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Ato administrativo: origem, conceito, requisitos, vinculação, discricionariedade e mérito

Ato administrativo: origem, conceito, requisitos, vinculação, discricionariedade e mérito

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Estudam-se os principais aspectos relacionados à origem, conceito, requisitos, vinculação, discricionariedade e mérito do ato administrativo.

 

RESUMO

O trabalho se propõe a estudar o ato administrativo, analisando a sua origem, que remonta ao surgimento do princípio da legalidade. Em seguida, são trabalhadas as definições doutrinárias de fato administrativofato da administração, ato da administraçãoato administrativo em sentido amplo,ato administrativo em sentido estrito e ato administrativo propriamente dito. Por fim, através de análise doutrinária e legal, o trabalho aborda os requisitos do ato administrativo e os conceitos de vinculação, discricionariedade e mérito administrativo.

Palavras-chave: Ato Administrativo. Requisitos do Ato Administrativo. Vinculação. Discricionariedade. Mérito Administrativo. Estado de Direito. Princípio da Legalidade.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, que aborda noções de grande relevância para o Direito Administrativo, tem por objetivo realizar um estudo acerca do ato administrativo, baseado em posicionamentos doutrinários e textos legais, analisando a sua origem, os seus requisitos e os conceitos de vinculação, discricionariedade e mérito administrativo.

De início, será feita uma contextualização sobre a origem histórica dos atos administrativos, que guarda relação direta com o surgimento do princípio da legalidade e o reconhecimento do Estado de Direito.

Em seguida, valendo-se das lições de renomados doutrinadores, o artigo irá abordar a distinção conceitual entre fato administrativofato da administração e ato da administração, para só então analisar os principais conceitos de ato administrativo em sentido amploato administrativo em sentido estrito e ato administrativo propriamente dito.

Posteriormente, com base em disposições da Lei nº 4.717/1965, da Lei nº 9.784/1999 e da Constituição da República, serão abordados as noções sobre os requisitos do ato administrativo.

Por fim, serão trabalhados os conceitos doutrinários de vinculação discricionariedade e as suas principais implicações sobre os requisitos do ato administrativo e sobre a análise do mérito administrativo.


1. ORIGEM DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

O princípio da legalidade encontra a sua origem na Inglaterra do século XIII, especificamente no ano de 1215, através da assinatura, pelo Rei João Sem Terra, da Magna Carta, cuja cláusula 39 dispõe o seguinte:

Nenhum homem livre será detido ou preso, nem privado de seus bens (disseisiatur), banido (utlagetur) ou exilado ou, de algum modo, prejudicado (destruatur), nem agiremos ou mandaremos agir contra ele, senão mediante um juízo legal de seus pares ou segundo a lei da terra (nisi per legale iudicium parium suorum vel per legem terre) (COMPARATO, 2010, p. 97).

Esse documento surgiu a partir de embates envolvendo a aristocracia e a nobreza e possui grande importância para a humanidade, sobretudo por ter estabelecido limitações ao poder soberano.

Segundo Fábio Konder Comparato (2010, p. 92), “pode-se dizer que a democracia moderna desponta em embrião” na Magna Carta, que representa a “primeira limitação institucional dos poderes do rei”.

Outros documentos históricos serviram para o desenvolvimento e a consolidação do princípio da legalidade, como a Petição de Direitos (1627), o Bill of Rights (1688) e o Ato de Estabelecimento (1701), influenciando a Revolução Americana (1776), a Revolução Francesa (1789) e, por decorrência, as Constituições democráticas do século XIX.

Ao discorrer sobre o surgimento do Estado de Direito, Norberto Bobbio (2015, pp. 240-241) observa que:

Da Inglaterra o princípio da rule of law transfere-se para as doutrinas jurídicas dos Estados continentais, dando origem à doutrina, hoje verdadeiramente universal (no sentido de que não é mais contestada por ninguém em termos de princípio, tanto que quando não se a reconhece se invoca o estado de necessidade ou de exceção), do “Estado de direito”, isto é, do Estado que tem como princípio inspirador a subordinação de todo poder ao direito, do nível mais baixo ao nível mais alto, através daquele processo de legalização de toda ação de governo que tem sido chamado, desde a primeira constituição escrita da idade moderna, de “constitucionalismo”.

Portanto, em razão do princípio da legalidade, a Administração Pública se sujeita obrigatoriamente à lei e ao Direito. Tal ideia é inerente aos postulados de um Estado de Direito e é responsável por determinar a validade das ações desempenhadas pelos governantes.

Por consequência, surgiu a ideia dos atos administrativos como um conjunto de preceitos que buscava disciplinar a atuação do poder estatal absoluto e prefixar os efeitos desta atuação sobre os direitos dos indivíduos.

Odete Medauar (2003, p. 145) contextualiza o surgimento dos atos administrativos – um dos temas principais do direito administrativo – afirmando o seguinte:

A sujeição da Administração à lei vai conferir novos moldes às ações do Estado: do caos indisciplinado das diversas operações materiais até então praticadas, muitas vezes por vontade temperamental do governante, uma nova noção aparece, a de ato administrativo, uma espécie de ato jurídico. A locução ato administrativo foi empregada, pela primeira vez em 1812, na quarta edição do Repertório de Guyot, a cargo de Merlin.

Também no que se refere ao surgimento dos atos administrativos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 202) enfatiza a ligação existente entre a sua noção e os princípios da legalidade e da separação de poderes:

[...] a noção de ato administrativo é contemporânea ao constitucionalismo, à aparição do princípio da separação de poderes e à submissão da Administração Pública ao Direito (Estado de Direito); vale dizer que é produto de certa concepção ideológica; só existe nos países em que se reconhece a existência de um regime jurídico-administrativo, a que se sujeita a Administração Pública, diverso do regime privado.

2. FATO ADMINISTRATIVO, FATO DA ADMINISTRAÇÃO E ATOS DA ADMINISTRAÇÃO

De acordo com a dicotomia existente no direito civil, a noção de ato é necessariamente ligada a uma conduta humana, ao passo que a ocorrência de um fato está condicionada a acontecimentos naturais independentes da interferência do homem, que poderá ser apenas indireta.

Nas hipóteses em que uma norma legal descreve a existência de determinado fato, a sua ocorrência produzirá efeitos jurídicos; por isso, a ele denominamos fato jurídico. Caso os efeitos jurídicos sejam produzidos na área do direito administrativo, tratar-se-á de um fato administrativo, como no caso da morte de um servidor público (que gera a vacância do cargo anteriormente ocupado por ele), ou do simples decurso do tempo (que gera a prescrição administrativa). Contudo, quando a ocorrência de um fato não produzir nenhum efeito jurídico ligado ao direito administrativo, estaremos diante de um fato da Administração (DI PIETRO, 2006, p. 200).

O termo atos da Administração, por sua vez, representa o gênero composto por todos os atos praticados no exercício da função administrativa. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, pp. 354-358), nesse gênero são incluídos: a) os atos de direito privado – a exemplo das doações, permutas, locações e compra e venda; b) os atos materiais da Administração– quando não há manifestação de vontade, mas apenas atividades de execução, como a apreensão de mercadorias, a demolição de uma edificação, a realização de um serviço, a pavimentação de uma rua; c) os atos políticos ou de governo – editados em obediência direta à Constituição[1], e com ampla discricionariedade, pelo Poder Executivo (apesar de controláveis pelo Judiciário), como o indulto (CF, art. 84, XII), a sanção (CF, art. 65), o veto (CF, art. 66, § 1º) e a iniciativa de leis delegadas (CF, art. 68); e d) os atos administrativos em sentido amplo.


3. CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO

José Cretella Júnior (1998, p. 134), partindo da premissa que os atos administrativos são uma espécie de ato jurídico, utilizou a definição constante do artigo 81 do antigo Código Civil Brasileiro[2] (Lei n º 3.071, de 1º de janeiro de 1916) para compor o seu conceito:

Ora, o próprio Código Civil Brasileiro dá a chave para obtermos a definição de ato administrativo. Se ato jurídico é toda manifestação lícita da vontade humana que tem por objetivo imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar e extinguir direitos, o ato administrativo, sendo espécie do ato jurídico, nada mais será do que todo ato produzido por agente credenciado da Administração, que tem por efeito imediato a aquisição, o resguardo, a modificação, a transformação ou a extinção de direitos, em matéria administrativa.

Por sua vez, Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 356) conceitua atos administrativos em sentido amplo da seguinte forma:

[...] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

O autor enfatiza, desta forma, as seguintes características do referido instituto: 1) é uma declaração jurídica que produz efeitos, como a certificação, declaração, criação, extinção, transferência, ou modificação de direitos ou obrigações; 2) provém do Estado, ou de quem esteja investido de prerrogativas públicas; 3) a autoridade que o pratica encontra-se regido pelo Direito Público; 4) é providência jurídica complementar à lei (infralegal ou sublegal) a título de lhe dar cumprimento (todavia, excepcionalmente, existem atos administrativos complementares à Constituição – infraconstitucionais); 5) submete-se a exame de legitimidade pelo Poder Judiciário (controle judicial), podendo ser invalidados em casos de ilegalidade.

Esta definição engloba, além dos atos administrativos em sentido estrito, os atos normativos da Administração Pública, que são gerais e abstratos (como regulamentos, instruções e resoluções), além dos atos convencionais (os contratos administrativos).

Por outro lado, pode ser adotado um conceito em sentido estrito, levando-se em conta apenas os atos administrativos que apresentem as características de concreção e unilateralidade, excluindo-se os atos normativos da Administração Pública (gerais e abstratos) e os atos convencionais (contratos administrativos).

Desta forma, ato administrativo em sentido estrito é definido como:

[...] declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional (BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 358).

Hely Lopes Meirelles (2004, p. 147), em seu conceito restrito de ato administrativo, diz que:

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 206) define os atosadministrativos propriamente ditos de maneira mais restrita, excluindo da conceituação, além dos atos normativos da Administração Pública e dos contratos administrativos, os atos de conhecimento, opinião, juízo ou valor (como pareceres, atestados e certidões).

Para a eminente autora, os atos administrativos propriamente ditos podem ser definidos como:

A declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário. (DI PIETRO, 2006, p. 206).

4. REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO

De acordo com José Cretella Júnior (1998, p. 195): “ato administrativo perfeito é aquele que preenche todos os requisitos exigidos para tal”. Quando não há a convergência desses requisitos, a estrutura do ato é defeituosa, imperfeita.

Para que o ato administrativo se aperfeiçoe, reunindo condições de eficácia para a produção de efeitos jurídicos válidos, a sua estrutura deverá ser composta por certos requisitos[3]: competência, finalidade, forma,objeto e motivo.

A maior parte da doutrina reconhece esses requisitos porque eles estão previstos na lei que regula a Ação Popular[4] (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965).

competência é o primeiro e o mais importante requisito exigido para a prática de um ato administrativo. Trata-se de um requisito de ordem pública, que resulta da lei, intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados.

De acordo com a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, a competência é exercida “pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos”, sendo expressamente vedada a delegação nos casos de: edição de atos de caráter normativo; decisão de recursos administrativos; matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade[5].

Nesse sentido, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2008, p. 401) definem a competência como o “poder legal conferido ao agente público para o desempenho específico das atribuições de seu cargo”.

Por ser elemento vinculado de todo ato administrativo, sempre que um agente praticar um ato sem a devida competência, ou quando ultrapassar os limites por ela delimitados, esse será inválido “por lhe faltar elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração” (MEIRELLES, 2004, p. 149).

Assim como a competência, a finalidade também é um requisito vinculado de todo ato administrativo, porque o ordenamento jurídico não permite que a Administração Pública atue de maneira a distanciar-se ou desviar-se da finalidade pública.

Representa, pois, o interesse público a ser atingido, indicado pela lei de maneira explícita ou implícita, sendo vedado ao administrador, em quaisquer hipóteses, escolher outra finalidade a ser atingida pelo ato, ou substituir a prevista em lei (MEIRELLES, 2004, pp. 149-150).

As atividades desempenhadas pela Administração Pública são voltadas para a realização do interesse coletivo; portanto, os atos deverão buscar o fim público, caso contrário, serão considerados nulos (Lei nº 4.717/1965, art. 2º, e).

Quando o administrador alterar a finalidade, contida explicitamente na norma legal ou de modo implícito no ordenamento jurídico, restará caracterizado o desvio de poder, o que torna o ato administrativo passível de invalidação, em razão da ausência da finalidade pública – um dos seus requisitos de validade (Lei nº 4.717/1965, art. 2º, parágrafo único, e).

forma – requisito vinculado para a edição, modificação e desfazimento do ato administrativo – pode ser definida como o revestimento material exteriorizador do ato. Em princípio, todo ato administrativo é formal e, normalmente, na forma escrita; todavia, existem atos que se manifestam sob as formas de ordens verbais (nos casos das instruções de superior a inferior hierárquico) e sinais convencionais (como ocorre no trânsito e nas abordagens policiais) (MEIRELLES, 2004, pp. 150-151).

Se no direito privado os atos jurídicos gozam da liberdade de forma (desde que não seja utilizada uma proibida por lei), com os atos administrativos é diferente, visto que estes se submetem a um regime jurídico de direito público, e para esse ramo do direito a liberdade de forma é a exceção.

Segundo a Lei nº 4.717/65 (artigo 2º, parágrafo único, b), havendo omissão ou inobservância “incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato”, ocorrerá um vício de forma. Nesses casos, estaremos diante de um vício substancial, capaz de ensejar controle judicial e, consequentemente, a invalidação do ato, porque a sua perfeição e eficácia foram comprometidas.

forma é, em regra, um requisito vinculado, haja vista que a lei define previamente o modelo de exteriorização a ser utilizado em um ato administrativo (por exemplo, decreto, resolução, portaria). Entretanto, em alguns casos, a lei prevê mais de uma forma possível para a edição de um mesmo ato; nessas hipóteses, haverá discricionariedade em relação à forma (DI PIETRO, 2006, p. 225).

objeto é o conteúdo do ato administrativo, por meio do qual a Administração Pública cria, modifica ou comprova determinadas relações jurídicas que digam respeito a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à tutela do Poder Público (MEIRELLES, 2004, p. 152).

É um requisito que poderá ser vinculado – nos casos em que a lei apontar apenas um objeto como possível para a consecução de algum fim –, ou discricionário – quando existirem vários objetos possíveis, previstos em lei e voltados para a consecução do mesmo fim (DI PIETRO, 2006, p. 226).

Nesse último caso, as ações do administrador estarão relacionadas ao mérito administrativo, isto é: aos critérios de conveniência e oportunidade escolhidos após valorações no âmbito interno da Administração sobre as conseqüências e vantagens do ato.

Segundo a Lei nº 4.717/65 (artigo 2º, parágrafo único, c), “a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo”. Caso algum ato administrativo apresente vício em seu objeto, poderá ser submetido a controle judicial.

Como último requisito, surge o motivo, definido como pressuposto de fato e de direito que determina ou autoriza a edição do ato administrativo, sendo responsável por integrar a perfeição do ato. (MEIRELLES, 2004, p. 151).

motivo do ato administrativo, a depender do caso, poderá ser vinculado ou discricionário. “Será vinculado quando a lei, ao descrevê-lo, utilizar noções precisas, vocábulos unissignificativos, conceitos matemáticos, que não dão margem a qualquer apreciação subjetiva” (DI PIETRO, 2006, p. 225).

Por outro lado, será discricionário quando: a) “a lei não o definir, deixando-o ao inteiro critério da Administração”; b) “a lei define o motivo utilizando noções vagas, vocábulos plurissignificativos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados, que deixam à Administração a possibilidade de apreciação segundo critérios de oportunidade e conveniência administrativa” (DI PIETTRO, 2006, p. 225).

A propósito, cumpre mencionar o julgamento do Recurso Ordinário no Mandado de Segurança nº 24699/DF[6], através do qual o Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade de controle judicial sobre atos administrativos que envolvam a aplicação de “conceitos jurídicos indeterminados”, em razão dos princípios que regem a Administração Pública.

motivação, prevista expressamente como princípio[7] pela Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, é a indicação dos pressupostos fáticos e jurídicos que possibilitaram a prática do ato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações ocorridos e a sua edição.

O princípio constitucional da moralidade (CF, art. 37, caput) e outras passagens da nossa Lei Maior[8] (art. 1º, II, parágrafo único; art. 5º, XXXV) fundamentam a obrigatoriedade da motivação dos atos administrativos, que só não existirá quando a lei a dispensar, ou caso seja incompatível com a natureza do ato.

Assim, a Administração Pública deverá, ao praticar um ato, indicar o motivo que impulsionou a sua atuação. Quando a matéria de fato ou de direito em que se fundamenta o ato for materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido, o ato poderá ser invalidado judicialmente (Lei nº 4.717/65, artigo 2º, parágrafo único d).

Há situações, entretanto, em que a indicação dos motivos não é necessária para que o ato administrativo seja perfeito. Nessas hipóteses, motivar é uma faculdade discricionária. Mas, quando a Administração Pública indica os motivos de um ato, fica a esses vinculada e terá a obrigação de provar que eles realmente ocorreram. É o que dispõe a Teoria dos Motivos Determinantes, sintetizada nos seguintes termos por Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 374):

De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de “motivos de fato” falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam.

5. VINCULAÇÃO, DISCRICIONARIEDADE E MÉRITO ADMINISTRATIVO

Para conseguir concretizar o interesse do povo – titular da coisa pública –, a Administração precisa estar em posição de supremacia sobre os particulares. Destarte, ela dispõe de poderes-deveres que a auxiliam na busca da realização da finalidade pública.

Não obstante, o exercício dos poderes administrativos deve se dar sempre conforme a lei, haja vista que um Estado Democrático de Direito subordina-se ao princípio da legalidade, com o escopo de combater os abusos de poder e as arbitrariedades.

Desse modo, os poderes exercidos pela Administração Pública são regrados pelo ordenamento jurídico. Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 222), há casos em que tal regramento atinge os vários aspectos de uma determinada atividade, isto é: a lei estabelece a maneira pela qual a Administração Pública deverá agir, sem deixar opções – temos aí o poder vinculado.

vinculação existirá quando uma lei, ao regular determinada situação, antecipar (ou estabelecer) de maneira rigorosamente objetiva os requisitos necessários para a edição de um ato administrativo perfeito. Assim, sempre que a situação hipotética regulada pela lei ocorrer, a Administração Pública (ou quem lhe faça as vezes) deverá atuar concretamente, através de um ato administrativo que será vinculado (BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 885).

O poder vinculado não deixa opções ao administrador, pois estabelece previamente a forma através da qual se dará a sua atuação – a lei, diante de certa situação de fato, prevê uma única solução possível. Em tais casos, pode ser dito que os particulares, desde que preencham certos requisitos, possuem o direito subjetivo de exigir da Administração Pública a prática de determinado ato administrativo (como, por exemplo, a outorga de uma licença para dirigir automóveis ou de uma admissão para estudar em uma escola pública) (DI PIETRO, 2006, pp. 222; 238).

Por outro lado, em certas hipóteses a lei não regra todos os aspectos de uma determinada atividade administrativa, deixando uma parcela de liberdade decisória para que o administrador, diante do caso concreto, escolha uma dentre as soluções possíveis e válidas. Nessas hipóteses, a Administração Pública faz uso do poder discricionário, que lhe permite encontrar uma solução para o caso concreto seguindo critérios próprios de oportunidade, conveniência, justiça e equidade (DI PIETRO, 2006, p. 222).

Ao conceituar a discricionariedade, Celso Antônio Bandeira de Mello (2012, p. 48) nos lembra que o seu exercício deve estar sempre condicionado aos limites de razoabilidade, de modo que seja possível concretizar a finalidade legal:

Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.

motivo e o objeto são requisitos do ato administrativo que, a depender da situação, poderão ser discricionários, ou seja, poderão ser decididos livremente pela Administração Pública, desde que respeitado o princípio da legalidade e, por conseguinte, os princípios da finalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Destarte, percebe-se que o motivo e o objeto do ato administrativo discricionário guardam relação direta com o mérito administrativo, porque este estará presente “toda vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as consequências ou vantagens do ato” (MEIRELLES, 2004, p. 152).

Nesse mesmo sentido é o conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, pp. 888-889) sobre o mérito administrativo:

Mérito do ato é o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 647417/DF[9], no ano de 2004, ao discorrer sobre o mérito do ato administrativo, enfatizou a obrigatória observância aos limites de legalidade e legitimidade por parte do administrador, sob pena de configuração de ato arbitrário:

Vale salientar, ainda, que mérito significa uso correto da discricionariedade, ou seja, a integração administrativa. Com observância do limite do legal e o limite do legítimo, o ato tem mérito. Caso contrário, não tem mérito e deixa de ser discricionário para ser arbitrário e, assim, sujeito ao controle judicial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desse artigo, foi desenvolvido um estudo acerca do ato administrativo, com análise da sua origem, dos seus requisitos e dos conceitos de vinculação, discricionariedade e mérito administrativo.

Através de breve contextualização histórica, pôde-se observar que a origem do ato administrativo remonta ao surgimento do princípio da legalidade e ao reconhecimento do Estado de Direito.

Também foram trazidas definições de célebres autores a respeito das distinções entre os conceitos de fato administrativofato da administração e ato da administração, para então possibilitar uma análise centrada nos principais conceitos de ato administrativo em sentido amploato administrativo em sentido estrito e ato administrativo propriamente dito.

Para o estudo dos requisitos do ato administrativo, o trabalho se valeu de regras constantes das Leis nº 4.717/1965 e nº 9.784/1999 e da Constituição da República, trazendo em seguida os conceitos doutrinários de vinculação e discricionariedade e as suas principais implicações sobre os requisitos do ato administrativo e sobre a análise do mérito administrativo.

A título de arremate, cabe repisar que o princípio da legalidade tem relação direta e específica com o Estado de Direito, sendo responsável por qualificá-lo e lhe conferir identidade própria, já que a expressão “Estado de Direito” pode ser entendida como “Estado sujeito a um ordenamento jurídico” – sujeito à lei.

Ao discorrer sobre a origem do princípio da legalidade, Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 91) o define como:

[...] basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.

Hely Lopes Meirelles (2008, p. 89), ao conceituar tal princípio, evidencia o amplo grau de responsabilidade a que será submetido um agente público que eventualmente descumprir a lei. Para ele, a adoção do princípio:

[...] significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

Nesse contexto, caso a discricionariedade seja exercida fora dos limites estabelecidos pela lei, a atuação administrativa será arbitrária. Ao diferenciar a discrição do arbítrio (ação antijurídica), José Cretella Júnior (1998, pp. 147-148) ressalta que:

Arbítrio não se confunde com discrição. Arbítrio não é a possibilidade de agir ou não agir de acordo com uma norma. Arbítrio é a ação em desacordo com a norma jurídica de um determinado sistema. Poder arbitrário é, pois, a faculdade que tem o agente público de agir totalmente em desacordo com a norma jurídica.
Discrição, ao contrário de arbítrio, é a faculdade de agir ou de não agir, de acordo com uma norma jurídica prévia. Arbítrio é ação antijurídica; discrição é ação jurídica. Se entre múltiplas opções o administrador seleciona, conforme sua vontade, passando por cima da lei, temos o arbítrio; se, entre muitas hipóteses dentro da lei , o administrador seleciona a mais oportuna ou a mais conveniente, temos a discrição.

Por todo o exposto, conclui-se: sempre que o administrador, fazendo uso do poder discricionário, praticar atos administrativos dentro da regra de competência (em respeito aos limites de legalidade e legitimidade) e de acordo com critérios de oportunidade, conveniência, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, justiça e equidade, existirá o mérito administrativo, que pode ser definido como o uso correto da discricionariedade com vistas ao exato atendimento da finalidade legal.


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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

PESQUISA de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>; Acesso em 29 set. 2017.

PESQUISA de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em 29 set. 2017.


Notas

[1] Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.

Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.

§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

[...]

Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:

I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;

III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

§ 2º A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.

§ 3º Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.

[...]

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[...]

XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;

[2] Art. 81. Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir diretos, se denomina ato jurídico.

[3] Também conceituados pela doutrina como “elementos” ou “pressupostos”.

[4] Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

a) incompetência;

b) vício de forma;

c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência dos motivos;

e) desvio de finalidade.

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

[5] Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.

[...]

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:

I - a edição de atos de caráter normativo;

II - a decisão de recursos administrativos;

III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

[6] [10] EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE.

1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90.

2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de"conceitos indeterminados"estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.

3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XVda Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos.

4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (STF, RMS 24699/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro Eros Grau, julgado em 30/11/2004, DJ 01/07/2005, p. 56)

[7] Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

[...]

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

[8] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

II - a cidadania

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[9] ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LICITAÇÃO PÚBLICA PARA EXPLORAÇÃO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE PÚBLICO ALTERNATIVO DO DISTRITO FEDERAL. MOTORISTA AUXILIAR. AUSÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A ADMINISTRAÇÃO. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM O DISTRITO FEDERAL AFASTADA PARA GARANTIR A PARTICIPAÇÃO EM OUTROS PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS DO MESMO GÊNERO. ATUAÇÃO LEGÍTIMA DO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. “Cuida-se de Ação de Conhecimento, sob o rito ordinário, proposta por JONAS PERES LEITÃO em desfavor do DISTRITO FEDERAL e DEPARTAMENTO METROPOLITANO DE TRANSPORTES URBANOS DO DISTRITO FEDERAL – DMTU;DF, precedida de Ação Cautelar com pedido de liminar, visando ao sobrestamento dos efeitos da DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM O DISTRITO FEDERAL e, no mérito, a anulação de referido ato administrativo e a consignação em seu favor de 20 (vinte) pontos referentes ao item 6, Anexo VII, do Edital de Concorrência n.º 001/96 reclassificando-o de acordo com a nova pontuação, ordenando o seu prosseguimento no certame até o resultado final, com a efetiva entrega da permissão para explorar o Serviço de Transporte Público Alternativo do Distrito Federal – STPA/DF, concorrendo em licitação pública promovida pelo Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos do Distrito Federal – DMTU/DF, deflagrada pelo Edital de Concorrência n.º 001/96 que previa no item 6, do Anexo VII, a atribuição de 20 pontos para o proponente que apresentasse 'declaração de ausência de vínculo empregatício e participação em atividade inscrita ou registrada no GDF' pelo período de um ano antes da publicação do Edital. Narra que, apesar de ter-se classificado no certame a Comissão de Licitação negou-se a consignar em seu favor os mencionados pontos, tendo ainda o declarado inidôneo para licitar e contratar com o Distrito Federal, sob o argumento de que o autor teria emitido declaração falsa, uma vez encontrar-se cadastrado no STPA-DF, na condição de motorista substituto, em período inferior a 1 (um) ano antes do Edital deflagrador do certame”. Acórdão que desproveu recursos voluntários do DMTU/DF e do Distrito Federal para declarar que: “O mero registro como motorista auxiliar não gera vínculo jurídico com a Administração Pública razão pela qual não pode ser considerada inverídica a declaração de ausência de vínculo apresentada pelo licitante, tal como exigida pelo Edital. O ato administrativo de exclusão do licitante, bem como a declaração de inidoneidade para licitar com o Distrito Federal, calcados em premissas equivocadas são nulos.”

2. Recurso especial interposto pelo Distrito Federal alegando afronta aos artigos 3º e 41 da Lei 8666 sob o fundamento de que o acórdão invadiu o mérito administrativo, anulando punição que obedeceu aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e da vinculação ao Edital pela Administração Pública.

3. Merece desprovimento a irresignação recursal em face de que o acórdão realmente não poderia ter anulado a cláusula editalícia, como afirma o recorrente, já que a mesma não estava eivada de vício. Na verdade, a Administração diversamente do que diz, é que não cumpriu a norma do edital, desrespeitando, destarte, o princípio da legalidade ao qual encontra-se adstrita, e nesse patamar, não se apresenta invasora a atuação do Judiciário. Tampouco, prospera a tese de invasão do mérito administrativo pelo acórdão reclamado. O administrador, sob o pálio da discricionariedade, proferiu decisão punitiva disciplinar que, mesmo legal, afigura-se despida de legitimidade. In casu, o acórdão fez valer a norma do edital. Vale salientar, ainda, que mérito significa uso correto da discricionariedade, ou seja, a integração administrativa. Com observância do limite do legal e o limite do legítimo, o ato tem mérito. Caso contrário, não tem mérito e deixa de ser discricionário para ser arbitrário e, assim, sujeito ao controle judicial.

4. O recorrido não é detentor de permissão do Distrito Federal, porém, está cadastrado no DMTU como motorista auxiliar, encontrando-se vinculado ao permissionário, recebendo pela prestação do serviço esporádico que faz a este. Portanto, não é de se considerar como falsa a declaração de que não possui vínculo empregatício com o GDF. O objetivo do Poder Público é delegar permissões para explorar Serviço de Transporte Público Alternativo do Distrito Federal a pessoas físicas residentes no Distrito Federal que não sejam detentoras de permissão ou concessão do Distrito Federal.

5. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 647417/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro José Delgado, julgado em 09/11/2004, DJ 21/02/2005, p. 114)


Autor

  • João Daniel Correia de Oliveira

    Analista Judiciário, Área Judiciária. Especialização em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2022). Especialização em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale, FALEG (2021). Especialização em Direito Público Aplicado pelo Centro Universitário UNA em parceria com a Escola Brasileira de Direito, EBRADI (2019). Especialização em Direito Processual Civil pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC São Paulo (2019). Especialização em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - UNIDERP (2017). Graduação em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB (2011).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, João Daniel Correia de. Ato administrativo: origem, conceito, requisitos, vinculação, discricionariedade e mérito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5355, 28 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60926. Acesso em: 29 mar. 2024.