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O Estatuto da Cidade e a questão do pagamento da indenização pela desapropriação sancionatória em títulos da dívida pública

O Estatuto da Cidade e a questão do pagamento da indenização pela desapropriação sancionatória em títulos da dívida pública

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INTRODUÇÃO

"O Estatuto da Cidade, criado pela Lei n° 10.257, de 2001, é mais um diploma legal que regulamenta dispositivo da Constituição de 1988 e deve ser recebido pelos cidadãos brasileiros com grande otimismo, pois só com tais regulamentações a nossa Constituição um dia terá eficácia plena e, aí sim, poderemos vê-la aplicada integralmente."

O "Estatuto da Cidade", como se auto-denominou a Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001, foi publicado no DOU do dia seguinte, e teve uma vacatio legis de noventa dias, só vindo a entrar em vigor em 09 de outubro daquele ano.

Tal lei, de cunho nacional, visou regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais de política urbana, ultimando, em ultima ratio, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, através de uma adequada realização e preservação da função social da cidade e da propriedade citadina.

Diogenes Gasparini prefere chamar-lhe de "Lei de Responsabilidade Social", numa clara alusão à outra lei de igual importância, recentemente editada, que é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Seu intuito é, sem dúvidas, e com toda razão, demonstrar a vital importância que possui esse subsistema jurídico regulamentador do Direito Urbanístico pátrio.

Outros autores a alcunham de "Lei do Meio Ambiente Artificial", como Celso Antonio Pacheco Fiorillo, que dá relevo ao aspecto ambiental, também reforçadamente analisado em referida normatização, "cuja tendência, a exemplo de outros diplomas atuais, é ganhar claros contornos constitucionais vinculados ao Direito Ambiental Constitucional Brasileiro."

Contudo, a nomenclatura "Estatuto da Cidade" foi solenemente adotada pelo próprio legislador, no parágrafo único do art. 1°, e será assim denominada, por expressa vontade legal, de agora em diante.

Desde 1982, através do Ministério do Interior, o Governo Federal já vinha buscando regulamentar a questão do desenvolvimento urbano, através do CNDU - Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, que, mediante a Resolução n° 16, de 07/04/1982, criou um grupo de trabalho para elaborar um anteprojeto de lei sobre os objetivos e a promoção do desenvolvimento urbano, fazendo parte de tal grupo juristas, especialistas em Direito Urbanístico, da magnitude de Hely Lopes Meirelles e Miguel Reale.

Através da Resolução n° 18, datada de 22/02/1983, tal colegiado aprovou um anteprojeto de lei dispondo sobre tais assuntos, e que foi remetido para o Gabinete da Presidência da República. Em 09/03/1983, o Ministro do Interior encaminhou ao Presidente da República José Figueiredo o que ficou conhecido como "Anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano", com a Exposição de Motivos n° 12/83.

Na Câmara dos Deputados, tal proposta de lei foi designada pelo Projeto de Lei n° 775/83, e depois de longa e discutida tramitação, chegou ao Senado Federal, alvejada por inúmeros projetos substitutivos, dentre os quais o do Senador Pompeu de Souza, o de n° 181/1989, que, mais tarde, de volta à Câmara dos Deputados, se transformaria no PL n° 5.788/1990, que, depois de doze anos, se transformou no que hoje é conhecido como "Estatuto da Cidade".

O Estatuto da Cidade tem sua sede constitucional nos arts. 182 e 183 da Magna Carta, servindo-lhe de fundamento os princípios do respeito à dignidade humana, apontado como fundamento da República pátria no art. 1°, III, da Lex Legum e, especificamente, o da função social da propriedade, estampado no inciso XXIII do art. 5°, também da Carta Política de 1988.

O primeiro fundamento reflete a preocupação do legislador com a busca e manutenção da qualidade de vida do ser humano num meio ambiente, natural e artificial, saudável e equilibrado. Por "meio ambiente artificial" entenda aquele conjunto de edificações, com aglomerações humanas, que vêm a determinar o que sejam as "cidades", como adiante demonstraremos.

Já o segundo fundamento, em verdade, se traduz e diz respeito à estrutura do direito de propriedade, como um princípio, inclusive, de ordem econômica, à verve do art. 170, III, da Lei Maior, informador da constituição econômica brasileira, com o fito assecuratório da existência humana digna, conforme os ditames de justiça social.

Segundo Diogenes Gasparini, um 3° fundamento poderia ser elencado, qual seja, o direito social à moradia, insculpido no art. 6° da Lei das Leis, consoante redação conferida pela Emenda Constitucional n° 26, de 14/02/2000.

O Estatuto da Cidade objetiva estabelecer diretrizes gerais da política urbana, que, por sua vez, almeja a ordenação das funções sociais da cidade e da propriedade.

Veja-se, pois, que, de um lado, têm-se as funções sociais da cidade, quais sejam, as conectadas à habitação, ao trabalho, à circulação e à recreação; e do outro, as funções sociais da propriedade, eminentemente relacionadas ao uso e à ocupação do solo urbano.

A política urbana, prevista no Estatuto, seria, assim, numa conceituação gaspariniana, litteris:

"o conjunto de intervenções municipais legais e materiais e de medidas materiais interventivas no espaço urbano promovidas por terceiros coordenados pelo Município, visando aquelas e estas ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana."

Em tal conceito, é nítida a preocupação do administrativista com as múltiplas interligações ou parcerias que haverão de ser engendradas entre o Poder Público Municipal e a iniciativa privada, e os particulares, de um modo geral, a fim de que a política urbana proposta pelo Estatuto ganhe vida, e não passe de um mero pedaço de papel.

Nesse ínterim, mister se faz apontarmos o que seja "cidade", já que é à mesma que a Lei se aplica.

Celso Antonio Pacheco Fiorillo, revolvendo as origens das cidades, busca, na Europa e no Oriente Próximo, o nascimento e as transformações urbanas mais sensíveis.

Fiorillo conecta a idéia do surgimento da "cidade", em função das grandes mudanças da organização produtiva ao longo do decorrer da história mundial.

Desde os tempos imemoriais, em que os hominídeos coletavam seus alimentos e se abrigavam em cavernas, sem alteração do meio ambiente natural, até o surgimento da civilização industrial, com a ocorrência do fenômeno pelo autor denominado de "excedente produzido", segundo o qual, por força dos avanços científicos em massa e de massa, deu-se ensejo ao crescimento populacional sem obstáculos quaisquer, até atingir e ultrapassar os limites do equilíbrio do ambiente natural, gerando, destarte, o imenso número de pessoas famintas espalhadas pelo mundo e o conseqüente desequilíbrio do sistema campo/cidade então conhecido.

Neste cenário, a cidade moderna passa a ser a sede das classes dominantes, enquanto o campo a sede das classes subalternas e menos desenvolvidas. Nos países desenvolvidos, o equilíbrio do território citadino é garantido pelas autoridades públicas, com o controle razoável do desenvolvimento das cidades e algumas exigências estabelecidas pela pesquisa teórica, a exemplo de casas à preço barateado, circulação de pedestres protegida por tráfego motorizado, serviços públicos plenamente acessíveis.

Já nos países de terceiro mundo, entre os quais ainda nos incluímos, as cidades crescem na mesma ou em maior velocidade. Contudo, os serviços públicos, a rede de proteção pública sanitária, de engenharia de tráfego, de planejamento urbanístico mínimo deixam a desejar, quando existem.

Esta realidade deu azo ao surgimento dos denominados "estabelecimentos irregulares", ou vulgarmente conhecidos como "espaços favelares", que passam a se organizar por conta própria, face à lacuna deixada pelo ordenamento do poder público omisso.

A tradição urbanística brasileira é ibérica, no qual o centro da cidade é o melhor lugar da cidade para se viver, ao contrário do modelo anglo-saxão, no qual os centros urbanos só servem para o estabelecimento de locais de trabalho.

Daí porque em nosso país foi na periferia urbana que surgiram as favelas, "espaços marginais", segundo Fiorillo, em que se amontoam os grupos de habitantes pobres, que vivem nos barracos da extrema periferia ou dormem debaixo das pontes, e que, atualmente, mutatis mutandi, abrigam a maioria populacional, frise-se.

Uma parcela cada vez maior de tal população migrou do campo para a cidade, sendo que apenas uma ínfima parte de tal aglomerado humano se estabeleceu nos estabelecimentos regulares das cidades, como os bairros e vilas, em condições dignas de moradia. A grande parte de tal êxodo rural se estabeleceu nas favelas, graças, em enorme parte, ao modelo neo-liberal capitalista imposto à maioria dos países sub-desenvolvidos pelos grandes centros de poder econômico mundial.

Tal sistema, altamente perverso, sempre procurou assegurar uma política de construção que declarava, através de mecanismos de Direito Administrativo ou Civil, abusivas as moradias e os bairros construídos espontaneamente pelos habitantes.

A idéia que sempre vigorou foi a de ofertar moradias caras para a maioria populacional, especial e contraditoriamente em países como o Brasil, aonde a própria Carta Magna reconhece a necessidade de se erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3°, III), em quantidade absolutamente insuficiente à necessidade do povo.

No Brasil, sempre se aceitou que as moradias e os bairros espontâneos se tornassem incômodos e insalubres, dado que sua existência não era e nem é reconhecida oficialmente, o que é, hoje em dia, inaceitável.

Em suma: surgem dentro da cidade duas outras, uma regular, e com todos os instrumentos e serviços que uma saudável política urbana pode conferir, a exemplo de ruas pavimentadas, água encanada, instalações elétricas, escolas públicas, postos policiais, dentre outros; e outra irregular (marginal), como instrumento de discriminação e de domínio, supostamente indispensável à estabilidade do sistema social, infelizmente, ainda que isto ofenda princípios constitucionais básicos, tais como o da dignidade da pessoa humana, o direito social à moradia e a função social da propriedade, urbana ou rural.

Em meio à tais digressões essencialmente sociológicas, surge um conceito jurídico de "cidade", de natureza jurídica urbanístico-ambiental, deixando de ser visto apenas diante de regramentos adaptados tão-só aos bens privados ou públicos, mas sim diante da estrutura do bem ambiental, de forma mediata e imediata, em decorrência dos ditames expressos dos arts. 182 e 183 da Carta Magna.

O direito à um meio-ambiente saudável imbrica-se com o mais básico e preponderante direito fundamental do homem: o direito à vida, como direito humano que deve estar acima de quaisquer considerações, como as de desenvolvimento, de respeito ao direito de propriedade ou o direito à livre iniciativa.

Para Gasparini, "cidade" não significa apenas a sede do Município, mas toda aglomeração de edificações, delimitida por um perímetro fixado mediante lei, ainda que chamada de "vila". No Município, qualquer que seja, só há uma cidade, que é sua sede, nos termos do Decreto-lei federal n° 311, de 02/03/1938, que dispõe sobre a divisão territorial do país, podendo haver, contudo, mais de uma vila.

A política urbana deve ser, sob este enfoque, ampla, sem contudo atingir a zona rural, mesmo que o plano diretor assim fixe. Tal ordem de idéias visa, justamente, possibilitar, com esteio no art. 2°, VII, do Estatuto, a integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em conta o desenvolvimento socio-econômico do Município e do território sob sua área de influência, sem, no entanto, avançar sobre o perímetro rural.

Por derradeiro, interessante que perscrutemos uma noção, ainda que básica, do que entendamos por cidadania, não aquela do Estado Liberal, mas sim uma nova forma de cidadania, a "cosmopolita", expressão extraída da obra de José Luis Bolzan de Morais, atrelada à geração de direitos humanos, e multifacetada sob inúmeras formas: a da liberdade, vinculada às liberdades negativas; a da igualdade, ligada às liberdades positivas e às prestações públicas e uma da fraternidade/solidariedade, adrede aos novos conteúdos humanitários ambientais, de desenvolvimento sustentável, de paz, aonde se insere exatamente o conteúdo material e ideal do Estatuto da Cidade.


1DA COLOCAÇÃO DO PROBLEMA.

O Estatuto da Cidade veio à lume no exato instante em que se busca um novo paradigma no Direito Privado, com o advento do Novo Código Civil, que, para alguns, já nasceu antiquado.

O Código Civil revogado, de 1916, representou os anseios de uma sociedade àquela época nitidamente rural. A política do café com leite, com a alternância de paulistas e mineiros na Presidência da República traduz bem esta realidade brasileira, e que copiava um modelo mundial: o do Code Napoleon, de 1804, altamente individualista e liberal.

O Estatuto da Cidade exsurge, exatamente, como contraponto deste liberalismo exarcebado de outrora, e prega o bem coletivo: o bem-estar social, a melhoria de vida de todos os homens que moram, não só nas cidades, mas também na zona rural.

O raio de ação deste Estatuto, em cooperação com outros instrumentos, políticas e programas jurídicos e políticos, a exemplo dos planos pluri-anuais, da lei de diretrizes orçamentárias municipal, dentre outros, não se limita, do ponto de vista de resultados, à cidade, posto que, se o desenvolvimento urbano melhorar, com a diminuição de favelas e a regularização de situações de risco de moradia, o desinchaço demográfico urbano tenderá a cair, com o escoamento da população periférica citadina para os seus rincões de origem, no campo.

Sabe-se que tal ideal é de difícil, porém não impossível, solução; porém, para iniciarmos, basta vontade política, e isso parece Ter tido o novo Governo Federal, com a criação do Ministério das Cidades, dedicado única e exclusivamente para a promoção de políticas públicas voltadas para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

No presente trabalho, após analisarmos, de forma perfunctória, alguns aspectos polêmicos da Lei de Responsabilidade Social, nos deteremos no exame do que a doutrina comumente chama de "desapropriação-sanção", instrumento posto à disposição da Municipalidade, e regulamentado no art. 8° da multi-citada lei.

Tal instrumento jurídico, à disposição dos Municípios, é o último e mais gravoso meio a ser utilizado pela Prefeitura nos casos em que o particular teimar em mal utilizar sua propriedade imobiliária urbana, nela não edificando, ou sub-utilizando-a, ou simplesmente não o utilizando, com fins escancaradamente especulatórios.

A polêmica surge em torno deste operacional instrumento, quando a própria Magna Carta, de forma confusa, e o Estatuto da Cidade, de forma peremptória, determinam o pagamento da indenização pela desapropriação em títulos da dívida pública municipal, e não em moeda corrente nacional.

Sobre tal questão é que este opúsculo se deterá, tentando demonstrar o vício de inconstitucionalidade de que padece referido artigo 8° do Estatuto, ainda que existam vozes de peso em contrário.


2.AS DIRETRIZES GERAIS DO ESTATUTO DA CIDADE.

A Lei n° 10.257/2001, em seu art. 2°, arrola 16 incisos onde são enunciadas as diretrizes gerais através das quais será operacionalizada a política urbana.

São importantes regras, na medida em que permitem o pleno e correto entendimento das diversas disposições consignadas no transcurso da norma. São normas de ordem pública e de interesse social que visam regular o uso da propriedade urbana em atenção ao bem-estar coletivo.

Dessa forma, se explica a auto-aplicabilidade de suas disposições, dada sua preponderância sobre o direito até então vigente. Contudo, a fixação de diretrizes gerais, de forma isolada, não é quanti satis para o estabelecimento de uma política urbana boa e eficaz.

Mister se faz por em prática tais prescrições, através de medidas de cunho prático e habitual. Necessário se faz mudarmos de hábitos, algo muito penoso, porém necessário, pena de no futuro nossos filhos e netos não puderem aproveitar e gozar a vida com um "piso mínimo vital".

De acordo com tais diretrizes, em especial a do inciso I, se garantirá o direito à uma cidade sustentável, entendida como aquela que garanta os direitos à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.

Há uma particular preocupação, de acordo com a diretriz do inciso II, com a gestão democrática da política urbana, de sorte a possibilitar a participação popular e de associações representativas dos diversos segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

A diretriz traçada no inciso III prescreve a cooperação entre os Poderes Públicos, em todas as esferas federativas e entre elas mesmas, de tal maneira que, num processo de coordenação com a iniciativa privada e a comunidade em geral, se planeje o desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio-ambiente, nos moldes da diretriz trazida à baila pelo inciso IV do referido dispositivo.

O inciso V estatui como diretriz da Lei de Responsabilidade Social a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais.

Outra diretriz, a do inciso VI, trata da ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo ou inadequado em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem previsão de infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na subutilização ou não-utilização; f) a deterioração das áreas urbanas arborizadas; g) a poluição e a degradação ambiental.

No inciso IX, outra importante diretriz é aventada, que é a da justa distribuição dos ônus e dos bônus decorrentes do processo de urbanização, devendo-se, deveras, ocorrer, com fuste na diretriz do inciso X, a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos inúmeros segmentos da sociedade.

Por fim, é de se dar nota à diretriz do inciso XIII do art. 2° do Estatuto da Cidade. Tal diretriz se coaduna com a preocupação do legislador com a publicidade da política urbana e a plena participação comunitária na escolha e definição, através de audiências públicas, daqueles empreendimentos ou atividades que não terão efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído ( "artificial"), o conforto ou a segurança da população.

Denota-se pelo feixe de diretrizes gerais adotadas pelo Estatuto que o imóvel urbano ganha uma nova conotação, que não aquela, sob a visão das administrações municipais, de zona determinada para fins de incidência tributária. O imóvel urbano passa a se destinar, como nunca deveria Ter deixado de ser, à moradia dos cidadãos, ultimando a efetivação do multi-mencionado princípio da dignidade humana em face da ordem jurídica capitalista.

A segurança e o bem-estar, enquanto direitos materiais constitucionais, deixam de ser vistos, sob o viés jurídico, apenas em decorrência de reflexos penais, alçando foros de importância que tais, como o de garantia da incolumidade físico-psíquica dos cidadãos.

O equilíbrio ambiental condiciona o uso da propriedade urbana, que deverá ser utilizada, de forma a se respeitar o meio-ambiente cultural, do trabalho, natural e o artificial (o da própria cidade).


3. OS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA.

A política urbana terá de se municiar de condições básicas para ser executada, e o Estatuto prevê instrumentos, jurídicos e políticos, postos à disposição das Municipalidades, a fim de dar plena efetivação à mesma.

Tais instrumentos são todos os meios capazes de, isolada ou conjuntamente, dar vazão à execução da política urbana, alhures definida, delineada no Estatuto da Cidade.

De forma assistemática, o art. 4° da Lei enumera ditos instrumentos, que podem ser jurídicos ou políticos. Nos incisos I e II se observam instrumentos de cunho político mais amplo, tais como os planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação territorial e de desenvolvimento econômico e social das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e de microrregiões.

Já o inciso III traceja o planejamento municipal stricto sensu, apontando os instrumentos mais importantes de toda e qualquer política urbana: o plano diretor; a disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo; o zoneamento ambiental; o plano plurianual; as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual; a gestão orçamentária participativa; os planos, programas e projetos setoriais e o plano de desenvolvimento econômico e social.

Os institutos tributários estão consignados no inciso IV, sendo o IPTU (Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana); a contribuição de melhoria e os incentivos e benefícios fiscais e financeiros.

Entretanto, para o presente trabalho, os mais importantes institutos jurídicos, posto que de cunho eminentemente administrativos, se encontram arrolados no inciso V: a desapropriação; a servidão administrativa; as limitações administrativas; o tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; a instituição de unidade de conservação; a instituição de zonas especiais de interesse social; a concessão de direito real de uso; a concessão de uso especial para fins de moradia; o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; a usucapião especial de imóvel urbano; o direito de superfície; o direito de preempção; a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; a transferência do direito de construir; as operações urbanas consorciadas; a regularização fundiária; a assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; o referendo e o plebiscito.

Por fim, o inciso VI trata do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e do Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV), instrumentos por excelência de tutela do meio ambiente artificial, sendo este último instrumento uma inovação benfazeja trazida pelo Estatuto.

Saliente-se, entretanto, que a exigência do EIV não dispensa a prévia apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA), tão pouco do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), quando exigidos pela legislação ambiental, conforme dita o art. 38 do Estatuto Citadino. Também não dispensa outras exigências legais, a exemplo dos álvaras de construção e do "Habite-se".

Outra importante novidade introduzida, já não com o caráter de ineditismo ( a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF traz em seu bojo instituto semelhante, a saber: o orçamento participativo), porém reiterando os recentes anseios dos legisladores de aproximar mais o povo das tomadas de decisões político-administrativas que dão destino às suas vidas, é a gestão democrática da cidade, instituída nos arts. 43 a 45 da Lei das Cidades, prevendo a criação de órgãos colegiados de política urbana, nas três esferas federativas; a realização de debates, audiências e consultas públicas; a promoção de conferências sobre assuntos de interesse urbano; e a iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Todos estes planos, institutos e instrumentos, políticos ou jurídicos, são regidos por leis próprias, cuja análise não é importante ser feita neste momento. Importa ressaltar, entretanto, que todos estes instrumentos, de cunho privado ou não, deverão ser aplicados em estrita consonância com a própria mens legis do Estatuto, que, por conter nítida preocupação com o bem-estar coletivo, acabará por absorvê-los e publicizá-los à seu modo.

De outra sorte, institutos foram, isto sim, criados pela Lei de Responsabilidade Social, a exemplo da outorga onerosa do direito de construir, cujo regime jurídico é o público, e nada semelhante existe na legislação civil, nem mesmo no novel Código Civil de 2002.

O Estatuto da Cidade, por derradeiro, promoveu a alteração de duas das mais importantes leis federais atualmente vigorantes em nosso ordenamento jurídico pátrio: a Lei da Ação Civil Pública - Lei Federal n° 7.347, de 24/07/1985, acrescida do inciso III, que foi renumerado, ao seu art. 1° ( para possibilitar a ação de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados à ordem urbanística) e a Lei dos Registros Públicos - Lei Federal n° 6.015, de 31/12/1973, que alterou a redação do item 28 e acrescentou os itens 37 e 39 ao inciso I do seu art. 167; assim como acrescentou os itens 18 a 20 ao inciso II do mesmo dispositivo ( para permitir, conforme o caso, o registro ou a averbação de certos atos no cartório de registro de imóveis, tais como as sentenças declaratórias de usucapião e termos administrativos ou sentenças declaratórias de concessão de uso especial para fins de moradia, ambos independentemente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação e as constituições do direito de superfície de imóvel urbano).


4 A DESAPROPRIAÇÃO COM PAGAMENTO EM TÍTULOS.

Antes de mais nada, mister se faz conceituarmos o que seja "desapropriação".

Dentre as mais drásticas formas de intervenção estatal na propriedade se destaca a desapropriação, como a mais extremada forma de manifestação do poder de império do Estado.

Contudo tal poder expropriatório, conquanto seja discricionário nas suas formas de utilidade pública e de interesse social (que é o caso do Estatuto da Cidade), só é legitimamente exercitável nos limites traçados pela Lei Maior e nos caso expressos em lei, observado o devido procedimento legal, nos alerta o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles.

Com o brilhantismo que lhe é peculiar, Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua "desapropriação", à luz do direito positivo pátrio, como sendo, verbis:

"o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, adquirindo-o originariamente mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real."

Logo, a desapropriação, como meio originário de aquisição da propriedade, tem com seu principal fundamento de validade a supremacia do interesse coletivo sobre o individual, quando incompatíveis. Corresponde à idéia de domínio eminente de que dispõe o Estado sobre todos os bens existentes em seu território.

Sobre tal propósito, Odete Medauar enumera algumas características gerais das desapropriações, dentre as quais a de ser uma figura jurídica que expressa a autoridade da Administração Pública, acarretando limitação ao caráter perpétuo do direito de propriedade.

Toda desapropriação, continua a autora, tem como resultado a retirada de um bem do patrimônio de seu proprietário, tendo por fim o atendimento de um público interesse, almejando a um resultado benéfico a toda a coletividade. Medauar adverte, no entanto, que em troca do vínculo de domínio, o proprietário receberá uma indenização.

Diogenes Gasparini alcunha a desapropriação sob comento como sendo, em contraste com a ordinária prevista no inciso XXIV do art. 5° da Magna Carta, uma "desapropriação extraordinária destinada à urbanização", com esteio constitucional no art. 182, § 4°, III, e submetida à inúmeros requisitos, a saber: a) inclusão do imóvel no plano diretor; b) não edificado, subutilizado ou não utilizado; c) exigência, por lei municipal, de que o proprietário promova seu adequado aproveitamento; d) sucessividade das penas já anteriormente citadas até se chegar ao meio extremo da desapropriação; e) pagamento em títulos da dívida pública, assegurado o valor real da indenização e os juros legais.

Maria Sylvia Zanella de Pietro, com a percuciência habitual, classifica a "desapropriação-sanção", como uma modalidade expropriatória que leva em conta o interesse social, assim a analisando, litteris:

"o artigo 182, que cuida de hipótese nova de desapropriação cujo objetivo é atender à função social da propriedade expressa no Plano Diretor da cidade; embora a Constituição não fale em interesse social, a hipótese aí prevista melhor se enquadra em seu conceito doutrinário, além de apresentar grande semelhança com a prevista no artigo 2°, inciso I, da Lei n° 4.132; essa modalidade depende de disciplina legal; no entanto, o próprio preceito constitucional (art. 182, § 4°) já especifica uma das hipóteses em que é cabível, ou seja, quando se tratar de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado e desde que já adotadas, sem resultado, as medidas previstas nos incisos I e II do artigo 182, § 4° (parcelamento ou edificação compulsórios e imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo); é patente o caráter sancionatório da desapropriação, nesse caso;(...)."

Diogo de Figueiredo Moreira Neto conceitua esta modalidade de desapropriação sancionatória como um instrumento de intervenção do Estado na ordem econômica, com caráter excepcional, já que se afasta do princípio constitucional da democracia econômica, tida, segundo o art. 1°, IV da Carta Política de 1988, como fundamental para a Nação brasileira, e geral para toda a atividade econômica, expressada pela livre iniciativa e pela livre concorrência.

Dentre as quatro instituições interventivas postas à disposição do Estado, a desapropriação em estudo é uma modalidade sancionatória sui generis, pela qual o Estado pune os abusos e excessos praticados contra o princípio constitucional da função social da propriedade urbana, se caracterizando pela discricionariedade, uma vez que o Poder Público municipal pode considerar outras motivações para executá-la.

Diogo de Figueiredo a chama de "sui generis", porque a mesma refoge à regra de indenização prévia e justa, em dinheiro, como sói acontecer nas desapropriações ordinatórias, regra esta consignada, repise-se no art. 5°, XXVI da CF/88, por sinal reiterada no art. 182, § 3° do mesmo diploma constitucional.

No caso do Estatuto da Cidade, se o proprietário renitente, já submetido ao regime de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, não o urbaniza nem lhe dá a adequada utilização nos prazos e, conforme o caso, nas etapas aludidas na lei, nem é levado à tal pela cobrança do IPTU progressivo no tempo, pode ( e não "deve" - daí ser uma faculdade da Municipalidade) o Poder Público Municipal valer do recurso extremo da desapropriação sancionatória.

Trata-se de instrumento destinado a assegurar o regramento constitucional destinado à tutela do meio ambiente artificial dentre as possibilidades de institutos jurídicos e políticos disciplinados pelo art. 4°, V, "a" do Estatuto da Cidade.

Contudo a grande polêmica que cerca tal instituto, e é o cerne de estudo deste trabalho, remonta à forma de indenização prevista no Estatuto: em títulos da dívida pública municipal, e não em dinheiro, como ocorre na regra geral das desapropriações.

Daí porque Ter se instalado grande celeuma quanto à constitucionalidade do art. 8° e seus parágrafos, do Estatuto da Cidade.

Cremos que tal questão só poderá ser solvida à luz de uma sistêmica interpretação constitucional, de modo a conceber o sistema constitucional como um todo orgânico, harmônico e fechado.

Dessa forma, se partimos, de forma desapegada e friamente, da atenta leitura do art. 5°, XXIV da Magna Carta, veremos que neste próprio dispositivo está a salvação, ou melhor dizendo, a constitucionalidade do referido art. 8° da Lei das Cidades.

Dita referido comando constitucional que "a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição."

Ora, o próprio dispositivo que serve de lastro para juristas de renomada, como Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Toshio Mukai, que entendem inconstitucional tal regramento do Estatuto, dá ensanchas à entendimento contrário, já que faz expressa ressalva à possibilidade de se pagar tais indenizações por outro meio, desde previstos na própria Carta de 1988.

No caso, é com fuste no inciso III do § 4° do art. 182 da mesma Constituição, que nos permite concluir, sem sombras de dúvidas, ser absolutamente constitucional o comando do art. 8° da Lei n° 10.257/2001.

Em tal inciso, se lê, de forma cristalina, que o pagamento da multi-citada indenização se dará mediante "títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais."

Ainda que o § 3° do art. 182 da Carta de 1988 possa nos confundir, quando dita que as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro, tal dúvida se dissipa quando entendemos que tal parágrafo se refere à generalidade das desapropriações feitas pela Municipalidade.

Mister se faz lembrar que a desapropriação sancionatória é medida de exceção, e como tal há de ser concebida. O Município não só desapropria quando quer punir o proprietário especulador ou desleixado para com seu imóvel urbano.

Nos casos normais, em que o Poder Público Municipal quiser se valer do seu poder discricionário para desapropriar, por necessidade ou interesse público, como no caso de uma abertura de via de acesso, e.g., lógico que, em casos que tais, a indenização haverá de ser em moeda corrente, com esteio no art. 182, § 3° da CF/88.

Contudo, nos casos específicos do Estatuto da Cidade, aí sim, o pagamento seguirá os ditames dos arts. 182, § 4°, III da CF e art. 8° da Lei de 2001.

O que não pode acontecer, e aqui cabe o alerta às autoridades competentes, como a Câmara de Vereadores, o Ministério Público, e a sociedade em geral, é o desvirtuamento do instituto urbanístico para todo e qualquer procedimento desapropriatório municipal, como forma de burla à Constituição Federal e à própria Lei de Responsabilidade Fiscal, como típica forma de se "dar um jeitinho de se empurrar as contas para a próxima gestão", tão à moda brasileira da "Lei de Gérson".


CONCLUSÕES.

Do perfunctório exame feito dos diversos dispositivos do Estatuto da Cidade, ou "Lei de Responsabilidade Social", como prefere Diogenes Gasparini, em especial do art. 8° e seus parágrafos, se conclui que o legislador federal de 2001 deu primazia à uma nova forma de legislar, que vem sendo utilizada, agora, graças à Deus, com mais freqüência.

Nosso atual Poder Legislativo, de um modo geral, com algumas exceções, que sempre existirão, em todas os níveis federativos, está começando a saber "fazer leis", como se esta não fosse até então sua primordial missão.

Não se está aqui a fazer apologia em defesa dos políticos, mesmo porque, como já diria aquela velha e infame piada "político é sempre político". Ao contrário, o que se quer deixar bem claro é que hoje as leis são feitas com maior preocupação de conteúdo normativo. O caso do Estatuto da Cidade é paradigmático: passaram mais de doze anos para aprová-lo, sem contar que se trata de um norma regulamentadora de um dispositivo constitucional, logo que data de 1988!!

Contudo, também sem pretensão de defesa de citada norma, mister se faz deixar bem esclarecido que o Estatuto da Cidade está eivado de diversas maculas de inconstitucionalidade, a exemplo do caso do IPTU progressivo no tempo, previsto no § 2° do art. 7° da Lei, no que pertine à seu percentual máximo (a contar do quinto ano, e com cunho perene, ao bel prazer da Municipalidade, se não preferir a opção expropriatória) de 15%(quinze por cento), o que redunda em tributo com caráter eminentemente confiscatório, o que é vedado pela Magna Carta.

Porém, na questão da paga da indenização pela desapropriação-sanção, nenhuma pecha de inconstitucionalidade a atinge, posto que a emissão de títulos da dívida pública municipal é assegurada pela interpretação sistêmica dos arts. 5°, XXIV e 182, § 4°, III, ambos da Lex Legum.


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NOTAS

QUADROS, Cerdônio. Nota do Editor. In.: GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: Nova Dimensão Jurídica, 2002, p. V.

2 O Estatuto da Cidade é uma lei de abrangência nacional, assim como o é, por exemplo, o Código Tributário Nacional e o Código Civil, posto que delimita normas gerais cuja aplicação e obrigatoriedade de cumprimento se dirigem à todas as esferas federativas. Não se trata, portanto, de mera lei federal, só aplicável à União, como, v. g., a lei de remuneração dos servidores públicos federais civis.

3 GASPARINI, Diogenes. Ob. Cit., p. 01.

4 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da Cidade comentado: Lei 10.257/2001: lei do meio ambiente artificial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 15.

5 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 285.

6 GASPARINI, Diogenes. Ob. Cit., p. 4.

7 GASPARINI, Diogenes. Ob. cit., p. 5.

8 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ob. Cit., pp. 09-15.

9 Para tanto, Sousa Santos, em "Discurso e poder", analisou e comparou a prática jurídica oficial do Estado brasileiro e a práxis "marginal" de uma favela carioca, a do Jacarezinho ( metaforicamente chamada de "Pasárgada"), na qual a retórica é adaptada a um sistema ilegal, porém, internamente, entre seus moradores, plenamente legítimo, que é o "direito de laje", pelo qual o morador vende à um vizinho ou outra pessoa o direito de construir na laje de sua casa. Cf.: SANTOS, Boaventura de Sousa. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. 2ª reimpressão. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2001, p. 25.

10 O art. 225 da Magna Carta assim estatui o que seja "meio ambiente ecologicamente equilibrado", como direito de todos e bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Cf. BRASIL. Constituição Federal. Juarez de Oliveira(Org.). 2ª ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 127. A CF/88, no particular, foi mais avançada que outras cartas políticas, a exemplo da Constituição da Bulgária(art. 31), da Rússia(art. 18), de Portugal(art. 66) e da Espanha(art. 45), no trato da defesa do meio-ambiente, como direito fundamental à vida, como matriz de todos os outros direitos fundamentais do homem.

11 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. ed. cit., pp. 808-809.

12 A noção de "direitos fundamentais" se liga muito à tradição jurídica alemã, especialmente com o advento da Carta de Bonn, que dedica seu capítulo inicial aos "Grundrechte". Já a expressão "direitos civis" é de origem anglo-saxônica, significando no passado a passagem ou ampliação da idéia de "liberdade" para o campo dos direitos conectados à esfera privada do cidadão e à personalidade e dignidade humana.

13 MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 98.

14 A Lei Federal n° 10.406, de 10/01/2002, entrou em vigor no último dia 11 de janeiro de 2003, e ainda que sob severas críticas, o Novo Código Civil foi recebido com entusiasmo por toda a comunidade jurídica, embora tenha avançado timidamente em alguns pontos decididamente importantes, como nas questões de biodireito (expressão bem ao gosto do Prof. Vicente Barreto) e de comércio eletrônico (e-commerce).

15 Contudo, ao Ter criado tal Ministério, o Governo Federal, após lhe Ter dedicado um orçamento inicial razoável, anunciou há poucos dias o corte de 85%(oitenta e cinco por cento) do referido orçamento, o que nos soa preocupante.

16 MACRUZ, João Carlos et al. O Estatuto da Cidade e seus fundamentos urbanísticos. São Paulo: LTr, 2002, pp. 16-17.

17 A expressão "bem coletivo" surge, justamente, para se superar aquela tradicional e superada dicotomia entre bens particulares e públicos, atrelada a toda e qualquer relação jurídica possível até o advento da Magna Carta de 1988, e, com o Estatuto da Cidade, ganha uma nova conotação, mais forte ainda, a de "bem ambiental".

18 Tais normas de ordem pública e interesse social deixem de possuir caráter única e exclusivamente individual, assumindo valores metaindividuais na medida em que o uso da propriedade passa a ser regulado em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, assim como do equilíbrio ambiental. Sobre tais normas o juiz haverá de se pronunciar, se for o caso, de ofício, posto que sobre elas não incide o princípio processual dispositivo. Deveras, sobre quaisquer questões envolvendo o Estatuto não opera a preclusão, assim como tais podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição. Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ob. Cit., pp. 18-20.

19 Entenda-se "piso mínimo vital" como o plexo de direitos sociais básicos, espraiados pelo art. 6° da Lex Legum, tais como o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados. Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ob. Cit., p. 23.

20 Nas discussões teóricas e na prática da política representativa, a democracia participativa tem sido tratada, respectivamente, como uma idéia parapolítica e uma atividade política marginal, ou seja, uma característica desejável, mas não essencial, de uma democracia moderna. É na política dos movimentos de base, onde o alcance da democracia é ativamente buscado e expandido através dos seus combates políticos quotidianos, que a democracia participativa é concebida não apenas como desejável mas como uma forma de organização e uma prática política necessária. Sob as condições da globalização, em que as instituições da democracia representativa nacional são subordinadas ao poder hegemônico global, com as estruturas políticas e econômicas de tomada de decisão ficando mais distantes e, até mesmo, alienada das populações, a política continuada da democracia participativa por parte dos movimentos obteve uma nova relevância.

21 Inclua-se, aqui, o Distrito Federal, que, por não possuir municípios, é abrangido pelo Estatuto das Cidades, competindo ao Governador do Distrito Federal o dever de fixar, isolada e conjuntamente com a comunidade, as diretrizes básicas da política urbana de Brasília e suas cidades-satélites.

22 No particular, importa trazermos à discussão as duas concepções de mundos que o homem pode adotar em razão dos bens ambientais: uma criativista, segundo o qual os bens naturais detém caracteres comuns, a saber: a unidade, interdependência, espacialidade, temporalidade e essencialidade de cada ser, e, daí, surgiriam normas que devem ser respeitadas para não alterar o delicado equilíbrio reinante na Criação Divina; e, outra, materialista, pelo qual o mundo é só um produto de uma evolução casual e não ordenado por uma inteligência criadora, podendo, assim, o homem, sponte propria, por uma ordem sua que facilite sua exploração. Fácil se observar que, embora pareça estarrecedor, ainda hoje prevalece a Segunda concepção, altamente destrutiva, e que tem que ser abandonada, antes que seja o homem o seu próprio algoz. Cf. MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 03.

23 No Município de Aracaju, por exemplo, foi a Lei Complementar Municipal n° 042, de 04/10/2000, que instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da Capital Sergipana, regulamentando os arts. 206 e seguintes da Lei Orgânica Municipal, contendo, em especial, no seu art. 98 a figura da "desapropriação-sanção", que, no caso aracajuano, poderá ser substituída pelo instrumento da "requisição urbanística", que se prestará para os casos de imóveis em que sejam encontrados parcelamentos ilegais.

24 Saliente-se que tal instituto, da forma como foi previsto pelo Estatuto, permanece inaplicável, já que os arts. 15 a 20 da Lei, que regulavam a concessão de uso especial de bens públicos para fins de moradia, foram vetados pela Presidência da República, através da Mensagem de Veto n° 730/2001, que preferiu editar a Medida Provisória n° 2.220, de 04/09/2001, regulamentando a matéria à sua própria maneira, medida esta que, por força da Emenda Constitucional n° 32/2001, permanece em vigor até que seja convertida ou não em lei, se encontrando, pois, pendente de análise pelo Congresso Nacional.

25 O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) é um instituto novo, criado especialmente pelo Estatuto da Cidade, e previsto em seu art. 36, como requisito, a ser exigido pelo Município, para a obtenção das licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento de empreendimentos e atividades, públicos ou privados, em área urbana, a exemplo de presídios, ginásios esportivos, supermercados, portos; assim como a realização de grandes eventos, como o Pré-Caju, a Festa do Peão de Barretos. Tais eventos serão assim considerados, para efeitos de exigência do EIV, desde que promovam significativas mudanças nas características da região onde se instalarão, ainda que por vezes por um curto espaço de tempo.

26 As audiências públicas representam uma das melhores formas de participação administrativa porque, tendo origem anglo-saxônica, se ligam muito à noção do "due process of law" ( devido processo legal), como um direito individual fundamental. Daí porque a audiência pública difere dos demais institutos congêneres, dada a formalidade de seu processo e a eficácia vinculatória de seu resultado. Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2ª ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 203-204.

27 Em seu texto original, o Estatuto trazia, em seu inciso V, como instrumento de gestão democrática da cidade as figuras do referendo popular e do plebiscito, ambos vetados pela Presidência da República, cujos vetos continuam pendentes de análise pelo Congresso Nacional.

28 Os atos de império ou de autoridade ou potestade pública ( "jure imperii") se distinguem dos atos de gestão ("jure gestioni"), posto que nos segundos o Estado procede como um particular, na gerência de seus próprios negócios, que ficam sujeitos, quanto ao seu mérito, à apreciação do Poder Judiciário. Assim, são exemplos de atos de império as decisões de Prefeitos, dando autorização para construir à beira das vias públicas ou ordenando a demolição de prédio que ameaça ruir; por outro lado, seriam exemplos de atos de gestão aqueles destinados à alienação, aquisição, troca, empréstimos e contratos de toda espécie; bem como o cuidado na gerência e emprego da fortuna pública, recebimento de impostos. Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 18ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 159-161.

29 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19ª ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo et al. São Paulo: Malheiros Editores, 1994, pp. 508-509.

30 Observa-se neste conceito que Celso Antônio admite, de forma explícita, a constitucionalidade do pagamento da indenização, nas desapropriações encetadas sob a égide do Estatuto da Cidade, mediante títulos especiais da dívida pública municipal. Ademais, citado autor já advertia, àquela época da edição de seu livro (1993), quando ainda nem existia o Estatuto da Cidade, que dificilmente ocorreria a hipótese ensejadora de tal tipo de desapropriação, posto que seria complicado se acreditar que o proprietário urbano, alertado pela medidas sancionatórias prévias indicadas pela CF/88, tais como a imposição de parcelamento do solo ou edificação compulsória e a tributação do IPTU progressivo no tempo, ainda assim se mantivesse inerte. Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, pp. 370-371.

31 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 384.

32 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 461.

33 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 158.

34 As outras são as regulatórias, concorrenciais e monopolistas. Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 12ª ed. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 465-466.

35 A aplicabilidade de tal instrumento, segundo Moreira Neto, dependia da edição de uma lei federal regulamentadora, que é justamente o Estatuto da Cidade, assim como de lei municipal especifíca e do Plano Diretor municipal, no qual se inclua, por lógico, o imóvel expropriando. Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo..., ed. cit., p. 475.

36 Tal expressão "desapropriação-sanção" ganhou força, inclusive, tribunalícia, a exemplo do que se observa no julgado do STF, proferido em 11/11/1997, Rel. Min. Ilmar Galvão, no RE 161.552/SP, DJ de 06/02/1998, no qual o eminente Ministro utiliza tal expressão, de forma explícita, a remetendo à previsão constitucional do art. 184, § 4°, III. Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ob. Cit., p. 47.

37 "Título da dívida pública", segundo De Plácido e Silva, é a denominação atribuída a qualquer espécie de título emitido pelo Estado, ou mesmo por suas subunidades administrativas, na qualidade de empréstimos, ou antecipação de receita. Seriam as apólices ou obrigações do tesouro ou de bônus, a exemplo dos bônus expropriatórios de nova dimensão. Cf. GASPARINI, Diogenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: Nova Dimensão Jurídica, 2002, pp. 67-68.

38 Fiorillo se calca, inclusive, em arestos do STJ, que datam, porém, de 1992 e 1993, portanto, bem antes da edição do Estatuto da Cidade, que data de 2001. Segundo o autor, o parâmetro constitucional no qual se vincula o instituto da desapropriação, ligado ao princípio da ordem econômica, é o da justa e prévia indenização em dinheiro, porquanto direito material fundamental de todo e qualquer Estado Democrático de Direito. Esquece-se, contudo, referido autor, que o Estado Democrático de Direito pressupõe o respeito ao conjunto harmonioso de todos os ditames constitucionais, como, no caso, especificamente, o do art. 182, § 4°, III da mesma Carta Política. Cf. Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ob. Cit., p. 48.

39 MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: anotações à Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 12.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, André Luiz Vinhas da. O Estatuto da Cidade e a questão do pagamento da indenização pela desapropriação sancionatória em títulos da dívida pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 534, 23 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6093. Acesso em: 28 mar. 2024.