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Educar-se em direitos humanos para uma perspectiva pluralista e inclusiva

Educar-se em direitos humanos para uma perspectiva pluralista e inclusiva

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O presente trabalho tem como objetivo ressaltar a importância dos Direitos Humanos e o quão relevante se apresenta uma política educacional específica voltada para este âmbito, visando inclusão e pluralidade.

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo ressaltar a importância dos Direitos Humanos e o quão relevante se apresenta uma política educacional específica voltada para este âmbito. Em uma sociedade marcada por desigualdades sociais, em que há cisões entre grupos identificados como maiorias e minorias, a educação em Direitos Humanos se apresenta como solução para constituir cidadãos críticos e que saibam que todos são iguais e detentores dos mesmos direitos. Assim, educar-se em Direitos Humanos teria como meta construir uma sociedade mais solidária, fraterna, pluralista, com igualdade em direitos e égide na dignidade humana independente das inúmeras diferenças. Em suma, a educação em Direitos Humanos se resumiria na perspectiva de uma cultura social em direitos humanos, onde todos tenham a convicção de que a violação aos direitos de um homem é a violação dos direitos de todos os homens.

Palavras-chaves: Educação. Direitos Humanos. Pluralidade.


INTRODUÇÃO 

O presente estudo propõe uma reflexão sobre a importância de educar-se em Direitos Humanos para uma maior compreensão que todos os cidadãos, sem exceção, são iguais, mesmo com as inúmeras diferenças, possuindo direitos entrelaçados à dignidade humana.

Mas afinal, o que são Direitos Humanos? Seriam aqueles clássicos direitos naturais? Ou a gama de direitos fundamentais positivados? Ou ainda, seriam os direitos que resultaram de lutas sociais? Fato é que os Direitos Humanos englobam todo um conjunto de direitos ligados ao homem, sendo os imprescindíveis para uma vida digna. E, sobretudo, conforme Dornelle (2006, p.9) assevera que torna: “[...] fundamental entender que os direitos humanos, antes de qualquer coisa, apresentam um claro conteúdo político.”.

Desta forma, os direitos fundamentais (consagrados na Constituição), que representam os Direitos Humanos no plano interno, possuem tal enfoque político, o que enfatiza principalmente a existência do Estado Democrático de Direito, tendo como objetivo o bem comum e a paz social, intimamente ligado à necessidade do reconhecimento dos direitos de todos os homens.

Nesse sentido, necessariamente os direitos fundamentais devem estar pactuados na Carta Política dos Estados Democráticos de Direito, como ressalta Norberto Bobbio: [...] o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas. [...]. (BOBBIO, 2004, p.21).

Celso Lafer, com as palavras de Hannah Arendt, salienta que os Diretos Humanos resultam da ação. Desta forma, não seriam aqueles direitos da Idade Média, advindos de Deus, nem relacionados ao ideal jusnaturalista que os concede como ligados a natureza individual humana, visto que se assim fossem, valeriam mesmo se houvesse um só homem, o que como ressalta o autor: “contraria a condição humana, que é a da pluralidade, pois viver é estar entre os homens, inter homines esse.” (HANNAH apud LAFER, 1988, p.153).

A própria Constituição da República Federativa do Brasil em seu preâmbulo, explicita o modelo de Estado Democrático que se busca concretizar, com a garantia dos direitos fundamentais, sociais e individuais, prescrevendo a existência de valores supremos como a liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça. Mas principalmente, objetivando a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.


1. Direitos Humanos- sociedade de todos os homens

Não importa as diferentes camadas sociais, sexo, idade, religião, ideologia política, os Direitos Humanos são referente a todos, independentemente das inúmeras diferenças biológicas e culturais, visto que todos são humanos, todos possuem os mesmos direitos e garantias, ou seja, a diferença não deve importar em discriminação, mas em uma sociedade pluralista e inclusiva.

Um aspecto relacionado à conscientização dos cidadãos quanto a Direitos Humanos se interliga totalmente ao princípio da dignidade humana, como valor supremo. E um pensador que de forma esplêndida refletiu sobre a dignidade humana foi Kant, que ressaltou:

[...] o ser humano e, de modo geral, todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio do qual esta ou aquela vontade possa servir se a seu latente [...] Os entes, cujo ser na verdade não depende de nossa vontade, mas da natureza, quando irracionais, tem unicamente um valor relativo, como meios, e chamam-se por isso coisas; os entes racionais, ao contrário, denominam-se pessoas, pois são marcados, pela sua própria natureza, como fins em si mesmos; ou seja, como algo que não pode servir simplesmente de meio, que limita, em consequência, nosso livre arbítrio. (KANT apud COMPARATO, 2010, p.33-34).

Assim, a dignidade humana coloca em pauta o valor inerente a todo homem, este que não possui um preço, mas sim valor, que diz respeito à própria natureza humana, constituindo-se pessoa e não em coisa, de forma alguma podendo ser meio para objetivos; o objetivo maior seria justamente o respeito e proteção à pessoa humana, única, insubstituível.

E a importância quanto a cidadãos conscientes da relevância dos Direitos Humanos irá caminhar na lógica referente que todos os homens possuem direitos, prerrogativa de sua própria natureza, que não pode desta forma haver homens destituídos de direitos, principalmente dos fundamentais. E é neste sentido que Hannah Arendt defende a cidadania como direito básico, resultando na máxima de uma sociedade plural em que todos os homens devem possuir: o direito a ter direitos! (HANNAH apud LAFER, 1988, p.162).

Conhecer os Direitos Humanos, e mais, lutar por eles têm que resultar em uma fase mais complexa, que é justamente educar-se hodiernamente em Direitos Humanos, lembrar-se que vivemos em uma comunidade pluralista e que sermos diferente implica igualmente em diferenças alheias.

Quanto à diversidade, inerente a toda sociedade, Hannah Arendt, principalmente ligada à questão da condição humana, possui argumentos sólidos contrário à ideia de homens iguais, sem diferenças, em um âmbito social sem pluralidade, que não possui nenhuma lógica razoável, como ressalta:

[...] reflexão de Hannah Arendt tem como nota constante tanto o horror à unidade, que não capta a diversidade e a pluralidade, quanto a contestação a um conceito monístico do homem, que só vê na diversidade e na pluralidade epifenômenos do Ser. É por isso também que ela inovou substantivamente o pensamento político ao fazer da natalidade a categoria central da política, explicativa e constitutiva da liberdade: “O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por sua vez, só é possível porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo”. (HANNAH apud LAFER, 1988, p.181).

Neste mesmo sentindo configura o pensamento de Fábio Konder Comparato:

[...] a parte mais bela e importante de toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais. (COMPARATO, 2010, p. 13).

Desta forma, a educação em Direitos Humanos serviria justamente para reconhecermos que somos seres iguais, independente das diferenças. Devendo resultar em um maior respeito em relação à diversidade e não na exclusão de grupos transformando-os em minorias, afinal, somos todos humanos, nem superiores e nem inferiores.

É neste sentido, quanto às minorias, que Norberto Bobbio aponta uma solução para o que seria uma sociedade composta de diferentes, no entanto, com respeito a tais diferenças por meio da tolerância, que ele conceitua: “[...] o conceito de tolerância é generalizado para o problema da convivência das minorias étnicas, lingüísticas, raciais, para os que são chamados geralmente de “diferentes”, como, por exemplo, os homossexuais, os loucos ou os deficientes.” (BOBBIO, 2004, p.206).

Norberto Bobbio, para constituir uma sociedade, pluralista e inclusiva, apresenta a tolerância em dois sentidos para tal conquista:

Tolerância em sentido positivo se opõe a intolerância (religiosa, política, racial), ou seja, à indevida exclusão do diferente. Tolerância em sentido negativo se opõe a firmeza nos princípios, ou seja, à justa ou devida exclusão de tudo que pode causar dano ao indivíduo ou à sociedade. (BOBBIO, 2004, p.213).

Em suma, somente por meio de uma educação pautada nos Direitos Humanos é que se pode obter uma sociedade pluralista, fraterna, que faça jus a ideia de direitos ligados a todos os homens, na qual, as diferenças, sejam elas biológicas ou sociais, não desconstituem a igualdade da natureza humana.  


2. Educar-se em Direitos Humanos 

A educação dos cidadãos em Direitos Humanos ocorre pelo processo de cognição, isto é, onde a transmissão de conhecimento pode ser um dos instrumentos hábeis para tal objetivo. E uma das características de individualização do ser humano é sua capacidade racional, de pensar, questionar e conhecer, na qual, deve resultar em soluções para uma sociedade mais humana.

E a informação, direito fundamental, por meio da educação em Direitos Humanos, além de contribuir para uma cultura de cidadãos críticos quanto a seus direitos é um instrumento para objetivar uma cidadania mais ativa, afinal, conhecendo seus direitos poderão exercê-los, lutarem por sua efetivação e denunciarem violações aos Direitos Humanos que não podem se perpetuar.

Assim, educar-se em Direitos Humanos seria se propor a conhecer os direitos e garantias fundamentais inerente a todos os cidadãos, percebendo que os limites dos direitos estão nos direitos de outrem, bem como reconhecendo que a diferença é intrínseca aos seres humanos.

 É preciso, pois, não nos deixarmos sermos seres supérfluos (descartáveis), como diria Celso Lafer (1988, p.113) nas palavras de Hannah Arendt, necessário termos consciência da importância dos Direitos Humanos, e principalmente lutarmos para sua consolidação, pois como ressalta Norberto Bobbio: “[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas [...]”.(BOBBIO, 2004, p.25).

Desta forma, se apresenta explícita a importância de documentos que ao longo do percorrer histórico promulgam os Direitos Humanos, tais como: Declarações de Direitos da Revolução Francesa (1789); Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950); Pactos Internacionais de Direitos Humanos (1966); Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), etc. (COMPRATO, 2010).

Tais documentos devem ser valorizados, justamente pela tamanha importância de se fortalecerem os direitos, se apresentando como fontes históricas para a educação em Direitos Humanos.

Seria o que ressalta Norberto Bobbio (1992, p.43), em sua obra a Era dos Direitos, que a grande questão referente aos direitos fundamentais não é mais sobre seus fundamentos, mas justamente sobre a sua efetivação, necessário que os direitos passem da teoria para o plano concreto. Desta forma, mais do que ressaltar a importância dos Direitos humanos, que também é notória no campo estatal interno dos direitos fundamentais, necessário lutar pela sua real efetivação.

Assim, Bobbio enfatiza que quanto aos direitos humanos, mais do que tentar enquadrá-los em fundamentos absolutos é justamente partir para o campo de sua efetivação, de sua proteção: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.” (BOBBIO, 1992, p.43).

Mas para que os direitos fundamentais sejam efetivados, é necessário, justamente, educar-se em Direitos Humanos, é preciso que os cidadãos reconheçam que todos são portadores dos mesmos direitos e deveres, que é preciso respeitar para se exigir respeito, que de forma mais altruísta se resumiria em: “cuidar do outro é cuidar de si mesmo”. Corroborando, tal educação não apenas neste aspecto, mas de forma prática na melhoria de condição de vida das pessoas, com o uso de políticas públicas que reduzam a violência, pobreza, falta de acesso a saúde e a educação, etc.

Hannah Arendt, em Origens do totalitarismo, relata o Caso Dreyfus, oficial judeu francês, que foi acusado (inocentemente) e condenado por espionagem em favor da Alemanha, em 1894. Dreyfus por ser judeu, o que não era visto com bons olhos, ao contrário, havia um ódio aos judeus, o que acarretou em uma maior dificuldade para a defesa do oficial. Entretanto, entre os defensores de Dreyfus estava Clemenceau, que com égide nos Direitos Humanos, proclamou: “[...] a violação dos diretos de um homem era a violação dos direitos de todos os homens [...]”. (ARENDT, 2012, p. 167).

Esta aclamação de que ‘a violação dos direitos de um homem é a violação dos direitos de todos os homens’, pode se resumir na essência dos Direitos Humanos, da necessidade de se respeitar os direitos e garantias fundamentais, e mais, de lutar por sua efetivação em todos os segmentos, visto que é indissociável que proteger o direito do outro é uma forma de proteger e fazer valer seu próprio direito.

Neste âmbito, o educar-se em direitos humanos está totalmente interligado ao princípio da dignidade humana, que inclusive é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que fortalece a égide de um Estado que se preocupa com o bem comum de seus cidadãos e que está comprometido com a justiça social, e principalmente, como guardião dos direitos fundamentais que são indispensáveis para se falar em uma vida digna.

No Brasil, há inclusive um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que visa justamente consolidar uma sociedade constituída de cidadãos ativos, que pelo conhecimento haja a formação crítica de uma cultura na égide dos direitos humanos, resultando em indivíduos que conheçam seus direitos e garantias, lutem por sua efetivação e saibam realmente a importância dos Direitos Humanos.

Conforme o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2013, p. 18-19) entre os objetivos visados neste aspecto com a educação dos cidadãos se encontra: destacar os Direitos Humanos como forma de estabelecer uma sociedade justa, equitativa e democrática, estabelecer a transversalidade da educação em direitos humanos nas políticas públicas, consolidação do Estado Democrático de Direito, entre outros objetivos como elaborar políticas educacionais para se constituir uma cultura referente aos direitos humanos.

E é justamente na área da educação que se pode alcançar os objetivos traçados para consolidar cidadãos pautados em princípios de Direitos Humanos, conforme preleciona o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: “[...] universo da educação o espaço-tempo privilegiado para formar e consolidar os princípios, os valores e as atitudes capazes de transformar cada ser humano, no humano que queremos ver respeitado em todas as dimensões da vida.” (2013, p.11).

Assim, a educação em direitos humanos se estabelece na perspectiva de uma sociedade mais pluralista e inclusiva se constituindo em um espaço para todos os homens sem segregações em grupos de maiorias e minorias, desta forma, que ao se referir em Direitos Humanos haja de forma explícita a ideia de proclamação e proteção de direitos inerentes a todos os homens.


CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Educar-se em direitos humanos se resume em procurar conhecer e lutar pelos direitos e garantias fundamentais referentes a todos os homens, entender que a diferença é intrínseca à própria essência humana, que viver em comunidade é viver em pluralidade e que todos, independentes desta diversidade, possuem a mesma dignidade.

Assim, educar-se em Direitos Humanos acarretaria numa forma crítica dos cidadãos perceberem a importância de seus direitos fundamentais, da igualdade de tais direitos a todos os homens, da longa trajetória que percorreram até serem realmente positivados e aclamados, a fim de que seja possível uma sociedade mais igualitária (e plural), fraterna, sem preconceito e pautada na justiça.

Por meio da educação em Direitos Humanos é que se pode desconstruir certos paradigmas equivocados referentes a preconceitos, muitas vezes enraizados pelo próprio contexto histórico, sendo uma fórmula para mudar os cenários de injustiças e desigualdades existentes. Enfim, um modo de todos perceberem que não deveria haver grupos, minorias ou maiorias, afinal, o que há em todo o mundo são homens que devem ser respeitados.

A educação em Direitos Humanos, direitos de todos os homens, se resumiria na máxima de compreender a dignidade humana, do respeito às diferenças, da garantia dos direitos fundamentais e, ressaltando novamente, que a violação aos direitos humanos de uma pessoa acarreta a violação dos direitos de todos os homens. Assim, cuidar do outro é cuidar de si mesmo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo - antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. 

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

DORNELLE, João Ricardo W. O que são direitos humanos. São Paulo: Brasiliense, 2006.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.



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