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Cuidado com os empréstimos

Cuidado com os empréstimos

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“A meu ver, senhor, os que pedem empréstimos são muito desgraçados;
tem que suportar coisas estranhas quando se vêem obrigados
a cair nas mãos de uns agiotas sem alma.”

(palavras de Flecha, personagem da comédia O Avarento, de Molière)

Sempre na história da humanidade apareceram homens que se aproveitam das necessidades e dificuldades financeiras dos outros, para obterem vantagens, através de empréstimos de dinheiro. Isto ainda é muito aplicado hoje em dia, eis que há escassez de dinheiro circulante nas mãos da população, em especial do piauiense, ocasionado pelo atraso no pagamento dos funcionários públicos estaduais e principalmente pelo desemprego.

Ocorre que, quando um cidadão resolve pedir dinheiro emprestado, mal sabe ele que pode cair nas mãos astuciosas e gananciosas de agiotas, que aplicam juros sobre empréstimo de forma astronômica e imoral e que utilizam-se desta prática como um meio de vida capaz de mantê-lo financeiramente e proporcionar-lhe um enriquecimento ilegal baseado no empobrecimento de outros.

Os agiotas seguem um procedimento comum. Primeiro resguardam-se, exigindo do futuro devedor um título, que pode ser um cheque ou uma nota promissória, assinado em branco. Depois, com tal documento nas mãos, começam a cobrar juros altíssimos, que manterá o devedor obrigado a pagar uma dívida interminável.

O devedor oprimido, porém, pode recorrer ao judiciário, através da ação ordinária de anulação de título de crédito e da ação de restituição de indébito.

A anulação de título de crédito pode ser requerida quando se manifesta contrariedade aos requisitos inerentes aos títulos de crédito em relação ao preenchimento do valor real, em algarismos e por extenso. O Supremo Tribunal Federal, em súmula nº 387, afirma que “a cambial emitida e aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa fé antes da cobrança ou do protesto”, entendendo-se que, se o agiota preenche o título aplicando juros exorbitantes e divergentes da realidade econômica do país, cabe medida de anulação.

A restituição de indébito é cabível quando ocorre pagamento indevido, como preceitua o Código Civil em seu artigo 964, primeira parte: “Todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir”. O pagamento indevido, segundo a doutrina, possibilita ao lesionado exigir o restabelecimento de seu patrimônio, até o montante pago indevidamente, fundamentado no princípio do enriquecimento sem justa causa, segundo o qual ninguém pode enriquecer à custa alheia, sem causa que o justifique.

Por fim, fica um alerta para a população: nunca assinar qualquer título de crédito em branco. Se houver necessidade de recorrer a empréstimos, procurar pessoas conhecidas e de confiança. Se for preciso assinar algum documento de garantia, preencher todos os seus requisitos.


Quando um cidadão assume uma dívida com o agiota, este último passa a lhe cobrar cifras, que não condizem com os juros legais nem correspondem à realidade financeira do país. Esta prática caracteriza um típico caso de Usura, onde se configura outros crimes: o Estelionato e a Extorsão.

Determina o Decreto nº 22.626 de 1993, em seu art. 1º, que "é vedado, e será punido nos termos desta Lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores a dobro da taxa legal", como forma de regular, impedir e reprimir com normas severas os abusos praticados pela usura. Seu art. 13 considera delito a prática de usura, punível com prisão de seis a um ano e multa.

Também a Lei nº 1.521/51, que se refere aos crimes contra a Economia Popular, também considera como crime a prática de usura, de acordo com seu art. 40, punível com detenção, de 6(seis) meses a 2(dois) anos, e multa. A Usura se manifesta, segundo o citado texto legal, das seguintes formas: a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superior à taxa prevista em lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito; e, b) obter, ou estipular em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Ainda de acordo com a Lei nº 1.521/51, a estipulação de juros ou lucros usuários será nula, devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros legais a contar da data do pagamento.

O estelionato se manifesta no momento em que o Agiota procede com a informação dos valores adulterados da dívida, ou seja, a dívida que fora contraída num valor é apresentada em outro. Aqui, diferentemente do furto ou apropriação indébita, o criminoso leva a vítima ao erro através de fraude, abusando da confiança depositada por ela naquela. A vítima consente em despojar de seus haveres, induzida por fraude. O estelionato emprega a argúcia, de diversas maneiras, para iludir a vítima e conduzi-la ao erro. E é isso que ocorre na usura.

Quanto à extorsão, ela se manifesta a pouco tempo depois, quando a agiota força o devedor a transferir seus bens ou fazer pagamentos indevidos, através da força e do medo. A consumação do delito de extorsão é o momento do constrangimento, independentemente de vir o sujeito ativo a obter a vantagem patrimonial pretendida.

Assim, a vítima destes aludidos acima, podem buscar guarita na justiça, promovendo a penalização do criminoso, junto aos Delegados de Polícia e ao Ministério Público. Defenda seu dinheiro e busque a garantia de seus direitos.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Eduardo Albuquerque Rodrigues. Cuidado com os empréstimos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 1, n. 3, 15 dez. 1996. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/640. Acesso em: 29 mar. 2024.