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A natureza jurídica da contribuição de iluminação pública

A natureza jurídica da contribuição de iluminação pública

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A espécie de tributo denominada contribuição se reveste de duas características que lhe são peculiares: a vinculação da receita advinda da sua arrecadação e a finalidade perseguida pela administração pública.

RESUMO: Este trabalho analisa o tratamento legislativo e jurisprudencial que é dado à contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, tendo como objetivo verificar a natureza jurídica dessa contribuição.

PALAVRAS-CHAVE: Iluminação pública. Contribuição. Tributo. Natureza jurídica.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO. 1 ILUMINAÇÃO PÚBLICA: O CENÁRIO LEGISLATIVO E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ATÉ O ANO DE 2002 E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 39. 1.1 A taxa de iluminação pública.1.2 A emenda constitucional nº 39, de 2002.1.2.1 Inconstitucionalidade da Emenda. 1.2.2 Violação ao princípio da isonomia tributária.1.2.3 Violação ao princípio da razoabilidade. 2 A NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. 2.1 Breve abordagem acerca das contribuições especiais. 2.2 COSIP versus taxa de serviço. 2.3 O fato gerador da COSIP. 2.4 O sujeito passivo da COSIP. 2.5 A base de cálculo da COSIP. 2.6 A alíquota da COSIP. 2.7 A que espécie tributária pertence a Contribuição de Iluminação Pública? CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.    


INTRODUÇÃO

A qualidade de vida nos centros urbanos depende, dentre outros fatores, de uma adequada iluminação de espaços públicos (ruas, avenidas, praças, monumentos etc). A iluminação pública reveste-se de essencialidade para o cotidiano das pessoas. Está relacionada diretamente à qualidade de vida das pessoas, à segurança pública, ao exercício de atividade econômica, ademais de outros aspectos que possam ser considerados.    

É a iluminação pública que possibilita, no horário noturno, o exercício das atividades elencadas a seguir, dentre outras: lazer e esporte; circulação com segurança pelas ruas, avenidas e praças, sobretudo pelos pedestres; visibilidade para o trânsito de veículos; exercício de atividades econômicas diversas em praças, na frente de escolas e monumentos públicos, por exemplo; acesso ao trabalho, aos centros de ensino, a oportunidades de emprego etc.

Do exposto, infere-se que a iluminação pública tem uma salutar importância para o dia a dia das cidades. Todavia, a guisa de ponto de partida no presente trabalho é a definição de iluminação pública. Tecnicamente falando, iluminação pública é o serviço público que tem por objetivo exclusivo prover de claridade os logradouros públicos, de forma periódica, contínua ou eventual, podendo citar-se como logradouros públicos: praças, jardins, avenidas, ruas, túneis, passarelas, abrigos de usuários de transportes coletivos, entre outros.    

Há que se registrar que esse serviço acarreta despesas para o Poder Público, que precisa de uma fonte para o respectivo custeio. Em princípio, a iluminação pública era cobrada mediante taxa, mas como essa cobrança era constitucionalmente incongruente, surgiu a contribuição para o custeio da iluminação pública, objeto do presente trabalho.

Nos últimos dias do ano de 2002 o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 39, que introduziu o artigo 149-A na Constituição Federal. Este dispositivo atribuiu competência aos Municípios e ao Distrito Federal para instituir um tributo nominado de contribuição, cuja receita vincula-se ao custeio do serviço da iluminação pública. No caput do artigo 149-A ficou consignado que a forma desse novo gravame seria a estabelecida nas respectivas leis que o instituísse.

O legislador constituinte derivado não traçou os caracteres mínimos do novel tributo. Limitou-se apenas a informar a finalidade da denominada contribuição. A denominação do gravame constituiu novidade, mas o serviço ao qual sua receita destinava-se a custear já era um velho conhecido dos contribuintes: iluminação pública.

Anteriormente à introdução da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, este era remunerado mediante taxa, conforme já referido. Entretanto, diante do elevado número de ações que bateram às portas do Supremo Tribunal Federal - STF, questionando a constitucionalidade da cobrança da chamada taxa de iluminação pública, o Pretório Excelso concluiu pela vedação da remuneração do serviço de iluminação pública por meio de taxa.

Esta decisão do Supremo acarretou a perda de receita dos milhares de municípios brasileiros que cobravam a abolida taxa. Foi neste contexto que, atendendo às pressões dos prefeitos, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 39/2002. Contudo, a nova exação, chamada de contribuição, não encerrou as discussões, cogitando-se até mesmo questionar a constitucionalidade da Emenda 39.

Mas por que tanta controvérsia? Teria o legislador mudado apenas a denominação da cobrança? A cobrança antes chamada taxa, agora é uma contribuição? 

O Código Tributário Nacional disciplina que a natureza jurídica do tributo é determinada pelo seu fato gerador, sendo irrelevante a denominação dada pela Lei. Então, afinal, qual é a natureza jurídica da contribuição de iluminação pública?

É este o centro da discussão abordada no capítulo 2 do presente trabalho, que ao final, pretendemos responder, fazendo a classificação da contribuição em tela.

O novo tributo, só por causa da denominação adotada, é mesmo uma contribuição, embora não se destine a um grupo ou categoria de pessoas beneficiadas? Ou seria apenas um imposto “travestido” de contribuição? Ou seria uma taxa, já que a sua receita é vinculada? Qual o seu sujeito passivo? Estes e outros pontos serão detalhados ao longo deste trabalho, apresentando a posição da mais renomada e variada doutrina nacional da seara tributária e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema.     

A Emenda Constitucional nº 39, de 2002, é um marco no tratamento constitucional da tributação da iluminação pública. Por essa razão, para efeito de divisão didática, aborda-se inicialmente o cenário legislativo e a jurisprudência da Suprema Corte referente à tributação da iluminação pública antes do advento da aludida Emenda. Em seguida (capítulo 2), é enfrentada a questão da definição da natureza jurídica da COSIP, procedendo-se a sua classificação no rol das espécies tributárias. Neste contexto é apresentada a discussão doutrinária e a atual posição do STF a respeito do tema.

A tributação da prestação do serviço de iluminação pública acarreta controvérsias de ordem prática e normativa. Estas controvérsias advêm da própria natureza e características de tal serviço, como será adiante explicado. 


1 ILUMINAÇÃO PÚBLICA: O CENÁRIO LEGISLATIVO E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ATÉ O ANO DE 2002 E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 39

O tema da iluminação pública já bate às portas do Supremo Tribunal Federal há décadas, antes mesmo da vigência da nossa Constituição Federal de 1988. Em 1983, ainda sob a vigência da Carta Política de 1969 (Emenda Constitucional nº 1/69), a nossa Suprema Corte já julgava Recurso Extraordinário cujo objeto era Lei municipal que instituía a cobrança da taxa de iluminação pública, entre outras taxas (STF, Pleno. RE nº 100.729-SC, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 18.11.1983).  

Antes da Constituição Federal de 1988 ou até mesmo na vigência desta, até os últimos dias do ano de 2002, o cenário legislativo para a tributação da iluminação pública era vazio no âmbito de previsão constitucional, pois só com a Emenda Constitucional nº 39/2002 viria a ser inserida na nossa Lei Fundamental a autorização para os municípios legislarem a respeito da tributação do serviço de iluminação pública, instituindo a respectiva cobrança mediante contribuição. Assim, neste contexto anterior a referida EC, as leis que instituíam a tributação do serviço em comento eram de iniciativa de cada município, que não observando a boa técnica legislativa no que diz respeito aos parâmetros constitucionais, ao Código Tributário Nacional e aos conceitos do Direito Tributário, criaram a taxa de iluminação pública como sendo a remuneração da prestação deste serviço.

1.1 A taxa de iluminação pública

Como ficou nítido no parágrafo acima, não há como contar a história da tributação da iluminação pública sem falar do tributo denominado taxa.

A taxa foi introduzida no nosso ordenamento constitucional por meio da Emenda Constitucional nº 18, de 1965, portanto ainda sob a égide da Constituição de 1946. A referida Emenda Constitucional inseriu o artigo 18 na Constituição Federal então vigente, estabelecendo a cobrança da “taxa em função do exercício regular do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (EC nº 18, de 1965, acesso em 02 fev. 2017, disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc18-65).

A Constituição Federal de 1967, modificada pela Emenda Constitucional nº 1/69, manteve o conceito de taxa que fora estabelecido pela EC 18, de 1965. E a Constituição da República de 1988 trouxe a definição de taxa no seu artigo 145, inciso II, seguindo o mesmo pensamento dos dispositivos constitucionais anteriores, apenas suprimindo uma palavra:    

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Destarte, a taxa é de duas categorias: taxa de polícia e taxa de serviço. Para o escopo do presente trabalho interessa-nos a taxa de serviço.

A taxa de serviço é cobrada quando o contribuinte utiliza, efetiva ou potencialmente, serviço público específico e divisível, prestado ou posto a sua disposição. Ocorre que o serviço de iluminação pública não é específico nem divisível. É destas duas características (especificidade e divisibilidade), ausentes no serviço sob estudo, que decorre toda a problemática sobre a qual o Pretório Excelso foi chamado inúmeras vezes a julgar, como será demonstrado a seguir.

Para fazer frente às despesas com a iluminação de logradouros públicos (ruas, avenidas, praças etc), os Municípios passaram a instituir a cobrança de uma taxa cujo produto da sua arrecadação destinava-se a custear tais despesas. Deste panorama surgiu e ficou conhecida a Taxa de Iluminação Pública - TIP. Entretanto, havia um problema de ordem jurídica nesta tributação.

Dada a natureza do serviço de iluminação pública não é possível identificar o usuário do serviço, assim como não é possível especificar o quantum do serviço é usufruído pelo contribuinte. Diante desta constatação as leis instituidoras da TIP começaram a ser impugnadas pelos contribuintes ou pelo Ministério Público em diversos municípios de todo o País, questionando a constitucionalidade dessa exação.

Passemos então a analisar este cenário legislativo, tomando como exemplo algumas leis municipais, dentre inúmeras em todo o Brasil que foram atacadas por Ação Direta de Inconstitucionalidade, mandado de segurança etc.

Em 1983, o Código Tributário Municipal (Lei nº 1.261/80) de São Miguel do Oeste, do Estado de Santa Catarina, foi objeto de mandado de segurança por parte de contribuintes daquela municipalidade, sustentando os autores da medida a inconstitucionalidade dos artigos 59, 64, 69 e 74, § 2º da referida Lei. Os citados artigos da Lei municipal em comento instituíram a cobrança das taxas de, respectivamente, coleta de lixo, limpeza pública, conservação de calçamento e iluminação pública. Os contribuintes irresignados alegaram que a base de cálculo adotada é a mesma do IPTU, o que estaria ferindo o artigo 77 do Código Tributário Nacional e o § 2º do artigo 18 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. A título elucidativo transcreve-se abaixo o artigo 74, § 2º, da Lei municipal nº 1.261/1980:

Art. 74) A Taxa tem como finalidade o custeio do serviço utilizado  pelo contribuinte ou posto a sua disposição e será calculada de conformidade com o convênio entre o Município e a empresa fornecedora de energia elétrica, retificado pela Lei nº 1076, de 09 de novembro de 1.977.

§ 2º) Para os imóveis referidos no parágrafo anterior, a taxa será calculada para todos os imóveis, a rasão de 1,5% da Unidade de Referência definida nas Disposições Finais deste Código, por metro linear de testada. (grifo nosso)

Concedida a segurança pelo Tribunal de Justiça, o Município de São Miguel do Oeste recorreu ao Supremo Tribunal Federal, por meio do RE nº 100.729-0-SC, de relatoria do Min. Francisco Rezek. A Corte confirmou o acórdão do Tribunal estadual, declarando a inconstitucionalidade dos artigos da Lei municipal que disciplinavam a cobrança das taxas de coleta de lixo, de limpeza pública, de conservação de calçamento e de iluminação pública. Nas palavras do eminente Relator:

Verifica-se que tanto para o cálculo das taxas quanto para o cálculo do IPTU, foi levada em consideração o imóvel urbano, calculados os tributos em função de sua área, e tomado como parâmetro de medida o metro. O Código Tributário Nacional, no seu artigo 77, determina que “a taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondem a imposto”, e para que este dispositivo legal tenha aplicação não é essencial que as bases de cálculo sejam exatamente idênticas, mas que o critério adotado para a taxa se confunda com o critério já adotado para o imposto.

E assim ficou a ementa do julgado:

EMENTA: Tributação Municipal. Taxas de coleta de lixo, limpeza pública, conservação de calçamento e iluminação pública. Base de cálculo identificável à que corresponde a certo imposto. Inconstitucionalidade declarada na origem.

Recurso Extraordinário não conhecido, por não caracterizada a afronta ao art. 77 do CTN, nem tampouco o dissídio na jurisprudência. (STF, Segunda Turma. RE 100.729-0-SC, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 18.11.1983, DJ 16.12.1983).

Outro julgado bastante ilustrativo e relevante para este ponto do presente trabalho foi o do Recurso Extraordinário nº 231.764-6-RJ, cujo Relator foi o Ministro Ilmar Galvão. Uma contribuinte ingressou com medida judicial em face dos artigos 176 e 179 da Lei nº 480/1983 (Código Tributário do Município de Niterói/RJ), com redação dada pela Lei nº 1.244, de 1993, abaixo reproduzidos:

Art. 176. A Taxa de Iluminação Pública tem como fato gerador a prestação de serviços de iluminação de vias e logradouros públicos situados no Município.

Art. 179. A Taxa de Iluminação Pública será devida mensalmente, levando-se em conta o custo dos serviços, e tendo como base a Tarifa Básica de Energia Elétrica para Iluminação Pública homologada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, nos termos da Lei Federal nº 8.631, de 04.03.93, e de acordo com as seguintes alíquotas:

a) imóveis residenciais: 4,5% (quatro e meio porcento);

b) imóveis não-residenciais: 10% (dez porcento).

§ 1º Estão isentos da Taxa de Iluminação Pública os imóveis residenciais cujo consumo mensal de energia elétrica não ultrapasse 100kwh (cem quilowattes hora).

§ 2º As unidades imobiliárias não construídas pagarão a Taxa de Iluminação Pública à base de 2,5 (duas e meia) UFINIT's/ano.

A munícipe, autora da ação de repetição de indébito, foi exonerada, pelo Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro, do pagamento da taxa de iluminação pública. O Município de Niterói recorreu à Corte Suprema, por meio do Recurso Extraordinário que estamos comentando.

O Supremo declarou a inconstitucionalidade dos artigos acima transcritos, visto que a iluminação pública é um serviço geral, prestado uti universi, não se revestindo dos requisitos da especificidade e divisibilidade, como disciplina a Constituição Federal e o CTN. Nas palavras do Min. Carlos Velloso, no seu voto:

O que é preciso perquirir é se o serviço de iluminação pública é um serviço prestado uti universi, um serviço geral, ou um serviço prestado uti singuli, ou específico. Ou, noutras palavras, se o serviço é destinado a determinados usuários e não prestado com caráter geral, ou para coletividade toda, dado que, se se tratar de um serviço geral, destinado à coletividade toda, deve ser remunerado pelo imposto. E mais: é preciso verificar se o serviço é divisível, vale dizer, de utilização individual e mensurável. A resposta a essas indagações não é outra: o serviço de iluminação pública é um serviço destinado à coletividade toda, não é um serviço que pode ser divido em unidades autônomas para cada contribuinte. É, na verdade, um serviço prestado uti universi e não uti singuli.      

Extremamente didática a explicação do eminente Ministro. E assim ficou a Ementa do julgamento do RE em destaque:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ART. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO DADA PELA 1.244, DE 20.12.93.

Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível, e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais.

Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxa no município. (STF, Pleno. RE 231.764-6-RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 10.03.1999, DJ 21.05.1999)     

Na mesma linha de fundamentação foram todas as decisões do Pretório Excelso acerca da taxa de iluminação pública, declarando inconstitucionais Leis ou artigos de Leis que instituíram a cobrança pela prestação do referido serviço mediante taxa.

A Suprema Corte condenou a remuneração do serviço de iluminação pública por meio de taxa, expurgando com veemência a chamada TIP. Foram tantos os julgados sobre o tema que o STF decidiu até por sumular a matéria: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa” (Súmula nº 670, que inclusive seria convertida em Súmula Vinculante, no ano de 2015).   

1.2 A emenda constitucional nº 39, de 2002

Exposto acima o cenário legislativo e a posição do Supremo Tribunal Federal acerca da cobrança da taxa de iluminação pública até o ano 2002, cumpre-nos apresentar adiante a “mudança” ocorrida neste cenário a partir da Emenda Constitucional nº 39, do referido ano. Destacamos a palavra mudança porque, conforme será discutido nos tópicos seguintes, o legislador constituinte derivado teria apenas alterado o nome do tributo, agora lhe dando uma roupagem constitucional, mas o conteúdo permaneceu o mesmo.   

1.2.1 Inconstitucionalidade da Emenda

A constitucionalidade da Emenda 39, de 2002, enseja grande debate doutrinário. Como será demonstrado a seguir é quase unânime o entendimento de que é inconstitucional a Emenda nº 39/2002. Alguns estudiosos entendem pela inconstitucionalidade formal da EC, enquanto a maioria mesmo compartilha do entendimento que a Emenda em questão é inconstitucional pelo tratamento jurídico que dispensou ao seu objeto material.    

 Eduardo Sabbag (2012, p. 542) assevera que a tramitação da Emenda Constitucional 39/2002 violou o processo legislativo, pois não foi votada com a observância do interstício mínimo disciplinado pelos Regimentos Internos das duas casas legislativas. Explica que os dois turnos de votação “foram realizados cumulativa e açodadamente, no mesmo dia, para que se evitassem os efeitos retardadores da aplicação do princípio da anterioridade tributária”. E de fato é mesmo notável, até pela data de aprovação da Emenda, que é de 19 de dezembro de 2002, tendo sido publicada no dia seguinte.

Também comentando a respeito da constitucionalidade da EC 39, Ives Gandra Martins (2008, p. 231-232) arrematou:

A Emenda Constitucional n. 39/2002, promulgada no dia 19 de dezembro de 2002, coroou, em nível de má redação, a série de casuísticas emendas vindas à luz, nos últimos tempos do governo Fernando Henrique, para tornar a lei suprema brasileira em um dos mais brilhantes exemplos de dessistematização e de desfiguração de institutos jurídicos e normas, que se conhece, na atualidade. (...) A referida emenda é admirável por confundir princípios, normas, regras e institutos, gerando insuperáveis perplexidades aos intérpretes que procurem compatibilizá-la com o sistema tributário plasmado na Constituição.   

Hugo de Brito Machado (MACHADO, Hugo de Brito. A Contribuição de Iluminação Pública – CIP. 2003. Disponível em <http://www.hugomachado.adv.br>, acesso em 18 nov. 2016), também é defensor da inconstitucionalidade da Emenda de que se cuida. Neste contexto, escreveu no artigo acima referenciado: 

Tudo isto faz parte de um lamentável desmonte da Constituição Federal de 1988. Que é mais lamentável porque tem buscado o aumento das receitas públicas por vias oblíquas, mediante a distorção de conceitos, que conduz à degradação do próprio Direito como instrumento adequado para a regulação de condutas.

Por sua vez Roque Antonio Carrazza (2010, p. 663), perquirindo acerca da materialidade para a incidência da COSIP, ensina: 

Nesta última hipótese, a Emenda Constitucional 39/2002 “outorgou” aos Municípios e ao Distrito Federal a esdrúxula competência para criar e arrecadar um adicional de um imposto federal (o ITR), com destinação específica: o custeio do serviço de iluminação pública. Pedimos escusas para, monotonamente, insistir que nada disso passa pelo teste da constitucionalidade. (grifo nosso) 

Entretanto, o fato é que o Supremo Tribunal Federal, mesmo depois de ter julgado inúmeras ações que versaram a respeito da COSIP, contribuição esta que foi incluída na nossa Constituição pela Emenda nº 39/2002, até hoje não disse se esta é constitucional ou não.   

1.2.2 Violação ao princípio da isonomia tributária

A Emenda Constitucional nº 39, de 2002, que incluiu na nossa Carta Magna o tributo objeto do presente estudo, inseriu o novo dispositivo constitucional (art. 149-A) justamente vizinho ao artigo 150 da Constituição Federal. Este último apresenta as limitações (vedações, nos termos do seu caput) ao poder de tributar, “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte”. Essas vedações devem ser obedecidas pela União, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Do rol de incisos do referido artigo 150 extraem-se uma série de princípios de natureza tributária, dentre eles o da isonomia tributária, presente no inciso II, transcrito a seguir:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Ocorre que o artigo 149-A da Constituição da República, incluído no ano de 2002 pela Emenda Constitucional 39, determina, no seu caput, que sejam observados os incisos I e III do já referenciado artigo 150, não contemplando o inciso II. Leiamos o dispositivo que hospeda o tema objeto do presente trabalho:

Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

Destarte, o legislador constituinte derivado ao atribuir aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para instituírem a COSIP não estabeleceu a obrigação de ser observado o princípio da igualdade tributária, determinando que fossem obedecidos apenas os princípios da legalidade tributária, da irretroatividade e da anterioridade. 

Neste contexto, inúmeras ações direta de inconstitucionalidade (ADI), por todo o País, foram propostas em face de Leis municipais que instituíram a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, sob o fundamento de que tais Leis violavam o princípio consagrado no inciso II do artigo 150 da Lei Maior, qual seja, o da igualdade tributária.

Contudo, essas ações não foram exitosas, conforme se depreende da leitura de algumas Ementas reproduzidas a seguir, dentre tantos julgados que versaram sobre esse mesmo tema (violação ao princípio da isonomia tributária), visto que, conforme reiteradamente decidiram os Tribunais, se a Constituição Federal não mandou observar o princípio da isonomia tributária, então não seria inconstitucional Lei municipal que não observava tal princípio.

Destacamos, dentre as Ementas a seguir, o item I da Ementa do Recurso Extraordinário nº 573.675-SC, ao qual nos reportaremos em outros tópicos deste trabalho, devido tal julgamento ser histórico para o tema, embora discordamos, neste ponto I especificamente, da decisão do Pretório Excelso.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

I - Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. (grifo nosso)

[...]

(STF, Pleno, RE 573.675-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25.03.2009, DJe 22.05.2009.)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI QUE INSTITUI A CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAPINZAL - NÃO CABIMENTO PERANTE ESTA CORTE, POR SE TRATAR DE CONTROLE CONCENTRADO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA PREVISTOS NOS ARTS. 4º E 128, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - INOCORRÊNCIA - ART. 149-A DA CF QUE MENCIONA SOMENTE A OBSERVÂNCIA AOS INCISOS I E III DO ART. 150 DA CARTA MAGNA, EXCLUINDO O INCISO II QUE PREVÊ O PRINCÍPIO DA ISONOMIA - CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. (TJSC, Pleno, ADI 2004.012843-6. Relator Des. Irineu João da Silva, julgado em 15-06-2005).

I Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 3º da Lei 14.125, de 29.12.2005, do Município de São Paulo. Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública COSIP. Dispositivo legal que isenta da COSIP contribuintes residentes ou instalados em vias ou logradouros que não possuam iluminação pública. Constitucionalidade.

[...]

III Não há afronta aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva em relação à COSIP. Questão já enfrentada pelo c. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 573.675 decidiu que sendo a iluminação pública um serviço público uti universi, ou seja, de caráter geral e indivisível, prestado a todos os cidadãos, indistintamente, não se afigura possível, sob o aspecto material, incluir todos os seus beneficiários no polo passivo da obrigação tributária.

[...]

(TJSP, Órgão Especial, ADI 2099455-16.2014.8.26.0000. Relator Des. Guerrieri Rezende, julgado em 22-10-2014).

Entretanto, no âmbito da Doutrina tributária, é majoritário o entendimento de que o princípio em tela deve ser também obedecido quando se trata da instituição da COSIP. Para o Professor Roque Antonio Carrazza (2010, p. 661):

De fato, a menção ao art. 150, I e III, da Lei Maior é meramente exemplificativa. Está longe de significar que a contribuição “para o custeio do serviço de iluminação pública” pode passar ao largo dos demais princípios constitucionais, compatíveis com este tributo. Assim, a nosso ver, a exação deve observar o disposto no art. 146 da Carta Suprema, as demais limitações ao poder de tributar arroladas em seu art. 150 (igualdade, não-confiscatoriedade, imunidades etc.), o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF), o princípio da rigidez e da reserva das competências tributárias, a assim avante.

Na mesma linha de pensamento assevera Eduardo Sabbag (2012, p. 542-543):

Estranhamente, o texto constitucional atrela a COSIP apenas a três princípios constitucionais tributários – legalidade, irretroatividade e anterioridade – o que parece denotar uma imprópria postura reducionista, haja vista a inafastável conexão dos tributos a todos os princípios constitucionais tributários, como inexoráveis limitações ao poder de tributar (arts. 150 a 152, CF), ressalvados os casos discriminados no texto constitucional, como possíveis ressalvas.

Destarte, infere-se que a melhor lição e a mais acertada decisão é a que aplica à COSIP o princípio da igualdade tributária, mesmo que o artigo 149-A da Constituição da República não o tenha feito.

1.2.3 Violação ao princípio da razoabilidade

A Emenda Constitucional 39/2002, ao inserir na nossa Lei Fundamental o artigo 149-A, que autoriza os municípios instituírem a contribuição de iluminação pública, foi silente em relação aos aspectos mínimos de um tributo, quais sejam, o seu fato gerador, o sujeito passivo e a sua base de cálculo. Como não o fez nem mencionou que Lei Complementar o fizesse, deixou o espaço para que o legislador municipal tratasse desses caracteres do novel tributo, surgindo, desta feita, por todo o Brasil, inúmeras leis que atropelam princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, a exemplo do princípio da razoabilidade, da capacidade contributiva, da isonomia, este já tratado no tópico anterior.      

As leis instituidoras da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública trazem sempre um dispositivo definindo a sua base de cálculo e nota-se que esta é, na grande maioria das vezes, o consumo de energia elétrica da residência do contribuinte. E ainda, a alíquota a ser aplicada é definida pelos níveis individuais de consumo ou pela Classe do consumidor. Parece bastante desarrazoado o critério definidor do valor a pagar a título de COSIP.

A iluminação pública é um serviço indivisível e como tal não é tarefa fácil identificar o seu usuário. O que ocorre muitas vezes é que, na cobrança da contribuição em estudo, o contribuinte pagará um valor totalmente destoante do razoável, porque a base de cálculo utilizada não representa a realidade. Muitas vezes a residência do contribuinte pode ter consumido um valor elevado de energia elétrica, porém, esse mesmo contribuinte pode nem ter usufruído da iluminação pública.  

O Desembargador Newton Trisotto, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, fundamentando o seu voto na ADI 2003.010671-5 (TJSC, julgado em 20-12-2006, Rel. Des. Alcides Aguiar), após expor a doutrina de Luís Roberto Barroso e do Min. Celso de Mello acerca do princípio da razoabilidade, indaga: “aquele que mais consome energia elétrica é quem mais utiliza o serviço de iluminação pública?” E responde: “a resposta, que só pode ser negativa, revela que as leis instituidoras da COSIP violam flagrantemente o princípio da razoabilidade”.

O princípio da razoabilidade, assumindo o papel de parâmetro na avaliação da constitucionalidade dos atos do Poder Público, objetivando a proteção dos administrados de eventuais abusos ou desvios praticados pelo Estado, é costumeiramente invocado nas lides que envolvem temas tributários. O Min. Celso de Mello, no julgamento da ADI-MC-QO nº 2.551/MG, assim se referiu ao princípio da razoabilidade em matéria tributária: 

O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. 

[...]

A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. (STF, Pleno. ADI 2.551 MC-QO/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 02.04.2003, DJ 20.04.2006) 

O fato é que tributar a iluminação pública, sem incorrer em injustiças e sem violar princípios constitucionais, não é tarefa fácil, dada a natureza deste serviço e também porque a EC 39/2002 não definiu caracteres mínimos da nova exação que inseriu no nosso ordenamento. 


2 A NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA

No universo jurídico é bastante frequente a discussão a respeito da natureza jurídica de um instituto, de um conceito, de uma norma, enfim, de algo que é relevante para o Direito. Definir a natureza jurídica de algo implica dizer o que este significa para o Direito, classificando-o num rol ou num patamar anteriormente conceituado e caracterizado pela norma, pela Doutrina ou pela Jurisprudência. 

Quando se especifica a natureza jurídica de um determinado tema estar-se-á afirmando que aquele ente jurídico em discussão possui um conjunto de características que são comuns a outros que pertencem à mesma categoria jurídica, coadunando-se com o conceito anteriormente estabelecido pela norma, Doutrina ou Jurisprudência.

Entretanto, qual a utilidade prática que resulta da definição exata da natureza jurídica de um determinado objeto de estudo? Para responder esta indagação desenvolve-se o seguinte raciocínio: dependendo da seara jurídica na qual se está discutindo um instituto, a natureza jurídica dele assume uma ou outra importância, maior ou menor. Trazendo para nossa disciplina – Direito Tributário – é de extrema relevância identificar, por exemplo, se o tributo é imposto, taxa ou contribuição especial, pois definida a espécie tributária é possível saber os regramentos aos quais se submete o gravame em questão. Conhecendo a sua natureza jurídica pode-se saber qual o seu veículo normativo, a vinculação ou não da sua receita, o seu fato gerador, entre outros.

Inclusive é imprescindível saber se o objeto posto em indagação tem natureza tributária ou se está disciplinado em outro ramo jurídico. A título de exemplo, por óbvio que da disciplina tributária: a contribuição sindical e a contribuição confederativa. Sabendo que a primeira tem natureza jurídica tributária (é contribuição especial, pertencendo à subespécie profissional ou corporativa) o operador do Direito tem a informação de que ela é devida por todos os trabalhadores, é compulsória, deriva de lei, respeita princípios tributários etc.

Já em relação à contribuição confederativa, muito se discutiu se a sua natureza era tributária ou não. Instado a manifestar-se, o STF ratificou que a contribuição confederativa não é tributo. Desta conclusão a respeito da sua natureza jurídica, sabe o operador que ela é uma contribuição voluntária, que só pode ser cobrada dos trabalhadores sindicalizados, que deriva de contrato, que corrobora o princípio da liberdade de associação etc.

Neste raciocínio e por meio do exemplo apresentado, tentou-se demonstrar a importância que reside na definição da natureza jurídica de um determinado objeto de estudo.

No que concerne ao objeto de estudo do presente trabalho - a Contribuição de Iluminação Pública - identificar a sua natureza jurídica já gerou muitas divergências entre os doutrinadores tributaristas. Embora na própria denominação formal do tributo revele-se um indicativo da sua espécie tributária, não são relevantes as formalidades atribuídas pela Lei, conforme é taxativo o Código Tributário Nacional – CTN.

O Supremo Tribunal Federal já foi chamado, em várias oportunidades, a julgar ações cuja matéria era a iluminação pública, fosse o objeto da controvérsia a extinta taxa ou fosse a atual contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Na decisão proferida em 2009 pelo STF, no já referido Recurso Extraordinário nº 573.675-SC, a Corte Suprema manifestou-se acerca da natureza jurídica da Contribuição de Iluminação Pública - COSIP, o que será apresentado mais adiante.

Todavia, não é possível classificar o nosso objeto de estudo, sem tratar, pelo menos em síntese, dos outros institutos que estão relacionados a ele, visto que só conhecendo as especificidades dos demais tributos, pode-se tentar fazer, com correção, a pretendida definição da natureza jurídica da COSIP.  

2.1 Breve abordagem acerca das contribuições especiais 

A Constituição Federal de 1988 introduziu no nosso ordenamento tributário 5 (cinco) espécies de tributos. A topografia dos dispositivos constitucionais que preveem os tributos existentes no nosso ordenamento revela a ordem cronológica de como eles foram aparecendo nas nossas Constituições.  No artigo 145 estão previstos os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. No artigo 148 está disciplinado o empréstimo compulsório e no artigo 149, abaixo transcrito, consta a previsão da instituição das contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Essas contribuições do artigo reproduzido acima, a Doutrina convencionou chamar de contribuições especiais ou parafiscais, estando esta última expressão já em desuso pela maior parte dos doutrinadores. As contribuições sociais são de três tipos (subespécies), segundo a nomenclatura empregada pelo STF: contribuições para a seguridade social, contribuições sociais gerais e outras contribuições sociais. As de intervenção no domínio econômico são denominadas CIDE. A terceira subespécie é conhecida como contribuição corporativa, ou seja, aquela que atende a interesse das categorias profissionais ou econômicas.

O traço marcante das contribuições especiais é a finalidade a ser atingida pelo produto da sua arrecadação. Essa finalidade traduz-se na consecução de benefícios para algumas pessoas ou grupos específicos de pessoas. O interesse objetivado com as contribuições especiais é público, mas visa beneficiar determinadas categorias de pessoas, em razão destas integrarem certos grupos profissionais ou econômicos.

Para qualificar uma contribuição especial não é suficiente a referência ao seu fato gerador, sendo mais relevante identificar a atuação estatal que propicia um especial benefício a uma pessoa ou grupo de pessoas.

Nesta linha, Eduardo Sabbag (2012, p. 498), reproduz na sua obra o ensinamento de Hamilton Dias de Souza, para o qual, em se tratando de contribuições, a obrigação tributária só nasce com a ocorrência concomitante do benefício ao contribuinte e do fato descrito na lei.   

Do exposto, já se pode indagar se a contribuição de iluminação pública beneficia grupos específicos de pessoas, sendo a resposta um importante elemento a contribuir na classificação da exação em comento. A resposta será apresentada mais a frente, pela exposição doutrinária.        

2.2 COSIP versus taxa de serviço

Não há como discorrer a respeito da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública e não tratar do tributo taxa, mais especificamente da taxa de serviço. É indissociável a análise do novo gravame, inserido no nosso ordenamento constitucional pela Emenda 39, de 2002, e o estudo do tributo taxa, não só pelas peculiaridades que envolvem essas duas espécies tributárias, mas também por conta de todo um histórico normativo e jurisprudencial que relaciona as referidas exações.

A partir dos anos 1980 muitos Municípios brasileiros, na sede arrecadatória e sob o argumento de que não tinham como arcar com os custos da iluminação dos logradouros públicos com as receitas dos impostos gerais, passaram a criar leis instituindo uma taxa para custear o comentado serviço, que ficou conhecida como Taxa de Iluminação Pública.

Todavia, ficou inviável para os municípios cobrarem, por meio de taxa, o custo da prestação do serviço de iluminação pública, visto que o Supremo Tribunal Federal, instado a manifestar-se sobre a constitucionalidade dessa exação, expurgou com veemência as denominadas taxas de iluminação pública do sistema tributário.  Mas o que motivou tal postura da Suprema Corte, com isso acarretando a perda, pelos Municípios, dessa fonte de receita?

Os serviços que são remunerados mediante taxa revestem-se de duas características particulares que não estão presentes no serviço de iluminação pública, a saber: a especificidade e a divisibilidade. Vejamos como dispõe o artigo 145 e seu inciso II da Constituição Federal: 

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Portanto, para a exigibilidade do gravame taxa, o serviço prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição deve ser específico e divisível. Trata-se, pois, de serviço prestado uti singuli, que são serviços referidos a pessoas determinadas ou determináveis e que podem ser decompostos (quantificados) em unidades autônomas, utilizadas ou usufruídas separadamente pelo usuário do serviço.

Para melhor detalhamento desses conceitos, reproduzimos a seguir a Ementa do Recurso Extraordinário nº 233.332/RJ, ao longo do qual se encontra uma rica e densa fundamentação, citando os ensinamentos de renomados doutrinadores e grandes juristas da seara tributária. Referido RE, de relatoria do Min. Ilmar Galvão, julgado em 1999, declarou inconstitucionais os dispositivos (arts. 176 e 179) da Lei nº 480/83 do Município de Niterói, que tratavam da cobrança da taxa de iluminação pública. Embora tal julgado e a Lei em questão sejam anteriores a Emenda Constitucional 39/2002, merece a nossa referência e análise de algumas de suas passagens, por sua riqueza doutrinária e jurisprudencial na fundamentação do voto do eminente Ministro Carlos Velloso.    

TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 1.244, DE 20.12.93.

Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais.

Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxa no município.

No seu voto o Ministro Carlos Velloso recorre ao Código Tributário Nacional (CTN), o que também faremos, para conceituar serviço específico e serviço divisível. Revestida de um didatismo plausível, a Lei 5.172/66 (CTN) definiu no seu art. 79, incisos II e III, respectivamente: “específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas; divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários”.

O Ministro Velloso, citando a doutrina de Roque Antonio Carrazza, deixou assim consignado na fundamentação do seu voto no RE referenciado acima:

Os serviços públicos, segundo a lição de Roque Carrazza, “se dividem em gerais e específicos”. Os serviços públicos gerais, ditos também universais, são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou pelo menos, indeterminável) de pessoas. É o caso do serviço de iluminação pública, de segurança pública, de diplomacia, de defesa externa do País, etc”. (...) Os serviços públicos específicos, segundo o mesmo autor, “também chamados singulares, são os prestados uti singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou pelo menos determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de água potável, de gás, de energia elétrica, etc. Estes, sim, podem ser custeados por meio de taxas de serviço ”.

Pois bem, feitas as considerações acima a respeito das taxas de serviço, passemos a discorrer especificamente sobre o objeto do presente trabalho: a contribuição de iluminação pública (CIP ou COSIP).

Considerando o que já foi exposto a respeito de serviços gerais e específicos, concluímos que a iluminação pública pertence à primeira categoria. Sendo um serviço geral, não pode ser remunerado mediante taxa, tendo inclusive o Supremo Tribunal Federal, recentemente (em 11/03/2015), aprovado a Súmula Vinculante nº 41, por conversão da Súmula 670. Assim dispõe a Súmula Vinculante: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”.

Mas agora impende perquirir acerca dos elementos particulares que caracterizam um tributo e que, em se tratando de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública – COSIP, os elementos que provocam as grandes discussões e controvérsias são: o fato gerador, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota.

Para a exposição dos conceitos abaixo faremos um estudo paralelo com a Lei municipal nº 2722, de 30 de dezembro de 2002, de Juazeiro do Norte, que instituiu a CIP no referido Município. Registre-se que essa Lei foi alterada pela Lei municipal 2776, de 10 de dezembro de 2003 e pela Lei 2980/2005. 

2.3 O fato gerador da COSIP

O fato gerador da exação em estudo é a prestação do serviço de iluminação pública, ou seja, a iluminação de vias e logradouros públicos (ruas, avenidas, praças, parques e outros bens de uso comum). Infere-se que a COSIP é um tributo finalístico, sinalagmático, contraprestacional, pois a sua receita é vinculada ao custeio do serviço que ela remunera. 

Até este momento não aparece controvérsia. Contudo, vejamos como dispõe o art. 2º da Lei 2722/2002, que instituiu a CIP no Município de Juazeiro do Norte: “Art. 2º - É fato gerador da CIP o consumo de energia elétrica por pessoa física ou jurídica, mediante ligação regular de energia elétrica no território do município.” (grifo nosso)

Note-se que o conceito de fato gerador apresentado pela mencionada Lei confundiu a prestação do serviço com o consumo interno, individual (residencial, comercial, etc) e acabou não explicando o que é fato gerador. Assim, quando o dispositivo legal afirma “mediante ligação regular de energia elétrica” está se referindo a ligação da unidade consumidora à rede da concessionária. Técnica e verdadeiramente esse consumo e ligação regular mencionados no artigo não é o fato gerador da CIP. Equivocou-se o legislador municipal. Pretendeu-se fazer uma correlação que não é possível, como será comentado no tópico tratando da alíquota.

2.4 O sujeito passivo da COSIP

Assinala Eduardo Sabbag (2012, p. 542):

É fácil perceber que o serviço de iluminação pública exterioriza, por si só, uma dificuldade na identificação do sujeito passivo, o que, a olhos vistos, cria sérios embaraços à tipologia tributária, provocando um cenário vocacionado à violação dos princípios da legalidade e da isonomia tributárias, além de mácula à razoabilidade e à proporcionalidade na tributação.        

Tarefa difícil conceituar o sujeito passivo da COSIP, vez que é plenamente passível de se incorrer em injustiça, tratamento desigual, agressão aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, pois como essa contribuição visa custear um serviço prestado uti universi, não é fácil (ou até impossível, conforme admitiu o STF, em 2009, na decisão do RE 573.675-SC) identificar quem é o beneficiário do serviço. Há munícipes que são tributados sem usufruir do serviço, ao passo que outros utilizam a referida prestação sem remunerá-la. É o que se depreende da leitura do artigo 3º da Lei Municipal em comento, abaixo transcrito, dada a generalidade conceitual do dispositivo, embora essa abrangência quanto ao sujeito passivo seja inerente à própria natureza do serviço objeto da contribuição em estudo.

Art. 3º - O Sujeito passivo da CIP é o consumidor de energia elétrica residente ou estabelecido no município de Juazeiro do Norte e que esteja cadastrado junto à concessionária distribuidora de energia elétrica titular da concessão no território do município.

Consta da Ementa do Recurso Extraordinário nº 573.675-SC, cuja transcrição será feita na íntegra em outro ponto deste trabalho, que a COSIP abrange um “Universo de contribuintes que não coincide com o de beneficiários do serviço”. (STF, Pleno. RE 573.675-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25.03.2009, DJe 22.05.2009)

Entretanto, a Corte Suprema concluiu, no julgamento do mesmo RE citado, que não viola o princípio da igualdade tributária a Lei que restringe os contribuintes da CIP aos consumidores de energia elétrica do município.

2.5 A base de cálculo da COSIP

Vejamos como se expressa o art. 4º da Lei 2722/2002 do Juazeiro do Norte:

Art 4° A base de cálculo da CIP será a tarifa de fornecimento de iluminação pública B4b praticada pela concessionária de energia e determinada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, através de resolução expressa em R$/MWh. (Redação dada pela Lei 2776/2003)

Criar um conceito no dispositivo legal não parece ser tarefa difícil, no caso acima. O que é difícil mesmo é tributar o verdadeiro fato gerador da CIP, pois qual será a sua base de cálculo?

É cristalina a dificuldade em identificar a base de cálculo da CIP, pois como a iluminação pública é um serviço inespecífico e indivisível, prestado uti universi, conforme já explicado em tópicos anteriores deste trabalho, como será então possível saber a quantidade de unidades autônomas do serviço que foi utilizada, separadamente, pelo contribuinte?

Diante deste cenário de difícil solução prática e justa, a CIP acaba adotando como base de cálculo o consumo individual de energia elétrica, qual seja, o consumo interno (da residência, do prédio comercial, do prédio industrial). Não há nenhuma correlação lógica e direta entre a base de cálculo adotada e o benefício oferecido pela iluminação pública. Em outras palavras: calcula-se o valor do gravame levando em consideração o consumo interno da residência ou do estabelecimento do munícipe, porém o serviço objeto da exação é prestado na via pública (na rua, no parque, na praça etc).  Será que o contribuinte se beneficiou do serviço prestado? E qual foi a quantidade do benefício usufruído?

Não parece ser razoável a solução. E nem há perspectiva que seja razoável um dia, se não for pensada outra solução, dada a própria natureza do serviço objeto do tributo em estudo.   

2.6 A alíquota da COSIP

Quanto à alíquota da COSIP surge novamente o problema da falta de correlação entre o consumo de energia elétrica do estabelecimento do contribuinte e o serviço de iluminação pública. O problema surge porque a Lei instituidora do gravame estabelece o valor da alíquota a ser aplicada com base na Classe de Consumidores e na quantidade consumida de Kw/h, o que significa um rateio do custo do serviço entre os consumidores de eletricidade, desta feita discriminado os contribuintes. Vejamos a redação do art. 5º da Lei estudada neste paralelo:

ART. 5º - As alíquotas de Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública – CIP – do Município de Juazeiro do Norte, são diferenciadas de acordo com a Classe de Consumidores e quantidade de consumo medidas em Kw/h., conforme os índices e percentuais constantes do anexo I, parte integrante desta Lei. (Redação dada pela Lei 2980/2005)

Porém, quanto a essa aparente violação da capacidade contributiva, o STF disse que não ocorre: “II - A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva.” (STF, Pleno. RE 573.675-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25.03.2009, DJe 22.05.2009).    

2.7 A que espécie tributária pertence a Contribuição de Iluminação Pública?

Finalmente chegamos ao ponto de grande empreendimento do presente trabalho, que cuida de identificar a COSIP enquanto espécie tributária. Informar qual é a natureza jurídica de um gravame significa enquadrá-lo (classificá-lo) em uma das cinco espécies de tributos albergados em nosso ordenamento jurídico. O CTN explica, logo no seu art. 4º, o que é que determina a natureza jurídica de um tributo:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Em 2003, logo nos primeiros meses de vigência da EC 39/2002, Hugo de Brito Machado publicou no seu sítio, na Internet, relevante artigo a respeito da contribuição em tela. (MACHADO, Hugo de Brito. A Contribuição de Iluminação Pública – CIP. 2003. Disponível em <http://www.hugomachado.adv.br> acesso em 18 nov. 2016). 

No referenciado artigo o eminente Professor cearense ensina que os elementos caracterizadores de uma contribuição são: a finalidade constitucional da exação, cuja receita destina-se a custear uma atividade estatal específica referida a uma categoria ou grupo de pessoas; o contribuinte, que é a pessoa que compõe a categoria ou grupo de pessoas ou que dessa contribuição obtém especial proveito. 

Após fazer a análise dos elementos identificadores das contribuições e contrastando esses caracteres com a contribuição de iluminação pública, visualizando as incompatibilidades conceituais existentes entre esta e aquelas, o renomado doutrinador conclui que a COSIP tem natureza jurídica de imposto:

Por esta razão, aliás, o art. 149-A, confirmando a natureza de imposto que realmente tem a “contribuição” destinada ao custeio da iluminação pública, determina a observância não apenas do princípio da legalidade tributária, mas também do princípio da anterioridade ao exercício financeiro. (grifo nosso)

Na mesma esteira é a conclusão de Roque Antonio Carrazza (2010, p. 662):

Fixadas estas premissas, é o caso de indagarmos: que tipo de tributo é a contribuição a que alude o art. 149-A da CF? Segundo estamos convencidos, um imposto, já que tem por materialidade o fato de uma pessoa, física ou jurídica, estar fixada no local (Município ou Distrito Federal) onde é prestado o serviço de iluminação pública. Trata-se, pois, de um tributo não vinculado a uma atuação estatal. 

Diverso é o entendimento de Ives Gandra Martins (2008, p. 239), para quem a COSIP é uma taxa, conforme transcrição abaixo:

Desta forma, a nova contribuição a ser criada pelos Municípios – que, à exaustão repito, não é contribuição, mas é taxa – deverá obedecer rigorosamente os padrões do inciso II do art. 145 da Constituição Federal, já que outros não foram criados pela Emenda n. 39/2002. 

Entretanto, diferente é a classificação que Eduardo Sabbag (2012, p. 543-544) faz para a contribuição em estudo. Embora reconheça que parte da doutrina entende que a CIP é um “imposto travestido de contribuição”, ele aponta as incongruências jurídicas que essa classificação acarretaria e conclui que a contribuição de iluminação pública é uma contribuição sui generis.

Esta também é a definição a que chegou o Supremo Tribunal Federal sobre a natureza jurídica da COSIP, vez que segundo a Corte a COSIP não se confunde com um imposto nem com uma taxa.

A seguir reproduzimos a lição de Eduardo Sabbag (2012, p. 543-544) e do STF, respectivamente:   

Posto isso, diante da classificação a que devemos nesta obra proceder – não sem esforço -, ficamos instados a rotular a COSIP de “tributo”, associando-a à espécie das “contribuições”, como uma contribuição sui generis, sem que se confunda tal contribuição com as três outras, previstas no caput do art. 149 da CF: contribuições sociais, corporativas ou interventivas. (grifos no original)   

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

[...]

III - Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. (STF, Pleno, RE 573.675-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25.03.2009, DJe 22.05.2009).

Também está consignado na obra de Ricardo Alexandre (2014, p. 51), inclusive trazendo exemplo:

De qualquer forma, em sede doutrinária e jurisprudencial, ainda não há uma definição precisa do enquadramento da citada contribuição no quadro das espécies tributárias existente no Brasil.

Como exemplo da indefinição, a Fundação Carlos Chagas, no concurso para Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Piauí, realizado em 2004, considerou correta assertiva afirmando que a contribuição de iluminação pública “é uma contribuição sui generis que pode ser instituída pelos Municípios ou Distrito Federal”. 

É a este entendimento das três últimas referências acima ao qual nos filiamos a respeito da natureza jurídica da COSIP, isto é, admitindo-a como uma contribuição “especial”, totalmente diversa das demais elencadas no caput do artigo 149 da Constituição Federal, ou seja, uma contribuição sui generis mesmo. 


CONCLUSÃO 

Para o estudo da natureza jurídica da COSIP e assim poder classificá-la em uma das cinco espécies tributárias atualmente compreendidas em nosso ordenamento jurídico, fez-se uma substancial análise do tratamento legislativo dado à matéria e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nas muitas vezes em que esta Corte foi provocada a se manifestar a respeito dessa exação.

Com a inserção do artigo 149-A na nossa Constituição Federal, fruto da Emenda Constitucional 39/2002, foi aberto o debate a respeito da verdadeira espécie tributária que teria sido veiculada por esse ato do poder constituinte derivado. É que o novo tributo criado, que foi chamado de contribuição, estava substituindo a extirpada taxa de iluminação pública. Ocorre que se o fato gerador não mudou, teríamos realmente um novo tributo? Essa indagação motivou-me a buscar respostas à luz da Doutrina e da Jurisprudência, e, por conseguinte, formular o entendimento que se apresenta a seguir.  

A espécie de tributo denominada contribuição se reveste de duas características que lhe são peculiares: a vinculação da receita advinda da sua arrecadação e a finalidade perseguida pela Administração Pública, que se traduz num benefício para determinadas pessoas ou grupos de pessoas. Quanto à primeira característica intrínseca às contribuições não haveria incongruência em relação à COSIP, visto que esta já anuncia no seu próprio nome que a sua receita também é vinculada. Todavia, já em relação à segunda característica das contribuições, qual seja, o benefício que propicia a pessoas determinadas ou a certos grupos de indivíduos, não se encontra correspondente característica na COSIP. Isto resulta da própria natureza do serviço de iluminação pública, pois na prestação deste serviço, que é uti universi, não é possível identificar a quem exatamente a iluminação pública traz uma especial vantagem ou benefício.

Do estudo deste cenário, concluiu-se que a natureza jurídica da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública é sui generis, revestida de especialidades que a distingue das demais da espécie. 


REFERÊNCIAS

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ABRASI. Associação Brasileira de Empresas de Serviços de Iluminação Urbana. Disponível em: <http://www.abrasi.org.br/clipping/2418/de-quem-e-a-responsabilidade-da-iluminacao-publica > Acesso em: 10 mai. 2017.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 8ª ed., São Paulo: Método, 2014.

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, Cicero Santos Cardoso. A natureza jurídica da contribuição de iluminação pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5642, 12 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61876. Acesso em: 28 mar. 2024.