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Delegado de polícia e o controle do poder punitivo estatal

Delegado de polícia e o controle do poder punitivo estatal:

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Análise do sistema constitucional de segurança pública, em especial os órgãos e suas atribuições, destacando o papel de controle do poder punitivo do Estado pelo Delegado de Polícia.

I.Constitucionalismo e o controle do poder punitivo:

                Vivemos na atualidade o que os constitucionalistas chamam de Neoconstitucionalismo. Movimento crescente na Europa do Pós Guerra e no Brasil com a Constituição da República de 1988. 

                O Constitucionalismo moderno nasceu na França, Estados Unidos e Inglaterra. Podemos citar a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão – 1789 na França, em seu Artigo 16:

A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

                O consagrado constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho[1] extrai o conceito ideal de constituição e sintetiza:

I) consagrar um sistema de garantia da liberdade (esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento dos direitos individuais e da participação do cidadão nos atos do poder legislativo através dos Parlamentos); (II) a constituição contém o princípio da divisão de poderes, no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; (III) a constituição deve ser escrita.

                O Ministro Luís Roberto Barroso[2] afirma que o marco filosófico do Neoconstitucionalismo é o pós-positivismo:

O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas.

                Nossa Constituição, chamada cidadã, pelo ‘Senhor Diretas’, Ulysses Guimarães, completou 27 anos, mas é preciso destacar a exortação do mestre Konrad Hesse[3] a vontade de constituição.

                O professor José Afonso da Silva[4] apresenta um conceito de Constituição muito citado na doutrina:

A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização de seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e suas respectivas garantias. Em síntese, a Constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

                Vale dizer, cabe à Constituição estabelecer seus órgãos, limites de ação, os direitos fundamentais do homem e suas garantias. E foi isso que fez no Artigo 144 criando e estabelecendo perfeitamente as atribuições de cada instituição.

                A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece:

Art. 144. § 4º. As polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

                Na legislação infraconstitucional citamos:

Código de Processo Penal, Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Lei 12.830/13, Art. 2º. § 1° estabelece: Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

                A polícia investigativa possui função de caráter repressivo, abrangendo as funções de polícia judiciária e de apuração de ilícitos penais. Sua atuação ocorre, como regra, após a prática de uma infração penal tendo como desiderato colher elementos probatórios e de informação relativos à materialidade e à autoria do delito.

                A polícia militar tem como missão a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, e a apuração apenas dos delitos militares, por previsão constitucional:

Constituição Federal, Art. 144. § 5° às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Código de Processo Penal Militar, Art. 8º Compete à polícia judiciária militar:

a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;

Decreto-Lei 667/69, Art. 3º. Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

O Decreto 88.777/83 define os conceitos de polícia ostensiva e preservação da ordem pública, sendo fácil perceber que se revelam como atividades absolutamente distintas da investigação criminal:

Art. 2º Para efeito do Decreto-Lei n. 667, de 2 de julho de 1969, modificado pelo Decreto-Lei n. 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-Lei n. 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:

19 - Manutenção da Ordem Pública: é o exercício dinâmico do Poder de Polícia, no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública;

27 - Policiamento Ostensivo: ação policial, exclusiva das Polícias Militares, em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.

                Na doutrina citamos, Alexandre Morais da Rosa e Salah H. Khaled Jr[5] que apresenta a distinção entre as atribuições da Polícia Civil e polícia militar:

É de se concluir, que a Polícia Militar, por força do art. 144 da Constituição da República, possui a função tão somente de realização de policiamento ostensivo e, como qualquer outro cidadão, prender em flagrante delito. A Polícia Judiciária é da Civil, frise-se. Logo, ao se realizar a apreensão de um cidadão, esse deve ser levado à presença da Autoridade Policial, a qual não se confunde com Sargento ou Tenente da Polícia Militar. Ainda, nada obstante existam atos administrativos de Tribunais reconhecendo essa competência, são flagrantemente inconstitucionais. Formam o que L.A. Becker chama de micro-legislação esterilizante da Constituição. E qualquer um deveria saber que por ausência de Lei em sentido estrito descabe ao ato administrativo revogar/modificar o Código de Processo Penal. Estamos no paraíso dos atos administrativos manipuladores da Constituição em nome da eficiência. A situação se aproxima muito do que Zaffaroni – a partir de Lola Aniyar de Castro – refere como sistema penal subterrâneo: todas as agências executivas exercem algum poder punitivo à margem de qualquer legalidade ou através de marcos legais bem questionáveis, mas sempre fora do poder jurídico. A situação gera um paradoxo: o poder punitivo se comporta fomentando atuações ilícitas. Para ele, “[...] a criminalização secundária é quase um pretexto para que agências policiais exerçam um controle configurador positivo da vida social, que em nenhum momento passa pelas agências judiciais ou jurídicas [...] este poder configurados positivo é o verdadeiro poder político do sistema penal”.

                A esses direitos fundamentais correspondem obrigações do Estado de tutelá-los. Essas obrigações conformam as garantias do cidadão, instituídas contra os poderes e as maiorias, sendo contra a utilidade geral[6]. No mesmo sentido Norberto Bobbio e Paulo Queiroz[7].


II. Devido processo legal na legislação infraconstitucional:

                O Constituinte, verificando a necessidade de estabelecer um procedimento mais simplificado para apuração, formalização e julgamento de infrações de menor potencial ofensivo, determinou a criação de ‘juizados especiais’ e edição de legislação (Artigo 24, X e 98, I e §1° CRFB).

                A partir da edição da Lei 9.099/95 temos dois procedimentos pré-processuais, a confecção do Termo Circunstancial de Ocorrência com posterior remessa aos Juizados Criminais nas infrações apenadas com até dois anos de prisão, e o Inquérito Policial com posterior remessa à Justiça para infrações punidas com mais de dois anos de prisão.

                O Termo Circunstanciado de Ocorrência é uma espécie de investigação criminal sumaríssima, destinada a delimitar a autoria, materialidade, circunstância de um delito, enfim, apurar uma infração penal de menor potencial ofensivo, quais sejam, aquelas com pena máxima não superior a 2 (dois) anos, a teor do art. 61 da Lei nº 9099/95.

                O Inquérito Policial está para o procedimento comum ordinário/sumário (Artigo 394 e seguintes do CPP), assim como o Termo Circunstanciado de Ocorrência está para o procedimento comum sumaríssimo (art. 77 e seguintes da Lei nº 9099/95, c/c art. 394, § 1º, inciso III do CPP), vale dizer, existe uma correlação lógica entre os atos do procedimento preliminar de investigação (presididos pelo Delegado de Polícia) e os atos processuais da instrução/ação penal (presididos pelo Juiz de Direito).

                Dentro de um Termo Circunstanciado de Ocorrência são realizados atos típicos de investigação criminal, tais como: oitivas de pessoas (testemunhas, vítimas e autor), perícias criminais simples (constatação de substância entorpecente; constatação de dano; exame de corpo de delito nas lesões leves; entre outras), eventual medida cautelar de busca e apreensão, dentre outros atos, sendo certo que tais condutas, conforme disposição do Artigo 144, § 4º da CR/88, somente podem ser realizadas pela Polícia Civil (estadual ou federal), a quem compete a investigação dos crimes comuns e o exercício das funções de Polícia Judiciária perante à Justiça Comum.

                Neste sentido citamos o professor Ruchester Marreiros[8]:

Ora, estamos diante de ditames constitucionais de garantias de que o cidadão possa se valer de agências jurídicas previstas na Carta Política. Não é a toa que o Delegado de Polícia, quem preside a investigação criminal seja qual nome receber o procedimento, inquérito policial (CPP), termo circunstanciado (Lei 9.099/95), boletim de ocorrência circunstanciado (Lei 8.069/90); auto de investigação de ato infracional (Lei 8.069/90), é bacharel em direito, concursado e aferido juridicamente sobre conhecimentos para se chegar ao cargo, que é destinado exercer o papel de verdadeiro filtro processual contra imputações infundadas e deslegitimar ações penais temerárias. É essa a visão garantidora que possui o Delegado de Polícia hodierno. Em nossa visão, uma Autoridade de Garantias.

                No mesmo sentido, o professor Henrique Hollfman[9]:

A eficácia da intervenção estatal penal não pode estar associada a uma irresponsável relativização das garantias individuais, uma vez que os direitos fundamentais não consistem em favores do Estado.

                Eliomar da Silva Pereira[10]:

Os direitos e garantais fundamentais, na investigação criminal, desempenham uma função negativa do âmbito de investigação, sobretudo no contexto de descoberta, pois limitam ou condicionam os meios de obtenção de provas. (...) Em outras palavras, os direitos e garantias fundamentais atuam como disposições legais de caráter negativo, na medida em que dizem o que não se pode fazer na investigação criminal.

                Danielle Souza[11]:

A investigação preliminar, como atividade ligada ao exercício do jus puniendi estatal, frequentemente invasiva de direitos fundamentais quer do investigado, quer do ofendido ou de terceiros, deve também observância às regras esculpidas na Constituição e nas declarações de direitos humanos exaradas em diplomas internacionais, a fim de que se possa conferir legitimidade ao início da persecução penal, sem vícios nem ranhuras aos direitos fundamentais do imputado.


III.Direito Internacional e a limitação do poder estatal:

                Ensina o professor Ruchester que:

Os países signatários dos tratados e convenções sobre direitos humanos e a ONU (querem) é que o preso seja levado perante alguém que tenha conhecimento jurídico para poder decidir sobre a legalidade de sua prisão, ou acaso seja a hipótese, poder garantir seu direito de ser considerado presumidamente inocente e consequentemente, participar da instrução processual em liberdade.

Este é o sentido do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em seus artigos 5º. 2 e 9º, §§ 1º e 3º, bem como o artigo 7.5 da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica):

Artigo 5º, § 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado-parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau.

Artigo 9º: § 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.

§ 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência e a todos os atos do processo, se necessário for, para a execução da sentença.

Artigo 7º 5. "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo."

                Do mesmo autor:

Se os tratados não reconhecessem a legitimidade de órgãos não jurisdicionais, exercendo a função igualmente jurídica, ou materialmente jurisdicional, de prender e soltar, assim não iria dispor sobre o direito dos presos de se socorrerem de juízes e tribunais acaso as decisões daqueles órgãos, de não soltar, seja arbitrária, conforme o artigo 7.6 do Pacto de San Jose da Costa Rica, verbis:

"Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa."

Neste mesmo sentido dispõe outro documento das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, denominado de "Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer forma de Detenção ou Prisão - 1988". Segundo este documento, que elenca 39 princípios sobre pessoas, capturadas, detidas e presas, realiza uma interpretação teleológica sobre o alcance de "ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.", disposto em seu ANEXO, e seu princípio 11.3.

Princípio

1. Ninguém será mantido em detenção sem ter a possibilidade efetiva de ser ouvido prontamente por uma autoridade judiciária ou outra autoridade. A pessoa detida tem o direito de se defender ou de ser assistida por um advogado nos termos da lei.

2. A pessoa detida e o seu advogado, se o houver, devem receber notificação, pronta e completa da ordem de detenção, bem como dos seus fundamentos.

3. A autoridade judiciária ou outra autoridade devem ter poderes para apreciar, se tal se justificar, a manutenção da detenção.

Acrescenta:

A investigação por agentes militares e o princípio da excepcionalidade e restrição à crimes militares pela Corte IDH.

Em outro estudo de "leading case" julgado pela Corte, o Caso Nadege Dorzema e outros Vs. República Dominicana, onde este reconheceu que no dia 18 de junho, 2000 um caminhão amarelo transportando um grupo de cerca de 30 cidadãos haitianos, que estavam na República Dominicana, tendo sido avistados por militares dominicanos, que começaram uma perseguição por vários quilômetros, fazendo disparos que atingiram as pessoas que viajavam nele, resultando em quatro mortes e vários outros feridos. Uma pessoa na parte de trás do caminhão foi morto, e diante disso várias outros correram para salvar suas vidas, momento em que os militares dispararam novamente causando mortes de mais duas pessoas.

Para se investigar a ação militar as forças militares da República Dominicana local iniciaram a investigação dos militares que participaram da operação culminando em condenações pífias e absolvição de um dos militares de um total de 5.

A Corte estabeleceu, que a intervenção do foro militar na investigação desses fatos violou os parâmetros de excepcionalidade e restrição que devem caracterizar a competência desta jurisdição (a militar), tendo sido um dos fatores que culminou na impunidade do caso.

Por esta razão, a Corte interamericana concluiu que o Estado violou os direitos às garantias de liberdade (artigo 7.5), garantias judiciais (artigo 8.1) e à proteção judicial (artigo 25.1), todos do Pacto de San Jose da Costa Rica.

Entendeu que a intervenção militar em investigações de civis é medida excepcional, tendo o país violado as próprias leis internas quando permitiram que a investigação fosse militar, ao revés de uma investigação civil.

Por este sentido, a Corte estabeleceu que o Estado descumpriu sua obrigação de adotar disposições de direito interno, situação que foi remediada posteriormente pelo Estado, o que não tem sido realizado aqui no Brasil, quando nos deparamos com a polícia militar, polícia rodoviária federal e a polícia militar" conveniada "como o Ministério Público, em seus famigerados" procedimentos de investigação penal "


IV.Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição:

                A questão já foi decidida pelo Tribunal Constitucional e, como não podia deixar de ser, declarou a inconstitucionalidade de atos que transfere a polícia militar atribuição constitucional da Polícia Civil:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DECRETO N. 1.557/2003 DO ESTADO DO PARANÁ, QUE ATRIBUI A SUBTENENTES OU SARGENTOS COMBATENTES O ATENDIMENTO NAS DELEGACIAS DE POLÍCIA, NOS MUNICÍPIOS QUE NÃO DISPÕEM DE SERVIDOR DE CARREIRA PARA O DESEMPENHO DAS FUNÇÕES DE DELEGADO DE POLÍCIA. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AO ART. 144, CAPUT, INC. IV E V E §§ 4º E 5º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.” (STF, ADI nº 3614, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 20/09/2007).

Neste julgamento destacamos alguns votos dos Ministros da Suprema Corte:

Voto do Ministro Cezar Peluso:

“O problema grave é que, antes da lavratura do termo circunstanciado, o policial militar tem de fazer um juízo de avaliação dos fatos que lhe são expostos. É isso o mais importante do caso, não a atividade material de lavratura. [...] eu também vou pedir vênia ao eminente Relator, em primeiro lugar para dizer que esta ação não escapa a um dilema: este Decreto ou trata de funções e competências de polícia judiciária, ou não trata. Se não trata de funções e competência de polícia judiciária, é inútil. Não necessitaria de haver decreto algum, porque o pressuposto é que se tratasse de função e competência específica da polícia militar, e, para isso, não precisa decreto especial para dizê-lo. Se o Decreto se preocupou em disciplinar essa matéria, é porque parte da premissa de que, em se tratando de função própria de polícia judiciária, é preciso que a matéria seja regulamentada.

Ora, este Decreto tem dois discursos: o latente e o patente. O patente é o de que os sargentos não vão fazer nada, só lavrar termo circunstanciado. O latente é de que eles, na verdade, ficam investidos de poderes próprios de polícia judiciária e daí decorre uma série de consequências, entre as quais abusos que, com base nesse Decreto, podem ser eventualmente praticados por sargentos da Polícia Militar”.

Voto do Ministro Menezes Direito:

“A meu sentir, o Decreto, como está posto, viola claramente o § 4º do artigo 144 da Constituição Federal, porque nós estamos autorizando que, por via regulamentar, se institua um substituto para exercer a função de polícia judiciária, mesmo que se transfira a responsabilidade final pelo o delegado da Comarca mais próxima. Isso, pelo contrário, é uma abertura, a meu ver, de exceção gravíssima na própria disciplina constitucional.”

Voto do Ministro Ricardo Lewandowski:

“Também eu voto pela procedência total da ação, embora seja louvável a intenção do Decreto no sentido de resolver, na prática, a carência de delegados no Estado do Paraná, parece-me que ele está atribuindo a função de polícia judiciária aos policiais militares de forma absolutamente vedada pelos artigos 144, § 4º, e§ 5º da Constituição.”

Voto da Ministra Ellen Gracie:

“Peço vênia ao eminente Relator para seguir na linha da maioria e julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade. Creio que as duas polícias, civil e militar, têm atribuições, funções muito específicas e próprias, perfeitamente delimitadas e que não se podem confundir”.

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. SERVIÇO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. ATRIBUIÇÃO PARA LAVRAR TERMO CIRCUNSTANCIADO. LEI 9.099/95. ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DO SUPREMO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O Tribunal de origem não se pronunciou sobre o artigo 125, § 2º, da Constituição Federal, e os embargos de declaração interpostos não mencionaram a referida norma, evidenciando a ausência do necessário prequestionamento da matéria constitucional, a inviabilizar o conhecimento do extraordinário.

2. A Súmula 282/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.

3. O controle de constitucionalidade da Lei nº 3.514/10 foi realizado pelo Colegiado a quo tendo como parâmetro as normas dos artigos 115 e 116 da Constituição do Estado do Amazonas que, por sua vez, repetem as regras estabelecidas no artigo 144 da Constituição Federal, razão porque não há se falar em ilegalidade, mas sim em inconstitucionalidade.

4. Agravo Regimental a que se nega provimento.”

Voto do Relator Ministro Luiz Fux:

Trata-se de agravo regimental interposto pelo Estado do Amazonas, contra a decisão monocrática mediante desprovi o recurso extraordinário interposto, ante os seguintes fundamentos: “RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. LEI ESTADUAL Nº 3.514/2010. POLÍCIA MILITAR. ELABORAÇÃO DE TERMO CIRCUNSTANCIADO. IMPOSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA – POLÍCIA CIVIL. PRECEDENTE. ADI Nº 3.614. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). 2.  Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (art. 102, III, § 3º, da CF). 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, ao julgar a ADI nº 3.614, que teve a Ministra Cármen como redatora para o acórdão, pacificou o entendimento segundo o qual a atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia Militar. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ADIN. LEI ESTADUAL . LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL. ATRIBUIÇÃO À POLÍCIA MILITAR. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AOS ARTS. 115 E 116 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTES. - O dispositivo legal que atribui à Polícia Militar competência para confeccionar termos circunstanciado de ocorrência, nos termos do art. 69 da Lei nº 9.099/1995, invade a competência da Polícia Civil, prevista no art. 115 da Constituição do Estado do Amazonas, e se dissocia da competência atribuída à Polícia Militar constante do art. 116 da Carta Estadual, ambos redigidos de acordo com o art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal. 5. O aresto recorrido não contrariou o entendimento desta Corte. 6. Recursos extraordinários a que se nega seguimento.”


V.Consequência:

                Considerando que a polícia militar não tem atribuição constitucional para a lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência o ato praticado é nulo. Nesse sentido Por Alexandre Morais da Rosa e Salah H. Khaled Jr[12]:

Nesse contexto, uma vez considerada a incompetência da Polícia Militar para a lavratura de Termo Circunstanciado, deve ser reconhecida, por via de consequência, a nulidade do ato expedido, porquanto constatado vício insanável. Como se sabe, tem-se como requisito de validade do ato administrativo a emissão por sujeito competente, não divergindo, seja doutrina, seja jurisprudência, nesse particular. Assim, necessária a desconstituição de todos os atos já praticados, porquanto "o reconhecimento, em juízo, da nulidade do ato (...) opera efeitos ex tunc"(STJ, REsp 293.840/RS), ou seja, retroage às suas origens. Assim, considerando a nulidade do Termo Circunstanciado lavrado por policiais militares, e que tal invalidade perpassa por todos os atos processuais subsequentes (efeito ex tunc), contaminando o feito de forma insanável (CPP, art. 573, § 1º), o abuso do Estado, por seus agentes deve ser reconhecido, tornando sem efeito qualquer consequência jurídica. Não é por acaso que Zaffaroni afirma que “a mais óbvia função dos juízes penais e do direito penal como planejamento das decisões judiciais é a contenção do poder punitivo. Sem a contenção jurídica (judicial) o poder punitivo ficaria liberado ao puro impulso das agências executivas e políticas e, por conseguinte, desapareceriam o estado de direito e a própria república”.[iv] É o que se espera do magistrado em nosso cenário democrático-constitucional, não se admitindo qualquer flexibilização da forma – que é garantia – sendo impensável que se exija demonstração de prejuízo para o acusado para caracterizar a existência de nulidade.[v]

É preciso abandonar a crença infundada na bondade do poder punitivo. A contenção do poder punitivo é uma exigência irrenunciável para a concretização do Estado Democrático de Direito. Cuida-se de colocar cada personagem do sistema penal em seu lugar respectivo, ou seja, no seu quadrado. É nesse sentido que o Estado Democrático de Direito deve ser compreendido como o que submete todos os habitantes à lei, em oposição ao Estado de polícia, no qual todos os habitantes estão subordinados ao poder daqueles que mandam.[vi] O desenho constitucional não pode ser modificado por conveniência e oportunidade, dado que o exercício de funções não previstas em lei e, no caso, em desconformidade com a Constituição da República, afeta a matriz do Estado Democrático de Direito. Aceitar o contrário seria reconhecer que todos os órgãos podem usurpar todas as funções e, assim, tornar sem sentido as distinções constitucionais. Cada um no seu quadrado é o comando constitucional. Quem não respeita, no afã puniendi, anula o que faz, mesmo que de boa-fé.

                No mesmo sentido Henrique Hoffmann[13] :

Os Tribunais Superiores igualmente entendem que são nulas as provas colhidas com desrespeito à divisão constitucional de atribuições, em manifesto abuso de poder:

A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art.5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". (...)

Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação (STF, RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, DP 03/04/2007).

                Também Ricardo Cintra[14]:

Todos os elementos produzidos arbitrariamente pela Polícia Militar consubstanciam-se em provas ilícitas, que devem ser amputadas dos autos. Essa exclusão dos elementos imprestáveis é claramente uma forma de garantir o respeito a direitos fundamentais, e de evitar que os tribunais se tornem cúmplices da ilegalidade, assegurando ao povo que o Estado agirá dentro da lei e não poderá ter benefícios quando agir fora dela.

                Professor Henrique faz distinção das consequências[15]:

                Consequência para o Estado:

O Brasil foi condenado pela CIDH, no Caso Escher, exatamente porque um policial militar do Estado do Paraná usurpou as atribuições da polícia judiciária, o que gerou uma indenização de U$ 30.000,00. Quem arcou com o custo não foi o miliciano usurpador, mas sim a inocente população brasileira. Além desse caso emblemático envolvendo o Brasil, motivo de vergonha para todos os brasileiros, a CIDH possui outros julgados condenando os Estados que ousam promover investigações despóticas[16].

                Para os Agentes Públicos:

As consequências do desrespeito à Constituição Federal, aos tratados internacionais de direitos humanos e à legislação infraconstitucional não ficam somente no campo da ilicitude da persecução penal. Os agentes públicos que se arvoram no direito de exercer atribuição não conferida pela Lei Maior praticam ato ilícito, tanto penal como civil.

A doutrina indica que o policial que insistir na inconstitucionalidade poderá incorrer no crime de usurpação de função pública (art. 328 do CP) e abuso de autoridade (art. 3º, a da Lei 4.898/65), como já assentou inclusive o Supremo Tribunal Federal:

A atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia Militar.

Quanto ao delito estampado no art. 328 da Lei Repressiva, ensina a doutrina:

O Estado tem interesse em preservar incondicionalmente a escolha e a investidura das pessoas a quem são confiados os cargos públicos e o exercício das funções públicas. Destarte, não se admite o comportamento daquele que afronta esta prerrogativa do Poder Público, sujeitando-se o infrator às sanções cabíveis. Entra em cena o crime de usurpação de função pública.

Usurpar o exercício de função pública é investir-se nela e executá-la indevidamente, arbitrariamente, sem possuir motivo legítimo para tanto. (...)

O funcionário público pode ser autor do delito, desde que usurpe função distinta da sua, como no exemplo em que um escrivão realiza atos privativos do Delegado de Polícia. Em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Com relação ao crime plasmado na Lei 4.898/65, eis a lição doutrinária:

Agem as autoridades no intuito de prevenir e reprimir a prática de crimes, hipótese em que está configurado o estrito cumprimento do dever legal. Obviamente que elas devem agir dentro dos rígidos limites de seu dever, fora dos quais desaparece essa excludente da ilicitude.

Noutro giro, saindo da esfera penal, tem-se que a Lei 8429/92 prevê três espécies de atos de improbidade administrativa: 1) os que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), 2) os que causam prejuízo ao erário (art. 10) e 3) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

Vejamos a modalidade trazida pelo art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

A doutrina ensina que:

O art. 11 da Lei Federal n. 8.429/92 funciona como regra de reserva, para os casos de improbidade administrativa que não acarretam lesão ao erário nem importam em enriquecimento ilícito do agente público que a pratica. Compreende-se que assim seja, visto que o bem jurídico tutelado pelo diploma em questão é a probidade administrativa, objetivo revelado no art. 21, quando aventa a possibilidade de se caracterizar ato de improbidade, ainda que sem a ocorrência do efetivo prejuízo.

Para a configuração da referida improbidade, a doutrina e jurisprudência majoritárias exigem a presença do elemento volitivo consubstanciado no dolo, de modo que nem toda ilegalidade é sinônimo de improbidade.

Não se falaria em dolo, e consequentemente em improbidade administrativa, apenas se o agente público apresentasse justificativa razoável para a ilicitude praticada, explicação essa que ocorre geralmente em casos de condutas omissivas, não sendo o caso em tela.

Na situação em exame, em que o agente público é avisado para que se abstenha de usurpar função a ele não conferida constitucionalmente, porém delibera em continuar na esfera da ilicitude, resta evidente a má-fé. Confira-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

O réu menospreza os princípios constitucionais aos quais deve obediência no exercício do múnus público que lhe foi outorgado, demonstrando não ter a moralidade necessária àqueles que devem ocupar ou permanecer em cargos públicos. Nesse contexto, a pena de suspensão dos direitos políticos não se mostra desproporcional, mas, ao contrário, necessária.


VI. Conclusão:

                O professor Ives Gandra Martins[17] citando o mestre José Afonso da Silva demonstra a diferença do tratamento constitucional quanto à função das polícias:

Em outras palavras, as polícias civis e militares, fundamentais para manutenção da segurança pública, têm funções nitidamente delimitadas na legislação superior, ou seja, nos dois respectivos parágrafos (...) [18].

                Importante destacar que não se trata de discutir o conceito de Autoridade Policial muito bem ensinado pelo mestre Hélio Tornaghi[19]. A questão é prévia. É de constatar, como muito bem reconhecido pelo Supremo no julgamento da ADI 3416 PR[20], quando o Ministro Cezar Peluso alerta: ‘o problema grave é que, antes da lavratura do termo circunstanciado, o policial militar tem que um juízo jurídico de avaliação dos fatos que lhe são expostos’. Sendo seguindo pelo Ministro Celso Mello que expressa ‘mas o que se mostra grave, aí, são as consequências jurídicas que decorrem, exatamente, da elaboração do termo circunstanciado de ocorrência, e finaliza o Ministro Meneses Direito ‘é exatamente dessa avaliação jurídica. Isso que é o grave’.

                Em síntese, o Delegado de Polícia Daniel Valença[21] conclui:

O Termo Circunstanciado de Ocorrência lavrado pela polícia militar não traz celeridade ao conflito sendo constatada nos locais onde isso ocorre o elevado retorno dos procedimentos a Delegacia de Polícia para complementação de diligências.

A lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência não gera prestigio ao policial militar muito pelo contrário, a pessoa pode inclusive praticar crime contra o policial e o máximo que ele poderá fazer é o registro e permanecer com o infrator no local.

A vítima ficaria totalmente desprotegida e a permanência do autor no mesmo local geraria uma situação de insegurança.

                Outros argumentos extrajurídicos como: deslocamentos até o plantão gera desfalque no policiamento ostensivo, analise realizada nos sistemas policiais verificam sua inconsistência, considerando o baixo índice de ocorrências (cerca de ¼), uma média de 1,64 expedientes lavrados nas sessenta e oito unidades de plantão da Polícia Civil de Minas Gerais, importante destacar que os militares após entregarem a ocorrência e o conduzido são liberados imediatamente, como regra.

                A Constituição da República Federativa do Brasil definiu as atribuições das polícias, o direito internacional em total compatibilidade com a Bíblia Política veda a investigação de civis por militares, também a legislação infraconstitucional. O Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos têm entendimentos nessa mesma linha. A violação dessas normas pode gerar efeitos civis, penais e administrativos.

                Nunca é demais lembrar o constitucionalista Ronald Dworkin que alerta que devemos levar os direitos a sério.


Notas

[1] (J. J. GOMES CANOTILHO - Direito Constitucional, p. 62-63.).

[2]http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf

[3] “Essa vontade de Constituição se origina de três vertentes diversas. Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, igualmente na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação). Assenta-se também na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade

[4] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 37-38.

[5] http://justificando.com/2014/07/01/policia-militar-nao-pode-lavrar-termo-circunstanciado-cada-um-seu-quadrado/

[6] DWORKIN, R. Los derechos en serio. Traducción de M. Guastavino. Barcelona: Ariel, 1984, p. 286-288 e 383-388, em que se sustenta o caráter anti-utilitarista dos direitos fundamentais.

[7] QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: Introdução Critica. Saraiva: 2004. A questão fundamental é dar efetividade ao projeto democrático, maximizando a proteção do cidadão e minimizando a violência, projeto para o qual pouco pode contribuir a intervenção penal, inevitavelmente traumática, cirúrgica e negativa (Garcia-Pablos). Afinal, um Estado que se define Democrático de Direito (CF, art. 1°), que declara com seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, a cidadania, os valores sociais do trabalho, e proclama, como seus objetivos fundamentais, constituir uma sociedade livre, justa e solidária, que promete erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade (art. 3°), não pode nem deve pretender lançar sobre seus jurisdicionados, prematuramente, esse sistema de violência seletiva e discriminatória, que é o sistema penal máxime quando é este mesmo Estado, por ação/omissão, em grande parte co-responsável pelas gravíssimas disfunções sociais que sob seu cetro vicejam pelos dramáticos conflitos que daí derivam.

[8] A Autoridade Policial e as Garantias do Preso nos Tratados de Direitos Humanos Com análise de casos concretos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. http://ruchesterbarbosa.jusbrasil.com.br/artigos/132875918/a-autoridade-policial-e-as-garantias-do-preso-nos-tratados-de-direitos-humanos

[9] SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO PARANÁ COMISSÃO DE DEFESA DE PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA E DE DIREITOS DOS CIDADÃOS PARECER Nº 06/2015. Henrique Hoffmann Monteiro de Castro.

[10] PEREIRA, Eliomar da Silva. Teoria da investigação criminal. São Paulo: Almedina, 2010, p. 185

[11] CAVALCANTI, Danielle Souza de Andrade e Silva. A investigação preliminar nos delitos de competência originária de tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 29.

[12] Polícia Militar não pode lavrar Termo Circunstanciado: cada um no seu quadrado. http://justificando.com/2014/07/01/policia-militar-nao-pode-lavrar-termo-circunstanciado-cada-um-seu-quadrado/

[13] SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO PARANÁ COMISSÃO DE DEFESA DE PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA E DE DIREITOS DOS CIDADÃOS PARECER Nº 06/2015. Henrique Hoffmann Monteiro de Castro.

[14]  CARVALHO, Ricardo Cintra Torres de. A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, n. 12, p. 172, ou./dez. 1995

[15] SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO PARANÁ COMISSÃO DE DEFESA DE PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA E DE DIREITOS DOS CIDADÃOS PARECER Nº 06/2015. Henrique Hoffmann Monteiro de Castro.

[16] CIDH, Caso Nadege Dorzema e Outros vs Republica Dominicana, Sentença de 24/10/2012; CIDH, Caso Castillo Petruzzi e Outros Vs. Perú, Sentença de 30/05/1999; CIDH, Caso Vélez Restrepo e Familiares vs Colombia, Sentença de 03/09/2012

[17] Ives Gandra da Silva Martins: FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS DAS POLÍCIAS MILITARES E CIVIS – COMPETÊNCIAS DE ATRIBUIÇÕES E LEGISLATIVA DISCRIMINADAS PELA LEI SUPREMA – INCONSTITUCIONALIDADE DA INVASÃO DAS COMPETÊNCIAS PRÓPRIAS DA POLÍCIA CIVIL DETERMINADA POR RESOLUÇÃO DE SECRETARIA ESTADUAL – OPINIÃO LEGAL.

[18] José Afonso da Silva esclarece:

“Polícia Civil. É dirigida por delegado de carreira em cada Estado, incumbindo-lhe as funções de polícia judiciária, nos termos já definidos antes, e a apuração de infrações penais, exceto: (a) as de competência da Polícia Federal no âmbito restrito já assinalado; (b) as militares. Isso quer dizer que nenhuma outra organização estatal tem competência para exercer funções de polícia judicial, tal como instauração de inquéritos policiais ou militares, nem o poder investigatório de infrações penais. Afronta radicalmente a Constituição qualquer tentativa no sentido de imitar o sistema italiano, ou o português ou o francês, seja com juizado de instrução, seja com polícia judiciária dirigida por membros de Ministério Público, seja através de investigação criminal feita por promotores de justiça” (grifos meus) (Comentário contextual à Constituição, 7ª. ed., Malheiros Editores, 2010, p. 652).

[19] Aliás o sentido da lei surge cristalino quando se leva em conta o elemento histórico.

Autoridade policiais sempre foram entre nós os chefes de polícia, seus delegados e, por vezes, os comissários. Quem pensaria, por exemplo, em transformar um oficial da Força Pública, em autoridade policial? Fugiria, por inteiro, ao papel das polícias militares. (...)Não são autoridades policiais, no sentido do art.4º:

1.º) os que não perseguem os fins do Estado, mas são apenas órgãos-meios,como por exemplo, os médicos do serviço público, os procuradores de autarquias, os oficiais de Polícia Militar (ou força Pública);

2.º) os que mesmo pertencendo à Polícia em seu sentido amplo, não são polícia judiciária, mas polícia administrativa (ex., Polícia de Parques, corpos de bombeiro) ou polícia de segurança (ex., Força Pública). https://blogdodelegado.wordpress.com/conceito-de-autoridade-policial-na-legislacao-processual-penal-brasileira/

[20] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=495516

[21] http://sindelpolrj.com.br/artigo/10-falacias-sobre-a-lavratura-de-termos-circunstanciados-pela-policia-militar


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