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Crime de abandono material e intervenção mínima: os limites da atuação do direito penal na proteção da família

Crime de abandono material e intervenção mínima: os limites da atuação do direito penal na proteção da família

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A criminalização do delito de abandono material, com fulcro na proteção da instituição familiar, não mais se coaduna com a atual função do sistema penal, de ultima ratio. O direito civil parece ser suficiente e mais eficaz.

INTRODUÇÃO

Todos os que, por sua idade, estado intelectual, inexperiência, pobreza, impossibilidade de agir ou de compreender, são, na sociedade, mais fracos que os outros, têm direito à proteção da lei. Os pequenos são mais numerosos que os grandes: satisfazê-los é assegurar o apoio de uma maioria. O legislador é, por conseguinte, sempre favorável aos pequenos. O favor dispensado aos vulneráveis é denominado justiça. Justifica-se, com efeito, pela aspiração à igualdade material.

Hodiernamente, quando se vive a expectativa da elaboração de um novo Código Penal, que vem sendo debatido sob a promessa e necessidade de compilar grande parte da legislação penal extravagante, a comissão de juristas responsável pelo Anteprojeto de 2012 silenciou acerca da descriminalização dos crimes de abandono, atendendo à atual política legislativa segundo a qual não poderia se utilizar da ingerência penal para, indiretamente, trazer à atuação do Direito Penal problemas referentes ao livre planejamento familiar e à paternidade responsável, uma vez que o Direito Civil e, por vezes, o Direito Administrativo, tutelam de forma mais eficiente tais situações.

É cediça a grande e fundamental importância da família (como bem jurídico-penal) para o Direito e para a sociedade, especialmente em relação ao menor, que, de tão valorosa e essencial, é digna da utilização das mais eficazes ferramentas jurídicas para sua tutela. Isso deve ser feito, porém, com a devida racionalidade, a fim de que os excessos protecionistas não acabem tornando-se prejudiciais.

Assim sendo, com fulcro na relação de desproporção existente entre a gravidade do fato (crimes de abandono) e a gravidade da pena (criminalização das condutas de abandono familiar), propugna-se, neste estudo, que a tutela legal à família seja dada, em especial, mediante a descriminalização dos delitos de abandono, uma vez que não há correlação protetora entre a família e a criminalização de tais condutas, pois tais cominações, a pretexto de salvaguardá-la, prestam-se somente a segregar e manchar os lações fraternos, uma vez que a polícia e a justiça pouco ou nada têm a contribuir com a formação e restruturação familiar.

Ademais, o Direito Penal deve ser sempre a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade. É nessa esteira que, acerca da tipificação jurídico-penal de delitos como os de abandono material, abandono moral e abandono intelectual, indaga-se se seria o Direito Penal o meio necessário para a tutela da família, uma vez que o Direito Civil e o Direito Administrativo têm sido suficientes para a proteção da família, ao passo que, o Direito Penal, ao intervir nas relações fraternais com intuito de salvaguardá-la, estaria ao contrário, lesionando-a.

Diante disso, serão apresentadas algumas soluções político-criminais, explanando-se as vantagens e desvantagens que trazem em seu bojo, propondo uma reflexão objetiva sobre uma das principais discussões doutrinárias da atualidade: os limites da intervenção do Direito Penal na proteção da família. Empregar-se-á, para tanto, o método dedutivo, através de análises fundamentais e qualitativas, tendo como recursos bibliografia nacional e estrangeira, periódicos e demais documentos.


1 POLÍTICA CRIMINAL RELATIVA AO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL

Imprescindível se falar, inicialmente, da relação existente entre Estado Constitucional de Direito e Estado Legal de Direito, relação esta de complementaridade, visto que o primeiro nada mais é do que o aperfeiçoamento do segundo, destacando-se naquele o papel da Constituição e da jurisdição constitucional[1]. Assim, melhor esclarecendo essa evolução, podem-se mencionar três etapas ou dimensões do Estado de Direito, às quais correspondem igualmente três fases de direitos fundamentais[2].

No Estado liberal de Direito são principalmente garantidas as liberdades individuais (direitos fundamentais de primeira dimensão), alcançados com o intuito de libertar os indivíduos do absolutismo estatal[3]. O anseio pela liberdade, face ao intervencionismo do “Estado” monarca, restou demonstrado, já em 1215, quando da conquista da Magna Carta pelos ingleses junto ao Rei João Sem Terra, momento em que desejavam que lhes fosse permitido construir livremente suas vidas, legalizando e limitando o totalitarismo do Leviatã[4].   

Em 1789, com a Revolução Francesa e a consequente criação do Estado moderno, alimentam-se, com as ideias iluministas, os ideais de liberdade, cunhados inicialmente nos aspectos econômicos - consagrados na expressão laissez-faire, laissez-passer - que irradiam seus efeitos para outras dimensões da vida humana[5], especialmente a familiar, quando se passa a renunciar ao absolutismo romano em favor da liberdade, da defesa do livre planejamento familiar, da redução do pátrio poder em prol do pátrio dever, da libertação da mulher em face do poder marital, da igualdade de direitos entre o marido e a mulher, da independência patrimonial, “desfechando-se claramente na dissolução do grupo parental em favor da autonomia individual[6]”.

Nota-se, nesse contexto, uma política deliberadamente dirigida contra a família, motivo pelo qual as tendências liberais, em última análise, levam ao individualismo excessivo[7] e à supressão da família, à negação de valor a esta constante social, que é o agrupamento doméstico, em benefício da superestimação do indivíduo[8].

Após a construção liberal, novas necessidades brotam no seio social, dando ensejo à busca por uma igualdade, não meramente formal, mas substancial, capaz de mitigar as discrepâncias resultantes do liberalismo, nascendo então o Estado Social de Direito, no qual objetiva-se resguardar, também, os direitos sociais, culturais e econômicos, uma vez que a desigualdade social que resultou do movimento libertador passou a desconfortar a harmonia e a paz social[9].

Essa figura do “Estado prestacionista”, que atende aos anseios sociais e reduz as desigualdades com mecanismos compensatórios, positivos, almejou também corrigir as discrepâncias sofridas pela instituição familiar, que encontrava-se vitimizada pela instabilidade fraternal, pela redução das relações patrimoniais à simples obrigação alimentar e pelo consequente desaparecimento da “grande família”, substituída por “famílias pequenas e frágeis demais para resistir à absorção para a vida geral do grupo social[10]”.

E como reação natural às tendências liberais, à outrance desagregadoras, manifestam-se as tendências opostas, tais como as dos regimes autoritários nacionalistas - que se traduzem numa volta às doutrinas inspiradas no Cristianismo[11] -, do amplo movimento baseado na escola de Le Play[12] - que ascendeu contra os “falsos dogmas de 1789”, preferindo-se à famille-souche, por sua autoridade paterna, pela propriedade particular e o patronato -, do protestantismo social no sentido do restabelecimento da hierarquia, da reorganização da família, do sistema corporativo, em lugar da divisão por classes, para solução da “questão social”, todas com o objetivo de fortalecer a família legítima, a sua moralidade, o casamento e a proteção aos sentimentos religiosos.

Evoluindo, o Estado Social segue em busca da sua constitucionalização, onde, atendendo aos preceitos kelsenianos, adota-se como núcleo axiológico-legal de todo o ordenamento jurídico-estatal, a Constituição. Assim, elabora-se o ordenamento jurídico como um sistema escalonado de normas[13], cabendo às normas constitucionais (superiores) nortear e inspirar todo o arcabouço jurídico, demonstrando-se o princípio da supremacia imanente da Constituição - a qual embasa todas as leis elaboradas sob a sua égide -, princípio este que objetiva garantir a liberdade humana contra os abusos do poder estatal[14].

Fala-se, então, em um Estado Constitucional de Direito, quando se manifestam os direitos fundamentais de terceira dimensão, tais como a qualidade de vida, o meio ambiente, a liberdade de informática, a biotecnologia, a paz, a assistência e a organização familiar, entre outros metaindividuais[15]. Em síntese, esse Estado de Direito, como Estado constitucional, surge fundado na ideia de liberdade dos indivíduos, das comunidades, dos povos, e por ela busca-se a limitação do poder político. Essa ideia de liberdade plasma um estado de espírito, qual seja, o homem como centro onipresente da esfera política[16].

Substitui-se, portanto, a tradição pelo contrato social; a soberania do monarca pela soberania nacional; a razão do Estado pelas normas jurídicas; em vez de súditos, cidadãos; do exercício unilateral do poder ao exercício compartilhado do poder, exercido pelos representantes da coletividade. Emergem, assim, as normas constitucionais, os direitos fundamentais e as leis como os lídimos instrumentos jurídicos[17]. A passagem da noção de Estado de Direito à de Estado constitucional é o reflexo de uma tríplice mudança operada nos ordenamentos jurídicos: da primazia da lei à primazia da Constituição e do controle jurisdicional da legalidade ao controle jurisdicional da Constituição. Nesse passo, a lei, ao mesmo tempo medida de todas as coisas no campo do Direito, cede assim a passagem à Constituição e converte a si mesma em objeto de medida. É destronada em favor de uma instância mais alta[18].

Dentro do processo evolutivo mencionado, os direitos fundamentais de cada momento apresentaram-se como horizonte teleológico-valorativo para o respectivo Estado de Direito representado e tutelado em cada momento histórico. Veja-se que houve então, em atenção à evolução do Estado liberal para o social e, posteriormente ao constitucional, a garantia dos valores de liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), continuamente, consubstanciando uma ordem ou sistema de valores que orienta e impulsiona todo o ordenamento jurídico[19].

Nesse contexto, atendendo aos valores ético-sociais presentes à época, bem como a necessidade de se resgatar a instituição familiar - até então abalada pelos excessos do liberalismo econômico -, o legislador penal não se manteve inerte e criminalizou, em 1927 quando da elaboração do Código de Menores (Decreto-lei 17.943-A), a conduta de “abandono material”, passando-se a tutelar a instituição familiar também na seara penal, o que não havia sido realizado quando da elaboração dos Códigos Criminais do Império (1830) e da República (1890)[20]. Essa criminalização foi definitivamente acolhida pelo atual Código Penal (1940), que inseriu tal delito entre os crimes contra a assistência familiar, em seu Título VII[21].

Hodiernamente, quando se vive a expectativa da elaboração de um novo Código Penal, que vem sendo debatido sob a promessa da necessidade de compilar grande parte da legislação penal extravagante, a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto silenciou acerca da criminalização dos delitos de abandono, atendendo à atual política legislativa segundo a qual não poderia se utilizar da ingerência penal para, indiretamente, trazer ao Estado policial problemas referentes ao livre planejamento familiar e a paternidade responsável, uma vez que o Direito Civil e, por vezes, o Direito Administrativo, tutelam eficientemente tais situações[22].

Ademais disso, desde a elaboração do Código Penal de 1940, o legislador já se mostrava protecionista à instituição familiar, furtando-se da seara criminal, quando, por exemplo, considerando a prevalência do resguardo dos laços fraternos face a outros bens jurídicos de menor expressão, instituiu as escusas absolutórias (art. 181, CP), as causas de extinção da punibilidade (ex.: casamento da vítima com o autor de alguns dos já revogados “crimes contra os costumes”), as circunstancias benéficas ao agente (ex.: a emoção ou paixão, ora tratada como circunstancia genérica atenuante, ora como causa de diminuição de pena), sempre buscando preservar a família, renunciando ou atenuando o jus puniendi[23].

Note-se que a Constituição de 1988, em seu artigo 226, trouxe à luz o comando normativo de proteção à família, que tem como destinatário-subordinado o Estado (Poder Público) em todas as suas funções, cabendo-lhe a promoção da família, rechaçando todas as interferências de terceiros, além dele próprio abster-se de turbar os organismos familiares.


2 PRINCÍPIOS PENAIS DE GARANTIA E POLÍTICA CRIMINAL

2.1 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Trata-se de um dos mais importantes princípios das ciências penais, que deve dirigir tanto a atividade político-criminal como a dogmática penal. Segundo ele, a lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da comunidade, como ultima ratio e, preferencialmente, só deverá fazê-lo na medida em que for capaz de ter eficácia. Isso porque o uso excessivo da sanção penal (inflação penal) não garante uma maior proteção de bens, mas ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica e negativa[24].

O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Assim, o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico devem ser objeto da atuação de outros ramos do Direito[25]. A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, sendo que nessa missão coopera todo o instrumental do ordenamento jurídico.

O Direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, isso quer dizer que somente se pode intervir quando falham outros meios de solução social do problema – como a ação civil, as sanções administrativas, etc. Por isso, denomina-se a pena como a ultima ratio da política social e se define a sua missão como a proteção subsidiária de bens jurídicos[26].

É nessa esteira que, acerca da tipificação jurídico-penal de delitos como o abandono material, o abandono moral e o abandono intelectual, indagamo-nos se seria o Direito Penal o meio necessário para a tutela da família, uma vez que, o Direito Civil e o Administrativo têm sido suficientes para a proteção da família, ao passo que, o Direito Penal, ao intervir nas relações fraternais com o intuito de salvaguardá-la, estaria ao contrário, lesionando-a.

2.2 POSTULADOS DA FRAGMENTARIEDADE E DA SUBSIDIARIEDADE

Como desdobramento lógico da intervenção mínima, o postulado da fragmentariedade preleciona que, tendo em vista a função maior de proteção de bens jurídicos atribuída à lei penal não ser absoluta, o bem jurídico deve ser defendido penalmente somente perante certas formas de agressão ou ataque consideradas socialmente intoleráveis. Isso explica porque apenas as ações mais graves dirigidas contra bens jurídicos fundamentais podem ser criminalizadas.

Faz-se, então, uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela tipologia que se revela dotada de indiscutível relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa. Portanto, esse princípio impõe que o Direito Penal continue a ser “um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar do penalmente indiferente[27]”. Isso que dizer que o Direito Penal só se refere a uma pequena parte do sancionado pelo ordenamento jurídico, sua tutela se apresenta de maneira fragmentada, dividida ou fracionada. Noutro dizer: fragmentos de antijuridicidade penalmente relevantes.

Já quanto ao princípio da subsidiariedade, nota-se que a ingerência penal há de ser a “derradeira trincheira[28]”, intervindo minimamente, ou seja, atuando somente de forma subsidiária, quando o for imprescindível, quando não houver outro meio mais adequado e menos gravoso para a tutela dos bens jurídicos, excluindo-se, outrossim, os delitos de bagatela.

A fim de demonstrar a aplicação destes postulados na atividade legiferante, recorde-se que a Lei n.º 11.106, de 28 de março de 2005, seguindo as diretivas político-criminais da fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal, aboliu do ordenamento jurídico-penal alguns tipos incriminadores, cujos bens, nos dias de hoje, podem ser perfeitamente protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico, como acontece, por exemplo, com o adultério.

Nesse caso, o cônjuge traído, se for do seu interesse, poderá ingressar no juízo civil com uma ação de indenização, a fim de que veja reparado o prejuízo moral por ele experimentado, não havendo necessidade, outrossim, da intervenção do Direito Penal. Caso semelhante pode ocorrer, como aqui defendido, com o crime de abandono material, que poderia prescidir da atuação penal para a proteção da família.

2.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Segundo o princípio da proporcionalidade, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicável nas circunstancias referidas, proporcionada ao delito e determinada pela lei. Dito de outra forma, as penas previstas em lei devem ser proporcionais aos delitos, e, de certo modo, ao dano causado à sociedade[29]. O dano à sociedade é a verdadeira medida dos crimes[30].

Isto não impede, contudo, que a pena retributiva seja uma pena teleologicamente orientada, não porque tenha um escopo particular e precípuo a realizar, mas porque está indissoluvelmente ligada à natureza dos valores que a norma penal tutela em seu complexo. O conceito de valor é um conceito teleológico, e também a pena que golpeia aquele que violou um preceito colocado em tutela de um valor não pode ser senão orientada na direção do próprio valor, no sentido de haver uma proporção entre a importância social do valor e a gravidade da pena[31].

Assim, se pena é retribuição, ela pressupõe uma correlação entre dois termos: significado e importância do valor, de um lado; gravidade da sanção, de outro. E todas as vezes em que esta correlação for rompida, a norma penal repousará num fundamento injusto, pois a retribuição deve ser retribuição justa, que não seja fruto da alteração dos termos entre os quais se desdobra[32].

Realizando uma breve aproximação ao tema, é de conhecimento geral a grande importância da família (como bem jurídico-penal) para o Direito e para a sociedade, em especial em relação ao menor, que de tão valorosa e essencial, é digna da utilização das mais eficazes “ferramentas” jurídicas para sua tutela. E, com base na relação de desproporção existente entre gravidade do fato (crime de abandono material) e gravidade da pena (criminalização da conduta de “abandono material”), propugna-se, neste estudo, que a tutela à família deve ser dada, em especial, através da descriminalização do delito insculpido no art. 244, do Código Penal, uma vez que não há correlação protetora entre a família e a criminalização de tais condutas, pois tal cominação, a pretexto de salvaguardá-la, presta-se somente a segregar a manchar os lações fraternos, uma vez que a polícia e a justiça pouco ou nada têm a contribuir com a formação e a reestruturação familiar.

Nessa linha, postula-se que a proporcionalidade entre uma pena e o delito é a forma de impedir o excesso, isto é, de evitar que a pena seja uma violência do homem para com o homem[33]. Em rigor, o princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena).

Toda vez que nessa relação houver desequilíbrio acentuado, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem-se, em consequência, um duplo destinatário: o Poder Legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito tem que ser proporcionais à sua concreta gravidade)[34].

2.4 BEM JURÍDICO-PENAL

Em um Estado democrático e social de Direito, a tutela penal não pode vir dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a ótica constitucional, quando socialmente necessária. Isso vale a dizer: quando imprescindível para assegurar as condições de vida, o desenvolvimento e a paz social, tendo em vista o postulado maior da liberdade e da dignidade da pessoa humana[35].

 Nesse contexto, a missão do Direito Penal vem a ser a tutela de bens jurídicos mediante a proteção dos valores ético-sociais da ação mais elementares[36]. Por sua vez, bem jurídico é, objetivamente, o bem considerado vital, da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social, é protegido juridicamente. O bem jurídico é “o orifício da agulha pelo qual têm que passar os valores da ação[37]”. Logo, nenhuma reforma do Direito Penal pode ser aceitável se não se dirige à proteção de algum bem jurídico, por mais que esteja orientada aos valores da ação.

Substancialmente, o bem jurídico, tido como ponto central da estrutura do delito, constitui, antes de tudo, uma realidade válida em si mesma, cujo conteúdo axiológico não depende do juízo do legislador – trata-se, pois, de dado social preexistente. Desta forma, a norma não cria o bem jurídico, mas sim encontra-o, daí seu aspecto restritivo. Isso porque o fim do Direito não é outro que o de proteger os interesses do homem, e estes preexistem à intervenção normativa, não podem ser de modo algum criação ou elaboração jurídica, mas se impõem a ela. Dito de outra forma, o ordenamento jurídico não cria o interesse, cria-o a vida, mas a proteção do direito eleva o interesse vital a bem jurídico[38].

Assim, sem a presença de um bem jurídico de proteção prevista no preceito punitivo, o próprio Direito Penal, além de resultar materialmente injusto e ético-socialmente intolerável, careceria de sentido como tal ordem de direito[39]. Note-se que a ideia de bem jurídico é de extrema relevância, já que a moderna ciência penal não pode prescindir de uma base empírica que lhe propicia a referida noção. Também não pode renunciar a um dos poucos conceitos que lhe permitem a crítica do Direito positivo[40]. Sucintamente demonstrada a relevância do bem jurídico para o ordenamento, em especial para o Direito Penal, passa-se a analisá-lo dentro do contexto deste breve estudo, qual seja, a família como bem jurídico categorial.


3 A FAMÍLIA COMO BEM JURÍDICO CATEGORIAL

Em 1936, Georges Ripert[41], professor da Faculdade de Direito da Universidade de Paris, assinalou a proteção dos “fracos”, como novo aspecto do regime democrático, particularizado na assistência aos pequeninos. Todos os que, por sua idade, estado intelectual, inexperiência, pobreza, impossibilidade de agir ou de compreender, são, na sociedade, os mais fracos que os outros, têm direito à proteção legal. A democracia não poderia acolher o aristocrático individualismo de um Spencer[42] ou a moral feroz de um Nietzche[43]. Quem é fraco deve ser protegido[44].

Essa proteção aos fracos - ao menor, ao alienado, ao descriminado, ao estigmatizado – inerente a todas as legislações, desenvolveu-se no direito clássico através da “teoria das incapacidades”. Mas a tendência democrática manifestou-se no sentido de proteção e de enfraquecimento da ideia de poder: a incapacidade para o fraco deve ser ajuda, e não submissão. Assim, para o menor, a ideia de pátrio poder, desde a Revolução de 1789, evolui para a de pátrio dever, perdendo, a cada dia, o absolutismo romano em favor da liberdade e das obrigações impostas ao pai: limitação ao direito paterno de fazer trabalhar o filho, obrigação de instrução primária, restrições ao poder de administrar os bens do menor[45].

Nesta esteira, conforme a organização do atual Código Penal, o legislador, utilizando-se dos bens jurídicos tutelados pelos tipos penais para dar nomes, ora aos títulos, ora aos capítulos por eles ocupados, quando da elaboração do Título VII da parte especial, denominou-o “Dos crimes contra a família” e, o mesmo se fez com o Capítulo III deste título, objeto específico deste estudo, quando lhe foi dado o título de: “Dos crimes contra a assistência familiar”, uma vez que almejou-se com a previsão dos tipos penais locados nestes capítulo e título, a proteção e manutenção do organismo familiar, sendo este interesse vital elevado pelo legislador ao status de bem jurídico-penal[46] digno da intervenção, para sua tutela, através da ingerência penal, conforme se abstrai do artigo seguinte.


4 ABANDONO MATERIAL

Tendo em vista o presente estudo ter como enfoque o crime de abandono material face à necessidade da atuação do Direito Penal, restringir-se-á, durante a análise tipológica, ao contexto das condutas relacionadas ao estado de filiação, sem analisar, todavia, o abandono entre cônjuges, de descendente em relação ao ascendente, ou ainda entre irmãos.

O tipo penal incriminador intitulado pelo legislador ordinário como abandono material encontra-se descrito no art. 244, do Código Penal, e descreve, essencialmente, a conduta omissiva dos pais face ao dever de prestar os alimentos imprescindíveis à subsistência dos filhos menores ou incapazes, punindo aquele que: deixar, sem justa causa, de prover a subsistência de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

O bem jurídico protegido é a assistência familiar, traduzida no dever de prestar alimentos mínimos, essenciais à subsistência do descendente incapaz, mantendo-se em perfeito funcionamento ético-social, a instituição familiar, relativamente ao amparo material devido por ascendentes, descendentes e cônjuges, reciprocamente. Parte da doutrina[47], porém, dispõe que tutela-se a estrutura e o organismo familiar, seguindo o magistério de Maggiore, que dispunha “tutelar-se o organismo familiar mediante o reforço das obrigações éticas, jurídicas e econômicas de assistência, impostas pela lei civil aos pais[48]”.

É justamente nesse ponto que intrigamo-nos diante da construção da doutrina italiana pela necessidade de um “reforço” penal ao Direito Civil, uma vez que, nos dias atuais, a família tem sido tutelada a contento pelo jus familiae, que é, indubitavelmente, mais sensível e proporcional aos anseios familiares[49].

Como sujeitos do crime[50], tem-se que, no polo ativo, via de regra, figuram os cônjuges, pais, ascendentes ou descendentes. Nessa linha de pensamento, ensina Fragoso que nas várias modalidades do crime de abandono material, podem ser sujeito ativo: o cônjuge que deixa de prover a subsistência do outro; o pai ou a mãe que deixa de prover a subsistência de filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho; o descendente (filho, neto ou bisneto), que deixa de proporcionar os recursos necessários a ascendente inválido ou valetudinário; qualquer pessoa que deixa de socorrer ascendente ou descendente gravemente enfermo[51]. Ademais disso, diante dos artigos 5.º, I e 226, § 5.º, da Constituição Federal, bem como das novas diretivas trazidas pelo novo Código Civil, reforça-se a orientação de que a mulher tem os mesmos deveres que o homem com relação ao sustento do cônjuge, dos filhos, ascendentes e enfermos[52].

Tendo em vista ser o delito em estudo um tipo misto cumulativo, tem-se três figuras previstas no artigo 244, caput, destacando-se que, com a realização de mais de uma conduta configurar-se-á mais de um crime em sua diversidade modal. Eis cada uma delas:

a) Deixar, sem justa causa[53], de prover a subsistência[54] de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, não lhes proporcionando os recursos necessários[55]: o crime de abandono material é omissivo próprio e, nessa modalidade, consuma-se quando o agente deixa de prover a subsistência da vítima durante lapso temporal juridicamente relevante, de modo que a omissão ocasional ou simples atraso no cumprimento da prestação não configuram o respectivo delito[56]. É também, de caráter permanente e, por isso, seu momento consumativo se protrai no tempo pela malícia do agente e persiste enquanto não for punido[57].

b) faltar ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada: consuma-se quando o sujeito ativo deixa de efetuar o pagamento – mediante inequívoca recusa – da pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

A dúvida que surge, neste momento, refere-se ao fato de que a Sumula 309, do Superior Tribunal de Justiça, possibilita a prisão civil do alimentante inadimplente em razão do não pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada por três meses consecutivos[58], enquanto que a legislação penal, ao tipificar a conduta de “faltar ao pagamento de pensão”, foi silente em relação ao fato de se exigir ou não o transcurso desse mesmo prazo para a consumação do delito. Desta forma, considerando que o legislador ficou aquém do verdadeiro interesse da norma penal, e analisando-se ainda, a exposição de motivos do Código Penal[59], conclui-se no sentido de que o respectivo prazo de três meses exigidos pelo âmbito cível, também deverá ser atendido na seara criminal, o que a torna menos eficaz do que a instância cível.

c) deixar, sem justa causa, de socorrer descendente gravemente enfermo: a consumação ocorre no momento em que o agente deixa de socorrer o descendente gravemente enfermo. Sobre a possibilidade de tentativa, tem-se que o abandono material é delito omissivo próprio ou puro, de modo que pune-se a realização de uma ação que o autor podia realizar na situação concreta em que se encontrava[60], razão pela qual, não se admite a tentativa. Isso porque o agente infringe uma norma mandamental, isto é, transgride um imperativo, uma ordem ou comando de atuar[61].

Há, ainda, no parágrafo único do artigo 244, do Código Penal, uma forma equiparada, segundo a qual, nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. Procurou-se prevenir, neste caso, a fraude do devedor da pensão, que não raro prefere abandonar o emprego, onde é descontado em folha de pagamento (artigo 734, Código de Processo Civil)[62].

A grande controvérsia, porém, refere-se à possiblidade ou não do cometimento deste delito na forma tentada, posto que, nas modalidades do caput, a doutrina[63] é unânime em inadmiti-la. Porém, tal compreensão não pode, simplesmente, ser estendida ao parágrafo único, onde é perfeitamente possível a tentativa[64], uma vez que tal delito não decorre somente de uma omissão do sujeito ativo, mas admite-se que se dê por um facere, quando, por exemplo, o pai-alimentante, em conluio com seu empregador, simulam uma demissão para evitar o desconto em folha, sendo surpreendidos, às vésperas do vencimento da prestação, por visita de auditor fiscal do trabalho que constata sua presença na empresa.


5 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS AO CRIME DE ABANDONO MATERIAL E À INTERVENÇÃO MÍNIMA DO DIREITO PENAL

A Constituição Federal trata a família como a base da sociedade (art. 226), reafirmando o princípio da igualdade ao dispor que deverá ser “exercida igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art. 226), enfatizando, outrossim, no § 7º, que com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal. Nota-se, nesse contexto, que o princípio da paternidade responsável traz à luz a ideia central de responsabilidade, que inicia-se já na concepção e estende-se até e enquanto se faça necessário e justificável o acompanhamento dos filhos pelos pais, respeitando-se assim, o comando constitucional do art. 227.

Assim, o não exercício da paternidade responsável poderá dar ensejo a consequências cíveis, administrativas e até criminais, devendo os pais proporcionar aos filhos o desenvolvimento saudável, fornecendo-lhes “o alimento” de que necessitarem, o afeto e a educação básica para que adquiram autonomia e passem a viver e conviver em sociedade. Tutela-se, então, constitucionalmente[65], como direitos individuais, o direito de ser filho, de conhecer os pais, o direito à educação dos menores, a fim de se assegurar o livre, completo e digno desenvolvimento da personalidade humana.

É intrigante a construção jurídico-doutrinária italiana pela necessidade de um “reforço” penal ao Direito Civil, que nasceu com o Código Rocco, conforme demonstrado, quando se elevou tais direitos ao status de bens jurídico-penais, criminalizando-se o abandono familiar uma vez que, nos dias atuais, a família tem sido tutelada a contento pelo jus familiae, que é, indubitavelmente, mais sensível e proporcional aos anseios da estirpe.

Nesse passo, certamente, não é de ser acolhido o apriorismo lombrosiano de que todas as tendências para o crime têm seu começo na primeira infância. Nem é de se admitir, por outro lado, o unilateralismo simplista de Randall, que afirmara outrora: “salvai a criança, e não haverá mais homens a punir!”. Não, a delinquência é, na sua etiologia, um problema complexíssimo, desconcertante, que se não deixa fixar de modo integral e definitivo[66].

Viu-se, portanto, que diante do não cumprimento do dever de exercer a paternidade responsável, os pais poderão responder criminalmente pelo cometimento do crime de abandono material, contrariando o princípio da intervenção mínima, segundo o qual, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.

É nessa esteira que, acerca da tipificação jurídico-penal de delito como o de abandono material, questionamo-nos se seria o Direito Penal meio necessário para a tutela da família, uma vez que, os Direitos Civil e Administrativo têm sido suficientes para a fazê-lo, ao passo que, o Penal, ao intervir nas relações fraternais com intuito de salvaguardá-la, estaria ao contrário, lesando-a.

Assim, constata-se que, na modalidade de “deixar, sem justa causa, de prover a subsistência de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, não lhes proporcionando os recursos necessários”, a figura típica é colocada pelo ordenamento jurídico-penal como verdadeiro “soldado de reserva”, posto que as violações nela contidas poderiam, perfeitamente, ser tuteladas, conforme o caso, pelos delitos de abandono de incapaz (art. 133, CP), de omissão de socorro (art. 135, CP), de maus-tratos (art. 136, CP), de lesão corporal em comissão por omissão (art. 129, CP, c/c art. 13, § 2º, a, CP), ou até mesmo, nas últimas consequências, de homicídio por omissão (art. 121, CP, c/c art. 13, § 2º, a, CP). A mesma conclusão há de ser obtida em relação ao abandono material cometido por “deixar, sem justa causa, de socorrer descendente gravemente enfermo”, outro delito subsidiário, perfeitamente suprível por outras figuras e totalmente desnecessário.

Já quanto à figura típica que criminaliza o abandono decorrente do “não pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada”, tem-se que o Direito Civil, por admitir a imediata prisão civil do prestador inadimplente - enquanto na esfera criminal, necessita de um processo-crime, além do que, por tratar-se de delito apenado com detenção, iniciar-se-á o cumprimento de pena em regime semiaberto ou aberto, obrigatoriamente, podendo ainda o agente prestar fiança ainda à autoridade policial, o que lhe possibilitará responder o processo em liberdade -, é absolutamente mais eficiente, restando demonstrado, com isso, violação frontal à intervenção mínima do Direito Penal.

Ademais disso, quanto ao delito de abandono material, cuja pena é de detenção de 1 a 4 anos e multa, não será aplicável o artigo 92, II, do Código Penal, uma vez que este só submete-se aos crimes apenados com reclusão, inadmitindo-se a perda do poder familiar como efeito da condenação. Ao passo que o artigo 1.638, do Código Civil possibilita tal ocorrência por ato judicial caso os pais abandonem o filho, mostrando-se, neste aspecto, o Direito Civil, mais eficaz do que o Direito Penal.


CONCLUSÃO

Como facilmente se aufere, inexiste algo mais fascinante e ao mesmo tempo misterioso que o fenômeno criminal. Não obstante, por vezes, o fato revele simplicidade, pode ele ensejar configurações que aguçam a mais excepcional das inteligências. O crime acontece no ventre social, porém, deve-se considerá-lo como um fenômeno eminentemente humano, afinal, o crime nasce com a humanidade.

Houve já quem considerou o crime um fato normal, inerente à própria existência humana. O crime como fenômeno social e, portanto, humano, deve ser estudado à luz da natureza desse ser complexo cuja dignidade transcende superficiais conceitos legais estabelecidos em épocas de lógica pouco democrática. Veja-se que o delito não só é um fenômeno social normal, como também cumpre outra função importante, qual seja, a de manter aberto o canal de transformações de que a sociedade precisa.

Afirmar-se que o ser humano tem livre-arbítrio sobre seus atos, podendo posicionar-se ou não, de acordo com a lei - sem uma coerente e necessária observação de fatores criminogenéticos, vindos da própria constituição do delinquente ou do meio social em que vive -, pode conduzir a um infecundo e arbitrário Direito Penal das presunções, mecanismo odioso do ponto de vista democrático. Maior relevo se dá a essa questão quando associada à discussão da assistência familiar aos “pequeninos”, vulneráveis, seres humanos em formação, cujo contexto importa, especialmente, em realizar o “amanhã”, o futuro da sociedade.

 Nessa linha, o tratamento penal da família é incompatível com os postulados de racionalidade que devem informar os atos do governo em um Estado Democrático de Direito, ao se instituir no campo da intimidade e da vida privada, em cujo âmbito é vedado ao Estado e, portanto, ao Direito penetrar. É cediça, portanto, a grande e fundamental importância da família (como bem jurídico-penal) para o Direito e para a sociedade, especialmente em relação ao menor - que de tão valorosa e essencial -, é digna da utilização das mais eficazes “ferramentas” jurídicas para sua tutela. O que deve ser feito, porém, com a devida racionalidade, a fim de que os excessos protecionistas não acabem tornando-se prejudiciais.

Assim sendo, com fulcro na relação de desproporção existente entre gravidade do fato (crime de abandono material) e gravidade da pena (criminalização do abandono material), propugna-se, neste estudo, que a tutela à família seja dada, em especial, mediante a descriminalização do delito insculpido no art. 246, do Código Penal, uma vez que não há correlação protetora entre a família e a criminalização de tais condutas, pois tal cominação, a pretexto de salvaguardá-la, presta-se somente a segregar a manchar os lações fraternos, uma vez que a polícia e a justiça, pouco ou nada têm a contribuir com a formação e restruturação familiar.

Almeja equilibrar-se, assim, a omissão estatal de uma administração que não proporcionou educação, saúde, cultura, entre outros direitos sociais essenciais à formação e desenvolvimento humano, através do Direito Penal, “protegendo” a aristocracia incomodada da “plebe infratora”. Sob esse ângulo, a descriminalização do abandono material é um impensável imperativo nascido do indispensável respeito à liberdade individual, que colocaria a legislação pátria em consonância com as novas tendências do Direito Penal Internacional minimalista, contrário ao modelo fascista italiano, que hoje é menos eficaz.

Isso não significa que tais tendências incentivem o abandono familiar, mas somente tornam transparente que o Direito Penal repressor tornou-se absolutamente ineficiente neste tópico, devendo ceder passagem para as demais instâncias do controle e assistência social e para os demais ramos do Direito, especialmente o Direito Civil.

Nessa linha, sabe-se que o Direito Penal possui maior força sombólico-comunicativa, o que deve ser preservado para a repressão das maiores violações a bens jurídicos. É de conhecimento geral a grande importância da família (como bem jurídico-penal) para o Direito e para a sociedade, em especial em relação ao menor, que de tão valorosa e essencial, é digna da utilização das mais eficazes “ferramentas” jurídicas para sua tutela, tutela esta que deve ser dada, em especial, com a descriminalização dos delitos de abandono, uma vez que a polícia e a justiça nada têm a contribuir com a formação e restruturação familiar, mas ao contrário, prestam-se somente a segregar a manchar os lações fraternos.

Ademais disso, o Direito Penal não poderia ser utilizado para a criminalização do tipo de abandono material, uma vez que o Direito Civil é suficiente para tanto, mas mais do que isso, ele é mais eficaz do que o Direito Penal, em especial com relação ao delito de abandono material decorrente do não pagamento de pensão judicialmente acordada, uma vez que possibilita inclusive a prisão do alimentante inadimplente.

Além disso, admite-se na esfera cível a perda do poder familiar por simples decisão judicial, ao passo que, na criminal, não será possível a perda do poder familiar pelo cometimento dos crimes de abandono, tendo em vista tais delitos cominarem pena de detenção, posto que o Código Penal exige, para tanto, crime apenado com reclusão.

Desta forma, melhor seria que tais questões fossem solucionadas administrativamente, pelos conselhos tutelar e municipal da infância e juventude, e somente, um último caso, pela justiça cível, através da vara da infância e juventude ou de família, conforme o caso, mas nunca pela criminal, pois como dito, trata-se de um problema, por mais reprovável que se mostre, essencialmente familiar, que gravita em uma esfera onde a persecução penal deve abster-se de penetrar, em especial pelas feridas perenes que poderão restar de sua intervenção.

Saliente-se, por derradeiro, que o Anteprojeto do “novo” Código Penal[67], em votação no Congresso Nacional, aboliu o Título VII, onde tratava dos crimes contra a família, não fazendo qualquer menção a tais modalidades, coadunando-se com a atual política criminal de preservar a família por searas diversas do Direito Penal, uma vez que este, como dito, nada tem a contribuir com o clã fraterno. Além disso, já existem outros crimes que suprem tais cominações, conforme demonstrado supra, ao se realizar uma análise crítica dos tipos de abandono.


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Notas

[1] GARCÍA PELAYO, Manuel. Estado legal y Estado constitucional de Derecho. Madrid: Alianza Universidad, 1995, p. 3029.

[2] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 4-10.

[3] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 563-564, leciona que os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao  Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o estado. São, por igual, direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõem a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual.

[4] Cf. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1974; LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. São Paulo: Abril Cultural, 1973, v. XVIII.

[5] Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques: O contrato social (Título original: Le Contrat Social revisado por Antonio Carlos Marquês). Trad. Pietro Nasseti. 20. ed. São Paulo: Martin Claret, 2001.

[6] LACERDA, Romão Côrtes de (in) HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romão Cortes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954, v. VIII, p. 299.

[7] ZENNI, Alessandro Severino Vallér. A crise do direito liberal na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris ed., 2006, p. 23, ao leciona que, nesse período, “relativamente ao espaço social, nota-se uma alteração nas estruturas paradigmáticas tradicionais, como família, sociedade civil e nação, substituídas por despersonalização, desestatização, desconstituição e mesmo desjuridicização das relações sociais”.

[8] Abordando o contexto francês no período pós-revolução, Lacerda discorre que “não é só o fim eleitoral, o fim sentimental, mas, no fundo, a tendência ao individualismo atomístico inerente ao regime liberal, que levara o legislador da Revolução Francesa a dissolver as associações pela célebre Lei Le Chapellier e a estabelecer formas de dissolução de casamento em 1972, quase tão expeditas quanto as do Código russo de ‘1918 (Cf. HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romão Cortes de. Op. cit., p. 300-301).

[9] BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 4-7.

[10] LAMBERT, Edouard. Introduction. La place des codes russes dans la jurisprudence comparative, in Les codes de la Russie soviétique. I. Code de la famille, (traduit par Jules Patouillet), et II. Code civil (traduit par Jules Patouillet et Raoul Dufour). Collection de la Bibliothèque de l'Institut de droit comparé série central, Tome 9, Lion: Marcel Giard, 1925, p. 1-46.

[11] Acerca dessas doutrinas, pode-se exemplificar com as célebres encíclicas de Leão XIII, disponíveis em: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/index_po.htm. Acesso em: 02.09.2013.

[12] Pierre-Guillaume-Frédéric Le Play nasceu em La Rivière, em 11 de abril, de 1806 e viveu até 5 de abril de 1882, quando faleceu em Paris. Foi um renomado economista francês que deu nome à Escola Politécnica de Paris (École Polytechnique), o qual defendia, entre outros temas, a adoção de medidas para reforçar a instituição familiar e para apoiar o indivíduo.

[13] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. de João Baptista Machado. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1984, p. 374-376.

[14] CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 225, pondera que “a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios”.

[15] PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. La tercera generación de derechos humanos. Madrid: Tecnos, 1990, p. 75-77.

[16] GOYARD-FABRE, Simone. L’état. Paris: Armand Colin, 1999, p. 84.

[17] MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional. 9. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, Tomo IV, p. 84.

[18] PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Op. cit., p. 52-53.

[19] MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 85.

[20] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro: parte especial - artigos 121 a 249. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 2, p. 969.

[21] Idem, ibidem, p. 981.

[22] Sobre a expansão do Direito Penal, vide SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002; GRACIA MARTIN, Luis. Prolegómenos para la lucha por la modernización y expansión del derecho penal y para la crítica del discurso de resistencia. 1ª. ed. Valencia, 2003 e HASSEMER, Winfried. Crisis y características del moderno derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde. Madrid. Actualidad Penal, n. 43-22, p. 635-646, 1993.

[23] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no Direito Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 274-275.

[24] PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 171.

[25] MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal. Barcelona: Bosch, 1975, p. 59-60.

[26] ROXIN, Claus. Derecho penal – parte general. Madrid: Civitas, 1997, t. I, p. 65; e BITENCOURT, Cezar Roberto. Lições de Direito Penal – Parte geral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 32, neste sentido, leciona que o princípio da intervenção mínima orienta todo o poder incriminador do Estado, e preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social se revelarem suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que deverão ser empregadas e a não as penais. Por isso, reitera-se que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.

[27] PRADO, Luiz Regis, Bem jurídico-penal e Constituição. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 72.

[28] COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 120.

[29] GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 64.

[30] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 229.

[31] BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Trad. Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, v. 1, p. 100-101.

[32] Idem, ibidem, p. 101.

[33] MONTESQUIEU, Charles Louis de. O espírito das leis. São Paulo: Martins, 1996, p. 198.

[34] SILVA FRANCO, Alberto. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais. 2000, p.67.

[35] PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 73.

[36] HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción a la Criminología y al Derecho Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1989, p. 102.

[37] WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Trad. Bustos Ramíres e Yánez Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1970, p. 15. Segundo a concepção dos valores ético-sociais da ação de Welzel, a ameaça penal deve contribuir para assegurar os interesses individuais e coletivos fundamentais, através do valor-ação. Daí ser o delito formado de um desvalor da ação e de um desvalor do resultado.

[38] LISZT, Franz von. Tratado de Derecho Penal. Trad. L. Jimenez de Asúa. 3. ed. Madrid: Reus. t. 2, s.d., p. 6.

[39] POLAINO NAVARRETE, Miguel. El bien jurídico en el Derecho Penal. Sevilha: Public de la Universidad, 1974, p. 21-22.

[40] PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 21.

[41] RIPERT, Georges. Le regime democratique et le droit civil moderne. Paris: Libr. Generale de Droit et de Jurisprudence, 1936, p. 26.

[42] RADBRUCH. Gustav. Filosofia do Direito. 4. ed. Coimbra: Arménio Amado-Editor, 1961, p. 112-115, leciona que a obra do filósofo inglês Herbert Spencer, The Synthetic Philosophy, (1896), é inseparável da ideologia do progresso, da ideia de um desenvolvimento progressivo e do evolucionismo cultural e social, que marcou o século XIX.

[43] Friedrich Wilhelm Nietzsche, quando da elaboração de sua obra A Genealogia da Moral (Cf. Zur Genealogie der Moral: Eine Streitschrift, 1887), criticou a moral vigente a partir do estudo da origem dos princípios morais que regem o ocidente desde Sócrates (Cf. WELZEL, Hans. Introducción a la Filosofía del Derecho. 2. ed. Madrid: Aguilar, 1971, p. 70-75).

[44] RIPERT, Georges. Op. cit., p. 26-27.

[45] Idem, ibidem, p. 29.

[46] LISZT, Franz von. Op. cit., p. 6.

[47] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 4, p. 228; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito penal – curso completo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 552-553; PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal brasileiro: parte especial - artigos 121 a 249. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 2, p. 973.

[48] MAGGIORE, Giuseppe. Direito Penale. 5. ed. Bolonha: Nicola Zanelli, 1951, v. 2, t. 2, p. 681-682.

[49] SOLER, Sebastian. Derecho penal argentino. 5. ed. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992, p. 401-402 alerta que, na Argentina, ao discutir-se no Congresso a elaboração da lei penal (n.º 13.944) que criminalizava o descumprimento dos deveres de assistência, surgiram algumas reservas sobre a necessidade de usar a ameaça criminal para o cumprimento dos deveres, tradicionalmente, mantidos e realizados no campo civil, cujas violações acarretam somente consequências de outro caráter (como, por exemplo, a perda do poder familiar).

[50] Neste sentido: BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 229; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Op. cit., p. 552; PRADO, Luiz Regis, Op. cit., p. 973; NUCCI, Guilherme de SOUZA, Código penal comentado. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 1045; GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 7. ed. Niterói: Impetus, 2013, p.785; MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte especial. Arts. 235 a 361 do CP. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2013, v. 3, p. 28-29; DELMANTO, Celso... [et al]. Código penal comentado. 7. ed. Rio de janeiro: Renovar, 2007, p. 640-641.

[51] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, v. 3, p. 127.

[52] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Op. cit., p. 28-29.

[53] Justa causa neste caso é elemento normativo do tipo, que encerra referência específica à possível concorrência de uma causa de justificação. Embora diga respeito à ilicitude, a expressão sem justa causa é elemento do tipo, posto que, havendo justa causa, tornar-se-á a conduta atípica e permitida (Cf. PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 973).

[54] É mister atentar a que, falando em subsistência, não esta se referindo a alimentos, cujo âmbito é mais amplo que o daquela, pois não comporta apenas os meios necessários à vida, mas também outros, como o necessário à educação, instrução, etc. A lei penal tem em vista o mínimo. (Cf. MAGALHÃES NORONHA. Edgard. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1961, v. 3, p. 436). Neste sentido, nos dizeres do tipo penal “não lhes proporcionando os recursos necessários” refere-se àquilo que é estritamente necessário à sobrevivência da pessoa, e não no sentido de “alimentos” do Direito Civil (Cf. HUNGRIA, Nelson. Op.cit., p. 427). De igual maneira, a noção de subsistência é mais restrita do que a de alimentos, no campo do direito privado, restringindo-se às coisas estritamente necessárias para a vida, isto é, indispensáveis para a subsistência humana, como alimentação, remédios, vestuário e habitação (MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. Turim: Editrice Torinense, 1950. v. 7. § 2.843, p. 819.

[55] Verifica-se a justa causa, por exemplo, quando houver a impossibilidade material de prover a obrigação, por desemprego ou doença (Cf. MAGGIORE, Giuseppe. Op. cit., p. 678-681).

[56] Neste sentido: BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 229; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Op. cit., p. 552; PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 973; NUCCI, Guilherme de SOUZA, Op. cit., p. 1045; GRECO, Rogério. Op. cit., p.785; MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Op. cit., p. 28-29; DELMANTO, Celso... [et al]. Op. cit., p. 640-641.

[57] SOLER, Sebastian. Op. cit., p. 405; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., p. 129; MAGALHÃES NORONHA. Edgard. Op., cit., p. 442.

[58] Súmula 309 do STJ dispõe que: o débito alimentar que autoriza a prisão do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.

[59] Exposição de Motivos da parte especial do Código Penal: Item nº. 79: (...) Para a conceituação do novo crime, a legislação comparada oferece dois modelos: o francês, demasiadamente restrito, e o italiano, excessivamente amplo. Segundo a lei francesa, o crime de abandono de família é constituído pelo fato de, durante um certo período (três meses consecutivos), deixar o agente de pagar a pensão alimentar decretada por uma decisão judicial passada em julgado. É o chamado abandono pecuniário. Muito mais extensa, entretanto, é a fórmula do Código Penal italiano, que foi até a incriminação do abandono moral, sem critérios objetivos na delimitação deste. O projeto preferiu a fórmula transacional do chamado abandono material. Dois são os métodos adotados na incriminação: um direto, isto é, o crime pode ser identificado diretamente pelo juiz penal, que deverá verificar, ele próprio, se o agente deixou de prestar os recursos necessários; outro indireto, isto é, o crime existirá automaticamente se, reconhecida pelo juiz do cível a obrigação de alimentos e fixado seu quantum na sentença, deixar o agente de cumpri-la durante 3 (três) meses consecutivos (...).

[60] JESCHECK, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, 4. ed. Granada: Editorial Comares, 1993, p. 547. Preleciona que as normas jurídicas são normas proibitivas ou preceptivas (mandamentais). Enquanto pelas proibitivas se veda uma ação determinada, ou seja, se ordena uma omissão, de forma que a infração jurídica consiste na realização da ação proibida, mediante as normas preceptivas, se ordena uma ação determinada, esse solicita assim um fazer positivo, de forma que a infração consiste na omissão desse fazer.

[61] PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 972.

[62] COSTA JR., Paulo José da. Op. cit., p. 553.

[63] Nesta linha: GRECO, Rogério. Op. cit., p. 785; MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Op. cit., p. 28-29; DELMANTO, Celso... [et al]. Op. cit., p. 640-641; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., p. 129; MAGALHÃES NORONHA. Edgard. Op. cit., p. 442; BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 229; COSTA JR., Paulo José da. Op. cit., p. 552; PRADO, Luiz Regis, Op. cit., p. 973; NUCCI, Guilherme de SOUZA, Op. cit., p. 1045;

[64] Admitindo a tentativa vide Luiz Regis, Curso de Direito Penal brasileiro: parte especial - artigos 121 a 249. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 2, p. 974.

[65] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

[66] HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romão Cortes de. Op. cit., p. 416.

[67] O Projeto de Lei (PLS 236) encontra-se disponível, na íntegra, em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/06/pdf-veja-aqui-o-anteprojeto-da-comissao-especial-de-juristas>. Acesso em 04/jun/2013.


Autores

  • Gerson Faustino Rosa

    Doutor em Direito. Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo-SP. Mestre em Ciências Jurídicas. Centro Universitário de Maringá-PR. Especialista em Ciências Penais. Universidade Estadual de Maringá-PR. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho-RJ. Graduado em Direito. Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente-SP. Professor de Direito Penal e Coordenador dos cursos da área jurídico-penal da Uniasselvi. Professor de Direito Penal nos cursos de pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá, da Escola Superior da Advocacia, da Escola Superior da Polícia Civil e da Escola Superior em Direitos Humanos do Estado do Paraná, da Unoeste, do Cesumar, da Univel-FGV, da Fadisp, da Unipar, do Integrado e da Faculdade Maringá. Professor de Direito Penal nos cursos de graduação da Universidade Estadual de Maringá-PR (2014-2019). Professor de Direito Penal e coordenador da pós-graduação em Ciências Penais da Universidade do Oeste Paulista (2016-2019). Professor de Direito Penal na Uniesp de Presidente Prudente-SP (2013-2016). Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Penal e Segurança Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Penal e Direito Penal Constitucional.

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  • Gisele Mendes de Carvalho

    Gisele Mendes de Carvalho

    Pós-doutora e Doutora em Direito pela Universidade de Zaragoza (Espanha). Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá (PR). Professora Adjunta de Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá (PR) e no Mestrado do CESUMAR - Maringá (PR).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Gerson Faustino; CARVALHO, Gisele Mendes de. Crime de abandono material e intervenção mínima: os limites da atuação do direito penal na proteção da família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6045, 19 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63220. Acesso em: 19 abr. 2024.