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Medidas provisórias e matéria tributária

Medidas provisórias e matéria tributária

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As alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32/2001 repercutem no campo tributário. A matéria tributária pode, a partir de então, ser veiculada por Medida Provisória, já que não foi expressamente incluída dentre as vedações do art. 62, I.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. CONCEITO DE TRIBUTO 3. ESPÉCIES DE TRIBUTO 4. PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO 5. DA MEDIDA PROVISÓRIA ANTES E DEPOIS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 32/2001 6. DA MEDIDA PROVISÓRIA E A INSTITUIÇÃO OU MAJORAÇÃO DE TRIBUTOS 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

"A paixão peverte os Magistrados e os melhores

homens: a inteligência sem paixão - eis a lei".

Aristóteles


1. INTRODUÇÃO

Nestes quase dezessete anos de Constituição Democrática (1988-2005), temos presenciado a praxis presidencial republicana de governar o país através de Medidas Provisórias. O que assistimos hoje, de fato, é uma desenfreada pretensão governamental em disciplinar toda e qualquer matéria jurídica, ferindo não só a própria Constituição, que exige os requisitos de urgência e de necessidade, como os princípios constitucionais que regem todos e quaisquer campos do Direito.

De fato, como bem observa ROSENICE DESLANDES,

"No Brasil de hoje, procura-se resolver problemas econômicos com a prepotência do intervencionismo desenfreado, mediante mecanismos compulsórios que terminam por levar a sociedade a arcar com o ônus de financiar a extravagância e a incompetência oficial" [1].

Foi com o escopo de analisar a descontrolada utilização deste instrumento introdutor de normas – Medida Provisória – especialmente no que tange à matéria tributária e a afronta a certos princípios constitucionais e direitos e garantias fundamentais que tal utilização acarreta, que me propus a pesquisar a matéria.

O trabalho inicialmente propunha demonstrar a inconstitucionalidade da instituição e majoração de tributos através de Medida Provisória, devido, dentre outros fatores, ao desrespeito aos princípios constitucionais tributários da legalidade, anterioridade e segurança jurídica, além da incompatibilidade entre a natureza do instituto e a matéria tributária. Esta proposta surgiu em meados do ano de 2001.

Mas em 11 de setembro de 2001, enquanto o mundo assistia à queda das torres gêmeas, a ordem jurídica brasileira foi brindada pelo Congresso Nacional com a promulgação da Emenda Constitucional nº 32 que deu nova disciplina jurídica ao instituto das Medidas Provisórias.

A Emenda "alcançou em cheio o direito tributário, modificando ou ratificando o entendimento jurisprudencial já consolidado" [2], segundo PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA.

A promulgação da Emenda trouxe maior estímulo à pesquisa empreendida por esta autora que, então, optou por abordar o tema sob o enfoque dado pela doutrina e jurisprudência antes e depois da promulgação da Emenda. Para uma melhor compreensão do tema, inicialmente discorro sobre o tributo – conceito e espécies e os princípios tributários. Depois analiso a Medida Provisória – conceito, pressupostos, procedimentos e limitações materiais antes e depois da Emenda. Finalmente, confronto o instituto da Medida Provisória e a matéria tributária.


2. CONCEITO DE TRIBUTO

Antes de mais nada, é preciso esclarecer o conceito de tributo.

De acordo com o art. 3 do Código Tributário Nacional,

" tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

A doutrina é divergente quanto as críticas ao conceito. Alguns como GERALDO ATALIBA e SACHA CALMON consideram-no completo e até perfeito. Outros, como PAULO DE BARROS CARVALHO apontam várias críticas.

Analisando os elemento do conceito temos inicialmente que tributo é uma "prestação pecuniária de forma compulsória" o que significa que o tributo é uma prestação que deve ser paga em dinheiro e que o seu pagamento é obrigatório.

Em seguida, surge a expressão "em moeda" que, para o professor PAULO DE BARROS CARVALHO parece redundante, já que pecuniária significa relativa a dinheiro, sendo desnecessária a expressão.

"Ou cujo valor nela se possa exprimir" é uma parte do conceito que, segundo o mesmo mestre, amplia muito o âmbito das prestações tributárias. Alguns autores chegam a admitir que esta seria uma licença para a indexação ou para o pagamento de tributos com bens patrimoniais.

A expressão "que não constitua sanção de ato ilícito" informa que o tributo não pode ser por exemplo uma multa em virtude de uma infração.

O tributo deve ser "instituído por lei". Lei, aqui, deve ser entendida em seu sentido formal, ou seja, criada, editada e promulgada pelo poder legislativo. É o princípio da legalidade aparecendo já no conceito de tributo, demonstrando que este deixa de ser uma relação de poder para se tornar uma relação jurídica.

Por fim, o tributo é cobrado por "atividade administrativa plenamente vinculada", o que quer dizer que a Administração não pode deixar de cobrar o tributo previsto em lei.

O professor WERTHER BOTELHO bem conclui suas explicações acerca do conceito de tributo afirmando que:

"Toda vez que o contribuinte estiver na contingência de dar dinheiro, bens ou prestar serviços ao Poder Público, e os mesmos não forem decorrentes de multa, obrigação convencional, requisição administrativa ou indenização por dano, estará satisfazendo uma obrigação tributária" (3).


3. ESPÉCIES DE TRIBUTOS

Nas palavras de GERALDO ATALIBA:

"Não basta, não é suficiente reconhecer o tributo. Deve o intérprete determinar qual a espécie tributária, dado que a Constituição prescreve regimes diferentes, conforme a espécie" (4).

Os doutrinadores divergem muito a respeito da classificação das espécies tributárias. Existem várias correntes baseadas em diferentes critérios.

O art. 4º do CTN informa que a espécie do tributo deve ser determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação. Se analisarmos o critério material dos tributos, seremos capazes de reconhecer que todos terão o fato gerador vinculado ou não a uma atividade estatal. Podemos assim classificar os tributos em vinculados, que seriam as taxas e contribuições de melhoria; e não vinculados, que seriam os impostos, contribuições sociais e empréstimos compulsórios.

Haverá taxa se o fato for vinculado a prestação de serviço específico e divisível ou vinculado ao exercício regular do poder de polícia. A contribuição de melhoria, por sua vez, ocorre quando o fato é vinculado à realização de uma obra pública que acarrete valoração do patrimônio do contribuinte.

A competência para instituir taxas e contribuições de melhoria é comum, ou seja, tais exações podem ser instituídas por qualquer ente da Federação (União, Estados, Município e Distrito Federal) desde que seja o mesmo que prestou o serviço, exercitou o poder de polícia ou realizou a obra.

Para distinguir as espécies de tributos não vinculados, segundo WERTHER BOTELHO, há que se observar o critério finalístico do mandamento, que nada mais é que a destinação constitucional, e não legal, do tributo. O empréstimo compulsório e as contribuições tem critério finalístico expresso, ao contrário dos impostos.

De acordo com o art. 167, IV da CF, a norma tributária que institui imposto não pode prever o destino de sua arrecadação. O que o constituinte procura preservar aqui é o princípio da solidariedade e da praticidade da Administração Pública. O produto dos impostos integra indistintamente a Receita da Estado. É o princípio do Caixa Único. Sobre esta matéria, dispõe o professor WERTHER BOTELHO que :

"O Imposto se reveste de legitimidade ante a existência de um gasto público geral. Por toda esta maleabilidade e não afetação específica do produto de sua arrecadação, os Impostos constituem fundamental fonte de ingressos para o Estado, destinando-se principalmente à manutenção da máquina ordinária estatal." [5]

Outro traço em comum dos impostos, como já foi dito, é que são todos situações do contribuinte que não exigem contraprestação do Estado. Para então eleger um fato a ser tributado, o Estado procura no contribuinte um sinal de "capacidade contributiva" considerada pelo legislador como suficiente para o surgimento da obrigação tributária. Desta forma, a Constituição Federal enumera, distinta e exaustivamente, os sinais de capacidade contributiva que cada um dos entes políticos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, poderão tributar.

Costuma-se classificar os impostos em diretos, que são aqueles que incidem diretamente sobre a posse ou propriedade da riqueza, ou obtenção de renda; indiretos, que incidem sobre a utilização, circulação ou consumo desta mesma riqueza; pessoais, que são os impostos exigidos tendo em vista uma atuação ou situação específica do sujeito pacífico; e reais, que, por outro lado, gravam a posse, o consumo ou a circulação de determinada riqueza independente da definição do sujeito passivo.

Como já foi dito, a Constituição Federal discrimina a competência de cada ente da Federação - União, Estados, Municípios e Distrito Federal - para a instituição de impostos. O instrumento normativo, por excelência, para instituir impostos é a lei ordinária (federal, estadual ou municipal). Mais adiante, analisaremos a hipótese de instituição através de Medida Provisória, já admitida pelo Supremo Tribunal Federal antes da Emenda Constitucional 32 e hoje admitida pela Constituição Federal com algumas restrições.

Dentre os tributos não vinculados com destinação específica constitucionalmente prevista, falemos primeiro sobre o empréstimo compulsório. É tributo de competência exclusiva da União que deverá ser instituído, de acordo com o art. 148 da Constituição Federal, através de lei complementar. As hipóteses de instituição de empréstimos compulsórios são em primeiro lugar, para atender despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua eminência, e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observando neste caso o princípio da anterioridade.

É interessante observar que a outorga de competência, no caso do empréstimo compulsório não foi feita por meio de indicação do fato gerador ou base de incidência, como acontece nos impostos, taxas e contribuições de melhoria, mas sim por meio da definição de circunstância extraordinária e transitória autorizativa da tributação. Poderá ser criado o empréstimo compulsório, portanto, sobre qualquer fato da competência da União. Daí a afirmação de alguns doutrinadores de que o empréstimo compulsório é a constitucionalização do bis in idem.

Por apresentar destinação específica, o empréstimo compulsório não pode durar mais que a circunstância autorizativa, do contrário resultaria exercício irregular da competência. A lei que cria o empréstimo compulsório deve bem delimitar a sua duração, o prazo de devolução e as condições de devolução.

O requisito formal do empréstimo compulsório é a lei complementar, como já mencionado. No entanto, a hipótese prevista no inciso I do art. 148 da Constituição Federal para instituir o empréstimo compulsório, não exige o respeito ao princípio da anterioridade. Daí passou a ser admitido por parte da doutrina a instituição do mesmo através de Medida Provisória.

Ocorre que, com a promulgação da Emenda 32, encontram-se arroladas na Constituição Federal as matérias não reguláveis por Medida Provisória, sendo que dentre elas está a matéria reservada a lei complementar. Analisaremos a questão mais detidamente em outro tópico.

O art. 149 da Constituição Federal dispõe sobre outra forma de tributo vinculado: as contribuições. Há três tipos de contribuições: as corporativas, as interventivas e as sociais.

As contribuições corporativas são aquelas instituídas no interesse de categorias profissionais ou econômicas destinadas ao custeio das despesas da União com as atividades de regulamentação e controle (por exemplo a OAB, CRM, etc). Não trazem relevância em termos de carga tributária já que visam o interesse da própria classe e é paga apenas por ela.

A contribuição interventiva é a destinada a custear as despesas de intervenção direta da União no domínio econômico. É o caso do IBC, Instituto Brasileiro de Café, já extinto, que visava colocar o café no mercado mundial. Também não tem muita relevância em termos de carga tributária já que era cobrada apenas de quem explorava a atividade.

As contribuições sociais, por sua vez, são tributos que visam garantir a efetividade aos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 88. É tributo por excelência do Estado Democrático de Direito.

A seguridade social é financiada de duas formas: através do modelo assistencial, financiado pelo próprio orçamento fiscal do Estado, e através do modelo contributivo, no qual há previsão de tributação específica à seguridade social, como é o caso das contribuições sociais. No Brasil, adotou-se o sistema misto. A seguridade social é financiada tanto pela arrecadação fiscal como por tributação específica.

Podemos classificar as contribuições sociais em dois tipos: as contribuições sociais stricto sensu que são destinadas ao custeio dos direitos relativos à seguridade social e as lato sensu, destinadas ao custeio de direitos sociais não integrantes do conceito constitucional de seguridade social.

As contribuições sociais stricto sensu sujeitam-se a regras especiais que são, segundo WERTHER BOTELHO: o estabelecimenteo prévio de bases imponíveis; a afetação do produto da arrecadação ao orçamento autônomo da seguridade social; e a garantia nonagesimal.

A Constituição Federal estabelece as bases de incidência das contribuições. sociais: folha de salários, faturamento e lucro. É possível ainda que novas bases de incidência sejam estabelecidas através de lei complementar, desde que não haja cumulatividade com outras contribuições já previstas (art. 195 § 4º da CF).

O produto da arrecadação das contribuições sociais é "afetado", ou seja, destinado exclusivamente ao orçamento autônomo da seguridade social. O art. 165 § 5º inciso III prevê expressamente que a lei orçamentária anual deve compreender o orçamento da seguridade social separadamente do orçamento fiscal.

A instituição das contribuições sociais deve respeitar os princípios de Direito Tributário. No entanto, esta forma de tributo não se submete ao princípio da anterioridade previsto no art. 150, III, b da Constituição Federal. O art. 195 § 6º dispõe que as contribuições só podem ser exigidas após noventa dias da publicação da lei que as instituiu ou modificou, mas estão dispensadas da exigência do princípio da anterioridade.

As contribuições sociais lato sensu estão previstas de forma difusa na Constituição. Destinam-se ao custeio ou garantia de despesas ou direitos específicos, tais como a Contribuição do salário-educação. Não se sujeitam ao regime jurídico especial das contribuições stricto sensu.

Apesar da discordância de maior parte da doutrina, a Suprema Corte tem admitido a instituição de contribuições sociais através de Medida Provisória e, o que ao nosso ver é mais grave, vem entendido que o prazo da espera nonagesimal começa a fluir da edição da primeira medida provisória e não das posteriores reedições ou da lei em que tiver sido convertida esse instrumento normativo.


4. PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO

O Direito Tributário tem princípios específicos, que atuam como limitações ao poder de tributar.

Dentre os diversos princípios do Direito Tributário, destacam-se: o princípio da capacidade contributiva, da legalidade tributária, da igualdade tributária, da anterioridade da lei em relação ao exercício financeiro, da proibição do tributo com efeito de confisco, da irretroatividade e da não surpresa ou segurança jurídica.

As palavras do ilustre tributarista SACHA CALMON bem resumem a base principiológica do sistema tributário brasileiro:

"Onde houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em matéria tributária. Onde prevalecer o arbítrio tributário certamente inexistirá Estado de Direito. E, pois, liberdade e segurança tampouco existirão." (6)

O princípio da legalidade, o princípio da anterioridade da lei em relação ao exercício de sua aplicação e o princípio da irretroatividade da lei tributária, a não ser para a aplicação de multa mais benéfica, seriam, portanto, os princípios considerados como basilares do sistema tributário.

O respeito a tais princípios por parte dos governantes, acarreta efeitos de suma importância, segundo SACHA CALMON, quais sejam:

"a) assegura aos governados tranquilidade, confiança e certeza quanto à tributação;

b) assegura ao governo o respeito dos governados;

c) compartilha o governo com o parlamento a responsabilidade pelos rumos da política tributária, como sói acontecer nas verdadeiras democracias." (7)

Diante da celeridade do fenômeno social e econômico e da conseqüente postura intervencionista do Estado contemporâneo, expressa especialmente através da excessiva edição de Medidas Provisórias, certos princípios vem na prática perdendo certa rigidez.

Analisemos os princípios da legalidade, da anterioridade e da segurança jurídica que são os princípios tributários mais importantes na relação com o instituto jurídico, objeto deste trabalho.

4.1. Princípio da Legalidade

Como corolário do Estado de Direito, a Constituição Federal Brasileira consagra o princípio da legalidade como basilar de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Reza o art. 5º II da CF que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". O princípio da legalidade, segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO, é o princípio específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria.

Através do princípio da legalidade pretende-se garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da vontade geral. O princípio tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania, idéia esta consagrada pelo art. 1º da Constituição Federal que proclama que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Enfim, o princípio da legalidade

"...é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto - o administrativo - a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos" (8)

No campo do Direito Tributário, o princípio da legalidade ganha ainda mais relevo. O art. 150, I da Constituição Federal consagra o que chamamos de princípio da estrita legalidade que informa que a cobrança de qualquer tributo só poderá ser operada validamente se for autorizada por lei.

Na Constituição Federal de 1988, o princípio da legalidade da tributação exige não apenas lei em sentido formal, ou seja, instrumento normativo proveniente do Poder Legislativo, como também lei em sentido material que é a norma jurídica geral e impessoal, abstrata e obrigatória, clara, precisa e suficiente.

Do princípio da legalidade material decorre o princípio da tipicidade tributária que, por sua vez, informa que a norma deve estar pronta na lei de forma inequívoca, clara e precisa, determinando não apenas o fato gerador como também os deveres ficais dele decorrentes.

Em princípio, portanto, todo e qualquer tributo deve ser criado por lei. Mas existem exceções constitucionalmente previstas ao princípio da legalidade. A Carta Magna concede ao Poder Executivo a faculdade de alterar as alíquotas dos impostos enumerados no art. 153, incisos I,II,IV e V, desde que sejam atendidas as condições e limites estabelecidos em lei. É o caso dos impostos como os de importação e exportação, os impostos sobre produtos industrializados e os impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relatvas a títulos ou valores mobiliários.

Certos tributos, diferentemente, não precisam se submeter ao princípio da anterioridade. Em virtude disto, parte da doutrina passou a entender que estes tributos poderiam ser instituídos ou modificados através de Medidas Provisórias, consistindo, portanto, em exceção também ao princípio da legalidade. Trataremos sobre a matéria mais adiante.

4.2. Princípio da Anterioridade

O princípio da anterioridade é especificamente tributário. Está previsto no art. 150, inciso III, alínea b da Constituição Federal e estabelece que a lei que cria ou aumenta tributo, ao entrar em vigor, tem sua eficácia paralisada até o início do próximo exercício financeiro, quando passará a produzir efeitos na ordem jurídica. Refere-se à eficácia das normas tributárias e não à sua vigência ou validade.

Segundo SACHA CALMON,

"O princípio da anterioridade expressa a idéia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo dessa forma organizar e planejar seus negócios e atividade" (9).

Alguns tributos não devem necessariamente respeitar o princípio da anterioridade. São eles:

- impostos incidentes sobre a importação (art. 153, inciso I)

- impostos incidentes sobre a exportação (art. 153 inciso II)

- impostos sobre produtos industrializados (art. 153, inciso IV)

- impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativos a títulos e valores mobiliários (art. 153, inciso V)

- empréstimos compulsórios, instituídos para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, inciso I)

- impostos instituídos em caso de guerra ou sua iminência (art. 154, inciso II)

- contribuições sociais para a Previdência Social, previstas no art. 195.

As contribuições sociais submetem-se a uma regra diferente do princípio da anterioridade, mas com o mesmo escopo de garantia da não-surpresa. É a chamada espera nonagesimal. O art. 195 § 6º dispõe que as contribuições sociais, destinadas ao custeio da Seguridade Social, "só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b."

Enfim, bem observa MISABEL DERZI no que diz respeito à relação do princípio com as Medidas Provisórias, afirmando que o princípio da anterioridade, ressalvadas as exceções a que a Constituição Federal alude expressamente,

"...afeta a lei tributária, caracteriza-a, especializa-a, tornando-a incompatível com o procedimento, regulado no art. 62, das medidas provisórias, as quais antecipam a eficácia à existência da própria lei, em que podem ser convertidas. A anterioridade não é aspecto acidental ou facultativo, mas propriedade jurídica essencial à lei tributária, que cria tributo novo ou majora os já existentes" (10)

4.3. Princípio da Segurança Jurídica

A positividade do Direito confere aos cidadãos condições de igualdade e certeza que os habilitam a sentir-se senhor de seus atos. Uma das funções mais relevantes do Direito como preleciona ROQUE ANTONIO CARRAZA, é conferir certeza à incerteza das relações sociais.

O princípio pode ser traduzido na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar seus encargos tributários com base exclusivamente na lei, estando assim protegido do arbítrio da Administração.

Isto posto, entende-se que a efetivação do princípio da segurança jurídica depende diretamente do respeito aos princípios da legalidade tributária, que informa que apenas a lei em sentido estrito pode instituir tributos, e da anterioridade que permite que o contribuinte conheça com antecedência o tipo de gravame a que estará sujeito no futuro imediato.

Nas palavras de ATALIBA,

"A previsibilidade da ação estatal decorrente do esquema de Constituição rígida, e a representatividade do órgão legislativo asseguram aos cidadãos, mais do que direitos constantes da tábua do art. 5º, a paz e o clima de confiança que lhes dão condições psicológicas para trabalhar, desenvolver-se, afirmar-se e expandir sua personalidade. Assim resulta forçoso entender a compreensão ampla e abrangente da garantia de direitos no regime republicano-representativo. Mais fecunda fica essa visão se se considerar a relação de administração, informadora do arcabouço jurídico que viabiliza esse regime" (11)


5. DA MEDIDA PROVISÓRIA ANTES E DEPOIS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 32/2001

A Medida Provisória está prevista na Constituição Federal de 1988 em seu art. 62. Tal dispositivo sofreu consideráveis modificações com a Emenda Constitucional nº 32 promulgada em 11 de setembro de 2001. O artigo que continha apenas o caput e um parágrafo único, dispondo concisamente sobre a matéria, foi ampliado, passou a ter doze parágrafos que estabelecem de forma detalhada as limitações e procedimentos que devem ser respeitados na edição de uma Medida Provisória.

A Medida Provisória sempre ensejou muita controvérsia visto que o texto do art. 62 da Constituição Federal, até a Emenda 32, não dispunha sobre as matérias que poderiam ser reguladas pelo instrumento normativo, nem mesmo como deveria ser o processo de aprovação.

Procurei analisar neste capítulo o instituto da Medida Provisória - conceito, pressupostos, procedimento e limitações materias antes e depois da promulgação da emenda.

5.1. Conceito

Segundo BANDEIRA DE MELLO, de acordo com a nova redação do art. 62 dada pela Emenda Constitucional 32/2001, Medidas Provisórias são

"providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, ''em caso de relevância e urgência'', e que terão ''força de lei'', cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 120 dias contados a partir de sua publicação". (12)

É preciso examinar a Medida Provisória com cuidado, buscando compreendê-la dentro das características de nosso sistema constitucional, para explicar seu cabimento ou não na instituição ou majoração de tributos.

A Medida Provisória foi imposta pela Constituição Federal de 1988, substituindo o antigo "decreto-lei". Mas os dois institutos apresentam importantes diferenças.

Os pressupostos de expedição do decreto-lei eram apresentados alternativamente ("em caso de urgência ou de interesse público relevante"), ao passo que os da Medida Provisória são indicados cumulativamente ("em caso de relevância e urgência"). O decreto-lei estava subordinado à condição de inocorrência de aumento de despesa e apontava as matérias que podiam ter por objeto, enquanto a Medida Provisória não depende de nenhuma condição financeira e não apontava as matérias sobre as quais poderia versar, até a Emenda 32. Em caso de ausência de manifestação do Congresso Nacional, o decreto-lei era havido como definitivamente aprovado, no caso da Medida Provisória, ocorre a rejeição tácita. A rejeição do decreto-lei não acarretava a nulidade dos atos praticados durante sua vigência, ao passo que a Medida Provisória quando rejeitada gera efeitos ex tunc. Por fim, o decreto-lei só poderia ser rejeitado in totum, enquanto a Medida Provisória admite emendas.

Podemos afirmar que o caráter autoritário do antigo "decreto-lei" foi de certa forma abrandado pelo novo instituto da Medida Provisória. Mas esta, assim com o decreto-lei, ainda afronta o paradigma do Estado Democrático de Direito.

No que concerne à natureza jurídica das Medidas Provisórias a doutrina se divide.

O jurista MARCO AURÉLIO GRECO sustenta tratar-se a Medida Provisória de ato administrativo dotado de força de lei.

Outros a percebem como ato de governo (ato político, executivo ou de governo) com força de lei, eis que o autor é o Chefe do Poder Executivo.

Um outro posicionamento doutrinário concebe a Medida Provisória como um poder de cautela legislativa conferido ao Presidente da República, funcionando como um meio idôneo de impedir, de um lado, na esfera das atividades normativas estatais, a consumação do periculum in mora e, de outro, tornar possível e eficaz a prestação legislativa do Estado. Enfim, a Medida Provisórias seria um projeto de lei com força cautelar de lei.

Existem ainda aqueles, como JOSE AFONSO DA SILVA, que sustentam ter a Medida Provisória natureza de lei. Seriam, para ele, leis especiais dotadas de vigência provisória imediata ou medidas de lei sujeitas a condição resolutiva.

De qualquer forma, a medida provisória é ato normativo e como tal sujeito ao controle de constitucionalidade. Disto trataremos mais adiante.

É de suma importância, neste tópico do trabalho, esclarecermos o significado da expressão "força de lei", escolhida, a nosso ver, equivocadamente pelo legislador na definição do instituto. Medida provisória não é lei. Em primeiro lugar, porque a diferença entre uma e outra reside, de acordo com BANDEIRA DE MELLO,

"em que as medidas provisórias correspondem a uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as leis são via normal de discipliná-los" (13).

A segunda diferença estaria que as Medidas Provisórias são, por definição, efêmeras, enquanto as leis geralmente vigem por tempo indeterminado e quando são temporárias tem seu prazo por elas mesmas fixado, ao contrário da Medida Provisória cuja duração máxima é prevista constitucionalmente.

Outra diferença seria que a Medida Provisória não convertida em lei perderia sua eficácia desde o início, ao contrário do que acontece com a lei ao ser revogada.

As Medidas Provisórias são precárias, isto é, podem ser infirmadas pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que deve apreciá-las, em contraste com a lei, cuja persistência só depende do próprio órgão que a emanou.

Por fim, a Medida Provisória, para ser expedida depende de certos pressupostos - relevância e urgência - enquanto no que se refere à lei, a relevância ou urgência da matéria não é requisito para que seja editada.

Sobre o significado da expressão "força de lei", bem dispõe ANA CLÁUDIA MANSO RODRIGUES:

"Sendo assim, a força de lei apresenta uma dúplice faceta: força ativa ou derrogatória e força passiva ou de resistência. O aspecto ativo da força de lei das Medidas Provisórias consiste na sua potencialidade de inovar no mundo jurídico, afastando a aplicação das normas com ela incompatíveis. No tocante ao aspecto passivo, a Medida Provisória só pode ser atingida, revogada, por outro ato normativo de igual ou superior força, resistindo, portanto, ao ato não legislativo. A doutrina é uníssona em ressaltar que essa força de lei atribuída aos atos normativos há de ser analisada em consonância com os ditames do direito positivo. A potencialidade derrogatória, pois, deve ser entendida em harmonia com o regime jurídico posto. A medida provisória, ao ingressar no mundo jurídico, não revoga definitivamente as normas com ela incompatíveis, suspende-lhes a vigência e, por conseguinte, a eficácia" (14)

Vale ressaltar que o entendimento do Supremo Tribunal Federal também é no sentido de que a Medida Provisória não tem poder revogatório definitivo, apenas suspende a vigência e eficácia dos atos normativos com ela incompatíveis. Por outro lado, a Corte sustenta o entendimento de que a "força de lei" concedida pela Constituição à Medida Provisória, redunda em que a instituição ou majoração de tributos através deste instrumento normativo não configura afronta ao princípio da legalidade.

Verificada a significativa diferença entre a lei e a Medida Provisória, em que pese a expressão utilizada pelo constituinte - "força de lei", restaria comprovado o desrespeito ao princípio da legalidade, mais especificamente da estrita legalidade tributária, na instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória.

5.2. Pressupostos

Na análise da questão, vale destacar também os pressupostos da Medida Provisória. Os termos "relevância" e "urgência", extraídos da linguagem comum para serem inseridos num texto legal, revestem-se de grande importância para determinar as situações em que o Chefe do Poder Executivo poderá utilizar-se das Medidas Provisórias.

Por relevância, há que se entender que o legislador constituinte visou atribuir uma especial qualidade à natureza do interesse a ser regulado. É certo, por isto, que apenas em "casos graves", utilizando a expressão de BANDEIRA DE MELLO, é que justifica-se a adoção da Medida Provisória.

Mas não basta. O interesse há que ser urgente, e urgência aqui deve ser entendida como algo que não pode aguardar o decurso do tempo, pois, ao contrário, o benefício pretendido será inalcançável ou consumar-se-á o dano que se pretendia evitar.

A Emenda não inovou nossa Constituição Federal no que se refere aos pressupostos ou requisitos das Medidas Provisórias. O binômio "relevância e urgência" foi mantido como sendo a única situação autorizadora da edição de referidas Medidas. A avaliação da situação de relevância e urgência é efetuada discricionariamente pelo Chefe do Executivo.

Muito se discute sobre a possibilidade do Poder Judiciário examinar a ocorrência dos pressupostos da Medida Provisória. Debate a doutrina se este exame não se restringiria ao juízo político do Presidente da República.

A respeitável opinião de BANDEIRA DE MELLO é no seguinte sentido:

"Se relevância e urgência fossem noções só aferíveis concretamente pelo Presidente da República, em juízo discricionário incontrastável, o delineamento e a extensão da competência para produzir tais medidas não decorreriam da Constituição, mas da vontade do Presidente, pois teriam o âmbito que o Chefe do Executivo lhes quisesse dar. Assim, ao invés de estar limitado por um círculo de poderes estabelecido pelo Direito, ele é quem decidiria sua própria esfera competencial na matéria, idéia antinômica a tudo que resulta do Estado de Direito." (15)

O Supremo Tribunal Federal, em ADIN nº 162, tendo como relator o Ministro Moreira Alves em 14/12/89, pacificou a questão:

" Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o art. 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de medidas provisórias, decorrem, em princípio, do juízo discricionário de oportunidade e de valor do presidente da República, mas admitem o controle judiciário quanto ao excesso do poder de legislar, o que, no caso, não se evidencia de pronto."

Diante da breve análise dos requisitos da Medida Provisória, já seria possível concluir pela sua incompatibilidade na instituição de matéria tributária. Isto não significa que não haja relevância ou urgência em matéria tributária. Mas o constituinte já tratou de formas excepcionais de instituição de tributos expressamente quando vislumbra situações urgentes e relevantes em matéria tributária. É o caso do imposto de guerra, empréstimo compulsório em caso de guerra ou calamidade pública. No tópico 6.1 esta matéria será mais aprofundada.

5.3. Procedimento

O processo legislativo das Medidas Provisórias inicia-se com o Presidente da República, único detentor do poder de iniciativa para editar a Medida Provisória, que terá imediata força de lei.

Antes da promulgação da Emenda Constitucional 32/2001, a Constituição Federal pouco dispunha sobre o procedimento de aprovação das Medidas Provisórias. Em suma, o art. 62 e seu parágrafo único determinavam: que a Medida Provisória deveria ser submetida de imediato ao Congresso Nacional; que, estando de recesso, deveria o Congresso Nacional ser convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias; que as Medidas Provisórias perderiam eficácia, desde a edição, se não fossem convertidas em lei no prazo de trinta dias a partir de sua publicação; e que o Congresso Nacional deveria disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Tendo em vista a prática por parte do Poder Executivo de reeditar, reiteradamente, e com o aval da Corte Suprema, as Medidas Provisórias ainda não aprovadas, e ainda visando combater a morosidade do Legislativo, a Emenda Constitucional 32/2001 procurou disciplinar mais detalhadamente a matéria.

A primeira etapa do novo processo legislativo das Medidas Provisórias é sua remessa imediata a uma Comissão Mista de Senadores e Deputados que, em obediência ao § 9º do art. 62 da Constituição Federal, emitirá parecer sobre a constitucionalidade da norma. Nesta Comissão, será realizado o juízo prévio sobre o atendimento dos pressupostos constitucionais da nova Medida, sem prejuízo de nova análise por cada uma das Casas Legislativas (art. 62 § 5º).

Passada a etapa de análise pela Comissão Mista, o projeto segue para a Câmara dos Deputados que fará a deliberação principal e, se decidir pela aprovação (com ou sem emendas), enviará ao Senado em obediência ao § 8º do art. 62. No antigo processo legislativo, o Congresso Nacional votava em sessão conjunta. Esta inovação imposta pela Emenda determinou um poder maior da Câmara em face do Senado na deliberação e aprovação de referidas normas. Isso porque, no processo legislativo, a vontade da casa que efetua a deliberação principal prevalece sobre a da que efetua a revisional.

"Se há conflito entre os textos aprovados pelas casas, o projeto de Lei volta para a casa que iniciou a análise, para que decida entre a sua versão e a da revisional encerrando assim a participação do Poder Legislativo no processo, enviando o projeto à sanção presidencial. Assim, por exemplo, digamos que a Câmara dos Deputados aprove os artigos a, b, c de uma Medida Provisória e remeta ao Senado que por, sua vez, aprove integralmente os artigos a e b, procedendo a alterações no artigo c. Este projeto voltará à Câmara que decidirá entre o seu texto e o texto do Senado. É flagrante a superioridade da Casa que faz a deliberação inicial." (16)

Outro ponto central do novo Processo Legislativo em estudo é sobre o prazo de eficácia das Medidas Provisórias. A partir da Emenda 32/2001, as Medidas Provisórias perderão eficácia desde sua edição se não convertidas em Lei pelo Congresso Nacional em 60 dias (§ 3º do art. 62). Este prazo poderá ser automaticamente prorrogado uma única vez na mesma hipótese de não conversão em Lei do projeto (§ 7º do art. 62). O termo inicial desse prazo é o da publicação da Medida Provisória pelo Poder Executivo.

Mas, apesar do § 3º reportar-se a uma perda de eficácia das medidas provisórias desde a edição, se não forem convertidas em lei no decurso de 60 dias, o prazo de eficácia das Medidas Provisórias, em verdade, é de 120 dias. Isto porque, o § 7º fala que são prorrogáveis por igual período uma única vez. A linguagem deste dispositivo, segundo BANDEIRA DE MELLO, torna referida prorrogação "automática" caso o Congresso Nacional não haja encerrado em 60 dias a votação que rejeitará ou converterá em lei a MP. Nas palavras do mesmo autor,

"Poder-se-ia perguntar porque, então, o texto falou em 60 dias ao invés de 120. A única resposta que nos acode ao espírito é que a menção à metade do prazo real teria sido feita com o intento de iludir a opinião pública e inúmeros congressistas de quadruplicar, como de fato ocorreu, o prazo previsto anteriormente à Emenda Constitucional que modificou o tratamento da matéria". (17)

Para PIMENTA,

"Isso confirma em parte o entendimento do STF, quanto à possibilidade de reedição, agora denominada de ''prorrogação de vigência'', só que limita essa possibilidade, fixando-se pressuposto objetivo para o seu cabimento, o que não acontecia na jurisprudência da Corte Maior, a qual não fixava qualquer limite ao número de reedições." [18]

O prazo para aprovação da Medida Provisória deverá ser suspenso no recesso parlamentar por força do § 3º do artigo em análise e voltará a ser contado no re-início dos trabalhos legislativos após o recesso.

Alterando regra anterior, que determinava a convocação extraordinária do Congresso Nacional em recesso no prazo de cinco dias (antigo art. 62) para análise de Medida Provisória, a Emenda Constitucional n.º 32 dispôs no § 8º do art. 57 que, se o Congresso Nacional for extraordinariamente convocado por qualquer outro motivo, aí sim deverá deliberar sobre eventual Medida Provisória pendente de apreciação, período no qual o prazo tornará a contar. O Congresso Nacional não será convocado apenas para tratar de Medida Provisória pendente.

O § 6º do art. 62 traz uma evolução no Processo Legislativo brasileiro, determinado o sobrestamento de todas as deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando a Medida Provisória após quarenta e cinco dias de sua publicação pelo Executivo. Em outras palavras, transcorrido o exíguo prazo de quarenta e cinco dias da publicação da Medida pelo Presidente da República, não importando a casa onde esteja tramitando, todos os demais trabalhos daquela casa ficarão paralisados até que se ultime sua votação. Vale frisar que o sobrestamento atinge apenas a Casa atrasada.

Aqui, em verdade, padeceria de certa incoerência a permissão pela Emenda de instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória (assunto tratado no tópico 5.4). Isto porque, ao permiti-la, a Emenda impôs a condição de ser a Medida convertida em lei antes do exercício em que será cobrado o tributo. Ora, sendo assim, a hipótese de instituição de tributos através de Medida Provisória coincidiria com a previsão constitucional do art. 64, §2º que disciplina as leis de iniciativa do Presidente da República em caráter de urgência e que tem o mesmo prazo de apreciação (45 dias). A única diferença entre os dois procedimentos residiria no fato de que na hipótese do referido art. 64, apesar das demais votações ficarem sobrestadas até que se aprecie a lei, há a ressalva de não ficarem sobrestadas as deliberações legislativas constitucionais da respectiva casa, que tenham prazo determinado. Talvez esta única diferença não justifique a exceção ao princípio da estrita legalidade.

A Emenda Constitucional n.º 32 vedou expressamente a possibilidade de reedição (na mesma sessão legislativa) de Medida Provisória rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso do tempo. No caso de rejeição expressa, a doutrina constitucional é uníssona em salientar pela absoluta vedação à reedição da Medida. Já quando a rejeição é tácita, entende-se possível a reedição na próxima sessão legislativa (art. 62 § 10º).

O § 7º dispõe que o Congresso Nacional, não apreciando a Medida Provisória no prazo estipulado, deverá disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, o que já estava previsto na Constituição antes da Emenda.

O § 11º do art. 62 aplica uma sanção ao ‘Estado Legislativo’ no caso da inércia deste em editar o Decreto Legislativo que regule as relações jurídicas decorrentes da Medida Provisória não apreciada ou rejeitada. O prazo para o Congresso editar referido Decreto também é de sessenta dias, contados a partir da rejeição ou da perda da eficácia da Medida Provisória. A ‘sanção’ que o legislador inseriu no § 11º foi clara: "não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas".

Cumpre salientar o perigo deste dispositivo posto que o Presidente da República pode não ter quorum suficiente para aprovar sua Medida Provisória mas pode, por outro lado, ter apoio necessário para impedir a promulgação do decreto legislativo respectivo, o que faria com que a Medida Provisória passasse a regular as relações jurídicas do período em que vigorou. Se for a Medida Provisória inconstitucional, a situação se agrava. Os efeitos jurídicos deverão ser conservados ou não neste caso?

Finalmente, a mais infeliz inovação, foi a prorrogação da vigência, por prazo indeterminado, das Medidas Provisórias em vigor na data da publicação da Emenda. No atual contexto, temos então Medidas Provisórias com prazo determinado que são as editadas após a Emenda e Medidas Provisórias com prazo de vigência indeterminado que são as medidas em vigor até 11 de setembro de 2001.

Editada e publicada a Medida Provisória pelo Presidente da República, abre-se ao Congresso Nacional um leque de quatro possibilidades com diferentes reflexos sobre a Medida Provisória. Vejamos cada uma delas:

- Aprovação sem alterações:

Após tramitar por cada uma das casas separadamente (iniciando pela Câmara dos Deputados), o projeto de conversão das Medidas Provisórias em lei poderá ser aprovado sem qualquer alteração em sua redação original. O quorum de aprovação deste projeto de conversão será o ordinário (previsto no art. 47 da Constituição Federal), a saber, maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

O projeto de conversão torna-se Lei com a mera promulgação do Projeto, efetuada pelo Presidente do Senado Federal e com a publicação no Diário Oficial. Isso por motivos óbvios, vez que foi o próprio Presidente quem editou o exato projeto agora aprovado e convertido em Lei.

- Aprovação com alterações:

Pode ainda o Congresso Nacional aprovar a Medida Provisória com alterações no seu texto. Nesse caso, o projeto de conversão em lei se transforma em projeto de Lei alterado e aprovado pelo Congresso Nacional e deverá ser remetido ao Presidente para sua sanção (com a subseqüente promulgação e publicação) ou veto (com a subseqüente apreciação do veto pelo Congresso Nacional), seguindo desta forma o trâmite ordinário do Processo Legislativo. Os artigos alterados deverão ter sua regulamentação efetuada via Decreto Legislativo.

Durante o prazo que medeia entre a aprovação do projeto de conversão que alterou texto de Medida Provisória e a sanção presidencial, é a Medida Provisória que estará em vigor integralmente (§ 12º do art. 62) em sua redação original.

- Rejeição Expressa:

Poderá o Congresso Nacional expressamente rejeitar a Medida Provisória. Nesse caso ela sai de nosso ordenamento como se nunca tivesse existido. O efeito é ex-tunc e caberá ao Congresso Nacional elaborar decreto legislativo regulando as relações jurídicas decorrentes, lembrando que a sanção prevista pela Constituição Federal no caso de inobservância desse ônus pelo Legislativo é a vigência da Medida Provisória para as tais relações.

- Rejeição Tácita:

Tal situação decorre da não apreciação pelo Congresso Nacional no prazo estipulado pela Constituição Federal, a saber, 60 dias prorrogáveis por mais 60. O importante aqui é frisar que os efeitos da rejeição expressa e os da não apreciação pelo Legislativo são exatamente os mesmos, ou seja, a Medida Provisória sai de nosso ordenamento como se nunca tivesse existido, gerando efeitos ex-tunc e tendo o Legislativo o ônus de regular as situações jurídicas via decreto.

Em que pese a Medida Provisória ser um instrumento de exceção, a doutrina majoritária entende possível a edição de referidas espécies normativas no âmbito estadual e municipal desde que haja previsão tanto da Constituição Estadual respectiva quanto da Lei Orgânica do Município que assim deseje fazer.

5.4. Limites materiais

A atual Constituição pátria, em seu texto original, não fazia qualquer menção quanto às matérias que poderiam ser reguladas por Medidas Provisórias, diferentemente da Constituição anterior de 1967 e sua Emenda que data de 1969. Nesta, estava estabelecido que o Presidente da República poderia expedir decretos-lei (sendo vedado o aumento de despesas), concernentes à segurança nacional, finanças, bem como normas tributárias, criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. A Carta Republicana de 1988, sob este aspecto, era omissa, não se referindo aos assuntos que por Medida Provisória poderiam ser dispostos. É certo que em alguns pontos esparsos o constituinte fez restrição sim à edição de Medidas Provisórias, como no art. 25 § 2º por exemplo, mas sempre de forma isolada e não na regra geral do Processo Legislativo das Medidas Provisórias.

Na ânsia de suprir tais lacunas legais, surgiu a Emenda constitucional nº 32, que delimitou a abrangência material das Medidas Provisórias, dispondo sobre a possibilidade da sua edição em todas as matérias que anteriormente geravam dúvida jurisprudencial ou doutrinária.

Inicialmente, a Emenda vedou a possibilidade de instituição de Medida Provisória em matérias insuscetíveis de delegação legislativa, hoje previstas no art. 62, §1º, I, a, c, d e III da Constituição Federal. São elas: nacionalidade cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167 § 3º; e reservada a lei complementar.

Louvável tal previsão por salvaguardar o poder inerente ao Legislativo pois, as mesmas vedações previstas à lei delegada se estendem à Medida Provisória, por uma questão de lógica legislativa. O mesmo vale para matéria reservada à lei complementar (art. 62, III, CF), por incorrer em reserva de lei em sentido estrito, à exclusiva disposição do Congresso Nacional.

A alínea b do inciso I § 1º do art. 62 veda a edição de Medidas Provisórias sobre matéria de direito penal, processual penal e processual civil. Quanto à proibição em matéria penal, tal previsão se justifica pois a criação de tipos penais por instrumento que não seja lei, que apenas tenha o caráter de "força de lei" choca frontalmente com a Constituição Federal, com o Código Penal e com o princípio da legalidade, até porque um instrumento com caráter provisório não seria cabível a título de uma punição criminal, tendo-se em vista que a sanção ficaria condicionada à possível conversão em lei. Aqui, ampliou-se o entendimento para além dos limites do status libertatis.

Quanto à matéria processual civil e penal, há total incompatibilidade destas com o caráter de urgência e provisoriedade da Medida Provisória, tendo em vista que estariam condicionadas à conversão em lei para que tivessem aplicabilidade. (art. 62, I, "b" da Constituição Federal).

A proibição de confisco de bens, de poupança popular e de qualquer outro ativo financeiro (art. 62, II, CF) por meio de Medida Provisória surgiu para evitar que ocorra novamente situação semelhante à já ocorrida no Governo Collor, quando a Ministra Zélia Cardoso de Mello confiscou todos os valores contidos nas cadernetas de poupança existentes à época.

O dispositivo veda também a edição de Medidas Provisórias sobre matéria já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

O Direito Tributário não está incluindo dentre o rol de matérias insuscetíveis de veiculação por meio de Medida Provisória. Conclui-se, a princípio, que admite-se a regulamentação dessa matéria mediante tal instrumento normativo. Isto não significa, contudo, que não haja limites a esta possibilidade. Sobre esta matéria falaremos mais detalhadamente no próximo tópico.

O art. 246 da Constituição também foi alterado pela Emenda passando a dispor que a vedação à adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação foi feita por emenda acontecerá apenas entre emendas promulgadas entre janeiro de 1995 e a promulgação da Emenda nº 32 inclusive. Foi deixada aqui brecha legal para possibilidade de alterações em emendas constitucionais, posteriores à edição da Emenda Constitucional nº 32, o que configura um casuísmo, pois fazem deixar crer que as alterações no instituto possam modificar significativamente o quadro legal. Além do mais, incorre a Emenda em patente incoerência visto que veda a edição de Medida Provisória sobre matéria reservada à lei complementar mas acaba por permitir a edição da mesma sobre norma constitucional, que é hierarquicamente superior à lei complementar.

A restrição das matérias, objeto de Medida Provisória, feita por esta Emenda se vê como aspecto altamente positivo, entretanto, nota-se que foram abertas possibilidades a novas indagações acerca de restrições aos limites materiais no caso de matéria tributária e matéria alterada por emenda constitucional. Sobre aquelas, falaremos no tópico 6.2.


6. DA MEDIDA PROVISÓRIA E A INSTITUIÇÃO OU MAJORAÇÃO DE TRIBUTOS

O surgimento das Medidas Provisórias no Direito brasileiro gerou grandes discussões doutrinárias, tendo em vista que o art. 62 da Constituição Federal não dispunha sobre a matéria que poderia ser regulada através da Medida até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32. No campo tributário, as discussões giravam em torno, especialmente, da possibilidade da instituição ou de majoração de tributos através das Medidas Provisórias.

A posição doutrinária amplamente majoritária sustentava a inadmissibilidade com base em diversas razões a que eventualmente já nos referimos neste trabalho. Basicamente, os argumentos eram a afronta aos princípios tributários da anterioridade e da legalidade que não se coadunam com o instituto das Medidas Provisórias, bem como a natureza da Medida, os seus pressupostos de relevância e urgência que são incompatíveis com a criação ou majoração de tributos.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, posicionou-se no sentido contrário, solucionando a questão no plano jurisprudencial. Diversas outras questões ligadas ao instituto das Medidas Provisórias foram também contempladas pela Suprema Corte. A questão da contagem do prazo nonagesimal das contribuições sociais, por exemplo, foi decidida pela Corte que passou a entender que a contagem do prazo começa a fluir a partir da primeira Medida Provisória e não das posteriores reedições ou da lei em que tiver sido convertida esse instrumento normativo.

A promulgação da Emenda Constitucional nº 32 em setembro de 2001 foi de suma relevância para o Direito Tributário. O entendimento jurisprudencial até então já consolidado foi ratificado em algumas questões e modificado em outras. Certo é que o debate sobre o cabimento da Medida Provisória em matéria tributária já não é mais o mesmo.

É interessante que abordemos, pois, a essência das discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema antes e depois da Emenda Constitucional 32.

6.1. Debate antes da Emenda Constitucional 32/2001

Antes de serem estabelecidos os limites materiais da Medida Provisória através da Emenda Constitucional nº 32, muito se discutia sobre o cabimento deste instrumento normativo para a criação ou majoração de tributos. O Supremo Tribunal Federal reconheceu as Medidas Provisórias como ato normativo idôneo à instituição e majoração de tributos. Parte da doutrina adere ao entendimento do STF. A doutrina majoritária (à qual nos filiamos), por sua vez, rejeita esta hipótese baseado em diversos argumentos.

A corrente doutrinária que defende ser a Medida Provisória instrumento hábil para a geração de legislação tributária, argumenta, dentre outras coisas, que a Constituição Federal não restringiu as matérias que poderiam ser tratadas por este instrumento normativo. Então, em princípio, qualquer matéria que atendesse aos requisitos de relevância e urgência poderia ser objeto de medida provisória.

Neste sentido, afirma o professor RICARDO LOBO TORRES que não há dúvida de que a Medida Provisória pode versar sobre finanças públicas e tributação, já que o dispositivo constitucional não lhe traça o âmbito material de atuação.

A nosso ver, não é este um posicionamento correto, pois se a medida provisória é instrumento primário, mas não superprimário, encontra-se subordinada à norma constitucional, não podendo incursionar sobre território reservado à ação do legislador constituinte. Quando este dispôs expressamente sobre procedimentos e instrumentos especiais para instituição de certas matérias, como, por exemplo, lei complementar, certamente não teve a intenção de permitir que a medida provisória sobre elas versasse. Neste sentido, o art. 150 inciso I, que veda aos entes da federação exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (princípio da legalidade), também seria uma circunstância, a nosso ver, que proibi a instituição de tributos através de Medidas Provisórias. O legislador constituinte assim dispôs expressamente e ainda previu exceções. Portanto, se quisesse o teria feito com a Medida Provisória.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal era o de que tendo força de lei, é meio hábil, a Medida Provisória, para instituir e majorar tributos a exemplo do que já sucedia com os decretos-lei da antiga Constituição de 1967.

O acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.005-1 - DF de 19/05/1995, tendo como relator o Sr. Ministro Moreira Alves, bem demonstra o entendimento do STF a respeito desta questão. No voto do Ministro Relator, encontramos os seguintes argumentos:

"Tendo em vista que a Medida Provisória nada mais é, em última análise, do que modalidade de Decreto-Lei (e assim o é na Itália, em cuja Constituição a nossa, a esse respeito, se inspirou), a propósito do qual esta Corte, sob o império da Constituição anterior, firmou o entendimento de que ele, em matéria tributária, poderia também instituir ou aumentar tributo por ter força de lei, observando-se, por isso, o princípio constitucional da legalidade, não se pode, num exame inicial compatível com o requerido para a análise do pedido de liminar, ter objeção dessa ordem como suficientemente relevante para a concessão da cautelar requerida".

"...não se pode dizer que não haja urgência, em virtude do princípio da anterioridade e da demora que muitas vezes ocorre com a tramitação de projeto de lei no Congresso. Ademais, mesmo quando se legisla a respeito é comum que essas leis sejam editadas nos últimos dias do ano para entrarem em vigor em primeiro de janeiro do ano seguinte, razão por que se acentua, por vezes, que é ilusória a proteção dada pelo princípio da anterioridade".

Não estamos de acordo com a posição da nossa Suprema Corte. Já demonstramos que o fato da Constituição ter atribuído "força de lei" à Medida Provisória não faz com que a instituição ou majoração de tributos através deste instrumento normativo deixe de configurar uma ofensa ao princípio da legalidade, visto que há consideráveis diferenças entre lei e Medida Provisória (tópico 5.1). Também já foi demonstrada a substancial diferença entre o decreto-lei e a Medida Provisória, destacando-se que na disposição sobre decreto-lei da Carta de 1967 previa-se expressamente as matérias sobre as quais poderia versar e dentre elas dispunha "finanças públicas, inclusive normas tributárias" (tópico 5.1.). Além disto, apesar de existirem hipóteses de relevância e urgência em matéria tributária, aquelas são disciplinadas de forma peculiar na Constituição Federal, distinto daquela constante no art. 62. E, ainda, não é admitindo a morosidade do Poder Legislativo, que encontramos uma permissão para a utilização deste instrumento introdutor de normas.

MISABEL DERZI faz o seguinte comentário a respeito da posição da Corte Suprema quanto ao decreto-lei, que, ao nosso ver é extensivo à posição da Corte quanto às Medidas Provisórias:

"Explique-se que a jurisprudência de nossos tribunais superiores, que passou a conciliar decreto-lei e anterioridade, encontrou o único remédio capaz de atenuar as consequências nefastas de uma interpretação de uma interpretação autoritária, a qual conferira legitimidade ampla ao uso dos decretos-lei na instituição e majoração de tributos. Não podendo mais cortar o mal pela raiz, o que só seria possível se declarasse inconstitucional a criação ou majoração de tributos por via de decreto-lei, derrubando por terra toda a estrutura tributária federal, nossa jurisprudência preferiu desrespeitar literalmente a Constituição." [19](grifo nosso)

Ao analisarmos a posição da doutrina que combate a instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias, será possível concluir que, de fato, a tese da Corte Suprema não se sustenta.

Os argumentos da doutrina que defende a tese da inconstitucionalidade da instituição e majoração de tributos através de medidas provisórias podem ser resumidos da seguinte forma:

- a Medida Provisória tem "força de lei", mas com ela não se confunde [20];

- o princípio da estrita legalidade, princípio constitucional tributário, restringe a instituição e majoração de tributo à lei propriamente dita;

- o princípio da anterioridade, característica básica da lei tributária, é totalmente incompatível com qualquer noção de urgência e relevância em matéria de instituição e majoração de tributos;

- as circunstâncias em que se evidencia a urgência e relevância em matéria tributária foram expressamente previstas pelo constituinte de forma especial, não sendo permitido, em nenhum dos casos, a instituição ou majoração de tributos através de medida provisória;

- em caso de rejeição da Medida Provisória o contribuinte teria que repetir o indébito.

Em memorável parecer sobre a questão, citado por SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, a Profª. MISABEL DERZI averbou:

"Movimentos contrários, diametralmente opostos, surgem límpidos e indiscutíveis da Constituição. Medidas Provisórias convertidas em lei, são lei que goza de eficácia antecipada à própria existência e, claro, à publicação. Lei ordinária ou complementar, instituidora ou majoradora de tributo, embora aprovada pelo Poder Legislativo, sancionada e publicada, tem sua eficácia e aplicabilidade automaticamente adiadas.

Por que tão profunda distinção nesses processos constitucionais, por que diferença tão radical na operatividade desses atos normativos?

A causa reside exatamente nos pressupostos de relevância e urgência que legitimam a utilização, pelo presidente da República, das medidas provisórias. Relevância e urgência são importantes conceitos que explicam:

a) A antecipação da eficácia e da aplicabilidade da lei, em que se hão de converter as medidas provisórias, a momento prévio ao de sua existência;

b)A eficácia imediata, desde a edição, como necessária e essencial propriedade das medidas provisórias;

c)A inexistência de qualquer discricionariedade para o chefe do Poder Executivo, o qual não tem a faculdade de adiar a eficácia e a aplicabilidade das medidas provisórias para data posterior à sua edição, quer para o exercício subsequente, quer para o momento da regulamentação. Ou se dão, no caso concreto, a relevância e a urgência, cabendo, sendo próprio e adequado, o uso das medidas provisórias, ou não;

d) A antinomia existente entre o princípio da anterioridade e as medidas provisórias, uma insolúvel contradição.

Assim, as leis ordinárias ou complementares que instituem ou majoram tributos, têm a eficácia e a aplicabilidade adiadas, por força do princípio da anterioridade. Medidas Provisórias, em razão da relevância e da urgência, têm necessariamente sua eficácia e a aplicabilidade antecipadas à existência da lei em que se hão de converter, por imperativo constitucional.

É evidente que o adiamento da eficácia provocado pelo princípio da anterioridade, como regra geral no Direito Tributário, é o resultado da primazia da segurança jurídica. Do ponto de vista axiológico, prevaleceu, nos desígnios constitucionais, a necessidade de previsão, de conhecimento antecipado e antecipatório, de planejamento dos encargos fiscais, sobre o imediatismo das medidas provisórias.

Instituir tributo ou aumentar tributo já existente não é urgente, nem tampouco relevante para a Constituição, que, em tais casos, determina seja observado o princípio da anterioridade.

Dessa forma, temos uma primeira delimitação, posta na Constituição, às expressões, aparentemente abertas, relevância e urgência. Trata-se de uma delimitação negativa que permite afirmar não ser, de modo algum urgente ou relevante, criar tributo novo ou majorar aqueles já existentes." (21)

A nosso ver, o parecer condensa os mais adequados argumentos, demonstrando inequívocamente a incompatibilidade entre a instituição e majoração de tributos e a Medida Provisória.

No mesmo sentido, SACHA CALMON justifica seu posicionamento afirmando que a Medida Provisória não é idônea para instituir ou majorar tributos porque ela visa a eficácia imediata, enquanto, o Direito Tributário é regido pelo princípio da anterioridade, "o que a tributação exige é planejamento prévio, não-surpresa, duração das regras" [22].

ROQUE ANTÔNIO CARRAZA também compartilha da mesma tese e faz uma interessante observação reforça sua posição:

"Amarrada essa insofismável premissa, podemos dizer, sempre com apoio na Constituição, que só há urgência, a autorizar a edição de medida provisórias, quando, comprovadamente, inexistir tempo hábil para que uma dada matéria, sem grandes e inilidíveis prejuízos à Nação, venha a ser disciplinada, por meio de lei ordinária. Ora, é perfeitamente possível, nos termos dos §1º e §2º do art. 64 da CF, aprovar-se uma lei ordinária no prazo de 45 dias contados da apresentação do projeto. Logo, em nosso direito positivo, só há urgência se realmente não se puder aguardar 45 dias para que uma lei ordinária venha a ser aprovada, regulando o assunto. O Judiciário, em última análise, decidirá a respeito." (23)

Para alguns doutrinadores, como SACHA CALMON, existiriam, contudo, dois casos que autorizariam a instituição tributo por Medida Provisória: os empréstimos compulsórios de emergência em caso de calamidade pública ou de guerra externa ou de sua iminência, estando fechado o Congresso, e os impostos extraordinário, sob o mesmo fundamento, já que estão liberados do princípio da anterioridade e, pois, pela urgência de que se revestem.

MIZABEL DERZI, contudo, sustenta não haver exceções que permitam a instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias.

Isto porque, as situações em que o legislador constituinte julgou urgentes ou relevantes a ponto de serem dispensadas da submissão aos princípios da anterioridade ou da legalidade, já encontram determinação específica, regulação especial na Constituição.

No que tange aos empréstimos compulsórios, apesar de escaparem ao princípio da anterioridade na hipótese de guerra ou calamidade pública, nem por isto torna as Medidas Provisórias instrumento idôneo a sua instituição. O texto constitucional estabeleceu que tais tributos devem ser instituídos por lei complementar. E, se o legislador constituinte assim o fez, é porque quis coibir possíveis abusos na matéria, já que a lei complementar exige quorum qualificado. Fica assim descartada a hipótese de instituição de empréstimo compulsório através de Medida Provisória sob pena de patente inconstitucionalidade, de acordo com o entendimento de MIZABEL DERZI.

O imposto extraordinário de guerra (art. 154, II) também escapa ao princípio da anterioridade. Contudo, não é possível que seja instituído ou majorado através de Medida Provisória.

"É que a Constituição Federal concede instrumento mais ágil ao Presidente da República o qual pode decretar o estado de sítio, desde que previamente autorizado pelo Congresso Nacional, para apreciação da medida". (24)

Quanto aos impostos incidentes sobre a importação e a exportação, sobre produtos industrializados e sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, permitiu o legislador constituinte que a alíquota seja alterada pelo Poder Executivo, através de ato normativo próprio (decreto ou resolução), dispensando pois qualquer instrumento legislativo.

Note-se que a Constituição disciplinou de forma peculiar a matéria, sem abrigá-la no campo das Medidas Provisórias. Entendeu o legislador constituinte que, em tais circunstâncias a urgência e a relevância prevalecem sobre a segurança e previsibilidade. Não cabe discutir aqui, portanto, o cabimento de Medida Provisória, pois se o Presidente da República a utilizasse em tais hipóteses, estaria renunciando a campo de competência própria do Executivo, já que atos normativos da Administração Pública são suficientes e válidos para regular as hipóteses.

As contribuições sociais, excepcionadas do princípio da anterioridade e submetidas ao princípio da espera nonagesimal, também não poderiam ser instituídas através de Medidas Provisórias, segundo MISABEL DERZI. Isto porque o prazo de 90 dias, que adia a eficácia e aplicabilidade das leis, não se concilia com o imediatismo eficacial das Medidas Provisórias.

Mais uma vez a Constituição Federal regula de maneira específica a urgência e relevância tributárias, preferindo fazê-lo sem autorizar a utilização de Medidas Provisórias.

6.2. Debate depois da Emenda Constitucional 32

A promulgação da Emenda Constitucional vai modificar significativamente as discussões que haviam até então sobre a questão da instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias. Antes da Emenda a situação era a seguinte: uma corrente doutrinária e o Supremo Tribunal Federal admitiam a instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória. Grande parte da doutrina combatia a posição da Corte. Parte da doutrina admitia que certos tributos, que não se submetem ao princípio da anterioridade, poderiam ser instituídos ou majorados por Medidas Provisórias. Outros doutrinadores não admitiam exceções e consideravam absolutamente inconstitucional a instituição e majoração de tributos através de Medidas Provisórias.

A Emenda Constitucional 32 ao mesmo tempo que conseguiu pacificar algumas questões, ratificando em alguns casos e modificando em outros o entendimento do Supremo, criou novos questionamentos. A despeito disto, existe ainda a discussão sobre a possibilidade de alegar a inconstitucionalidade da Emenda. Analisemos cada ponto da questão.

O § 1º do art. 62 da Constituição Federal, acrescido pela Emenda, enumera as hipóteses sobre as quais fica vedada a edição de Medidas Provisórias. Dentre estas, não encontra-se a matéria tributária.

O § 2º do art. 62 da Constituição Federal, também acrescido pela Emenda, dispõe que "medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I,II,IV,V e 154,II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada". Trata-se da aplicação do princípio da anterioridade. Mas, parece-nos, também, que a Emenda procurou resguardar o princípio da legalidade, no que tange aos impostos, visto que, apesar da autorização para a instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias, tais exações só poderão ser exigidas do contribuinte após a sua conversão em lei.

Há que se ter em vista que o inciso III do art. 62 veda a possibilidade deste instrumento versar sobre matéria reservada à lei complementar. Logo, todos os tributos que necessariamente deverão ser instituídos por esse instrumento introdutor de normas (CF, arts. 148, 153, VII, 154, I, 195, par. 4º) são insuscetíveis de criação por meio de Medida Provisória. Bem acertada a posição do constituinte derivado, visto que, se foi prevista forma especial pelo constituinte originário, a Medida Provisória certamente não estaria autorizada a substituí-la.

Enfim, ficaria confirmada, através da Emenda, a posição do STF admitindo a instituição e a majoração de tributos por meio de Medidas Provisórias, excluindo-se a possibilidade apenas em relação às espécies que necessitam de serem criadas por lei complementar e impondo restrições no tocante aos impostos submetidos ao princípio da anterioridade, os quais só produzirão efeitos no exercício seguinte à sua conversão em lei.

Veremos como ficaria a permissão para cada espécie de tributo.

Quanto aos impostos apontados como exceção no § 2º, entende-se que não fica autorizada a exigência da exação simplesmente mediante Medida Provisória. Para serem exigidos estes impostos, seria necessário também a conversão em lei no exercício anterior ao da sua cobrança. Tais exações são exceções à anterioridade, mas devem ser criadas por lei, antes de ser exigida. O que a Constituição Federal admite é a modificação de alíquotas mediante ato do Poder Executivo (art. 153, par 1º). Portanto, é a alteração de alíquotas que pode ocorrer mediante Medida Provisória, sem necessidade, neste caso, de conversão em lei ou obediência ao princípio da anterioridade. Em verdade, se o Presidente da República assim o fizesse estaria renunciando a campo de competência própria do Executivo, já que atos normativos da Administração Pública são suficientes e válidos para regular as hipóteses.

Em relação aos impostos extraordinários, mencionados no art. 154,II, nada obsta que sejam criados e exigidos por medida provisória, antes mesmo da conversão em lei. Neste caso, o princípio da anterioridade é afastado sem restrições.

No que tange às contribuições para a seguridade social, nada dispôs a emenda. Não poderia ser aplicada às mesmas a regra do §2º visto que o mesmo refere-se expressamente a impostos. É pacífico na doutrina, e o Supremo Tribunal Federal também já entendeu, que contribuições sociais não são impostos. Em caso de criação de contribuição mediante Medida Provisória, portanto, fica mantido o entendimento do STF no sentido de que o prazo nonagesimal fluiria a partir da edição da Medida Provisória. Como existe agora um prazo para que a Medida Provisória seja convertida em lei (cento e vinte dias), o contribuinte, na prática, não saiu prejudicado.

Os empréstimos compulsórios estão excluídos da possibilidade de serem instituídos através de Medida Provisória. Isto porque a Constituição Federal determina que estas exações só podem ser instituídas através de lei complementar (art. 148) e a Emenda veda a instituição de tributos sobre matéria reservada a lei complementar (art. 62, §1º, inciso III).

Pelo mesmo motivo, não podem ser instituídos ou majorados por Medida Provisória o imposto sobre grandes fortunas (153, VII), os impostos previstos no art. 154, I, bem como as contribuições de competência residual previstas no art. 195, §4º.

Finalmente, os impostos, em geral, da competência da União, podem ser instituídos ou majorados por Medida Provisória, sendo que só produzirão efeitos no exercício seguinte ao da sua conversão em lei.

Ocorre que, em verdade, padeceria de certa incoerência a permissão pela Emenda de instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória. Isto porque, ao permiti-la, a Emenda impôs a condição de ser a Medida Provisória convertida em lei antes do exercício em que será cobrado o tributo. Dispôs ainda que "se a medida não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando" (§6ºdo art. 62).

Ora, sendo assim, a hipótese de instituição de tributos através de Medida Provisória coincidiria com a previsão constitucional do art. 64, §2º que disciplina as leis de iniciativa do Presidente da República em caráter de urgência e que tem o mesmo prazo de apreciação (45 dias). A única diferença entre os dois procedimentos residiria no fato de que na hipótese do referido art. 64, apesar das demais votações ficarem sobrestadas até que se aprecie a lei, há a ressalva de não ficarem sobrestadas as deliberações legislativas constitucionais da respectiva casa (projetos de código), que tenham prazo determinado. Esta única diferença, a nosso ver, não justifica a exceção ao princípio da estrita legalidade, elementar do sistema tributário brasileiro.

Enfim, diríamos que é de certa forma incongruente a disposição do constituinte derivado. Ao mesmo tempo que permite a instituição de tributos através de Medidas Provisórias, dispõe que os impostos só poderão ser exigidos no exercício seguinte em que a Medida houver sido convertida em lei, assegurando assim o princípio da legalidade. Por outro lado, faz previsão desnecessária, vez que a Constituição já dispõe de mecanismo semelhante para a edição de lei em caráter de urgência.

Poderíamos ainda levantar aqui a hipótese de questionar-se a constitucionalidade da emenda, visto que já ficou demonstrada a afronta à sistemática principiológica constitucional tributária na hipótese de instituição ou majoração de tributos por intermédio de Medida Provisória.

Há tempos já se sustenta a possibilidade de normas constitucionais revelarem-se inconstitucionais. Neste sentido, bem explica MARCELO RIBEIRO DE OLIVEIRA e BRUNO NOURA DE MORAES REGO:

"Conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade de emenda constitucional pode ser impugnada de duas maneiras: antes de sua promulgação, ou seja, ainda em fase de tramitação legislativa quando há um projeto de emenda constitucional tendente a abolir uma das cláusulas pétreas, por meio de mandado de segurança impetrado por parlamentar, que dispõe do direito subjetivo público de ver elaborado pelo Poder Legislativo atos incompatíveis com o texto constitucional; ou depois da promulgação da emenda constitucional, por meio de ação direta de inconstitucionalidade, no qual se requereria a declaração de sua inconstitucionalidade. Essas hipóteses, que podem ensejar decisões da nossa corte constitucional, não excluem uma declaração de inconstitucionalidade no controle difuso, a ser realizada por qualquer juiz". (25)

No julgamento da ADIN nº830/93, de relatoria do Ministro Moreira Alves, ficou explicitamente admitida esta possibilidade. São trechos do voto do Ministro Relator:

" Não há dúvida de que, em face do nosso sistema constitucional, é, esta Corte competente para, em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade, ou não de emenda constitucional - como sucede no caso - impugnada por violadora de cláusulas pétreas explícitas ou implícitas".

Vale lembrar ainda que o STF recentemente decidiu em sede de cautelar em ação direta de inconstitucionalidade pela suspensão da eficácia de parte da Emenda Constitucional que pretendia excluir a obediência ao princípio da anterioridade em relação à cobrança do IPMF.

Seria possível argumentar, numa eventual Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a Emenda Constitucional nº 32, que ao permitir a instituição e majoração de tributos através de Medidas Provisórias, o constituinte estaria incorrendo em flagrante inconstitucionalidade baseado nos seguintes argumentos.

O art. 60 § 4º inciso IV dispõe que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. O § 2º do art. 5º da Constituição Federal que dispõe sobre os direitos e garantias individuais, por sua vez, reza que "os direito e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados". Poderíamos inferir deste dispositivo que a sistemática principiológica tributária estabelecida pela Constituição pertenceria, analogamente, ao rol de direitos fundamentais. Neste sentido, não seria possível a promulgação de emenda que afrontasse os princípios constitucionais tributários. Além disto, o princípio da legalidade é derivado do princípio da segurança jurídica que trata-se, por sua vez, de direito fundamental, cláusula pétrea, que não pode, portanto, ser modificado ou subtraído através de Emenda Constitucional.

A nosso ver, a Emenda Constitucional nº 32 incorre em tal inconstitucionalidade. Afronta o princípio da estrita legalidade tributária bem como da segurança jurídica, basilares do sistema constitucional tributário, como tentamos demonstrar neste trabalho.

Fica aqui levantada apenas uma hipótese. Seria necessário estudo mais aprofundado da questão para demonstrar sua real viabilidade.

A Emenda levanta ainda outras questões. A doutrina e jurisprudência têm sustentado a possibilidade do direito à repetição de indébito em caso de pronúncia de inconstitucionalidade da norma impositiva tributária pelo STF. A Emenda dispôs que não editado o decreto legislativo para disciplinar as relações jurídicas travadas sob a égide da Medida Provisória não convertida em lei ou rejeitada, até sessenta dias após a rejeição ou perda da eficácia de Medida Provisória, as relações constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

Neste sentido, caso a Medida Provisória tenha criado tributo inconstitucional, a sua não conversão em lei impedirá o surgimento do direito de repetição, já que as relações jurídicas deverão ser regidas pela norma inconstitucional? PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA entende que a resposta é negativa, "posto que o enunciado prescritivo sob exame versa sobre eficácia de norma jurídica, e não sobre a sua validade. A inconstitucionalidade é um problema ligado à validade da norma, e não a sua eficácia".

Outra dúvida vem a cena: poderá a Medida Provisória não convertida, cujos efeitos não tiverem sido disciplinados pelo Congresso Nacional, ser objeto de ADIN? O STF tem entendido que a mencionada ação perde o objeto quando o ato normativo impugnado deixa de vigorar. Mas, neste caso, o ato normativo continua em vigor, já que continua a produzir efeitos, razão pela qual seria cabível referido remédio jurídico.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. As Medidas Provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição Federal de 1988 que, até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, não dispunha sobre os limites materiais da mesma, limitando-se a impor a circunstância de relevância e urgência. Havia, portanto, grande discussão acerca do seu cabimento para a instituição ou majoração de tributos.

2. Medida Provisória é instrumento normativo que tem como antecedente imediato o antigo decreto-lei, mas dele se diferencia em vários aspectos. Portanto, não são extensivas à Medida Provisória certas interpretações sobre o antigo instituto como pretende o Supremo Tribunal Federal no que concerne à instituição e majoração de tributos.

3. Medida Provisória tem "força de lei", mas não é lei e desta se diferencia substancialmente. Há desrespeito, portanto, ao princípio da legalidade na instituição ou majoração de tributos através deste instrumento normativo.

4. Os pressupostos da medida provisória: relevância e urgência são circunstâncias especiais que devem se configurar apenas em "casos graves" e inadiáveis. Cabe ao Poder Executivo, em princípio, eleger tais circunstâncias. O Legislativo vai analisá-las posteriormente, convertendo ou não em lei a Medida Provisória. Ao Judiciário, cabe adentrar ao mérito apenas em situações nas quais fica patente o excesso do Executivo no poder de legislar.

5. A Emenda Constitucional detalhou o procedimento de aprovação das Medidas Provisórias, pondo fim ao abuso das reiteradas reedições. Ficou proibida a reedição de Medida Provisória após o término do prazo de eficácia que, por sua vez, foi ampliado de 30 para 60, ou melhor, 120 dias, visto que, se a medida não for convertida em lei em sessenta dias, o prazo será automaticamente prorrogado por uma única vez. Em verdade, se quadruplicou o prazo de eficácia. Outras disposições sobre o procedimento foram adequadas, mas a Emenda pecou em certos aspectos.

6. A Emenda estabeleceu as matérias sobre as quais não podem versar as Medidas Provisórias. A matéria tributária não foi incluída neste rol.

7. As discussões em torno da Medida Provisória e a matéria tributária modificaram-se com a promulgação da Emenda.

8. Antes da Emenda, havia a corrente que defendia a constitucionalidade da instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias, alegando que a Constituição não estabeleceu limites materiais, portanto podiam as Medidas Provisórias versar sobre qualquer matéria. E ainda, a Medida Provisória tem "força de lei", portanto, não se estaria ferindo o princípio da legalidade. Esta é a posição do Supremo Tribunal Federal e com a qual discordamos.

9. A doutrina majoritária sustenta a inconstitucionalidade da instituição e majoração de tributos através da Medida Provisória, tendo em vista que o caráter precário, efêmero, de eficácia imediata deste instrumento normativo é contrário ao princípio da anterioridade que caracteriza a norma tributária, bem como fere o princípio da estrita legalidade tributária que prevê que os tributos só podem ser instituídos ou majorados através de lei e, finalmente, afrontam o princípio da não-surpresa ou da segurança jurídica que protege o contribuinte de ser surpreendido por alguma norma. Alguns doutrinadores chegavam a admitir a Medida Provisória para instituir empréstimos compulsórios em caso de guerra ou calamidade pública, e impostos extraordinários de guerra que não precisavam atender ao princípio da anterioridade. No entanto, o legislador constituinte já dispôs sobre as circunstâncias de relevância e urgência em matéria tributária, prevendo de forma específica outros procedimentos que não a Medida Provisória. Portanto, nenhum tributo poderia ser instituído ou majorado por Medida Provisória.

10. As alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 32/2001 repercutem no campo tributário. A matéria tributária pode, a partir de então, ser veiculada por Medida Provisória, já que não foi expressamente incluída dentre as vedações do art. 62, I. As Medidas Provisórias podem criar ou majorar tributos, com exceção das exações que necessitam ser instituídas por lei complementar. A cobrança dos impostos instituídos por meio de Medida Provisória depende da conversão desta em lei antes do exercício financeiro em que a exação deve ser exigida.

11. Os tributos mencionados no art. 153 § 1º da Constituição Federal poderão ter as suas alíquotas alteradas por meio de Medida Provisória, todavia caso a exação seja instituída por Medida Provisória, só produzirá efeitos no exercício seguinte em que houver sido convertida em lei. Em verdade, a permissão para majorar as alíquotas através de Medidas Provisórias é inútil, visto que o Presidente da República pode fazê-lo por mero ato administrativo - decreto ou resolução.

12.Os impostos extraordinários poderão ser criados e exigidos por Medida Provisória, independente de conversão em lei. Mas, para fazê-lo, é concedido ao Presidente da República instrumento mais expedito e eficiente: a decretação do estado de sítio, mediante autorização da maioria absoluta dos integrantes do Congresso Nacional (art. 137 e seu parágrafo único).

13. Ficou permitida, sem restrições, a instituição de contribuições para a seguridade social por meio de Medida Provisória. A exação só poderá ser exigida após o prazo de noventa dias, que começará a fluir a partir da edição da Medida. O contribuinte, neste caso, saiu beneficiado, visto que o Supremo já entendia que o prazo nonagesimal, antes da Emenda, contava-se a partir da edição da primeira Medida Provisória. Seria possível, portanto, que o contribuinte tivesse que pagar a exação antes da sua conversão em lei. Agora, há um prazo para que a Medida seja convertida em lei. Portanto, no momento de pagar a exação, esta já estará certamente estabelecida por lei.

14. Ao dispor que é necessária a conversão da Medida Provisória em lei para que produza efeitos e que se a medida não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados da publicação entrará em regime de urgência, a Emenda incorre em certa incoerência já que coincidiria com a previsão constitucional do art. 64, §2º que disciplina as leis de iniciativa do Presidente da República em caráter de urgência e que tem o mesmo prazo de apreciação (45 dias). A única diferença entre os dois procedimentos residiria no fato de que na hipótese do referido art. 64, apesar das demais votações ficarem sobrestadas até que se aprecie a lei, há a ressalva de não ficarem sobrestadas as deliberações legislativas constitucionais da respectiva casa, que tenham prazo determinado. Talvez esta única diferença não justifique a exceção ao princípio da estrita legalidade.

15. Poderíamos concluir, portanto, pela desnecessidade da permissão da Emenda Constitucional no que concerne à edição de Medida Provisória para instituição ou majoração de impostos. Por outro lado, através do dispositivo, a Emenda resguardou o princípio da legalidade, já que tais exações só serão exigidas do contribuinte após a sua conversão em lei. Quanto aos demais tributos, como as contribuições sociais por exemplo, no entanto, prevalece um certo desrespeito ao princípio da legalidade tributária.

16. A Emenda Constitucional nº 32 poderia ser questionada em ADIN no que concerne à permissão de que a Medida Provisória verse sobre matéria tributária. Isto porque, de acordo com os argumentos da doutrina dominante, instituir ou majorar tributos através de Medidas Provisórias configuraria uma afronta à base principiológica do sistema constitucional tributário, especificamente ao princípio da segurança jurídica que está incluído entre os direitos fundamentais, que são clausulas pétreas, não passíveis de modificação ou subtração através de Emenda Constitucional.

18.Caso a Medida Provisória tenha instituído tributo inconstitucional, não se impedirá a repetição do indébito tributário visto que o § 11 do art. 62 refere-se à eficácia e não validade dos fatos jurídicos realizados na vigência da Medida Provisória.


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Notas

1 DESLANDES, 1992: 61

2 PIMENTA, 2001:100

3 BOTELHO, 1994:30

4 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p.122. citado por BOTELHO, 1994: 31

5 BOTELHO, 1994:74

6 COELHO, 1993: 195

7 COELHO, 1993: 195.

8 MELLO, 1999: 59.

9 COELHO, 1993: 195.

10 BALEEIRO, 1999:104

11 ATALIBA, 1998:169

12 MELLO, 2002: 107

13 MELLO, 1999:76

14 RODRIGUES, 2000:115-116

15 MELLO, 2002:115

16 NICOLAU, 2001: 2.

17 MELLO, 2002:109

18 PIMENTA, 2001:101

19 BALEEIRO, 1999:59

20 Tema abordado no tópico 5.1 deste trabalho, em detalhes.

21 COELHO, 1999: 224 -225

22 COELHO, 1999: 223

23 CARRAZA, 1995:177

24 BALEEIRO, 1999: 57

25 REGO, 2001: 59



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Luciana Furtado de. Medidas provisórias e matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 550, 8 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6164. Acesso em: 28 mar. 2024.