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O indulto de natal de 2017

O indulto de natal de 2017

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Um instrumento com previsão constitucional que não pode conter exageros, a concessão do indulto, por parte do presidente, é baseada em critérios impessoais. Aqui, analisaremos as peculiaridades do indulto de natal de 2017.

O indulto é um ato de clemência do Poder Público. É uma forma de extinguir o cumprimento de uma condenação imposta ao sentenciado desde que se enquadre nos requisitos pré-estabelecidos no decreto de indulto. Os decretos de indulto costumam ser publicados em dias particulares. Em Portugal e no Brasil, os indultos concedidos pelo Presidente costumam acontecer na comemoração do Natal. Em Angola, indultos foram concedidos no Dia da Paz e da Reconciliação Nacional (4 de abril). Na França, indultos coletivos para crimes menores costumavam ser concedidos no dia da Fête Nationale (Festa Nacional, 14 de julho), até a reforma constitucional de 2008 que limitou o indulto presidencial a casos individuais.

O indulto é uma forma de extinção da punibilidade, conforme o Art. 107, II, CP. A competência para concessão de indulto pode ser excepcionalmente delegada, mesmo em se tratando de uma competência privativa do Presidente da República, aos Ministros de Estados, ao Procurador-Geral da República e ao Advogado-Geral da União. O indulto só pode ser concedido "após condenação transitada em julgado, mas, na prática, têm sido concedidos indultos mesmo antes da condenação tornar-se irrecorrível".

O indulto "apenas extingue a punibilidade, persistindo os efeitos do crime, de modo que o condenado que o recebe não retorna à condição de primário". "Há, porém, certa diferença técnica: a graça é em regra individual e solicitada, enquanto o indulto é coletivo e espontâneo".

O indulto coletivo abrange sempre um grupo de sentenciados e normalmente inclui os beneficiários tendo em vista a duração das penas que lhe foram aplicadas, embora se exijam certos requisitos subjetivos (primariedade etc.) e objetivos (cumprimento de parte da pena, exclusão dos autores da prática de algumas espécies de crimes etc.)".

Muitas pessoas já ouviram alguma vez na vida essa palavra, porém não sabem o real significado e quais os requisitos para ser contemplado com tal benefício. Diversas pessoas já ouviram falar em Indulto de Natal, porém, ainda têm dúvidas sobre o que é, a quem compete ceder e quem pode ser beneficiado de tal.

Outras ainda confundem o indulto com a saída temporária, à qual é concedida a alguns presos por bom comportamento e que dá direito ao interno de sair da prisão por um período determinado pela justiça e após o término da concessão retornar a mesma.

Trata-se por Indulto de Natal a liberação antecipada do réu da prisão tendo em vista que este esteja dentro dos requisitos exigidos por lei para a concessão do benefício.

Compete somente ao Presidente da República conceder tal benefício, sendo que, de acordo com a nossa constituição, o Presidente pode delegar atribuições para concessão do induto ao Ministro da Justiça, ao Procurador Geral da República ou ao Advogado Geral da União.

No Brasil, a concessão do indulto acontece por ocasião do Natal pelo fato de que a justiça tem em mente que nesta data a sociedade está envolvida em um espírito maior de fraternidade, o que tende a facilitar a recepção do indivíduo que acabou de sair da prisão. Vale ressaltar que esta data é efetiva somente no Brasil e que em outros países a concessão do indulto pode ser feita em datas diferentes, tendo em vista suas particularidades e as leis que os regem.

De acordo com o decreto Nº 6.294 de 11 de dezembro de 2007, este benefício pode ser concedido ao réu que possua uma pena de até no máximo 8 anos de prisão e que já tenha cumprido no mínimo 1/3 desta, levando em conta que não tenha sido condenado por crimes hediondos, tais como homicídio qualificado e estupro. Nos casos de reincidentes o pré-requisito passa a ser o de ter cumprido no mínimo metade da pena.

A concessão do indulto, por parte do presidente, é baseada em critérios impessoais. Ou seja, qualquer preso que se enquadre nas regras de indulto definidas anualmente pelo chefe do Executivo podem receber perdão da condenação.

No decreto de 2017, temporariamente suspenso, além de flexibilizar as regras de perdão, Temer não incluiu crimes contra a administração pública - como corrupção - na lista de casos que ficariam proibidos de receber indulto. Essa era uma demanda de procuradores que atuam na Lava Jato. Tudo para evitar que condenados não reincidentes que tivessem cumprido ⅕ de suas penas pudessem ser perdoados. Quem cometeu crime violento, mas não hediondo, também pode receber o indulto. Esses casos, no entanto, passam por critérios mais rígidos. Nos decretos anuais, o presidente também pode, além de alterar o tempo mínimo de pena, determinar qual crime pode e qual não pode receber indulto. Condenados por terrorismo e crimes hediondos, por exemplo, estão excluídos da lista.

O decreto de indulto também é acompanhado da comutação penal, que reduz a pena de parte dos presos que ainda não são elegíveis ao indulto. Tanto indulto quanto comutação penal são diferentes da chamada “saída de Natal”, na qual o preso recebe o direito de passar alguns dias com a família no final do ano e, posteriormente, tem de voltar a cumprir sua pena.

O presidente da República não pode legislar sobre direito penal e, portanto, não pode conceder indulto a quem cumpriu um quarto da pena.

Esse foi o entendimento do TRF-4, em junho deste ano, ao declarar inconstitucional o inciso XIV do artigo 1º do decreto 8.615/2015 –o do indulto, medida do governo Dilma Rousseff utilizada agora por Michel Temer. “A maioria dos desembargadores entendeu que o presidente tem a prerrogativa discricionária, mas não arbitrária, de conceder o indulto em caráter excepcional, sobretudo se amparado por razões humanitárias. E não como medida para redefinir a dosimetria das penas ou para atuar na diminuição da população carcerária.”.

O decreto presidencial que concedeu indulto de Natal e comutação de penas fere a Constituição Federal ao prever a possibilidade de exonerar o acusado de penas patrimoniais e não apenas das relativas à prisão, além de permitir a paralisação de processos e recursos em andamento.

Entre os pontos polêmicos do decreto, o indulto deste ano não estabeleceu um período máximo de condenação e reduz para um quinto o tempo de cumprimento da pena para os não reincidentes.

O texto foi considerado "brando" por entidades ligadas ao combate à corrupção e por integrantes do Ministério Público. Para a ONG Transparência Internacional, por exemplo, a medida “facilita sobremaneira a concessão de perdão total da pena” a condenados por corrupção.

O coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, disse que o decreto de Temer era um "feirão de natal para corruptos".

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o decreto seria causa de impunidade de crimes graves como, segundo ela, os apurados no âmbito da Operação Lava Jato e de outras operações de combate à “corrupção sistêmica”. Como exemplo, ela disse na ação que, com base no decreto, uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria sequer um ano presa.

Ao analisar a ação da Procuradoria Geral da República, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, acolheu os argumentos apresentados por Raquel Dodge e suspendeu os pontos questionados no processo:

Diminuição do tempo exigido de cumprimento da pena para o condenado receber o indulto (de 1/4 para 1/5 da pena);

Perdão do pagamento de multas relacionadas aos crimes pelos quais os presos foram condenados;

Concessão do benefício mesmo quando ainda há recursos em andamento em instâncias judiciais;

Possibilidade de indulto a pessoas que estejam respondendo a outro processo.

Continuam beneficiados pelo indulto aqueles presos que se encaixam em outras situações descritas pelo decreto. São os que:

Cumpriram 1/3 da pena, se não reincidentes, ou 1/2 da pena, se reincidentes, nos crimes com grave ameaça ou violência, desde que a pena não seja superior a 4 anos de prisão;

Cumpriram metade da pena, se não reincidentes, ou 2/3, se reincidentes, nos crimes com grave ameaça ou violência, quando a pena estiver entre 4 e 8 anos de prisão;

Cumpriram 1/4 da pena, se homens, e 1/6 da pena, se mulheres, em crimes relacionados à venda, transporte e fornecimento de drogas – desde que seja réu primário e não integre organização criminosa – quando a pena não for maior que 8 anos;

Cumpriram 1/6 da pena, se não reincidentes, ou 1/4, se reincidentes, nos casos de crime contra o patrimônio cometidos sem grave ameaça ou violência, desde que haja reparação do dano até 25 de dezembro de 2017.

Cumpriram três meses de prisão nos casos de crime contra o patrimônio, sem greve ameaça ou violência, quando as penas forem de um ano e meio a 4 anos, com depósito do valor correspondente ao prejuízo da vítima, desde que não ultrapasse um salário mínimo.

Tenham sido vítimas, durante o cumprimento da pena, de tortura, reconhecida por decisão colegiada de segundo grau.

Também têm direito ao indulto mulheres que:

Foram condenadas por crimes sem grave ameaça ou violência e completaram 60 anos de idade ou não tenham 21 anos completos;

Não foram punidas pela prática de falta grave nos últimos 12 meses;

estejam presas por crimes sem violência ou grave ameaça e sejam consideradas pessoas com deficiência;

Sejam gestantes com gravidez de alto risco;

 Não estejam respondendo ou tenham sido condenadas por outro crime cometido com violência ou grave ameaça.

A decisão sobre o indulto de Natal vai ficar com o plenário do Supremo Tribunal Federal. A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, suspendeu parte do decreto do presidente Michel Temer que abrandou critérios para a concessão do benefício.

O presidente Temer estabeleceu um indulto com regras consideradas inconstitucionais pela presidente do Supremo.

Com a decisão de Carmen Lúcia, parte do indulto não está valendo para condenados que já tivessem cumprido só um quinto da pena por crimes sem violência ou ameaça, como os de colarinho branco; para perdoar a multa como parte da condenação, caso de condenados pela Lava Jato; para quem já conseguiu a suspensão condicional do processo; para condenados que ainda têm recurso pendente.

Quem dependia de um desses critérios vai precisar esperar por uma decisão definitiva. E a palavra final será do plenário do Supremo. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, disse que ações como a que foi proposta pelo Ministério Público precisam ser levadas a julgamento no plenário. Isso só ocorrerá na volta do recesso, a partir de fevereiro de 2018.

Cármen Lúcia foi enfática ao justificar porque o indulto não poderia valer da forma como foi decidido pelo presidente Michel Temer: “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade. Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito”.

Segue a ministra presidente do STF: “Verifica-se, de logo, pois, que o indulto constitucionalmente previsto é legitimo apenas se estiver em consonância com a finalidade juridicamente estabelecida. Fora daí é arbítrio”.

Na decisão, a presidente do Supremo afirma que “invade-se, assim, competência típica e primária dos poderes Legislativos e Judiciário”. E que os pontos do decreto impugnados “dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados 'crimes de colarinho branco', desguarnecendo o erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”.

A decisão da presidente do STF suspende os artigos 8º, 10 e 11, além de parte dos artigos 1º e 2º do decreto de Temer. Cármen Lúcia ressalta que, se os dispositivos não forem suspensos imediatamente, o indulto transforma-se “em indolência com o crime e insensibilidade com a apreensão social que crê no direito de uma sociedade justa e na qual o erro é punido e o direito respeitado”.


Notas e Referências:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9246.htm

Indulto Presidencial: Soltos em Luanda primeiros presos, Jornal de Angola, 19 junho 2009.

Art. 84, XII, da Constituição Federal

Delmanto, p. 165

Mirabete, p. 367


Autor

  • Benigno Núñez Novo

    Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheira no TCE/PI.

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