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Tempestividade recursal e prova de feriado local

Tempestividade recursal e prova de feriado local

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Examina-se o entendimento do STJ acerca da possibilidade de comprovação de feriado local em grau recursal e qual seria o momento processual adequado para essa prova, de acordo com o novo CPC

1. Novas Regras de Prazos Processuais

O Código de Processo Civil de 2015 alterou, consideravelmente, a regulamentação geral dos prazos processuais.

A matéria tem relevância para o processo, levando-se em conta que o prazo está ligado aos próprios conceitos de procedimento e de processo, de sequência de atos que se desenvolvem em uma ordem lógica e cronológica, observadas as normas processuais fundamentais. Os prazos definem a duração razoável do processo e impedem a sua postergação indefinida.

Entre as principais inovações do CPC/2015, está a forma de contagem dos prazos processuais, que passa a ser em dias úteis, e não mais de forma contínua ou corrida (art. 219). Em consequência, não são mais computados nos prazos os feriados e os finais de semana (sábados e domingos).

Ressalva-se que essa regra incide apenas para os prazos processuais contados em dias, mas não se aplica: (a) aos prazos computados em periodicidade superior aos dias (semanas, meses e anos)[1]; (b) e aos prazos de direito material, que, em regra, são contados em dias corridos (art. 219, parágrafo único), a menos que haja lei específica em sentido diverso.

Outra mudança está nos denominados “atos prematuros” (intempestividade pela prematuridade), praticados antes da abertura formal do prazo, que passam a ser considerados tempestivos (art. 218, § 4º, do CPC/2015)[2].

Mais uma alteração relevante está na unificação dos prazos recursais: o art. 1.003, § 5º, do CPC/2015, fixa o prazo de 15 dias úteis para todos os recursos, com exceção dos embargos declaratórios (que observam com o prazo de 5 dias úteis). Reforçando essa regra, o art 1.070 determina que esse prazo de 15 dias úteis deve ser observado em todos os recursos de agravo (interno ou de instrumento), previstos em lei ou nos regimentos internos dos tribunais. Essa unificação dos prazos recursais facilita a aplicação da fungibilidade, tendo em vista que, com exceção dos embargos de declaração, todos os recursos no processo civil têm o mesmo prazo de 15 dias úteis.


2. Prova do Feriado Local no CPC/2015

Outra alteração importante promovida pelo CPC/2015 está no ônus da parte de demonstrar, no ato de interposição do recurso, a eventual existência de feriado local: “O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso” (art. 1.003, § 6º).

Dessa forma, existindo feriado local durante a contagem do prazo recursal, a parte deve comprová-lo com a interposição do recurso. A regra ganha mais relevância com o cômputo de prazos processuais em dias úteis (art. 219), tendo em conta que o dia do feriado local é excluído da contagem do prazo.

Evidentemente, essa regra só terá aplicação prática quando o recurso for interposto no último dia do prazo, incluindo a desconsideração do dia do feriado local. Por exemplo, se o encerramento do prazo ocorreria no dia 03/11/2017 (sexta-feira), mas o dia 25/10/2017 foi um feriado local no município do tribunal em que tramita o processo, esse dia é excluído da contagem e, consequentemente, o recurso especial para o STJ pode ser interposto até às 23:59:59 horas do dia 06/11/2017 (segunda-feira).

Considerando que o Brasil possui 26 Estados, o Distrito Federal, e mais de 5.500 municípios, a parte deve comprovar a existência de feriado local que exclua determinado dia da contagem do prazo (por exemplo, feriado municipal para o Tribunal Regional Federal ou feriado estadual para o Supremo Tribunal Federal). Por outro lado, se o feriado não for apenas local, a parte não tem esse ônus probatório (por exemplo, feriado estadual para o Tribunal de Justiça ou feriado nacional para o Superior Tribunal de Justiça).

A regra do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, impede a comprovação do feriado em momento posterior à interposição do recurso.


3. Prova do Feriado Local no Superior Tribunal de Justiça

A sua inclusão expressa no novo Código tem o objetivo de uniformizar a compreensão do STJ sobre o tema, que foi modificada nos últimos anos. Inicialmente, a Corte entendia que “(...) compete ao recorrente comprovar, mediante documento oficial, o fato excludente da intempestividade recursal, como a ocorrência, por exemplo, de feriado local, ponto facultativo ou recesso forense, dentre outros motivos, no momento de interposição" (AgRg no Ag 1343482/SC, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 25/10/2011, DJe 04/11/2011).

No mesmo sentido: AgRg no AREsp 62077/BA, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 01/12/2011, DJe 14/12/2011; EDcl no Ag 845004/MS, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 13/03/2012, DJe 16/03/2012; AgRg no REsp 770786/SP, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/02/2010, DJe 08/03/2010; AgRg no Ag 1039755/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 26/08/2008, DJe 03/09/2008; EREsp 299177/MG, Corte Especial, rel. Min. Eliana Calmon, j. 11/02/2008, DJe 29/05/2008.

Contudo, a partir do julgamento de agravo interno em Recurso Especial 137141 pela Corte Especial em 19/09/2012, o STJ passou a entender que essa prova pode ser feita em momento posterior à interposição do recurso, inclusive por meio de agravo interno interposto contra a decisão (monocrática ou colegiada) que não conhecer o recurso com fundamento na intempestividade:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. POSSIBILIDADE. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO.

1. A comprovação da tempestividade do recurso especial, em decorrência de feriado local ou de suspensão de  expediente forense no Tribunal de origem que implique prorrogação do termo final para sua interposição, pode ocorrer posteriormente, em sede de agravo regimental. Precedentes do STF e do STJ.

2. Agravo regimental provido, para afastar a intempestividade do recurso especial” (AgRg no AREsp 137141/SE, Corte Especial, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 19/09/2012, DJe 15/10/2012).

Essa compreensão foi mantida nas Turmas do STJ, inclusive após o início da vigência do CPC/2015: AgInt no AREsp 966555/RJ. 2ª Turma, rel. Min. Herman Benjamin, j. 28/03/2017, DJe 18/04/2017; AgInt no AREsp 996684/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/03/2017, DJe 03/04/2017; AgRg no AREsp 606727/SP, 6ª Turma, rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 22/11/2016, DJe 06/12/2016; AgRg no AREsp 818448/SP, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17/03/2016, DJe 29/03/2016.

Como visto, o art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, alterou esse entendimento, logo, a partir da sua entrada em vigor, a comprovação de feriado local é ônus do recorrente (art. 1.003, § 6º). A ausência dessa prova (ou a sua produção posterior à interposição do recurso) pode levar à intempestividade do ato processual.

Apesar de, inicialmente, o STJ ter mantido a sua jurisprudência mais recente (alterada a partir de setembro de 2012, como visto), há julgados em sentido contrário, que já aplicam o novo dispositivo legal e fazem a seguinte distinção: (a) aos recursos interpostos na vigência do CPC/73 se aplica a jurisprudência do STJ, logo, admite-se a comprovação do feriado local em momento posterior; (b) e aos recursos interpostos a partir de 18 de março de 2016, deve ser observada a regra do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, a comprovação de feriado local deve ser realizada no ato de interposição do recurso. 

Nesse sentido: EDcl no AgInt no REsp 1638816/PE, 2ª Turma, rel. Min. Assusete Magalhães, j. 03/08/2017, DJe 16/08/2017; AgInt no AREsp 1001909/SP, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 27/06/2017, DJe 30/06/2017. Ainda: “(...) para fins de aferição de tempestividade, a ocorrência de  feriado  local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso” (AgInt no REsp 1626179/MT, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 07/03/2017, DJe 23/03/2017).

Além disso, nesses acórdãos do STJ também se concluiu que o art. 1.003, § 6º, é regra especial que prevalece sobre as regras gerais dos arts. 932, parágrafo único (emenda da petição do recurso), e 1.029, § 3º (desconsideração ou correção de vício formal de recurso tempestivo), do CPC/2015.

Em consequência, a ausência de juntada da prova do feriado local com a petição recursal é um vício formal que impede o conhecimento do recurso (com fundamento na intempestividade), que não pode ser sanado.

Há uma situação que se enquadra nessa interpretação, que ocorre quando há previsão de data comemorativa em lei, mas a designação de feriado depende de ato local. Por não se tratar de ato normativo federal, o recorrente também deve comprovar o feriado. Por isso, o STJ exige a comprovação do feriado no dia do servidor público, que é previsto como um dia comemorativo (mas não como feriado nacional) pelo art. 236 da Lei nº 8.112/90: “(...) A jurisprudência desta Corte Superior já firmou o entendimento de que o dia do servidor  público - 28 de outubro - não é feriado nacional, sendo imprescindível a comprovação de suspensão do expediente forense na origem” (AgInt no REsp 1665808/DF, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10/10/2017, DJe 24/10/2017).

A demonstração do feriado local é feita “(...) por meio de documento  idôneo  (cópia  da lei, ato normativo ou certidão exarada por servidor habilitado)” (STJ, AgInt no AREsp 1004476/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 28/03/2017, DJe 03/04/2017). Além disso, a página eletrônica do tribunal de origem na internet, quando contiver o calendário ou a lista dos feriados locais (estaduais e municipais), poderia ser usada como meio de prova, contudo, não é aceita pelo STJ: “(...) 4. Para  efeito  de  tempestividade,  a  prova  do feriado local ou recesso  forense  deve  ser feita pela parte interessada por meio de documento  idôneo,  não  servindo  cópia do calendário do judiciário extraído da internet. Precedentes” (AgInt no REsp 1666794/AC, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 21/09/2017, DJe 10/10/2017). O STJ também entende que “(...) a prova do feriado local ou recesso forense deve ser feita pela parte interessada por meio de documento idôneo, não bastando a citação de Provimento do Conselho Superior da Magistratura” (AgInt no AREsp 1085510/SP, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 17/10/2017, DJe 27/10/2017).

Portanto, a partir da entrada em vigor do CPC/2015, a comprovação de feriado local deve ser efetivada conjuntamente com o recurso (art. 1.003, § 6º). A ausência dessa prova (ou a sua produção posterior à interposição do recurso) pode levar à intempestividade do ato processual. Ainda não se pode afirmar com segurança que o STJ já tenha uniformizado a sua compreensão sobre o tema, pois, como visto, existem decisões contraditórias nas Turmas da Corte após o dia 18 de março de 2016.

A questão foi novamente apreciada pela Corte Especial do STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 957821/MS, iniciado no dia 03 de maio de 2017. Discutiu-se a compatibilidade entre os arts. 1.003, § 6º, e 1.029, § 3º, do CPC/2015, e a possibilidade – ou não – da correção de vício formal de recurso tempestivo, com a consequente admissão – ou não – da prova posterior do feriado local. O relator, Min. Raul Araújo, com fundamento no princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º do CPC), votou pela permissão da comprovação do feriado local em momento posterior à interposição do recurso, enquanto os Min. Nancy Andrighi e Luis Felipe Salomão votaram pela observância da especialidade da exigência do art. 1.003, § 6º, que não permite a correção do vício em momento posterior ao recurso. O julgamento foi suspenso na Sessão de 30/06/2017, com pedido de vista do Min. Herman Benjamin. Finalmente, no dia 20/11/2017, concluiu-se o julgamento do recurso, com os votos dos Min. Herman Benjamin, Jorge Mussi, Humberto Martins, Mauro Campbell, Maria Thereza de Assis Moura e Felix Fischer acompanhando a divergência, enquanto o Min. João Otávio de Noronha votou com o relator.

Em consequência, por 8 x 2 votos, a Corte Especial do STJ decidiu que deve ser observada a regra do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, com a demonstração do feriado local no ato de interposição do recurso, sem a possibilidade de sua comprovação posterior.

Reitera-se, por fim, que essa comprovação do feriado local é exigida apenas quando o recurso for interposto após o último dia da contagem regular do prazo, para demonstrar que o ato praticado é tempestivo. No exemplo dado acima, quando o prazo se encerraria no dia 03/11/2017 (sexta-feira), mas o dia 25/10/2017 foi um feriado municipal, a parte interessada só precisará demonstrá-lo se interpuser o recurso no dia 06/11/2017 (segunda-feira), mas, evidentemente, fica dispensada desse ônus se praticar o ato até o dia 03 de novembro.

Ainda, a regra é válida apenas para a prova do feriado local, mas não se aplica necessariamente a outras situações de afastamento da intempestividade do recurso, decorrentes de justa causa (art. 223 do CPC/2015), especialmente quando ocorrer falha no acesso ou uso do processo eletrônico (art. 197 do CPC/2015).


Notas

[1] Sobre o assunto – e a contagem de prazos processuais em horas – : CARDOSO, Oscar Valente; CAMARGO, Francielle Dolbert. Contagem de prazos processuais em horas, meses e anos no novo CPC: horas úteis?. Revista Jus Navigandi, Teresina,  nº 5020, 30 mar. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/49310>. Acesso em: 13 nov. 2017.

[2] Nesse sentido: CAMARGO, Francielle Dolbert; CARDOSO, Oscar Valente. A tempestividade do recurso prematuro e a nova posição do STF no AI 703269. Revista Jus Navigandi, Teresina,  nº 4288, 29 mar. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/37186>. Acesso em: 13 nov. 2017.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Tempestividade recursal e prova de feriado local. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5272, 7 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62015. Acesso em: 28 mar. 2024.