premissas básicas e condicionando seus autores à consecução dos seus fins. O inquérito policial integra a fase extraprocessual, porém não deixa de seguir ritos constitucionais como, por exemplo, o do estado de inocência, da igualdade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da verdade real e tantos outros, positivados também no Código Instrumental. No entanto, é significativa a posição dos doutrinadores de que não há efetivo contraditório e ampla defesa no inquérito policial, justamente por ser um procedimento inquisitivo, como visto, inexistindo um efetivo processo penal.

Dessa forma, importante se faz estudar estes princípios de maior vulto da Carta Magna destinados ao processo penal, para compreensão lúcida de seu reflexo em seara inquisitorial.

Princípio do estado de inocência, da “presunção” de inocência ou princípio da não-culpabilidade[2]

Em sua obra clássica, Beccaria (1997, p. 61), ao escrever sobre a época do absolutismo, comenta que um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada. Assim, questiona: Qual é, pois, o direito, senão o da força, que dá ao juiz o poder de aplicar pena ao cidadão, enquanto existe dúvida sobre sua culpabilidade ou inocência? Destarte, o princípio do estado de inocência busca a importância moral de uma coletividade, a qual, segundo Tourinho Filho (2005, p. 61-2), representa o coroamento do devido processo legal, sendo um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre, contudo, adverte que a expressão (presunção de inocência) não deve ter o seu conteúdo semântico interpretado literalmente – caso contrário ninguém poderia ser processado –, mas no sentido em que foi concebida na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, ou seja, nenhuma pena pode ser imposta ao réu antecipadamente. Para o mesmo autor, com relação à prisão antecipada, esta se justifica como providência exclusivamente cautelar, vale dizer, para impedir que a instrução criminal seja perturbada ou, então, para assegurar a efetivação da pena, sem ofender a presunção de inocência, instando recordar o entendimento do STJ, em sua Súmula 09: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.

A questão da presunção da inocência, existente no processo antes do trânsito em julgado de uma decisão condenatória, é refletiva no procedimento policial, paradoxalmente ao contraditório e a ampla defesa, que, segundo entendimentos, seriam inexistentes no inquérito. Nesse sentido, advoga Canotilho, citado por Bastos e Martins (1989, p. 277), aduzindo que o rigorismo de interpretação levaria à concussão da própria inviabilidade da antecipação de medidas de investigação e cautelares (inconstitucionalizando a instrução criminal) e a proibição de suspeitas sobre a culpabilidade. Todavia, investigar, ou até mesmo processar uma pessoa, não significa afrontar a este princípio; de fato, embora alguém só possa ser tido por culpado ao cabo de um processo com este propósito, o fato é que, para que o poder investigatório do Estado se exerça, é necessário que ela recaia mais acentuadamente sobre certas pessoas, vale dizer: sobre aquelas que vão mostrando seu envolvimento com o fato apurado (BASTOS, MARTINS, 1989, p. 277). Assim, a presunção de inocência, estampada pelo inciso LVII do art. 5.º da Carta Magna, ao afirmar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, dita, como regra, que toda pessoa é considerada inocente desde a investigação policial até o final de um processo, quando, então, somente será considerada culpada e responsabilizada caso a sentença o determine. Todavia, não há outra conclusão senão de que surge uma suspeição que não pode ser rebatida por medida judicial requerida pelo suspeito, com fundamento em sua presunção de inocência. Portanto, não pode impedir que o Poder Público, através da Polícia Judiciária, cumpra sua tarefa, qual seja, investigar, desvendar o ocorrido, identificar o culpado e formalizar esta acusação.

Princípio da igualdade

Capez (2006, p. 19) entende que tal princípio é, sem dúvida, um dos mais importantes para uma nação que vislumbra justiça. Como forma de assegurar a todo e qualquer indivíduo o direito de um processo justo e isonômico, encontrou guarida na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, tendo como redação que todo homem tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal. Na legislação infraconstitucional. as expressões legais de tal prevalência são os textos dos arts. 386, VI, 607, 609, Parágrafo único, e 621 e seguintes do CPP, informando-nos que as partes, embora figurem em polos opostos, situam-se no mesmo plano com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades. É uma consequência do princípio do contraditório (TOURINHO FILHO, 2005, p. 42), deduzindo-se que acusação e defesa devem ter em juízo as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões, e ser tratadas igualitariamente, na medida de suas igualdades, e desigualmente, na proporção de suas desigualdades (CAPEZ, 2006, p. 19).

Consolidou-se, assim, a garantia constitucional de um processo ordenado, garantia característica de países democráticos com o intuito de resguardar seus cidadãos de arbitrariedades que possam advir de seus próprios governantes. Por conseguinte, toda atuação do Estado há de ser exercida em prol da nação, mediante o processo justo, efetivando o princípio constitucional da igualdade e a manutenção do Estado Democrático de Direito.

No mesmo sentido, porém tratando do princípio da igualdade dentro do inquérito policial, Godoy Neto (2009, p. 183) adverte que dentre os princípios constitucionais existentes, não há como negar que atinge diretamente a ação da Polícia Judiciária, o do sistema dos direitos fundamentais e, em decorrência, o da constitucionalidade, o da igualdade e o da legalidade. Assim, falar-se em inquérito policial no estado Democrático de Direito é, fundamentalmente, apreciar o alcance dos preceitos do rol constitucional do art. 5º sobre o referido procedimento policial. Segundo o autor, dada a circunstância de que a peça fundamental, e que corporifica a parcela principal das ações da polícia repressiva, é o inquérito policial, tendo-se como indiscutível que sua elaboração deve se pautar pela atenta observação de todos os direitos fundamentais como dado incontestável do Estado Democrático de Direito, deve a autoridade policial trabalhar com o texto do art. 5º da Carta Magna como norte, como limite intransponível a orientar cada passo de sua atuação profissional.

Princípio do devido processo legal

Consiste em assegurar a pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei, isto é, o devido processo legal, assegurado na Constituição (art. 5.º, LIV), assegura a todos o benefício de somente ser processado de forma justa, embasado na lei, a qual disciplina todos os atos processuais, dando maior segurança ao acusado. Como bem ensina Moraes (2003, p. 123),

o devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

Tourinho Filho (2005, p. 58) aduz que já houve quem pensasse, em face do princípio em tela, que haveria dificuldades para a decretação da prisão preventiva, mas sem razão, contudo, isso porque ditas prisões continuarão desde que observadas as prescrições legais. Citando Couture, leciona que, em última análise, o devido processo legal consiste no direito de não ser privado da liberdade e de seus bens sem a garantia que supõe tramitação de um processo desenvolvido na forma estabelecida pela lei.

De relevante importância, como os demais princípios, é de se concluir, pelo explanado, que o procedimento inquisitorial está, sim, submetido ao princípio do devido processo legal, uma vez que o inquérito policial, embora não sujeito a fórmulas do processo em geral, deve obedecer um rito estabelecido na lei processual ordinária e, em primeiro lugar, na Constituição Federal, já que esta impõe com eficácia plena e aplicação imediata do mencionado princípio como garantia básica e fundamental de todo cidadão.

Lembra Capez (2006, p. 33), ademais, que este princípio deve ser obedecido não apenas em processos judiciais, civis e criminais, mas também em procedimentos administrativos, inclusive militares e até nos procedimentos administrativos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Princípio do contraditório e da ampla defesa

O mais importante princípio do sistema acusatório (separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador), também conhecido pelo nome de princípio da bilateralidade da audiência, consiste, em resumo, na possibilidade das partes, em igualdade de condições, praticarem todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz (BECHARA, CAMPOS, 2006), possuindo forte relação com o princípio da igualdade. Apesar de estarem colocados juntos no imperativo constitucional, os doutrinadores classificam separadamente a ampla defesa e o contraditório, por isso o princípio é identificado na doutrina pelo binômio ciência-participação (CAPEZ, 2006, p. 19).

Bastos e Martins (1989, p. 267) lecionam que o contraditório é a exteriorização da própria defesa, de forma que a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. Conforme Tourinho Filho (2005, p. 46-7), pelo princípio do contraditório deve haver completa igualdade de condições entre as partes,

[...] mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão “superpartes”, para afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, “dar a cada um o que é seu”.

A garantia do contraditório abrange a instrução lato sensu, incluindo todas as atividades das partes que se destinam a preparar o espírito do juiz, na prova e fora da prova. Compreende, portanto, as alegações e os arrazoados das partes (MIRABETE, 2003, p. 43).

Marques, citado por Bastos e Martins (1989, p. 261), comentando esta garantia constitucional, diz-nos que o direito de defesa acabou bastante reforçado na fase preparatória e instrutória (basta dizer que o defensor do réu pode assistir a diversos atos da instrução), mas a instrução preliminar continua predominantemente inquisitiva, visto que, segundo o autor, nem mesmo na instrução formalizada em sede policial, com a assistência técnica ao investigado, em ato presidido pela autoridade policial, existe o contraditório. No mesmo rumo, Tourinho Filho (2005, p. 50) ensina que a autoridade policial não acusa; investiga, sendo a investigação contraditória um não-senso. Se assim é, conclui, parece não ter sentido estender o instituto do contraditório ao inquérito, em que não há acusação. Compactuando do posicionamento, diz Damásio de Jesus (1999, p. 05) que o contraditório é inexigível no inquérito policial, isso por não possuir instrução criminal e sim investigação criminal de natureza inquisitiva.

Muito embora não se fale na incidência do princípio mencionado durante a investigação pré-processual, analisando-se a redação do art. 5.º, LV, da CF, porém, é possível visualizar alguns atos típicos de contraditório, os quais não afetam a natureza inquisitiva do procedimento, como exemplos o interrogatório policial e a nota de culpa durante a lavratura do auto de prisão em flagrante (BECHARA, CAMPOS, 2006).

Quanto ao princípio da ampla defesa, traduz-se na necessidade de se dar às partes a possibilidade de exporem suas razões e requererem a produção das provas que julgarem importantes para a solução do caso penal; em síntese é a bilateralidade das controvérsias processuais, entendendo Melo, citado por Bastos e Martins (1989, p. 266), de que por tal princípio deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzirá na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento. Assim, afirma o autor, o processo não se converterá em uma luta desigual em que o autor cabe a escolha do momento e das armas para travá-la e ao réu só cabe timidamente esboçar negativas.

Neste ponto, indica-se a redação dada ao art. 185 e seguintes do CPP, tratando do interrogatório judicial e que, pelo art. 6.º, V, do mesmo Diploma, aplica-se ao interrogatório policial. Entretanto, Bechara e Campos (2006) ensinam que o citado dispositivo, tratando da oitiva em juízo, consigna expressamente que suas disposições somente incidirão no inquérito policial no que for aplicável. Em assim sendo, considerando que no interrogatório policial não existe uma relação dialética entre acusador e acusado, não há que se falar em perguntas das partes, consequência do princípio analisado. Porém, Tourinho Filho (2005, p. 50) lembra que decorrência da ampla defesa existente no inquérito policial é o direito do investigado de impetrar habeas corpus sempre que sofrer ou se achar na ameaça de sofrer violência ou coação na sua liberdade de locomoção.

Indispensável em questão instrucional criminal, o princípio do contraditório e da ampla defesa não se aplicaria ao inquérito policial que não é, em sentido estrito, instrução, mas colheita de elementos que possibilitem a instrução do processo (MIRABETE, 2003, p. 43). O TJRS segue a mesma direção, consoante decisum abaixo:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO FEITO POR RASURA NO INQUÉRITO POLICIAL. REJEIÇÃO. Eventuais vícios ou irregularidades formais ocorridos no inquérito policial não repercutem na validade do processo penal, sobretudo quando a condenação vem amparada em elementos de prova colhidos sob o crivo do contraditório, como no caso vertente. Inexistência de violação a princípios constitucionais. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Hipótese em que há rasura no inquérito policial quando da oitiva das testemunhas em razão da confecção do auto de prisão em flagrante - informação que não se destina a gerar prova judicial, afastando a necessidade de eventual aditamento da denúncia ou, ainda, de decretação de nulidade do feito, como quis a Defesa. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. Os elementos de convicção colhidos durante a instrução demonstram a materialidade e a autoria dos crimes de roubo duplamente majorados, em continuidade delitiva, pelo que não prosperam os pleitos de absolvição. Relevância da palavra das vítimas em detrimento da tese defensiva de negativa de autoria. [...] PRELIMINAR AFASTADA. APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação Crime Nº 70052633013, Sétima Câmara Criminal, TJRS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 19/09/2013)

Portanto, para grande parte da doutrina, e também da jurisprudência, por ter o inquérito policial natureza inquisitiva, não é processo, senda na verdade um procedimento administrativo informativo, sem estar sujeito ao princípio do contraditório. Todavia, conforme a Lei n.º 6.964/81, o inquérito instaurado pela Polícia Federal, a pedido do Ministro da Justiça, visando à expulsão do estrangeiro, tem nesse caso a obrigatoriedade do contraditório (CAPEZ, 2006, p. 79). Fora esta exceção, posicionamentos existem em caminho contrário às lições acima.

Consoante trabalho de Gomes, Ribeiro e Cruz (2013), o art. 5.º, LV, da Constituição Federal, é garantidor da existência do contraditório em sede policial, não podendo servir de obstáculo às ultrapassadas definições entre processo e procedimento, tampouco o fato de mencionar acusados, e não indiciados, não pode vir a ser um impedimento à sua aplicação na fase preliminar. Lopes Junior, citado pelos mesmos autores, inclusive, refere ser inegável que o indiciamento representa uma acusação em sentido amplo, por isso o legislador empregou acusados em geral, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal e com o intuito de proteger também o indiciado. Corroborando com o explicitado, Pintos Junior (2013) alega que não há como o inquérito policial fugir à regra constitucional, isso porque a partir do indiciamento há um litígio entre Estado e indiciado, ou mesmo uma acusação em caráter não formal através da imputação; logo, esta lide ou acusação informal transforma o inquérito policial em processo no sentido amplo.

O STF já decidiu pela inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa, mas entendeu ser ele objeto de direitos fundamentais do indiciado em seu curso, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. Acrescentou-se na decisão que, do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado – interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial –, evidencia-se a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8906/94, art. 7º, XIV), isto porque a oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações; assim, o direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso; dispõe, em consequência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório (HC 90232 /AM-Amazonas, DJ 02.03.2007 - Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 1.ª T., j. em 18/12/20060). Tal decisão, admitindo, pelo menos basicamente, a existência do contraditório e da ampla defesa no caderno apurativo, veio a se consolidar, em 2011, pela edição da Súmula Vinculante n.º 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Faz vulto a esta verificação o estudo realizado por Pintos Junior (2013) em que, citando lição de Lopes Junior, diz-nos que a prova que é colhida na fase do inquérito e trazida integralmente para dentro do processo acaba mascarando a decisão final do julgador, tendo em vista que a eleição de culpa ou inocência é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita com base nos elementos do inquérito policial, disfarçada com um bom discurso. Dessa forma, diante da parte final do art. 155, alterado pela Lei n.º 11.690/08, afirma que existe sim contraditório no procedimento policial, já que, se o juiz pode fundamentar suas convicções em elementos normativos colhidos na investigação prévia, em sendo provas cautelares, irrepetíveis (como as perícias) e antecipadas, por óbvio, ao menos naquele momento, o aludido princípio deve ser observado de pronto, não cabendo dar ao investigado apenas o contraditório diferido, quando já denunciado e réu, mostrando-se tardio e ineficaz.  

Princípio da vedação das provas ilícitas

Com esteio no art. 5.º, LVI, da Carta Magna, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Segundo Bonfim (2009, p. 48),

o princípio constitui, em verdade, uma vedação a que o juízo adote, como elemento de convencimento no curso do processo penal elementos de prova obtidos por meios considerados ilícitos. O valor “justiça” não é absoluto, mas relativo. Nesse sentido, não pode ser perseguido à tout prix. Assim, conquanto o processo penal tenha por finalidade a busca pela verdade real, esse valor encontra limites em outros valores tutelados pelo ordenamento jurídico, principalmente nos direitos e garantias fundamentais assegurados ao cidadão. Provas obtidas por meios ilegítimos, portanto, não devem influir na formação do convencimento do juiz.

Rangel (2009, p. 434) informa que no STF o entendimento hodierno é de que a prova colhida em decorrência de uma prova obtida por meio ilícito é inadmissível no processo penal, pois ilícita por derivação, acarretando a nulidade do processo; dessa forma, aduz que se o Estado lança mão de um expediente inidôneo (entenda-se ilícito) para descobrir o fato investigado, tudo o que for descoberto que tiver relação direta com a ilicitude da prova estará contaminado.

Portanto, ainda que o mandamento constitucional fale em processo, nada impede – ao contrário, autoriza –, que tal princípio diga respeito também ao inquérito policial, precisamente na atuação da autoridade policial e seus agentes na busca da verdade.

Princípio da verdade real

Este princípio é próprio do processo penal, já que no civil o juiz deve se conformar com a verdade trazida aos autos pelas partes (verdade formal), embora não seja um mero espectador inerte da produção de provas. De acordo com o ensinamento de Tourinho Filho (2005, p. 39), no processo penal, pelas suas características singulares, torna-se mais fácil chegar à adequatio intelectus et rei. Por outro lado, continua, mesmo na justiça penal a procura e o encontro da verdade real, além de se fazerem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, submetem-se a certas restrições do próprio ordenamento jurídico que impedem tal busca. Outro não é o pensamento de Capez (2006, p. 23) ao informar que, mesmo nos sistemas em que vigora a livre investigação das provas, a verdade alcançada será sempre formal, pois não se há de negar o adágio jurídico: o que não está nos autos não está no mundo. Mirabete (2003, p. 44), contudo, adverte que existem motivos impedindo o conhecimento da verdade real, a saber: a transação permitida, por exemplo, nas ações privadas com o perdão do ofendido; a omissão ou desídia de querelante podendo provocar a perempção, além de existir inúmeras outras causas de extinção da punibilidade que podem impedir a descoberta da verdade real. No mesmo sentido, Capez (2006, p. 28-9) elenca o rol de exceções ao princípio estudado:

[...] a impossibilidade de juntada de documentos na fase do art. 406 do CPP, a impossibilidade de exigir prova no plenário do júri, que não tenha sido comunicada à parte contrária com antecedência mínima de três dias (CPP, art. 475), a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5.º, LVI), os limites para depor de pessoas que, em razão de função, ofício ou profissão, devam guardar segredo (CPP, art. 207), a recusa de depor de parentes do acusado (CPP, art. 206), e as restrições à prova, existentes no juízo cível, aplicáveis ao penal, quanto ao estado de pessoas (CPP, art. 155).

No âmbito da Justiça Penal verifica-se uma necessidade insofismável em relação ao restabelecimento da verdade, dado a relação que o Estado tem de ferir a liberdade individual. Portanto, este princípio só deve ser exercido contra aquele que praticou o crime, na medida de sua responsabilidade. A investigação preliminar, assim, não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes, ressalvada a vedação constitucional das provas obtidas por meios ilícitos (BECCHARA, CAMPOS, 2006).

No ensino de Godoy Neto (2009, p. 189-90) o princípio da verdade real tem o escopo de estabelecer que o jus puniendi do Estado seja exercido somente contra quem praticou a infração, nos exatos limites de sua culpa, estando, assim, excluída do procedimento policial a verdade formal, que pode ser criada até por omissões das partes, sendo, para o autor, tal verdade afirmante de simples ficções. Acrescenta, ainda, que para o sucesso da ação penal futura devem ser colhidas as provas materiais anteriormente ao seu início; dessa forma, produzida no inquérito policial, deve servir de base à ação penal ou como fundamento à sua rejeição, sendo, portanto, alicerce à ação penal. O caderno investigatório, então, contém a justa causa para a instauração ou rejeição do processo, além de serem as provas colhidas pelo órgão designado constitucionalmente para tal desiderato.

Quanto a este princípio inserto no inquérito policial, Barros (2002, p. 212) ainda esclarece:

Independentemente da avaliação feita a posteriori pelo julgador, uma coisa é estreme de dúvida: a autoridade policial e todos os seus auxiliares têm o dever de procurar desvendar a verdade sobre o fato criminoso. As investigações hão de ser impulsionadas com esse propósito. E é com base na verdade formatada nessa fase que se coloca em funcionamento a engrenagem que dá sustentação ao jus puniendi estatal.


CONCLUSÃO

Como vimos, o inquérito policial não tem por fim produzir a acusação, pura e simples, de uma pessoa, mas sim reunir provas dos fatos, na busca, sempre, da verdade real. Assim, dentro dessa fase pré-processual, várias são as providências a serem adotadas pela autoridade policial, destacando-se a requisição de exames periciais, representação pelo mandado de busca domiciliar, representações pelas prisões temporária ou preventiva, ou ambas, assim como representação pela quebra do sigilo telefônico, do sigilo bancário, ou ambos, ao Poder Judiciário, interrogatório do investigado, oitiva da(s) vítima(s), assim como de terceiro(s) envolvido(s), indiciamento (CARVALHO, 2013), tudo com amparo nos comandos constitucionais verificados e nos demais não analisados com pormenor.

Como bem aponta Godoy Neto (2009, p. 102), a incidência dos direitos e garantias fundamentais do investigado norteia-se no disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, que assevera ser assegurado aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Como se vê, conclui o autor, a vontade do legislador foi a de estender aquelas garantias a todo e qualquer cidadão, sobre os quais o poder público em geral esteja atribuindo a autoria de um fato, quer de natureza penal, administrativa ou de qualquer outra natureza, desde que tutelado pelo direito positivo, independentemente do órgão acusador ou da etapa do procedimento persecutório.

Segundo a exposição de motivos do CPP, no que diz respeito à importância do inquérito, existe um argumento do legislador de difícil contestação, indo ao encontro do explanado (2013, p. 343):

[...] é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstancias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspeta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então despercebido.

Em análise do mesmo argumento, Knecht (2006, p. 58) afirma:

Antes de submeter-se uma pessoa ao constrangimento de sentar no “banco dos réus”, há de apurar-se um mínimo de indícios que autorizem o início da ação penal. Eis o objetivo do inquérito policial, ou seja, colher provas da existência do fato, de autoria e de suas circunstâncias, para que possa o dominus litis, que é o órgão do Ministério Público na ação penal pública, ou o querelante na ação penal privada, formar sua convicção e denunciar ou apresentar a queixa-crime ao Estado-Juiz. Estaremos, então, através do inquérito policial, tornando invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Dessa forma, em sendo o inquérito policial um procedimento administrativo, ainda que tenha por finalidade a colheita de provas quanto à autoria e à materialidade, ele se faz contraditório segundo o entendimento literal da norma constitucional acima mencionado. Mesmo não havendo acusado(s), existe(m) investigado(s), sendo que, como vimos no decorrer deste artigo, as provas coligidas ao procedimento policial certamente irão influenciar, seja direta (como no caso de provas periciais), seja indiretamente (por meio de indícios e demais elementos probantes) a convicção do magistrado na prolação da sentença, seja condenatória, seja absolutória. Ademais, visando o inquérito a colheita de provas, não haveria de se impedir de que o investigado dele participe; evidentemente, não em todos os momentos, uma vez que existem determinadas provas que somente podem ser colhidas sem seu conhecimento, tornando-se o contraditório diferido à fase em juízo. Porém, deve haver um contraditório mínimo e, por certo, necessário, a fim de evitar acusações indevidas ou sem fundamentos, somando-se a isso que o fato de que considerar a persecução penal de maneira una e indivisível quanto às informações contidas no procedimento extrajudicial afrontaria diretamente o processo constitucional, na medida que mitigaria a garantia da ampla defesa e do contraditório, não proporcionando a participação do investigado na produção da(s) prova(s), contribuindo para os atos investigatórios, segundo Rabelo, Viegas e Souza (2013). Deve sobejar ao investigado, portanto, as garantias constitucionais básicas, denotando a notável relevância e influência do inquérito policial ao processo penal.


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GLOSSÁRIO

Agr. – Agravo

art. – artigo

CF – Constituição Federal

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

DJ – Diário da Justiça

DJe – Diário da Justiça eletrônico

DJU – Diário da Justiça da União

HC – Habeas Corpus

IPM – Inquérito Policial Militar

j. – julgado

p. – página/páginas

RE – Recurso Especial

RISTF – Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

RHC – Recurso Ordinário em Habeas Corpus

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

T. – Turma

TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul


Notas

[1] Rel. Min. Cezar Peluso. Voto do Ministro Luiz Fux datado de 14/12/2012. Recurso sub judice.

[2] Classificações encontradas na obra de Edílson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, p. 49, detalhada nas referências bibliográficas.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Andrei Ribas de; FEIJÓ, Carlos Alberto Buchholz. O inquérito policial como alicerce ao Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5193, 19 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60510. Acesso em: 29 mar. 2024.