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Contratos de leasing

Contratos de leasing

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INTRODUÇÃO

Os contratos de Arrendamento Mercantil — "leasing", muito utilizado nos tempos atuais, tem causado grandes problemas de ordem financeiras àqueles que celebraram um contrato dessa natureza. Com o decorrer do tempo, a estabilidade da moeda brasileira, trouxe a tona da grande desvantagem de tais contratos, que demonstram em série os abusos do poder econômico, estabelecendo cláusulas repelidas pelo Código de Proteção do Consumidor.

Sendo o contrato de "leasing" um contrato nominado, que envolve vários institutos contratuais, sua natureza jurídica tem sofrido grande distorção quanto ao seu conteúdo, chegando a descaracterizar a estrutura do contrato.

As ações revisionais terão caráter essencial na idealização dos contornos dos contratos de "leasing", visando precipuamente a limitar as práticas abusivas e estruturar os contratos na órbita de sua natureza.

Ainda sob este contexto, necessário de faz adaptar os contratos bancários, neste caso, especificamente os de "leasing", nos moldes do Código de Proteção do Consumidor, que prevê tratamento especial, tratando dos direitos básicos do consumidor que tem sido levado a situações de extrema insignificância diante da Instituição Financeira. Além disso, o mesmo Código rejeita as práticas abusivas, dando total proteção contratual ao consumidor que diante da necessidade, e sem opção de escolha se vê na necessidade de depender de negócios bancários para conseguir sobreviver em seu negócio, assinando contratos que não suportam o mínimo de respeito ao consumidor e distorcem a função social das Instituições Financeiras, como prevê a Constituição Federal.

Diante das imposições dos contratos de adesão, a mora torna-se provável e diante disso, os valores pagos até então, serão levados através de uma liminar de reintegração de posse, deixando o patrimônio do arrendante desprovido do bem, não bastando a inadimplência que irá negativá-lo junto às instituições de crédito, impedindo a sobrevivência dos negócios.

Outro fator importante que deve ser levado em consideração são as taxas de juros cobradas, impraticáveis diante da economia atual, onde em qualquer negócio que se pratique, os preços não tem tido aumento proporcional aos índices aplicados. A dissonância entre a prática comercial ou industrial e os índices aplicados é absurda, além dos juros capitalizados que também merecem análise.

Esses motivos e outras tantas cláusulas que compõem cada contrato, serão analisandos em conjunto, como um só todo que irá compor um negócio jurídico . Ao analisar um contrato de "leasing", deve-se analisar as cláusulas tendo em vista as determinações do Código de Proteção do Consumidor e o fim social das Instituições financeiras, determinados na Constituição Federal.

Vale lembrar que os direitos do arrendante devem ser mantidos e defendidos em juízo, por esse motivo, necessário se faz o estudo, visando atingir a viabilidade das Ações Revisionais. O Código de Proteção do Consumidor deve ser colocado em prática e fazer valer sobre outros interesses.

Para tanto, é necessário inicialmente um estudo sobre o tema analisando o seu conteúdo e prática, no propósito de estabelecer as diretrizes da sua formação, para a sua revisão pelo judiciário.


1. FORMAÇÃO HISTÓRICA

A formação histórica dos contratos de "leasing" busca inspiração em operações realizadas na antigüidade, praticadas por centenas de anos. Tais operações eram difundidas nas operações utilizadas pelo governo ateniense sobre as minas de propriedade do Estado, onde os indivíduos pagavam ao Estado, determinada quantia em dinheiro como garantia de exploração e uma renda anual era fixada com percentagem dos lucros. Ao arrendatário cabia duas opções: vender o minério ou subarrendar o direito à exploração.

Segundo a doutrina, os contratos de "leasing" surgiram no Direito Contemporâneo, nos Estados Unidos da América, na década de 50, recebendo sua estruturação e aplicação. O "leasing" progrediu devidos a três fatores, segundo anota Arnaldo Rizzardo ("Leasing", 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996) em alusão à José Wilson Nogueira de Queiroz: "a) restrição e inacessibilidade do mercado de capitais a prazo médio; b) fiscalização demasiadamente severa com taxas de lucro substancial; c) economia em franca prosperidade com taxas de lucro substancial; d) empresas compelidas a uma renovação rápida de seus equipamentos, em face do célere progresso científico".

Essas foram as razões que acentuaram o grande crescimento do negócio do "leasing", em outras palavras citados por Arnoldo Wald ("A introdução do "leasing" no Brasil", in RT 415/10): "os motivos do sucesso do "leasing" nos Estados Unidos foram a ausência no país de um mercado de capitais para o crédito a médio prazo, uma tributação muito severa no tocante às depreciações, uma economia geralmente próspera com altas percentagens de lucro e a existência de empresas obrigadas a uma renovação contínua e rápida dos seus equipamentos diante do progresso tecnológico".

O instituto do "leasing", assim se tornou em operador de crédito em médio prazo, necessidade das empresa que eram vítimas da depreciação contínua e exagerada, amparada pela legislação rígida que se fundamentava.

Depois de se expandir em todo território americano, o "leasing" surtiu interesse pelos países europeus, que na França foi instituído em 1963, devido à escassez de recursos financeiros concedidos pelas instituições bancárias, e a impossibilidade de aplicação nos investimentos. Na Inglaterra, o "leasing" já tinha seus traços conhecidos na modalidade de locação-compra, em negócios realizados diretamente entre as indústrias, especificamente de máquinas de costura e vagões para locomotivas. O negócio abrangia o aluguel dos bens, e a opção de compra do mesmo que poderia ser exercida livremente. Com o aumento de demandas de investimentos, as instituições financeiras foram conquistando espaço e colaboraram para o grande desenvolvimento do instituto, que na década de 60, através da introdução de companhias americanas, denominou-se "leasing", com regulamentação em 1965.

Assim, seguindo os mesmos caminhos dos Estados Unidos e Inglaterra, os demais continentes foram adaptando-se à nova espécie, e a incorporaram às suas leis.

No Brasil, a sua implantação não tem data definida, mas acredita-se que em 1967 as primeiras operações foram realizadas. A regulamentação ocorreu em 1974, através da Lei 6099, apesar de saber-se que nos grandes centros industriais, como São Paulo e Rio de Janeiro, contratos do tipo "leasing", desde a década de 60, já estavam sendo praticados. A primeira companhia de "leasing" fundada no Brasil foi a "Rent a Maq" em 1967, e mesmo antes da sistematização legal, foi fundada a Associação Brasileira de Empresas de "leasing" - ABEL, visando a regulamentação do instituto e interesses peculiares.

A partir da sistematização do "leasing" em nosso ordenamento jurídico, as regulamentações fizeram aperfeiçoar o tratamento, editando leis e resoluções que travaram do assunto, incrementando as operações. Porém, cerca de 1975, as operações mantiveram-se estagnadas até 1978. E em 1982 o país chegou ao auge das operações, computando um saldo de dois bilhões e meio de dólares de investimentos. E em 1984, as operações foram ampliadas, admitindo-se então o "leasing" para pessoas físicas, para investimentos em setores agropecuários, agro-industriais, e demais atividades rurais, além de firmas individuais e trabalhadores autônomos e profissionais liberais.

Com a universalização do instituto, uma comissão tem estudado a possibilidade de adoção de regras uniformes internacionais para os contratos de "leasing".


2. CONCEITO

O Contrato de "leasing" trazido à nossa legislação pela Res. 980/84, é, sem dúvida, um negócio jurídico realizado entre instituição financeira e cliente, no propósito de oferecer recursos para aquisição de bens, sem que o arrendatário tenha que dispor de capital.

A denominação "leasing", trazida dos países onde teve origem, mas precisamente dos Estados Unidos, como bem recorda Arnaldo Rizzardo (Ob. cit. pág. 12), é composto do sufixo ing que significa continuidade (gerúndio), e o verbo to lease traduzido como alugar ou arrendar.

Sua aplicação é iniciado quando a Instituição financeira, denominada arrendante, adquire o bem indicado pelo arrendatário, e lhe dá em locação por determinado tempo, com opção de compra do mesmo ao término da operação locativa. Assim ocorre nos contratos de "leasing" financeiro.

Em outros casos, nos chamados contratos de lease-back, a instituição financeira adquire o bem do próprio arrendatário, que passa a alugar o mesmo com as mesmas opções do contrato de "leasing" financeiro. Nestes casos, a propriedade do bem, que antes era do arrendatário, passa a ser do arrendante e este o dá em locação ao primeiro. É uma forma de obter capital sem se desfazer do bem.

Outra modalidade é o "leasing" operacional, que ocorre quando o arrendante é o próprio fabricante do bem, assim como ocorria na Inglaterra como citado na evolução histórica do instituto.

A modalidade prática mais encontrada é o "leasing" financeiro e o lease-back, que serão os institutos estudados nesta oportunidade, sem grandes referências ao "leasing" operacional que não possui grande aplicabilidade nos dias atuais.

Arnaldo Rizzardo , identifica o conceito no Direito universal como sendo um contrato de natureza econômica e financeira, pelo qual uma empresa cede em locação a outrem um bem móvel ou imóvel, mediante o pagamento de determinado preço. Para Arnoldo Wald (Ob. cit. pág. 12) trata-se:

de um contrato pelo qual uma empresa, desejando utilizar determinado equipamento, ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira adquira o referido bem, alugando-o ao interessado por prazo certo, admitindo-se que, terminado o prazo locativo, o locatário possa optar entre a devolução do bem, a renovação da locação ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do contrato.

Ainda, de forma didática, Carlos Alberto Di Agustini ("Leasing", 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1995), descreve:

O "leasing" pode ainda ser definido, de maneira mais prática, como um contrato através do qual a empresa de ""leasing"" confere à empresa arrendatária o direito de usar um bem por determinado período de tempo, mediante o pagamento de prestações, sendo regido por cláusulas e tratamento legal específico.

A definição legal trazida pelo artigo 1º da Lei nº 6.099/74 e o artigo 1º da Lei nº 7.132/83 definem o "leasing" como:

Considera-se arrendamento mercantil a operação jurídica realizada entre pessoas jurídicas, que tenham por objeto o arrendamento de bens adquiridos a terceiros pela arrendadora, para fins de uso próprio da arrendatária e não atendam as especificações desta. (Lei 6.099/74)

Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo as especificações da arrendatária e para uso próprio desta. (Lei 7.132/83)


3. NATUREZA JURÍDICA

A natureza jurídica dos contratos de "leasing" é muito discutida entre os doutrinadores brasileiros pois não há determinação legal que o conceitue.

Para a maioria dos autores, o contrato de "leasing" é um contrato atípico, reunindo elementos da locação, do financiamento e da compra e venda. Outros autores, no entanto, o consideram como contrato complexo, e outros ainda, como contratos misto.

No entendimento de Aramy Dornelles da Luz (Negócios jurídicos bancários. 1ª ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais):

O contrato de "leasing" é em linhas gerais, um negócio jurídico de financiamento, que toma a forma de uma locação de bens móveis ou imóveis, onde o locador atribui ao locatário direito de opção entre renovar a locação, devolver o bem ou comprá-lo, pagando então apenas o valor residual nele previsto, findo o prazo contratual.

Segundo ainda, Orlando Gomes (Contratos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense), a modalidade contratual do "leasing" não trata da locação e sim de uma figura bem próxima à locação, cujas regras se lhe aplicam se não há próprias. Da relação locativa distingue-se fundamentalmente, entretanto, pela causa; no conteúdo, apresenta, porém, muitas semelhanças.

Jorge Pereira Andrade (Contratos nominados - doutrina e jurisprudência. Coord. Yussef Said Cahali. Editora Saraiva), em sua obra sobre contratos, traz as posições de alguns doutrinadores pátrios:

Fran Martins: O arrendamento Mercantil é de natureza complexa, compreendendo uma locação, uma promessa unilateral de venda (em virtude de dar o arrendador opção de aquisição do bem pelo arrendatário) e ás vezes um mandato quando é o próprio arrendatário quem trata com o vendedor na escolha do bem. (...) (apud Contratos e obrigações comerciais, 1981)

Waldirio Bulgarelli: Para a empresa ""leasing"", no ""leasing"" financeiro trata-se de operação normal decorrente de seu objeto de atividade, ou seja, a prática de arrendamento com tríplice opção. (...) Conclui que, estruturalmente, a seqüência das obrigações decorrentes do contrato de ""leasing"" caracteriza-o muito mais como misto do que como complexo.(...) (apud Contratos de "leasing". Revista dos Tribunais, São Paulo: nº 13, 1968)

Philomeno Joaquim da Costa: O ""leasing"" é um contrato complexo e não um contrato coligado onde as figuras jurídicas que concorrem para sua formação têm uma causa comum, afunilando-se para um fim determinado. (apud Simpósio Nacional sobre "leasing" - IDORT, 1973)

Assim sendo, passamos a analisar separadamente os institutos jurídicos que envolvem a formação dos contratos de "leasing".


4. DA CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE "LEASING"

4.1 Contrato Misto ou Complexo

Conforme exposto, os contratos de "leasing" são compostos por diversos elementos, que associados, dão origem à um novo contrato nominado "arrendamento mercantil". Tal denominação, não define o conteúdo do contrato de "leasing", tornando assim indefinidas as regras a serem aplicadas à este instituto.

A jurisprudência tem sido diversa quanto à classificação do contrato de "leasing".

O "leasing" financeiro é um contrato complexo, que, não sendo mera locação, assemelha-se à compra e venda com reserva de domínio, ou mesmo ao contrato com cláusulas de alienação fiduciária. Isto leva à aplicação analógica da legislação pertinente a estes institutos. (2ª Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São paulo, 7.2.90, RT, 653:117)

O "leasing" é contrato complexo, consistindo fundamentalmente num arrendamento mercantil com promessa de venda do bem após o término do prazo contratual, servindo então as prestações, como pagamento antecipado da maior parte do preço. (4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, 23.3.93, Revista do STJ, 50:217, e Repertório IOB de Jurisprudência, 3:8657)

Arnaldo Rizzardo (ob. cit., p. 12) defende o mesmo posicionamento da jurisprudência acima:

O instituto mereceu, por conseguinte, tratamento legal, sendo suas operações típicas, e constituindo um contrato complexo pela combinação de dois ou mais elementos próprios, ou subcontratos, que vêm a formar uma unidade nova, pela sua fusão, na criação de um relacionamento mais complexo e extenso do que resultaria da união de vontades através dos elementos integrantes.

O contrato de "leasing", apesar de trazer aspectos de outros contratos típicos, como já citado acima, é um contrato autônomo, que segundo Orlando Gomes (ob. cit., p. 16), resulta da combinação de elementos de diferentes contratos, formando nova espécie contratual não esquematizada na lei.

Dessa forma, essa corrente doutrinária afirma que o contrato de "leasing" é um contrato misto, composto de elementos e aspectos de outros contratos, tornando-os inseparáveis, tendo uma função comum, que é assegurar o resultado do negócio jurídico. O descumprimento ou a inexistência de um desses elementos, descaracterizam o contrato de "leasing", frustando seu resultado.

4.2 Do Contrato de Adesão

O contrato de adesão se caracteriza pela forma de sua constituição. Nesse tipo de contrato somente uma das partes elabora as cláusulas contratuais, e a parte aderente, fica condicionada à aceitação de sua totalidade, sem participação e discussão de cláusulas. As cláusulas contratuais são impostas ao aderente, que tem como faculdade, aceitá-las ou recusar-se a celebrar o contrato.

Essas cláusulas, pré-elaboradas, para prevalecer uma das partes, têm sido muito questionadas na doutrina, e foram limitadas pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme veremos adiante.

Não nos restam dúvidas que os contratos de "leasing" são de adesão, pois como todos os outros contratos bancários, a Instituição Financeira, os elabora em impressos próprios e os aplicam a qualquer pessoa que queira celebrar um contrato de mesma natureza. Não há ajustamento de particular para particular. As cláusulas contratuais são uniformes e aplicáveis em qualquer hipótese.

Para tanto, a interpretação de cláusulas de um contrato de adesão necessita ser feita com muito cuidado, vez que não houve participação bilateral em sua formação, e isso pode causar dúvidas ao aderente, que teve boa-fé e as aceitou em bloco, desconhecendo o conteúdo pragmático das cláusulas. Orlando Gomes observa bem (ob. cit., p. 16):

Mas, mesmo que possua natureza contratual, a singularidade da sua estruturação não permite seja interpretado do mesmo modo que os contratos comuns, porque é relação jurídica em que há predomínio categórico da vontade de uma das partes. É de se aceitar, como diretriz hermenêutica, a regra segundo a qual, em caso de dúvida, as cláusulas do contrato de adesão devem ser interpretadas contra a parte que as ditou.

Silvio Rodrigues, elenca algumas regras de hermenêutica, que devem ser aplicadas na interpretação dos contratos. A primeira delas, já citada acima, determina que em caso de dúvidas, a interpretação deverá ser feita em favor de quem aderiu ao contrato; as cláusulas devem ser diferenciadas entre principais e acessórias para determinar a força vinculante daquelas que chamaram a atenção do aderente, e finalmente, deve-se dar maior valia às cláusulas escritas, que tendem a revogar o conteúdo das impressas.

Dessa forma, é clara a adaptação dos contratos de "leasing" dentro dos contratos de adesão, pois o arrendante ao assinar um contrato de "leasing" está mais preocupado com o negócio que se está celebrando do que com o conteúdo de um contrato que lhe é imposto em cláusulas impressas que não despertam qualquer interesse na leitura, pois, além de serem pré-dispostas, são impressas de modo que dificultam a leitura, não sendo inteligíveis à primeira vista, necessitando de maior esforço, e quem sabe, de auxilio profissional para sua total compreensão.

O Dr. Roberto W. Amarante em seu brilhante artigo (Contratos bancários, de quem é a culpa? in Revista Jurídica nº 226) constata que:

neste passo, imperioso lembrar que a maioria dos contratos bancários constituem-se em pactos de adesão, não havendo possibilidade de uma ampla discussão das cláusulas no momento da contratação, restando ao mutuário apenas a possibilidade de aderir ao que já está previamente estabelecido pelo conglomerado econômico.

Os ensinamentos de Nelson Nery Junior (Código de Defesa do Consumidor, Ed. Forense Universitária, 4ª ed., 1995, págs. 300 e 302), de valioso conteúdo, eleva que:

Os contratos de adesão são a concretização das cláusulas contratuais gerais, que enquanto não aceitas pelo aderente são abstratas e estáticas, e, portanto, não se configuram ainda como contrato. As cláusulas gerais de contratação tornar-se-ão contrato de adesão, dinâmicas, portanto, se e quando forem aceitas pelo aderente.

No mesmo artigo, traz a posição da Dra. Helena Cunha Vieira: são os primeiros (contratos bancários) como facilmente se constata, tipicamente de adesão, com cláusulas impostas e até incompreensíveis, assinando o aderente o contrato muitas vezes sem que tenha condições de saber com segurança o conteúdo da avença.

Em apelação civil da 5ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, decidiu-se: ... O apelante está esquecido de que tais regras devem ser atenuadas quando se trata de contratos de adesão, cujas cláusulas gerais diminuem sensivelmente a aplicação e o respeito ao enunciado da autonomia da vontade e aos que dele derivam, em razão das peculiaridades destes contratos de massa.

Por esses motivos, o Judiciário tem amenizado a soberania de cláusulas que prejudicam o arrendatário em favor do arrendante, detentor do poder econômico, através de lides que discutem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor bem como nulidade e abusividade de cláusulas contratuais.


5. DOS ELEMENTOS JURÍDICOS

5.1 DA LOCAÇÃO

A locação tem sua essência nos contratos de "leasing", porém não é capaz de defini-lo como tal. O caráter locativo está na composição do contrato, pois a propriedade do bem é do arrendante, com a posse ao arrendatário, mediante pagamento de renda mensal.

A posição da doutrina é unânime ao localizar a locação na essência do contrato de "leasing". Porém, faz-se necessário lembrar que, as parcelas cobradas como contraprestação nos contratos não estão compostas exclusivamente de caráter locativo. Seu valor é sempre além do que se poderia considerar como justo nos casos de locação. Nas contraprestação, em muitas vezes, estão embutidos parcelas de juros, depreciação, lucros da instituição e prestação de serviços, que fogem do âmbito da locação. Se fossemos considerar uma locação pura e simples, o valor dado em contraprestação deveria conter apenas o aluguel do bem.

Dessa forma, não nos parece muito viável considerar que os valores pagos a título de contraprestação são aluguéis do bem. A locação apenas se insinua, mas não se concretiza, existe uma aproximação contratual mas não uma incorporação elementar.

Paulo Restiffe (Locação - Questões Processuais, 3ª ed., p. 7) argumenta muito bem sobre o contrato de "leasing":

tem na locação a médio prazo a sua essência, com a eventualidade de transformar-se ao final em venda, em que as importâncias pagas a título de aluguel passam a constituir parte do pagamento do preço estimado, segundo as conveniências do empresário-locatário, isto é, o aluguel converte-se em amortização da dívida que, ao final, pode surgir da efetivação da compra e venda desde o início possibilitada na opção franqueada do locatário.

É certo que a primeira vista, pode-se perceber o caráter locativo, mas ao analisar o contrato e ser surpreendido com a opção de compra do bem mediante pagamento de valor residual garantido fixado em quantia ínfima, nada mais coerente do que atribuir aos pagamentos mensais o caráter de locação em simbiose com o financiamento cumulado com o interesse da instituição, ou seja, lucros, custos administrativos e financeiros e depreciação do bem, pois não se poderia explicar a aquisição do bem mediante pagamento tão somente irrisório. São por esses motivos que podemos perceber que a locação não tem caráter predominante nos contratos de "leasing". O que se procura é disfarçar o financiamento através de prestações que são denominadas alugueis.

Arnaldo Rizzardo (ob. cit., p. 12) comenta: Em suma, é a figura em exame uma alternativa de financiamento para aquisição de qualquer tipo de veículo, máquina ou equipamento de fabricação nacional ou estrangeira, novo ou usado, incluindo também, financiamento de imóveis. (Grifo nosso). E continua adiante:

Mas é sabido que, no "leasing" financeiro e no "lease back", as prestações não se equiparam a simples aluguéis. Mais que isso, significam a própria satisfação do preço do bem, tanto que, no final, para dar-se a transferência de propriedade a favor do usuário, basta exercer o direito à opção e depositar a quantia residual prevista, que é insignificante em comparação do preço real do material locado.

Ainda em sua obra (ob. cit., p. 12), Arnaldo Rizzardo confirma nosso posicionamento trazendo parecer de José Wilson Nogueira de Queiroz:

engloba integralmente o total dos custos, que a operação deverá supor, bem como o acréscimo do lucro, o que poderia dificultar a consideração do ""leasing"" como uma locação pura e simples, de vez que o uso da coisa não é dado ao locatário mediante a contraprestação equivalente ao uso da coisa. (apud Arrendamento Mercantil ("leasing"). 2ª ed., Rio, Forense, 1983.)

Diante de tais considerações, podemos crer que as contraprestações não são pagamentos de aluguel mensal, mas sim, o conjunto: locação mais as figuras do financiamento. O caráter locatício está envolto por outros elementos estranhos à sua natureza, portanto não podemos considerar o contrato de ""leasing"" como uma locação, com promessa de compra e venda, e sim, locação com caráter de financiamento, ou seja: parcela de aluguel, mais parcela de amortização do valor do bem, diante disto, podemos dizer que a compra e venda já se efetivou através de parcelas mensais. É o que passamos a analisar.

5.2 DA COMPRA E VENDA

Mediante o pagamento das parcelas do contrato de ""leasing"", está se consumando a compra e venda do bem, pois, como já exposto, em cada contraprestação, tem-se o valor da amortização do bem, portanto, as parcelas pagas significam em parte, o pagamento do preço do bem, caracterizando superficialmente a compra e venda a prazo.

Na compra e venda a prazo, o preço é pago em prestações, e a propriedade somente se transfere ao comprador depois do pagamento total. Assim como ocorre nos contratos de ""leasing"" onde o valor residual garantido foi fixado em quantia ínfima, ao final do tempo determinado, quitando-se as contraprestações, a instituição arrendante dá a opção ao arrendatário de "adquirir" o bem mediante pagamento do valor residual garantido.

Nos casos em que o arrendatário opta pelo pagamento do valor residual garantido, ele está nada mais do que consumando a compra e venda através do pagamento da última parcela, momento pelo qual estará recebendo a propriedade do referido bem. No entanto, se o arrendatário optar pela devolução do bem, ele perderá os valores pagos "obscuramente" a título de preço diluído nas prestações, sofrendo grandes prejuízos.

Vale lembrar que estes argumentos devem ser levados em consideração em tratando-se de contratos de "leasing" quando o valor residual garantido foi fixado conforme já exposto, em valor simbólico, como acontece na maioria dos casos.

Se a propriedade somente se transfere depois de pagas as contraprestações e o valor residual garantido, encontramos um figura bem próxima à venda a prazo com reserva de domínio.

Orlando Gomes define (ob. cit., p. 16): A reserva de domínio é o pacto adjeto ao contrato de compra e venda pelo qual o comprador só adquire a propriedade da coisa ao integralizar o pagamento do preço, não obstante investir-se em sua posse desde o momento da celebração do contrato. Porém, o mesmo autor afasta a hipótese de aplicação de venda a prazo com reserva de domínio pois na venda com reserva o concedente se obriga a transferir a propriedade do bem, depois de pagas as prestações, já no contrato de "leasing" não existe a obrigação e sim uma faculdade do arrendatário de optar pela compra no final do contrato.

Assim sendo, como encontra-se nas prestações um aparência de locação, encontramos uma figura bem próxima à venda a prazo com reserva de domínio, mas não podemos defini-la como tal. A compra e venda é instituto que se demonstra nos contratos de "leasing", mas o pacto adjeto da reserva de domínio não pode estar explícito na sua natureza jurídica. A compra e venda, apesar de, como já vimos, estar presente nas prestações, somente se consuma no pagamento por opção do valor residual garantido.

5.3 DO FINANCIAMENTO

Outra figura citada por autores na natureza jurídica dos contratos de "leasing" é o financiamento.

O financiamento é o meio pelo qual a instituição financeira concede crédito à terceiro, para aquisição de bens, recebendo deste o crédito que lhe cedeu, mediante pagamento de taxa de juros fixada, capaz de sustentar os lucros da instituição e custos administrativos e financeiros.

Assim como no financiamento estão incluídas no valor final da operação, lucros e custos, os contratos de "leasing" também estão compostos por tais elementos.

Para o pagamento das prestações, como já explanado alhures, tem-se o valor do aluguel, a depreciação do bem e a essência do financiamento: lucros e custos, pois as prestações são fixadas bem além do valor ideal para locação.

Carlos Alberto Di Agustini (ob. cit., p. 16) faz a distinção entre o financiamento e o "leasing": no financiamento, o usuário (adquirente) adquire o bem com recursos provenientes de terceiros, passando a ter o direito de posse e uso do mesmo. E continua: Nesse caso, o bem é registrado no ativo permanente do adquirente e o financiamento gera uma passível exigível. Em determinados contratos, o adquirente pode alienar o bem como garantia da dívida contraída, pela figura jurídica denominada de "alienação fiduciária".

Como se pode perceber, são duas figuras bem distintas, mas bem próximas. No financiamento, há a transferência de propriedade, apesar da alienação, e no "leasing" a transferência somente se efetivará depois da opção de compra pelo arrendatário.


6. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O art. 3º define o conceito de fornecedor, incluindo nestes os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. Deixa, portanto, bem claro o interesse do legislador em incluir os usuários de serviços de tais instituições na Defesa legal do Código de Defesa do Consumidor.

Toshio Mukai (Comentários ao código de proteção do consumidor. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991) analisa o parágrafo segundo deste artigo: Já o art. 2º deste artigo define o que seja serviço, fazendo-o também de modo amplo. É sempre atividade que seja fornecida no mercado de consumo mediante remuneração. Assim se considerando, é perfeitamente admissível a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de "leasing".

Esse mesmo Código veda a prática abusiva nos contratos de crédito e similares. Além disso, dispõe em capítulo específico sobre os contratos de adesão. Portanto, os contratos de "leasing", especificamente, estão duplamente amparados pelo Código de Defesa do Consumidor.

A jurisprudência tem se mostrado indefinida quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contrato de "leasing" . O Tribunal de Alçada Civil tem entendido:

Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de arrendamento mercantil, sendo amplamente admitido o foro de eleição no contrato. (2[ Câmara do Tribunal de Alçada Civil do Rio de Janeiro, Apelação 5.304/93, 27.5.93, Repertório IOB de Jurisprudência, 3:9165)

Clóvis V. do Couto e Silva traz que no termo genérico, consumidor estão todos os que se utilizam de bens e serviços, incluindo-se, também, os serviços financeiros ou de crédito (no simpósio sobre As Condições Gerais dos Contratos Bancários e a Ordem Pública Econômica, realizado em Curitiba, nos dias 24, 25 e 26 de agosto de 1988, por iniciativa do Tribunal de Alçada do Paraná).

Não nos resta dúvida que o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado nos contratos de "leasing", seja por efeito do art. 4º do referido estatuto, seja por tratar-se de contrato de adesão.

Sendo assim, as cláusulas do contrato de "leasing" devem estar de acordo com as normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, evitando-se a lesão contratual em desfavorecimento do arrendatário.

6.1 DA LESÃO CONTRATUAL

Depois de verificados os elementos que compõem a natureza jurídica dos contratos de "leasing", sua classificação como contrato de adesão e Defesa face ao Código de Defesa do Consumidor, devemos estabelecer argumentos sobre as lesões contratuais, tendo em vista o referido Código e a Constituição Federal.

A lesão contratual que mais nos oferece argumentos são as cláusulas abusivas. A abusividade de uma cláusula é de fácil detectação. Deve-se levar em consideração a boa-fé contratual, de modo que as cláusulas que contiverem exagerados benefícios para uma das partes, e levando-se em consideração os objetivos contratuais, pode ser percebido o desequilíbrio das partes, como por exemplo, nos casos de eleição de foro que limita a atuação jurisdicional provocada pelo aderente, em comarca da sede da instituição, e permite à esta, a faculdade de eleger o foro que melhor lhe convier. Isso é uma cláusula abusiva que deve ser limitada pelo poder judiciário, pois dificulta o acesso ao mesmo para o aderente e o facilita para a Instituição financeira.

O Dr. Marcio Mello Casado (Considerações sobre a lesão nos contratos. Revista Jurídica nº 226) explica: O lesado vê-se minorizado perante a outra parte, pois esta é que "dita as regras", é ela que determina as condições do contrato, normalmente por deter o poder econômico.

Não se pode considerar contrato lesionário comparado a um mau contrato, o mau contrato trata de um negócio mau feito, enquanto que o contrato lesionário, cuida de um contrato perfeito, que em fator de algumas cláusulas contratuais o tornam lesivo.

Devido a preponderância dos interesses do poder econômico sobre os interesses do particular, faz-se necessário que o Judiciário interfira nessas relação, fazendo valer o equilíbrio e a boa-fé entre as partes. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a teoria da lesão ganhou força, afastando a teoria da intangibilidade da vontade contratual: "pacta sunt servanda", limitando o princípio de que o contrato somente poderá ser modificado através da vontade das partes. Ao judiciário agora é permitido a revisão contratual, conforme § 4º do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 51, § 4º: É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Em comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Alberto do Amaral Junior trata do assunto (Toshio Mukai et al. ob. cit., p. 32):

O controle das cláusulas contratuais abusivas, tal como instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, em absoluto se choca com o princípio da liberdade contratual, pela simples razão de que este princípio não pode ser invocado pela parte que se encontra em condições de exercer o monopólio de produção das cláusulas contratuais , a ponto de tornar difícil ou mesmo impossível a liberdade contratual do aderente.

6.2 DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

O art. 39 do Código de Defesa do Consumidor é exaustivo ao determinar as práticas abusivas. Elenca nove práticas que são consideradas lesivas ao consumidor, enquanto que o art. 51 do mesmo estatuto estabelece o que são consideradas cláusulas abusivas, declarando-as nulas de pleno direito.

A primeira delas, trata da responsabilidade do fornecedor pelos produtos colocados no mercado. Nos casos dos contratos de "leasing", essa cláusula é de importância, visto que, o bem adquirido pela arrendante, para uso da arrendatária, conforme disposição contratual verificada na maioria dos casos, prevêem que a responsabilidade por vícios de qualquer natureza é do fornecedor do bem, ou seja, a empresa da qual a instituição adquiriu o bem para oferecê-lo em arrendamento mercantil ao arrendatário, e que caberá a este, reclamar pela reparação dos vícios.

Esse inciso deve ser analisado juntamente com o inciso III do mesmo artigo.

Nesse aspecto, verifica-se a abusividade das cláusulas, pois, o arrendatário, faz a opção pelo bem que necessita, e a arrendante se incumbe de adquiri-lo para o uso daquele. Ora, se ocorrer algum vício oculto nesse bem, a responsabilidade deveria ser da arrendante, senão vejamos:

a) Levando-se em consideração o caráter locativo do "leasing", os vícios sobre o bem locado são de responsabilidade do locador. Se, por exemplo, alguém loca uma residência e dado algum tempo, essa residência apresenta rachaduras que impedem o seu uso (vícios ocultos), o locatário desocupa o imóvel e tem o contrato rescindido, conforme dispõe o art. 22, IV da Lei 8.245/1991. Dessa forma, nada mais justo que responder o arrendante pelos vícios ocultos do bem, objeto do contrato de "leasing", suspendendo-se o pagamento das prestações até que o vício seja sanado.

b) considerando ainda, o caráter de compra e venda, ainda assim, a responsabilidade pelos vícios são da arrendante. Ao adquirir, mesmo que mediante pagamento parcelado (valor residual garantido diluído nas prestações) o bem, o fornecedor (antigo proprietário) é a instituição financeira, e é ela a responsável pelo bem alienado.

O inciso segundo não merece menor atenção. A opção de reembolso de que trata esse dispositivo também é indiferente nos contratos de "leasing". Em falando-se em maioria de contratos já analisados, podemos perceber a freqüência com que esta cláusula é infringida nestes tipos de contrato. Determinam os contratos de "leasing" que se na vigência do referido contrato, a arrendatária optar pela devolução do bem, perderá as quantias pagas e além disso, deverá reembolsar a arrendante em verificando-se diferença entre o produto do bem vendido e a soma das parcelas vincendas.

É de total abusividade as cláusulas que tratam desse conteúdo, ainda mais, naqueles casos em que o valor residual garantido é pago diluído nas contraprestações. Conforme já explanado, as contraprestações estão compostas por aluguel, amortização do bem, lucros da instituição e taxas de administração. Dessa forma, após o pagamento de parcelas contratuais, o arrendatário vem quitando parcialmente o valor do bem. Neste caso, se resolver pela devolução do mesmo, não terá de volta os valores pagos a título de amortização, pois, propositadamente, essas parcelas estão identificadas somente como aluguel.

A cláusula IV trata das obrigações consideradas iníquas, abusivas, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, que colocam o consumidor em grande desvantagem. Aqui trataremos da onerosidade dos contratos de "leasing".

As taxas de juros aplicadas nos contratos de "leasing" têm sido analisadas por economistas como taxas inaplicáveis, que colocam o consumidor-arrendatário em situação de inadimplemento previsível. As taxas aplicadas nos percentuais de 10, 15, ou 20% é inadimplível pois, na realidade econômica, com inflação praticamente estável, oscilando em 12% ao ano, é inaceitável que algumas instituições insistam na utilização de tais taxas (lato sensu).

Dr. Roberto W. Amarante (ob. cit., p. 23) pondera que:

Ocorre que pagar taxas de juros ("lato sensu") de 10%, 15%, 18% ou mais, é suicídio administrativo. Não há atividade lícita atualmente que proporcione o lucro suficiente para cobrir o pagamento de tal encargo financeiro, e a tendência de todo aquele que se lança na senda dos pagadores de juros culmina por ser a bancarrota, a quebra total, com a inevitável inadimplência. ... O lucro - "spread"- do banco e demais instituições financeiras, hoje, é perfeitamente viável num patamar de 3,0% a.m. ... Quando o adimplemento torna-se impossível por força da excessiva onerosidade imposta, que exige da outra parte, gasto absurdo, que o sacrifica inteiramente, sujeitando-o a perda material intolerável, não ocorre mora por parte do devedor.

Devemos ainda considerar, que por tratar-se de contratos de "leasing", o prazo para pagamento é estendido a 2, 3 anos, não podendo o arrendatário antever a economia diante das cláusulas expressas em fórmulas inteligíveis ao homem médio.

Além das taxas de juros, há a correção monetária, muitas vezes mascarada por índices que não revelam a verdadeira correção da moeda, e sim que espelham os interesses das instituições e que são ditadas por elas, conforme seus recursos de captação de lucros. É o caso da TR (Taxa Referencial). Além da Taxa Referencial, outras têm sido usadas e denominadas por correção monetária, mas que devem estar sempre sob os olhares do Poder Judiciário, evitando a abusividade contratual.

Outro fator importante observado nos contratos de "leasing" é a capitalização de juros - anatocismo - combatido pelo Judiciário, e sumulada (Súm. 121 do STF), mas que tem sido ignorada nos contratos bancários em geral.

Os demais incisos do Art. 51, merecem análise aplicada aos casos em concreto, fazendo-se valer as regras do Código de Defesa do Consumidor, sobre os interesses manipuladores e inconseqüentes do Poder Econômico. Esse processo de concientização sobre os direitos do consumidor e os deveres das instituições Financeiras, na finalidade de fazer valer os princípios constitucionais, é dever do Judiciário, e é através deles que a sociedade poderá buscar saída às dificuldades econômicas de quem depende de crédito para ter seu negócio adiante.

Infelizmente, a instituição financeira, não atende à expectativa para que fora criado, conforme a Constituição Federal, senão vejamos:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado e, lei complementar, que disporá, inclusive sobre: ...

É função social das instituições financeiras a promoção do desenvolvimento social equilibrado, e não promover a inadimplência e sacrifício de consumidores e empresas que geram recursos sociais, empregos, impostos, etc. Os interesses da coletividade estão muito longe de ser amparados pelo poder econômico, aliás, seus interesses tem sido cada vez mais abusar de contratos de crédito de modo que proporcione angariação de lucros inconcebíveis na sociedade brasileira. É da inadimplência e insolvência que as instituições financeiras têm obtido recursos (leia-se lucros). E são por essas razões que o Poder Judiciário deve intervir, través do pleito de revisões contratuais.


7. DAS AÇÕES REVISIONAIS

Conforme citado acima, os contratos que possuem cláusulas leoninas, devem ser revistos pelo judiciário considerando-se nulas as cláusulas que infringem o dispositivo no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. O acesso ao judiciário tem sido gradual e os consumidores ainda têm encontrado certa dificuldade de caracterizar os contratos de "leasing" como contratos lesivos que são repelidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Muitos Juizes não tem aplicado as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, entendendo que as normas do referido estatuto somente atingem as relações de consumo, e a relação do cliente com as instituições financeiras não envolvem consumo.

Arnoldo Wald (Lei de Defesa do Consumidor, Cadernos IBCB 22) ratifica esse posicionamento:

b) a nova lei também não se aplica às operações de empréstimos e outras análogas realizadas pelos Bancos, pois, o dinheiro e o crédito não constituem produtos adquiridos ou usados pelo destinatário final, sendo ao contrário, instrumentos ou meios de pagamentos, que circulam na sociedade e em relação aos quais não há destinatário final (a não ser os colecionadores de moeda e o Banco Central, quando retira a moeda de circulação).

As instituições financeiras, em suas operações, ativas ou passivas, não podem ser consideradas como produtoras ou fornecedoras de serviços. À luz do Código de Defesa do Consumidor, só se caracterizariam como fornecedoras quando efetivamente prestassem serviços (art. 3º, § 2º, da L. 8.078/90)

Porém, a corrente doutrinária majoritária é do posicionamento da abrangência das instituições financeiras pelo Código de Defesa do Consumidor, como já exposto alhures.

As ações revisionais intentadas, tem vindo de encontro com o princípio da manifestação da vontade para alteração contratual, em virtude da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Ao Judiciário agora é permitido rever as cláusulas contratuais, controlando supremacia de interesses do poder economicamente mais forte (instituições financeiras) em face aos consumidores. Como bem posiciona-se Cláudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. RT, 1992, pág. 60):

É o intervencionismo estatal, que, ao editar leis específicas, pode, por exemplo, inserir no quadro das relações contratuais novas obrigações (...), mesmo que as partes não as queiram, não as tenham previsto "ou as tenham expressamente excluído no instrumento contratual".

(...) Assim também, a vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juizes para interpretar um instrumento contratual. A evolução doutrinária do direito dos contratos já pleiteava uma interpretação teleológica do contrato, um respeito maios pelos interesses sociais envolvidos, pelas expectativas legítimas das partes, especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré-elaborados.

O Art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, elenca os requisitos obrigatórios na celebração do contrato. Tais requisitos devem ser de suma importância na análise do contrato em ação revisional, podendo a partir desse momento estabelecer se houve má-fé. Havendo supressão de um desses requisitos, pode-se perceber a lesividade e a má-fé contratual, que deve rigorosamente ser repelida pelo judiciário.

Os contratos devem sempre elevar a vontade das partes, harmonizando os interesses, alcançando um acordo satisfatório para ambas as partes. O Projeto de Código Civil, prevê a intervenção do judiciário nas relações contratuais (Projeto de Lei nº 634-B/75) trazendo um artigo sobre a onerosidade excessiva nos contratos:

Seção IV
Da resolução por onerosidade excessiva

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contratos.

Os efeitos da sentença, que a decretar, retroagirão à data da citação.

Como se pode perceber, a tendência é realmente a intervenção do judiciário nas relações contratuais. Nos contratos de "leasing", enquadrado em operação de crédito, as mesmas considerações tem sido elevadas. O tratamento diferenciado que é dado às instituições financeiras, deixando ao seu livre arbítrio as cláusulas contratuais, bem como as taxas aplicadas, não encontra respaldo na Constituição Federal, pois, como já citado, as instituições financeiras devem ter caráter social, com finalidade de promover o desenvolvimento equilibrado e atender aos interesses da coletividade. E ainda, a aplicação de juros superiores a 12% ao ano é literalmente proibida pela nossa Carta Magna.

Dr. Roberto W. Amarante discute (ob. cit., p. 23):

Com efeito não existe nenhum argumento plausível para que se dê tratamento diferenciado aos bancos, também discutível a posição do STF, em negar aplicabilidade ao art. 192, § 3º da CF, uma vez que o dispositivo está tecnicamente perfeito e resolvido, se alga há para regulamentar, certamente não é o conceito de "taxas de juros", "juros" ou "juros legais". Neste sentido se manifestou com propriedade o então Min. Paulo Brossard, que também entende serem auto-aplicáveis as disposições constitucionais proibitivas, não sendo necessário norma que regulamente o que nelas já está contido.

Dessa forma, é necessário que o Poder Judiciário lance mão de todos os meios que possa ter para promover o equilíbrio nas relações que envolvem instituições financeiras e consumidores. Seria ferir o princípio do acesso ao Judiciário, negar provimento as ações revisionais, pois trata-se de direito de cidadania. Brilhante e sensível a posição do Dr. Eugênio Facchini Neto, Juiz de Direito da 3º Vara Cível de Passo Fundo, concluindo que:

(...) o exercício de um direito por parte do autor (direito de acesso ao Judiciário para ver discutidas e revisadas algumas cláusulas do seu contrato), não pode acarretar prejuízos ao mesmo, o que ocorreria se, para evitar o desapossamento do bem, tivesse que efetuar o pagamento das importâncias exigidas pela requerida (Proc. nº 21196001800)

O ilustre Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Presidente Prudente Dr. Eduardo Gesse, com brilhantismo tem entendido a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas ações revisionais de "leasing":

(...) Pois bem, a requerente não se conforme com algumas condições estabelecidas no contrato firmado entre os demandantes e almeja anulá-las. É evidente que ela não poderia alterar unilateralmente o contrato. Necessita, portanto, da intervenção judicial. A via eleita pela requerente, inegavelmente, é adequada. Não há pois que se falar em falta de interesse de agir.

(...) A vulnerabilidade do arrendatário em contratos dessa natureza é marcante, bom como não se pode negar que ele ostenta a condição de destinatário final e o arrendador pode e deve ser equiparado como fornecedor do bem arrendado, de modo que pode ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor para anular cláusulas que geram obrigações sem vantagens para o arrendatário, ou que para este sejam excessivamente onerosas.

Dessa forma, podemos concluir indubitavelmente que as ações revisionais de contrato de "leasing" é o meio adequado para requerer provimento jurisdicional no sentido de ver-se valer as normas do Código de Defesa do Consumidor, limitando assim, a soberania e ostentação de poder econômico ante os institutos contratuais, como o contrato de "leasing". A prestação jurisdicional é imprescindível à equiparação das partes e igualdade de condições suprimidas nos contratos atuais, onde o poder dita as regras e o economicamente mais fraco e dependente de crédito as adere em bloco e se submete ao rigorismo e abusividade de suas cláusulas.


8. CONCLUSÃO

O contrato de "leasing", trata do negócio realizado entre a instituição financeira e o cliente, no propósito de oferecer recursos para utilização de bens, sem a necessidade de sua aquisição.

A natureza jurídica dos contratos de leasing, muito discutida doureinariamente traz a posição de grandes doutrinadores, das quais podemos destacar a classificação contratual desse instituto como contrato misto, conforme posição de Orlando Gomes. Tratando-se de contrato misto, sua composição é assemelhada a alguns institutos jurídicos contatuais, como a locação, a compra e venda e o financiamento. O contrato de leasing é insituto autônomo, tem sua própria definição, mas está composto por características diversas, que juntas asseguram o resultado do negócio.

A essência de locação é marcante na natureza do contrato de leasing. O pagamento de contraprestações mensais, figuram como alugueres, mas assim não podem ser consideradas, pois estão compostas de outros elementos, como taxa de depreciação do bem, juros, lucros da instituição e prestação de serviços. Dessa forma, o caráter locativo apenas se insinua nos contratos de leasing.

Os aspectos da compra e venda a prazo, também surgem nos contratos de leasing, mas de forma superficial, eis que as parcelas pagas mensalmente, são consideradas como alugueis, e a opção de compra do bem somente se consumará com o pagamento do valor residual garantido. A compra e venda a prazo não é aplicadas aos contratos de leasing porque no final do contrato, o arrendatário não está obrigado à adquirir o bem. Trata-se de uma faculdade que poderá ser exercida ou não. Em exercendo-a, tem-se consumada a compra e venda, caso contrário, o bem é devolvido e os valores pagos nas parcelas, passam a ter caráter exclusivamente de locação, pois o contrato não prevê a devolução de valores pagos a título de amortização do bem quando da devolução.

Outra característica importante dos contratos de leasing é a do financiamento. Nestes contratos, no valor final da operação, estão incluídos os lucros e custos da instituição, como no financimento, sendo que a trsnferência da propriedade do bem somente se transferirá ao término do contrato, mediante a vontade do arrendatário.

Além de suas características peculiares, o contrato de leasing é contrato de adesão, pois suas cláusulas já se apresentam elaboradas para a aceitação integral pelo aderente. Não há a possibilidade de participação do arrendatário na elaboração das cláusulas contratuais, tendo que acitá-las em bloco. Para tanto, a interpretação desses contratos merece cuidado, para evitar a prática de cláusulas abusivas, repelidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor enquadra os contatos de natureza bancária, financeira e de crédito como fornecedores de serviços, protegendo os usuários desses serviços, conforme suas normas, repelindoa lesão contratual, muito praticada nos contratos de crédito, onde o consumidor não possui escolha, e sim é levado a procurar crédito junto às instituições e submete-se aos interesses destas.

As cláusulas abusivas devem ser consideradas nulas pelo judiciiário através de ações revisionais propostas, tendo como fundamento a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor. Somente através da intervenção judicial, as instituições financeiras farão a adaptação de seus contratos às normas vigentes, facilitando a aplicação da equidade e justiça social, para ao final fazer valer os preceitos constitucionais sobre o sistema financeiro nacional.

As ações revisionais são de suma importância na aplicação das normas de proteção ao consumidor, e devem ser analisadas pelo Judiciário com base na lesão contratual e fragilidade de participação do aderente na elaboração do contrato, assim como, a supremacia economica das instituições financeiras e intocabilidade de suas operações até pouco tempo amparadas pelo princípio do pacta sunt servanda.


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Informações sobre o texto

Trabalho monográfico apresentado ao curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil mantido pela Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente em convênio com o INBRAPE - Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estudo Sócio-Econômico, para obtenção de título deespecialista. Orientadora: Prof. Dra. Jussara Susi Assis Borges Nasser Ferreira.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRO, Angélica. Contratos de leasing. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 10, 6 abr. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/626. Acesso em: 26 abr. 2024.